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Daquilo que não se sabe bem o que é: a


indeterminação como poder nos mundos
afroindígenas1

Marina Vanzolini
Universidade de São Paulo, São Paulo, São Paulo, Brasil

DOI: 10.11606/issn.2316-9133.v23i23p271-285 and Afro-Brazilian religions is a conception of


knowledge, rather than conceptions of the world.
resumo Tendo como ponto de partida uma The aim is not to affirm a common nature for
comparação entre modos de fazer e pensar a feitiça- these collectivities, but to observe how  it seems
ria num contexto ameríndio e em algumas casas de possible to speak of an afroindigenous thought  in
religião de matriz africana no Brasil, o artigo propõe contrast to our own thought regime - as something
uma conexão entre o que, para a economia do argu- that canonlybe common in opposition to a certain
mento aqui apresentado, defini como “os mundos aspect of “us”.
do axé” e “os mundos perspectivistas” ameríndios. A keywords Amerindian ethnology; Amerindian
hipótese desenvolvida é que, mais do que uma con- perspectivism; African-matrix religions in Brazil;
cepção do mundo, o que pode ser comparável nos Axé; Comparison.
universos ameríndios e nas religiões afro-brasileiras
é uma concepção do conhecimento. Com isso não No hay nada que entender. El entendimento es
se pretende afirmar uma natureza comum desses co- sólo un assunto pequeño, pequeñísimo.
letivos, mas observar como, em contraste com nosso
regime de pensamento, parece ser possível falarmos Carlos Castaneda, Una Realidad Aparte 
de um pensamento afroindígena – algo que só seria
comum, pois, em oposição a certo aspecto de “nós”. Este trabalho é uma tentativa de organizar
palavras-chave Etnologia americanista; algumas ideias que esbocei nos últimos anos,
Perspectivismo ameríndio; Religiões de matriz afri- ao desenvolver uma pesquisa comparativa en-
cana no Brasil; Axé; Comparação. tre povos ameríndios e coletivos ligados às re-
ligiões de matriz africana no Brasil, pesquisa
About what we don’t know well what it is: cujo eixo inicial era uma comparação entre os
indeterminacy as power in afroindigenous modos de fazer e pensar a feitiçaria em cada um
worlds desses contextos, tendo como ponto de parti-
da minha própria etnografia dos Aweti, grupo
abstract Starting with a comparison be- tupi do alto Xingu (FIGUEIREDO, 2010).
tween forms of doing and thinking sorcery in an O pequeno trecho de um diálogo entre
Amerindian context and in some African matrix Carlos Castaneda e seu mestre Don Juan que
religious houses in Brazil, this article suggests a escolhi como epígrafe aparece no segundo
connection between what I define, for the argu- livro da série sobre a iniciação do autor nas
ment’s purpose, as “axé worlds” and Amerindian artes do peyote e outras substâncias aluci-
“perspectivist worlds”. The hypothesis is that what nógenas. Cansado das perguntas ansiosas do
can be compared between Amerindian universes aprendiz, Don Juan despreza a curiosidade

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intelectual de Carlos, ou simplesmente tenta em que Carlos se iniciava, e sua crítica se dirige
acalmá-la, argumentando: No hay nada que antes a algo mais específico, que ali ele denomi-
entender. El entendimento es sólo un asunto na entendimiento.
pequeño, pequeñísimo. Não tenho nenhum
interesse aqui em julgar a validade desse ou Comparar
de outros relatos de Castaneda como docu-
mento etnográfico; ele me interessa apenas Não se trata aqui, certamente, de afirmar
porque capta algo ao mesmo tempo simples uma natureza comum (qualquer que seja a
e difícil de precisar que identifico no mundo natureza dessa natureza) a coletivos afro-brasi-
Aweti, o universo indígena com o qual tenho leiros e indígenas, mas de observar como, em
(ou busco, sem cessar) alguma familiarida- contraste com nosso regime de pensamento, parece
de, e que é meu ponto de partida na reflexão ser possível falarmos de um pensamento afroin-
aqui proposta. Esse algo diz respeito ao modo dígena – algo que só é comum, pois, em oposi-
como os Aweti me parecem pensar o conheci- ção a certo aspecto de “nós”. Do mesmo modo,
mento: não porque eles não valorizem o saber cada segmento desse termo composto só ad-
que se pode ter sobre as coisas; mas porque quire unidade em seu confronto: a diversidade
suas ideias sobre o que é o conhecimento, e afro é intencionalmente eclipsada em sua jus-
o que ele possibilita ou implica, me parecem taposição à diversidade indígena – e vice-versa.
ser bastante diferentes das nossas. Esse procedimento, no entanto, não difere
Pesquisas comparativas costumam ser sem- em princípio daquilo que fazemos todo o tem-
pre um pouco mais arriscadas, pois nas compa- po como antropólogos – descrever os mundos
rações tende a haver um campo que se conhece dos outros é sempre um procedimento compa-
muito menos, em geral apenas superficialmen- rativo, que consiste em investigar, ou imaginar,
te, e esse é obviamente o caso da leitura que que respostas dariam se fizessem as mesmas per-
proponho sobre religiões de matriz africana. guntas que nós, como resume Strathern (1988);
A hipótese aqui, em todo caso, é que a observa- na formulação de Viveiros de Castro (2004), a
ção de Don Juan pode dizer também algo sobre antropologia é sempre (ou deveria ser) um em-
a forma do conhecimento nesse outro contex- preendimento de equivocação controlada, em
to. Marcio Goldman me chamou a atenção re- que mobilizamos nossa linguagem conceitual
centemente para o fato de que no mundo das para dar conta de objetos que por definição não
religiões de matriz africana a frase de Don Juan podem ser definidos por meio dela, de tal for-
pode parecer completamente deslocada: sabe- ma que é preciso sempre explicitar que nossos
mos que, nessas religiões, grande parte da vida conceitos, quando aplicados numa etnografia,
gira em torno do controle sobre um conheci- são extensões de nossa linguagem usual para
mento altamente especializado (veja-se, por falar de algo diferente daquilo a que se referem
exemplo, a etnografia de Holbraad, 2012 sobre em nosso mundo. Falamos de parentesco indí-
o jogo de Ifá, em Cuba). Mais uma vez, contu- gena porque identificamos alguma semelhança
do, o que creio estar em jogo não é o valor dado entre o que é descrito e o que nós reconhece-
ao conhecimento, mas a forma que ele toma mos como parentesco entre nós, mas é preciso
em diferentes regimes de existência. Arriscaria saber que numa etnografia a palavra parentesco
dizer até que o próprio Don Juan sabia bem a deve significar algo consideravelmente distinto
importância do conhecimento para as práticas do que significa para nós, algo que precisa ser

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descrito: parentesco indígena. Assumir o cará- afro-brasileira – a etnografia de Edgar Barbosa


ter comparativo de toda antropologia implica Neto (2012. Ver também neste volume) sobre
reconhecer, enfim, que não é possível descrever algumas “casas de religião” em Pelotas, no Rio
qualquer coisa se não a partir de algum lugar Grande do Sul, me forneceu excelente material
e de problemas específicos, com uma lingua- para isso (VANZOLINI, 2011). Pareceu-me,
gem específica. Daí a insistência de Viveiros de então, que, considerando as imensas diferenças
Castro quanto à necessidade de se controlar o entre esses regimes de agressão mágica, o que se
equívoco – isso que nós chamamos de parentes- tornava comparável eram as dinâmicas cosmo-
co, e aquilo identificamos no mundo indígena, políticas associadas num e noutro caso a algo
são de fato a mesma coisa? que podíamos reconhecer (seguindo as con-
A questão então talvez seja: por que não ceptualizações nativas, é claro) como “feitiço”.
comparar, se comparar é o que fazemos sem- Em ambos os casos, me parecia haver uma a
pre, ainda que, muitas vezes, com muito pou- dinâmica similar entre processos de identifica-
co controle sobre isso? A diferença entre uma ção-aproximação e processos de diferenciação-
comparação como a que proponho aqui e -distanciamento. Retomo brevemente o caso
aquela implicada em qualquer descrição etno- xinguano.
gráfica me parece residir, basicamente, no grau Enquanto técnica, a feitiçaria xinguana
de complexidade: por um lado, torna-se mais pode ser descrita como um processo de apro-
difícil controlar a distância entre etnografia e ximação excessiva que resulta numa forma de
generalização – os saltos da análise se tornam consubstancialização entre o feiticeiro e enfei-
mais perigosos, o perigo da “equivocação des- tiçado. Dessa forma, assim como um feiticeiro
controlada” aumenta; por outro lado, corre-se utiliza partes destacadas do corpo da vítima
o risco – salutar, a meu ver – de que novos pro- (cabelo, unhas, roupas, restos de comida) para
blemas e novas formulações analíticas sejam su- produzir o feitiço amarrado, na feitiçaria de
geridos pelo confronto, não apenas com outro vingança realizada pelos parentes de uma ví-
material etnográfico, mas também com outra tima de enfeitiçamento, quando este resulta
tradição teórica. em morte, partes do corpo da própria vitima
A aposta deste projeto comparativo nunca são usados para atingir o feiticeiro. Essa for-
foi, portanto, encontrar um fundo comum à ma de identificação, que faz com que a ação
feitiçaria em diversas partes do mundo, e me- sobre um corpo ou fragmento corporal afe-
nos ainda forjar uma tipologia que permita te uma outra pessoa, é em tudo semelhante
análises transversais entre campos distintos – àquela existente entre certos tipos de parentes,
do tipo “a feitiçaria é”, “o parentesco é”, “a po- que devem jejuar e deixar de exercer inúme-
lítica é”… A proposta aqui é testar a potência ros tipos de atividade em ocasiões especiais, a
de um entrecruzamento etnográfico-teórico. O fim de preservar a saúde de um irmão, pai ou
valor da comparação só poderá ser julgado, afi- filho, por exemplo. Mas se o feitiço xingua-
nal, pelos seus resultados: ela fornece alguma no atua como uma forma de parentesco – ou
intuição nova? o parentesco como uma forma de feitiço; al-
O primeiro passo desta reflexão se deu, guns autores vêm assinalando este ponto: ver
como disse, num contraste entre minha des- Wagner (1967), Viveiros de Castro (2009),
crição da feitiçaria xinguana e modos de ope- Sahlins (2011) –, ele é obviamente uma forma
ração do “feitiço” num contexto de religião alternativa ou pervertida da relação normal de

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influência, pois é empregado justamente ali suas divindades pessoais são feitos no processo
onde o parentesco, com suas complexas expec- da iniciação, e uma conexão física muito ínti-
tativas de conduta, falhou. Do ponto de vista ma é estabelecida entre eles, por meio dos ob-
do feiticeiro xinguano, a feitiçaria seria uma jetos do assentamento (GOLDMAN, 2005).
vingança por uma comida negada, uma fofoca Mas tornar-se parente de uma divindade, ou
injusta, uma traição conjugal. Mas a verdade simplesmente aproximar-se dela de modo a po-
é que, neste universo onde ninguém se anun- der usufruir de sua força, é também tornar-se
cia feiticeiro, dificilmente teremos acesso ao vulnerável à sua ação ou à ação de uma pessoa
ponto de vista de quem faz um feitiço. Para o por meio dela – Wafer (1991), Barbosa Neto
enfeitiçado e aqueles que se compadecem de (2012), Siqueira (2012); para um contexto dis-
seu sofrimento, o feitiço é uma prova de que tinto mas “aparentado”, ver a bela descrição de
aquele de quem se esperava afeto, ao contrário, Ochoa (2010) sobre a relação de um praticante
nutre maus sentimentos por parentes por vezes do palo cubano com sua prenda. Não é difícil
bastante próximos. É preciso ser parente no relacionar esta dinâmica àquela do parentesco
alto Xingu para se desaparentar por meio do no Alto Xingu, e à consequente instabilidade
feitiço, porque são as frustrações da vida coti- dos coletivos compostos em tais relações.
diana que conduzem ao feitiço. Mas o feitiço O caráter instável ou sempre inacabado
opera, de forma perversa, um outro tipo de das relações entre humanos e deuses no uni-
aparentamento-influência. Em termos de di- verso ligado às religiões de matriz africana no
nâmica sociopolítica, isso significa que o con- Brasil ressoa também como instabilidade das
tínuo processo de construção e manutenção relações humanas e das próprias estruturas so-
das relações entre parentes produz constante- ciais e cosmológicas em que operam tais reli-
mente seu inverso, instaurando assim um ciclo giões. Penso, por exemplo, nos aparentemente
de eternas aproximações e distanciamentos. comuns casos de abandono de terreiro e de
Os termos envolvidos na feitiçaria associa- mãe ou pai de santo, associados a relações pro-
da às religiões de matriz africana no Brasil são blemáticas dos sacerdotes com as divindades
consideravelmente distintos. Ainda que cer- de seus filhos de santo (WAFER, 1991), ou
ta proximidade entre as pessoas seja relevante na possibilidade de que as próprias divinda-
para as práticas de malefício – é preciso ter um des questionem decisões tomadas pelos chefes
bom motivo para enfeitiçar alguém, e os bons de culto (SIQUEIRA, 2012). Wafer, que faz
motivos surgem nas disputas da vida cotidia- etnografia de alguns terreiros na periferia de
na – me parece mais significativo o elemento Salvador, nota também o fato de que um corpus
de risco envolvido nas relações entre pessoas e mitológico pouco coeso, em que mitos distin-
as divindades das quais se aproximam, geral- tos traçam para as mesmas divindades relações
mente, pelos processos de iniciação ritual; mas ora de descendência, ora de germanidade, ora
não necessariamente desta forma, como mostra de aliança matrimonial, ora de inimizade, tor-
Siqueira (2012). O laço de mútua constituição naria impossível fixar hierarquias e limites rígi-
criado na relação desenvolvida entre uma pessoa dos de domínios entre as próprias divindades.
e os espíritos é geralmente pensado como filia- Além disso, os valores atribuídos às coisas da
ção. Ao menos no caso dos orixás (uma vez que religião também podem variar: contrariando
com exus, caboclos, eguns e outros, isso pode o mais comumente aceito, por exemplo, há
ser diferente), tanto o filho de santo quanto quem diga que os terreiros pequenos são os

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que concentram mais axé, porque dispersam sempre compartilhar com os espíritos os ob-
sua força menos do que os terreiros grandes jetos recebidos em pagamento pelos serviços
(WAFER, 1991). A bela etnografia de Siqueira que prestam. Por outro lado, parecem ser co-
(2012) em uma região do sul da Bahia mostra muns no xamanismo amazônico casos em que
que ali nenhum vínculo entre humanos, e des- o xamã se identifica tão profundamente com
ses com espíritos, está dado definitivamente. seus aliados que termine deixando de reconhe-
O parentesco (de santo) naqueles povoados cer seus próprios parentes humanos. Ainda que
pareceria tão sujeito a rearranjos contínuos e o primeiro risco seja relacionado à vingança do
inversões como em qualquer aldeia tupi. aliado contra o xamã, e o segundo, ao excesso
Evidenciando a estreita conexão entre os de identificação entre eles, o processo resul-
modos relacionais humanos e destes com não tante é similar: adoecer ou identificar-se com
humanos na feitiçaria, o material sobre religi- o espírito aliado implicam, igualmente, numa
ões de matriz africana insere em uma dimensão alteração perceptiva do humano, que deixará
propriamente cosmopolítica a sociopolítica que de ver e viver com seus parentes humanos.
o caso xinguano me permitia ver. Com efeito, Considerando tais associações entre as des-
o regime do feitiço no mundo afro-brasileiro, crições sobre feitiçaria nas religiões de matriz
se lembra o que se passa no Alto Xingu com africana e a ação xamânica na Amazônia, era
respeito às motivações que levam ao malefício, preciso repensar o interesse de manter o foco
remete, no que diz respeito às formas de ação, da análise na noção de feitiço. Rapidamente,
mais às relações com os espíritos no xama- tornou-se evidente que, nos dois universos tra-
nismo, não apenas no mundo xinguano, mas tados, a dinâmica cosmopolítica que eu pro-
na Amazônia indígena de modo geral. Assim curava descrever não podia se resumir ao que
como se passa com as entidades de uma pessoa reuni inicialmente sob tal categoria, mas apon-
nas religiões de matriz africana, os aliados não tava para algo mais geral daqueles mundos.
humanos do xamã também podem representar Minha hipótese aqui é que esse algo mais geral
para ele diversos perigos e requerem uma série está associado não apenas à ontologia desses co-
de cuidados. Os xamãs xinguanos se iniciam letivos, isto é, ao modo como produzem e pen-
quase sempre em resposta a um adoecimento, sam o mundo, mas também à sua epistemologia,
que marca o primeiro passo de um processo de ou o modo como produzem e pensam o co-
aproximação do espírito com o humano – pro- nhecimento. Melhor dizendo, o que me inte-
cesso comum a outras partes da Amazônia. Os ressa apontar é a relação intrínseca entre teoria
espíritos se apaixonam pelos humanos, dizem do conhecimento e imagem do mundo. É essa
os Aweti, e por isso se acercam deles. Do ponto ideia que desejo desenvolver aqui, a partir de
de vista humano, contudo, essa aproximação uma intuição sobre certa relação entre a noção
representa um afastamento de sua alma, levada de axé, conceito central dos mundos religio-
pelo espírito que a deseja e, logo, o adoecimen- sos afro-brasileiros, e o que Viveiros de Castro
to. A iniciação controla e reverte esse proces- (1996) e Lima (1996, 1999) definiram como
so, fazendo com que o espírito passe a atuar caráter perspectivista dos mundos ameríndios.
como auxiliar do xamã. Trata-se, contudo, de Quero lembrar, por fim, que a comparação
um equilíbrio instável, e os xamãs Aweti nunca entre coletivos relacionados a religiões de matriz
descuidam seus auxiliares, sob o risco de sofrer africana e coletivos indígenas não é puramen-
sérias consequências – é preciso, por exemplo, te aleatória: como dito, ela parte da percepção

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intuitiva de características que, em oposição a O axé pode ser, dessa forma, aquilo que per-
um terceiro regime de pensamento (o nosso) mite o encadeamento entre o que Bastide iden-
revelam semelhanças interessantes. Nesse sen- tifica como princípios de participação e corte
tido, este trabalho pode ser visto como um es- na cosmologia do Candomblé: por um lado,
forço para imaginar quais seriam as condições o axé conecta tudo o que existe; por outro, di-
de tradutibilidade e os limites entre dois regi- ferencia lugares, objetos e pessoas – um terrei-
mes de pensamento. Mais importante é o fato ro, uma região da paisagem, um canto de um
de que no Brasil, como em diversas partes da orixá são axés específicos. Apontando as zonas
América, esses coletivos de fato se encontraram de indiscernibilidade entre os orixás, ou mais
e conformam regimes de vida bastante variados bem entre suas diferentes “qualidades” e, sobre-
– um campo ainda por desbravar, e com o qual tudo, entre suas infinitas individuações como
este projeto puramente teórico terá sempre que “orixá pessoal” de um iniciado, Goldman en-
buscar diálogo, testando sua pertinência para tende que as entidades não representam termos
pensar os casos reais de encontro2. discretos arranjados num esquema fixo, mas
modulações da força geral do axé, cortes num
O axé e o xamã fluxo contínuo. Como lembra o autor, Bastide
já notava que o Candomblé constitui menos
Imagino que a proposta de uma compara- um sistema cosmológico de classificações que
ção entre o mundo do axé e os universos ame- um sistema de manipulações (BASTIDE,
ríndios pareça especialmente arriscada para 1958, apud GOLDMAN, 2005). Por meio de
as pessoas familiarizadas com as religiões de operações rituais, o axé poderia ser controlado,
matriz africana. A multiplicidade de significa- aumentado ou diminuído, ou mesmo ter sua
dos do termo axé encontrada nas etnografias é potência invertida, provocando debilidade em
tamanha, que a tentativa de síntese apresenta- lugar de força (ver Barbosa Neto (2012) para a
da aqui, baseada em um número limitado de noção de axé de miséria).
leituras e nenhuma experiência de campo, não Ora, entendido como força que opera, a
tem obviamente a pretensão de dar conta de um só tempo, a conexão e a diferenciação en-
todos os seus sentidos ou contextos de aplica- tre coisas e pessoas, o axé orienta as religiões
ção. É essa própria multiplicidade que me inte- de matriz africana para o desenvolvimento
ressa, no entanto, como ficará claro adiante. Se de mecanismos de controle das conexões en-
bem entendo, pois, o termo axé pode ser usado tre os diversos elementos e partes do cosmo,
para designar tanto uma força geral e comum a num regime comparável àquele em que, entre
todos os seres do cosmos, quanto a força espe- povos indígenas da América do Sul, se dão as
cífica de um elemento ou lugar: pode-se dizer transformações xamânicas. Mas seria possível
que um terreiro ou casa de religião tem um axé encontrar, inversamente, entre os povos ama-
particular; as divindades têm axé e, cada uma, zônicos, algum princípio de participação com-
o seu axé; e o mesmo termo também pode parável ao axé associado ao regime de alteração
predicar rezas, toques de tambor, alimentos próprio ao xamanismo?
ou outros elementos da natureza que lhes são O potencial de transformação xamânica
associados – Wafer (1991), Goldman (2005), dos mundos ameríndios está associado ao que
Barbosa Neto (2012). foi descrito por Viveiros de Castro (1996)
e Lima (1996) como o caráter perspectivo

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daqueles universos: ao menos potencialmen- humano visível apenas para seus semelhantes,
te, animais, plantas, objetos e outros entes não me parecem creditar essa humanidade à
sobrenaturais, apesar da maneira vegetal, ani- existência de nenhum componente da pessoa
mal, inanimada ou invisível pela qual se apre- compartilhado entre humanos e não humanos.
sentam aos humanos, vivem entre si tal como O termo aweti que traduzo por “alma”, ‘ang,
os humanos e se percebem como humanos. pode significar tanto o duplo de um sujeito –
Em geral, o mundo humano, ou o mundo aquilo que pode ser “roubado” pelos espíritos
que os índios reconhecem como humano, provocando adoecimento, aspecto da pessoa
só o é para os próprios humanos. Do pon- que interage nos sonhos, ou nas viagens xa-
to de vista dos jaguares, dizem os Wari’ da mânicas – quanto a sombra ou imagem de um
Amazônia ocidental, por exemplo, os huma- ente qualquer. Dessa forma, não tem nenhum
nos são porcos, comida (VILAÇA, 1992). Ver sentido na língua aweti afirmar que uma coisa
o mundo tal qual uma determinada espécie o tem ‘ang – tudo pode vir a ter. Em todo caso,
vê implica, portanto, viver como aquela espé- é digno de nota que os Aweti não associem a
cie, e a apropriação de modos de percepção capacidade de personitude de um ente qual-
alheios engendra uma transformação do ser: quer a nenhuma propriedade do ser – isto é,
ver como os porcos, e ver-se como os por- à posse de uma alma ou duplo. Não me parece
cos se veem, equivale a habitar seu mundo tal pertinente, portanto, falar em identidade de
como eles o fazem, tornar-se porco. Assim, fundo, interior ou invisível entre as diferentes
a possibilidade de comunicação com os ani- espécies que veem a si mesmas como humanas,
mais enquanto humanos se funda numa po- como quer Descola. Se há algo que “participa”
tência de transformação dos seres, condição entre humanos e não humanos nos mundos
que faz com que todos sejam – ao menos po- ameríndios talvez seja mais um emaranhado de
tencialmente – múltiplos, trazendo em si essa conexões instáveis e parciais, continuum de di-
capacidade de tornar-se outro. ferenças que podem aumentar ou diminuir, do
Que não humanos possam, em circunstân- que uma oposição binária entre identidade in-
cias especiais, se comunicar com os humanos terior e diferença externa. Voltarei a este ponto.
como iguais não significa necessariamente, Lima (1996) e Viveiros de Castro (1996,
penso, que plantas, animais, objetos e entes 2007) oferecem uma interpretação mais inte-
monstruosos sejam humanos no fundo, ou na ressante para a relação entre a posse da alma
interioridade, sob uma exterioridade não hu- e a potência transformativa que constitui o
mana, tal como formula Descola (2005) ao cosmos perspectivista ameríndio. Essa potên-
descrever o que denomina ontologias animistas, cia deve ser pensada, sugerem os autores, como
dentre as quais estariam as ontologias indígenas efeito de uma multiplicidade interna a cada
sul-americanas. Etnografias sobre terras baixas ser, capacidade de tornar-se parcialmente ou-
sul-americanas, de fato, relatam que a posse tro. A alma é a parcela do humano que pode se
de uma alma ou duplo aparece como condi- comunicar com os não humanos como igual,
ção para a autopercepção de qualquer ser sob nos sonhos, transes xamânicos ou na doença.
a condição humana (LIMA, 1996). Não acre- Da mesma maneira, os não humanos também
dito ser esse o caso, no entanto, para os Aweti, devem ser internamente “múltiplos” – parcial-
que, se reconhecem que animais, objetos e ou- mente animais, plantas, ou outra coisa, parcial-
tros entes do cosmos levam uma vida ao modo mente gente – para manterem conexões com

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os humanos como iguais. Nesse sentido, a alma nhe’ẽ guarani, a alma-palavra, na tradução de
não tem nada a ver com identidade ou identi- Cadogan (1959) ou palavra-fluxo, na interpre-
ficação, é pura potência de alteração. Ora, essa tação dos autores. Na cosmogonia guarani, as
potência não deve ser entendida, a meu ver, divindades hoje existentes surgem numa su-
como propriedade intrínseca das coisas, mas cessão de engendramentos que têm início com
como abertura ao indeterminado. Pois o que a autocriação do demiurgo Nhanderu Ete,
resulta fundamental nessa multiplicidade in- “Nosso Pai Verdadeiro”. Esse processo coincide
terna dos seres é que ela abriga, por definição, com o engendramento, a partir da força ori-
uma potência criativa incontrolável. ginal do demiurgo, o nhe’ekuery (sendo kuery
O ponto que quero ressaltar aqui é que, um sufixo coletivizador), dos diversos nhe’e que
para os Aweti, e talvez outros povos amerín- emanam dos diferentes deuses. No nhemonga-
dios, a possibilidade de alteração perspectiva raí, o ritual de nomeação, a criança guarani re-
não precisa ser explicada com referência a uma cebe um nome que identificará de que parte do
qualidade constitutiva dos seres, ainda que cosmos advém seu nhe’e, sua “alma”, descober-
eventualmente ela possa ser referida a uma. to pelo pajé ou por um familiar da pessoa por
Essa potência teria mais a ver, sugiro, com sua meio de um sonho, ou no canto do pajé duran-
experiência de um mundo em que quase tudo te a cerimônia. Macedo e Sztutman observam
pode acontecer, e do qual, portanto, muito que, de forma análoga ao que se passa na inicia-
pouco pode ser definitivamente conhecido. Tal ção no candomblé, o ritual atesta e concretiza,
percepção transparece, por exemplo, em certas a um só tempo, a relação de participação da
fórmulas linguísticas empregadas pelos Aweti: pessoa com um domínio celeste, revelando-
para me perguntar certa vez algo que eu só -atribuindo o nhe’e que a constitui. A nomeação
poderia traduzir como “o que é” ou “de que cria ainda uma conexão especial entre a pes-
é feita” a gasolina, um Aweti formulou a frase soa nomeada e o pajé nomeador. Quando este
“karika ut gasolina?”, que literalmente significa morre, as pessoas que nomeou devem trocar
“que ex-coisa é a gasolina?”. Aquilo que imagi- de nome, pois o espectro (angue) do pajé pode
namos em termos de propriedades intrínsecas, fazer adoecer aqueles aos quais tinha maior li-
ele imaginava em termos de transformação: gação. Como o axé, pois, o nhe’e conecta certos
isso que hoje é gasolina, antes foi outra coisa. homens, lugares e deuses, diferenciando-os de
outros “coletivos de participação”, por assim
Variantes dizer. Mas aquilo que costumamos traduzir
por alma implica, na concepção indígena, uma
Ao questionar há pouco se haveria um prin- abertura para o exterior, algo que se confunde
cípio cujos efeitos seriam equivalentes àqueles apenas parcialmente com a pessoa, mas tam-
produzidos pelo axé nos mundos ameríndios, bém conduz ao mundo fora dela. De fato, os
deixei de lado uma possibilidade que resta por autores esclarecem que os nhe’ekuery também
explorar: a existência de uma força propria- vivem fora dos corpos e circulam pelo cosmos,
mente dita, comparável ao axé, no universo podendo adquirir a forma de pássaros e transi-
indígena. Num trabalho motivado pela mes- tar em sonhos e cantos xamânicos. Quando se
ma comparação que arrisco aqui, Macedo e trata do nhe’e que habita o corpo de uma pes-
Sztutman (ver neste volume) sugerem corres- soa guarani, seu distanciamento pode fazer a
pondências muito interessantes entre o axé e o pessoa adoecer ou mesmo levá-la à morte, caso

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o distanciamento seja definitivo. Assim como humano, como dá evidência o grande investi-
o axé, portanto, o nhe’e parece conjugar parti- mento dos povos das terras baixas na construção
cipação e diferenciação num regime de varia- de corpos comuns por meio da comensalidade e
ções produzidas a partir de uma força original do cuidado (cf. SEEGER et ali., 1979; VILAÇA,
que se desdobra, evidência de que a unidade 2005; GOW, 1997; para o caso xinguano, ver
original continha antes uma multiplicidade la- FIGUEIREDO, 2010). Identificados dessa
tente, e que não perde sua potência conectiva forma, os corpos passam a “participar” uns dos
(penso nos nhe’ekuéry circulando sob a forma outros de tal forma que uma pessoa deve seguir
de pássaros, estabelecendo conexões perigosas uma série de restrições alimentares e de traba-
para a pessoa ou deixando-a suscetível a tais co- lho quando um parente próximo está doente ou
nexões). Provavelmente poderíamos encontrar quando tem um bebê recém-nascido, suscetível
nas terras baixas sul-americanas outras analo- ao ataque por espíritos. Vale lembrar que a do-
gias possíveis – e parciais, é claro – para a noção ença no alto Xingu é entendida como resulta-
de axé. do do roubo da alma de um humano por um
Há ainda outra relação a ser apontada, não espírito, que a leva para viver consigo na mata
de correspondência, mas de complementari- como parente, processo simultâneo à introdu-
dade, entre esses que já não poderemos mais ção, no corpo do humano, daquelas flechinhas
definir como “regimes de pensamento” ou do espírito que, num outro contexto, devem ser
“ontologias” distintos, mas talvez como “me- introduzidas no corpo do xamã. A doença con-
canismos”. A própria forma de acionamento siste, portanto, em uma conversão inadvertida
das transformações xamânicas revela uma liga- de perspectiva associada a uma relação de par-
ção importante entre a lógica da participação ticipação descontrolada com os espíritos, pro-
implicada na noção de axé e o perspectivismo cesso que a consubstanciação em que consiste
ameríndio. Via de regra, a iniciação dos xamãs o parentesco visa controlar. Coerentemente, a
sul-americanos envolve a introdução, no cor- cura xamânica opera pela sucção e expulsão do
po do xamã, seja de objetos pertencentes aos elemento exógeno do corpo do doente. Tanto o
espíritos com quem o xamã entrará contato, parentesco, fixação de uma perspectiva comum
seja dos próprios espíritos (p.ex. CHAUMEIL, humana, quanto o xamanismo, construção de
1983; GALLOIS, 1996; CESARINO, 2011). identidade uma parcial com não-humanos, ope-
No caso xinguano, flechas minúsculas e invisí- ram por lógicas de participação3.
veis, “flechas dos espíritos” (katu’wyp) devem Se minha interpretação está correta, não
ser transmitidas do xamã iniciador ao inician- existe identidade dada, em nenhuma instância,
do por meio do sopro. O poder curativo do nos mundos perspectivistas, apenas identifica-
xamã, derivado da sua capacidade de ver ou ções provisórias, as quais resultam de participa-
ouvir esses entes normalmente invisíveis para o ções estabelecidas por fragmentos corporais e
humano comum, depende da presença de tais forças anímicas, de resto indistinguíveis uns dos
objetos em seu corpo. O poder xamânico re- outros. Mais do que regimes existenciais distin-
sulta, em suma, de uma forma de participação tos com dinâmicas similares, tal como formulei
entre o xamã e os não-humanos. anteriormente, perspectivismo e participação
A mesma lógica opera também na constru- podem ser entendidos como mecanismos com
ção das relações de identidade, aquelas em que múltiplas possibilidades de combinação num
a intenção é justamente fixar um ponto de vista mesmo mundo.

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Poder kwakiutl são bastante semelhantes, como


reconhece Viveiros de Castro (2002), aos dados
Em todo caso, minha hipótese é que, se sul-americanos que motivaram a formulação
os mundos do axé e os mundos perspectivis- da noção de perspectivismo ameríndio.
tas apresentam dinâmicas comuns, isso não O conceito de nawalak associa diretamente a
se deve à presença, em ambos, de uma força manipulação de uma força semelhante ao axé –
cósmica de natureza semelhante, nem resulta princípio comum a todos os seres do cosmos –
necessariamente da combinação entre disposi- ao controle da alteração interespecífica tal
tivos lógicos num dado contexto, mas advém como operada pelo xamã sul-americano. Mais
do caráter intrinsecamente indeterminável explicitamente, associa a potência xamânica de
do universo que esses dispositivos revelam. subjetivação à aquisição de uma força que a
Formulado de outro modo, a hipótese é que, tudo perpassa: como se o xamã fosse, por assim
mesmo nos mundos ameríndios onde não se dizer, alguém com mais axé do que os outros.
apresenta uma noção de força semelhante ao O que me parece que deve ser comparado
axé, assim como nos mundos do axé em que nos mundos perspectivistas e naqueles em que
em que não se coloca a questão da variação há a presença do axé não é apenas aquilo que a
perspectiva, certas concepções do mundo e do atividade ritual ou xamânica pressupõe, as “par-
conhecimento conduzem a dinâmicas cosmo- ticipações”, mas também seu efeito para a afir-
políticas semelhantes. mação de uma posição ativa do sujeito frente
A comparação com outro caso amerín- a outros (possíveis) sujeitos. É o caso do xamã
dio – o “pensamento religioso” dos Kwakiutl ameríndio que, de presa do espírito, torna-se
analisado por Irving Goldman (1975) a partir aliado e se converte assim em possível predador
dos dados coletados por Boas – fornece novas de outros humanos (ver acima). Algo parecido
pistas para pensarmos essa relação. Segundo se passa, imagino, com a pessoa carregada de
Goldman, a noção kwakiutl de nawalak, que axé, capaz de mobilizar as os divindades a seu
Boas traduz por “poder sobrenatural”, designa favor e, dessa forma, não só controlar sua rela-
uma força presente em diversos seres do cos- ção com as próprias divindades, mas eventual-
mos, também característica da potência xa- mente usá-las para agir sobre outros humanos
mânica. O cosmos kwakiutl seria dividido em (na feitiçaria). É notável, nesse sentido, que nas
quatro “compartimentos” – humano, vegetal, histórias de enfeitiçamento associadas às reli-
animal e espiritual –, cada um internamente giões afro-brasileiras o feitiço seja geralmente
organizado hierarquicamente, mas sem qual- pensado como defesa contra um ataque já rea-
quer relação hierárquica de transcendência en- lizado por outro feiticeiro (BARBOSA NETO,
tre eles. A comunicação entre esses domínios 2012; SIQUEIRA, 2012). Pareceria assim que,
no mundo kwakiutl teria sempre o objetivo de tanto nos mundos indígenas quanto no univer-
aquisição de “poder”, também denominado so das religiões de matriz africana no Brasil, é
nawalak. O termo, portanto, definiria tanto a preciso afirmar-se sujeito num universo povo-
potência xamânica de transformação quanto o ado por outros sujeitos, ou afirmar sua força
poder adquirido nesse processo, sendo ao mes- num universo povoado de outras forças – isto
mo tempo condição e efeito da comunicação é, outros sujeitos e outras forças cuja agência
entre domínios cosmológicos. Vale lembrar que pode determinar minha vida, transformando-
as descrições de Goldman sobre o xamanismo -me em objeto de sua influência. Ter axé, ou

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mais axé do que os outros, equivaleria a ser o variadas, mas também coisas cuja natureza é
sujeito de uma perspectiva numa caçada entre desconhecida ou, ainda que momentaneamen-
os ameríndios? Ser um sujeito, num mundo te, indefinível, é que me parece significativo.
ameríndio, seria como dominar os meios de Indefinível talvez não seja apenas o conceito de
influência sobre outros humanos no candom- axé, mas o axé propriamente dito, ou aquilo
blé baiano? Em ambos os casos, uma percep- que ele in-define, como registra, por exemplo,
ção radicalmente relativista do conhecimento Barbosa Neto (2012) a respeito da fluidez das
e do mundo parece ser o que motiva e possibi- fronteiras cosmológicas entre os tipos de enti-
lita a manipulação dessa força, ou potência de dades em religiões de matriz africana no Rio
subjetivação. Grande do Sul. Em outras palavras, a dificul-
dade de definição do axé talvez não resulte de
Aquilo que não se sabe o que é: o poder um problema de tradutibilidade desse concei-
como princípio de indeterminação to exógeno em nossa língua – o fato de que
do mundo nenhum vocábulo de outro idioma possa dar
conta de uma noção nativa, ioruba, polinésia,
Irving Goldman associa, em sua análise iroquesa etc. Ao designar coisas distintas, o axé
da cosmologia kwakiutl, o nawalak ao mana talvez signifique antes de tudo a abertura do
melanésio e outras noções classicamente enten- mundo, uma potência inclusiva e autodife-
didas como similares (o manitu algonquino, renciante. Se ele é uma força vital, tal como a
o wakan sioux, o orenda iroquês), interpreta- alma ameríndia não dá vida fixando identida-
das por Lévi-Strauss (2003) por meio da no- des, mas colocando o ente em relação com algo
ção de significante flutuante, ou significante fora de si. Lévi-Strauss lembra que as línguas
vazio. Como sabemos, Lévi-Strauss entende a ocidentais também possuem significantes flu-
polissemia que caracteriza esses termos como tuantes – o exemplo mais claro para nós é o
expressão de um descompasso constitutivo do vocábulo “coisa” no português. Mas existe toda
processo de significação, o que implicaria que a diferença do mundo entre se valer de noções
noções similares deveriam estariam presentes assim como um recurso de comunicação, nosso
em todas as línguas. Significantes flutuantes, caso, e situar essas noções no centro do mundo,
noções como mana, ou axé, existiriam justa- identificando-as ao poder ou a um princípio
mente para dar conta daquilo que a linguagem vital.
não pode dizer. É preciso atentar para o fato de É muito significativo, nesse sentido, que o
que Lévi-Strauss define o significante flutuan- termo aweti kat, cuja tradução mais evidente
te como efeito de um excesso de significante, e seria “espírito” ou “ente sobrenatural”, pos-
não de significado. A existência de termos dessa sa significar também genericamente “coisa”.
natureza não diria respeito a uma deficiência Quando usado para designar um objeto não
dos modos de dizer em relação às coisas a se- identificado qualquer (como na expressão
rem ditas, mas a modos de dizer por natureza kat’ikatene, “coisa qualquer/sem importância”)
excessivos. Mas talvez eles digam, sobretudo, kat funciona como os significantes flutuantes
da qualidade indefinível de certas coisas, ou da de Lévi-Strauss, indicando a própria indefini-
potência que elas guardam de serem outras. ção daquilo que designa. Mas essa indefinição
O fato de que termos como mana sejam parece impregnar o sentido mais estrito do
usados para designar não apenas coisas muito termo, quando utilizado para designar certos

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entes do cosmos aweti, como se os espíritos kat potências não humanas por meio de manipu-
fossem, dentre as coisas que não sabemos bem lações do axé, nas religiões de matriz africana.
o que são, aquelas cuja natureza é, certamente, Apesar de inspirada numa proposição de
indefinível. Nomear definitivamente as coisas Isabelle Stengers (2005), a noção de cosmopolíti-
torna-se difícil quando tudo pode ser, ou se re- ca que mobilizei para expressar o que haveria em
velar, “espírito”: uma panela, uma canoa, um comum entre o pensamento perspectivista ame-
jaguar. Há ainda uma “classe” de peixes, deno- ríndio e o mundo do axé foi usada aqui, em prin-
minados wagat (o termo literalmente significa cípio, com um sentido que poderíamos dizer
algo como “autotransformadores”), que são “fraco” em relação àquele proposto pela autora.
na verdade mutações de outros animais – de Sintetizando os domínios cosmológico e políti-
um veado, por exemplo – coisa que só se pode co, a noção me parecia adequada para descrever
saber a posteriori, caso alguém que o comeu mundos nos quais as relações entre humanos e
adoeça, por exemplo. Não é preciso dizer que destes com não humanos são indistinguíveis,
os wagat são também “tipos” de kat. tanto porque obedecem às mesmas lógicas –
Na medida em que sua perspectiva sobre o caso da feitiçaria humana e do xamanismo no
mundo coloca a perspectiva humana em peri- mundo xinguano, por exemplo – seja porque
go – lembremos o risco de, vendo como kat, compõem umas às outras – caso dos efeitos das
abandonarmos o mundo humano para viver relações com as entidades sobre a vida humana,
entre eles –, os espíritos do cosmos xinguano, nas religiões de matriz africana5. Ao final destas
são, como o axé, coisas indefiníveis e agentes considerações penso ter chegado, contudo, um
da indefinição do mundo, nos fazendo lembrar pouco mais perto da ideia original de Stengers.
que ele vai muito além do que a vista alcança. Se bem a entendo, a “proposição cosmopo-
Dessa forma, nos mundos em que a perspecti- lítica” da autora consiste na introdução de um
va dos outros é um componente irredutível da princípio de dúvida no jogo político, na criação
realidade, assim como naqueles onde está pre- de um interstício que nos obriga a questionar o
sente o axé, a impossibilidade do conhecimen- que poderia significar um mundo comum, ad-
to absoluto parece um aspecto central da vida. mitindo a existência em nosso mundo de ato-
Assim, se nesses mundos “o entendimento é res não só imprevistos como também, muitas
apenas um assunto pequeno, pequeníssimo”, vezes, alheios à própria linguagem do político.
como disse Don Juan a Castaneda, não é por- Este, entendido amplamente como campo de
que o conhecimento não seja importante, pois criação de um acordo, deve ser pensado em
na verdade ele é fundamental4. O ponto é que, termos de situações concretas, nas quais pro-
nesses mundos em que o conhecimento jamais blemas concretos sejam colocados em jogo. Se
será totalizável, seu valor está intimamente li- algum mundo comum resulta daí, ele só poderá
gado ao papel que desempenha na aquisição ser contingencial e particular, nunca determi-
de poder, em contextos e relações específicos. nado por valores fixos englobantes, dos quais
O poder, por sua vez, parece ser ele mesmo algum juiz, alguma cultura, alguma classe, se-
indeterminável ou, antes, potência de indeter- riam os supremos representantes. Ora, como
minação do mundo: capacidade de tornar-se lembra Stengers, citando o caso das assembleias
outro, para os povos indígenas amazônicos, comunais na África (o sistema palabre ou pala-
possibilidade de afirmar sua força nas intera- ver): “Such manners maybe found in other tradi-
ções humanas, controlando a relação com as tions, other arts of emerging agreement” (2004,

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Daquilo que não se sabe bem o que é | 283

p. 11). Está claro que esse princípio de dúvida Muitas das ideias que desenvolvi aqui, ou todas elas,
proposto por Stengers é o que ideias como as que são frutos do diálogo que mantive com Marcio
procurei descrever aqui introduzem nos mundos Goldman ao longo do projeto de pós-doutorado
que elas ajudam a construir – e desconstruir. que realizei sob sua supervisão entre 2010 e 2013.
A noção de uma “dinâmica cosmopolítica” Este encontro a princípio inusitado, mas para mim
ganha assim outro sentido, mais profundo: altamente estimulante, é um dos resultados de uma
não se trata mais de apontar um domínio da conversa iniciada há já alguns anos entre os pesqui-
vida – “a cosmopolítica” – que apresentaria sadores do Núcleo de Antropologia Simétrica, no
uma mesma dinâmica em mundos diversos, PPGAS/Museu Nacional.
mas de identificar nesses mundos uma mesma 2. Veja-se por exemplo a etnografia de Mello (2010 – ver
dinâmica, cosmopolítica na medida em que é também neste volume) sobre um movimento artístico
determinada pela impossibilidade de definição que se define como afroindígena no sul da Bahia, a
absoluta do mundo. cosmologia de um povo quilombola do Pará descri-
ta por Sauma (2013 – ver também neste volume), ou
Notas as relações entre grupos afrodescendentes e índios no
Chocó colombiano descritas por Losonczy (1997).
1. Tive a oportunidade de apresentar versões preli- 3. Em termos da distinção proposta por Descola entre
minares deste texto em três ocasiões, que muito ontologias perspectivistas e ontologias analogistas, isso
me ajudaram a esclarecer, muitas vezes para mim implica que o analogismo é a engrenagem de ativação
mesma, o que queria dizer aqui. Agradeço, por da alteração, ou do controle da alteração, perspecti-
abrirem espaços de diálogo tão prolíficos, a Marcio va. Nesse sentido, o perspectivismo não poderia ser
Goldman e Beatriz Perrone Moisés, coordenadores descrito como um tipo de animismo, se entendemos
do GT “Novos modelos comparativos: investigações que este postula uma identidade compartilhada entre
sobre coletivos afro-indígenas”, realizado na 36ª humanos e não humanos.
Reunião da ANPOCS, em outubro de 2012, para 4. Para um exemplo brilhante no mundo ameríndio, ver
o qual este trabalho foi inicialmente elaborado; à a etnografia de Lima (1996) sobre a caçada de porcos
comissão organizadora do Sextas na Quinta, onde do mato pelos Yudjá e a importância do conhecimen-
pude apresentá-lo em outubro de 2013, no PPGAS/ to humano sobre o conhecimento dos porcos como
Museu Nacional, UFRJ; e à comissão organiza- forma de controlar a variação perspectiva.
dora das Sextas do Mês, que idealizou o encontro 5. Essa problemática vem sendo apontada na etnolo-
“Olhares cruzados: antropologia afroindígena”, rea- gia amazonista há já algum tempo. Veja-se Overing
lizado em maio de 2014 no PPGAS/USP. Agradeço (1977) e Viveiros de Castro (1986) para considera-
também a todos os amigos que tiveram a genero- ções sobre a inadequação da separação entre cosmos
sidade de compartilhar dúvidas, críticas e ideias a e sociedade na descrição dos mundos ameríndios, e
respeito deste texto nessas ocasiões, especialmente Sztutman (2012), para uma consideração extensa so-
Eduardo Viveiros de Castro, Marcio Silva, Julia bre o uso da noção de cosmopolítica para pensar a
Sauma, Clara Flaksman, Ana Carneiro, Luisa Elvira política indígena.
Belaunde e Gabriel Banaggia. Edgar Barbosa Neto,
Valéria Macedo e Renato Sztutman foram mais do Referências bibliográficas
que generosos, como sempre, ao permitir esta apro-
priação talvez um pouco selvagem de seus trabalhos, BARBOSA NETO, Edgar R. A máquina do mundo: va-
e pelas conversas que se seguiram e, espero, seguirão. riações sobre o politeísmo em coletivos afro-brasileiros.

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autora Marina Vanzolini


Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu
Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGAS/MN/UFRJ) e
Professora Adjunta do Departamento de Antropologia, Universidade de São
Paulo (DA/USP)

Recebido em 05/05/2014
Aceito para publicação em 01/12/ 2014

cadernos de campo, São Paulo, n. 23, p. 271-285, 2014

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