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O amor é a força centrífuga que irrompe contra a força gravitacional e centrípeta do orgulho.

É a
diferença entre Saturno e o Sol – ambos contraem e atraem a todos em seu entorno, mas Saturno é
seco e frio, retendo seu anel estéril de gelo e pedras, enquanto o Sol se faz fonte de calor e vida para
todo o sistema.
O amor é ainda raiz de um magnetismo natural e essencialmente benigno, dom dos oradores, poetas,
de todos daqueles que falam com inspiração e comovem pelo sentimento, processo inverso ao dos
tiranos e loucos que arrastam pelo desequilíbrio para a loucura e destruição. O amor, no adepto, é
um gérmen a ser regado e cultivado, para que seus conhecimentos sejam raiz de benesses que se
espalhem por todos os seus irmãos, e não mero acumular teórico e intelectual.
O amor, além de raiz, é também finalidade e o próprio instrumento. Ora, que é a busca da iniciação
senão a do Verdadeiro Amor? E que é percorrê-la senão o próprio Amar? E que é essa busca se não
uma reminiscência, nostalgia ou saudade de nossa união primordial no seio da divindade? Assim, o
amor não é apenas obra, mas caminho, meta e próprio ponto de partida.
O amor é buscado por todos, ainda pelos que não sabem onde verdadeiramente encontrá-lo. Até o
homem mais materialista e egoísta, que o procura unicamente nas riquezas e glórias do mundo,
assim o faz unicamente por não conhecê-lo em essência. Ele ama o que conhece, por não conhecer
aquilo que deveria amar. A moça apaixonada, que o projeta no amante, procura também esse
vestígio, ainda que em um reflexo distante, na sombra da matéria. Todos, conscientemente ou não,
procuram o amor – senão pelo Verdadeiro, por uma sombra, réplica, modelo, imagem, enfim, algo
que remeta à glória desse Esplendor perdido – que é a própria ideia de uma alma gêmea, senão
expressão dessa melancólica lembrança? Nossa verdadeira alma gêmea é nosso Homem-Arquétipo
que está no Céu, mas procuram-no em homens de carne e osso. Nossa verdadeira noiva é a
ciumenta Sophia, e inconscientemente buscamos, com nosso casamento material, realizar na sombra
da matéria uma imagem dessa união mística.
O amor não é um tesouro a ser conquistado – é qualidade resplandecente e mais intrínseca da alma,
quando desobstruída de seus grilhões, obstáculos, rancores e ressentimentos. Dito dessa forma, o
amor não é o prêmio de uma batalha árdua, mas um sempre-presente Fundo subjacente, apenas
obscurecido e como que ‘tampado’ pela cegueira dos sentidos e de nossas paixões.
O amor está presente ainda nas explosões irascíveis das paixões humanas, encontrando aí expressão
invertida ou desequilibrada, mas nunca vazia. Ora, assim como porcos se comprazem na lama, é
natural que o homem bruto e grosseiro se regozije nas mais densas expressões dessa Força
Universal. Para ele, habitar o Amor Puro e Verdadeiro seria tão desagradável como o diabo que,
ainda que no seio da divindade, sente-a como um Mundo Tenebroso de Fogo e Cólera. O mesmo
peso sente o adepto quando diante da Sombra do Amor, que não é senão o próprio em sua ou oitava
inferior, como no amor pela carne e pelo material.
O amor é a força universal que rege desde: os átomos que se unem por afinidade para a formação de
uma molécula, as sementes que vencem a resistência da terra com seu amor pela luz e pelo sol; até a
força gravitacional nos astros e planetas, que não é senão o amor da matéria por si mesma em seu
desejo de retorno ao estado indiferenciado. Igualmente, nos homens se manifesta como a amizade, a
fraternidade, o companheirismo, o casamento, mas também em suas oitavas inferiores, na inveja, na
luxúria, mas nunca “não se manifesta”, posto que não-amor não há.
Se me encontro adiantado nesta senda, adianto que não. Sabê-lo não é praticá-lo e conhecimento
não necessariamente traduz-se em sentimento e prática. Entretanto, por mais que o estudo não nos
traga o próprio desenvolvimento, tal como a observação de um cardápio não sacia a fome, pode
ainda avisar-nos tudo aquilo que o amor Não É para que, pela experiência do contraste, possamos
depurar-nos e contemplar o que Ele É.
O amor Não É: prisão, paixões, instinto, vícios. Ora, quando sou reativo, quando ajo movido por
emoções e impulsos, estou sendo determinado por algo que me é alheio. Onde há essa reatividade,
portanto, não pode haver Vontade, e onde não há Vontade não pode haver Verdadeiro Amor, já que
todo ato de Amor pressupõe um ato Voluntário.
A própria consideração de um ato exteriormente benigno que tenha sido movido por força,
obrigação ou constrangimento, destitui de si toda virtude, porque só reconhecemos virtude na
abnegação, e abnegação implica em liberdade e escolha. Amar, portanto, é escolher, e saber escolher
o bem sobre o mal – como nos diz nosso mestre Martines, todo pensamento bom ou mau provém de
um anjo ou de um demônio, cabe a nós escolher uns e rejeitar outros.
Em Jacob Boehme, é o doce e bom Amor quem transforma as qualidades contrativas e maléficas do
Primeiro Princípio nas propriedades expansivas e benignas do Segundo Princípio: o amor transmuta
a corporeidade fria e morta de Saturno na substância celeste do Sal, da Lua; a vontade cega,
potência maléfica e destrutiva de Marte se torna o Desejo benigno e úmido de Vênus. O Amor
tempera a frieza e secura do temperamento melancólico, contrabalanceado suas influências
negativas com os generosos raios solares e sanguíneos de Júpiter.
Em Martinez, é tamanho o Amor do Divino Reparador dos Mundos que apara até mesmo os
espíritos rebeldes em sua Queda, os contendo com a corporeidade da matéria para que não se
afundem ainda mais e de maneira irreversível. Aprendemos que este mundo do espaço e do tempo
foi assim delimitado para conter a própria perversidade, servindo de escola para o Aperfeiçoamento
e Reintegração.
O amor age no campo do sentimento, isto é, é ativo, fecundo, pleno em significado, e não
puramente reativo como o são as emoções inferiores, medo, raiva etc. O amor, no plano mental, traz
harmonia e claridade, inspira a realização construtiva, enquanto podemos claramente traçar a
origem de todos os hábitos destrutivos em sentimentos e emoções de negação e desequilíbrio. O
amor une casais, famílias, cidades, nações. É o fundamento da sociedade ideal e sinárquica. A
ausência de amor leva à discórdia e à divisão.
Os sentimentos originados na negação e na reação, como o ciúme, o orgulho, a inveja, conduzem à
impotência, pois diminuem as faculdades criadoras do ser. O amor, junto aos outros sentimentos
elevados, despertam no homem suas faculdades para criação e construção, pois toda a geração
sensível ou invisível, tem sua raiz no Amor.
1 João diz-nos que Deus é amor, e quem ama conhece a Deus. Ora, assim como precisamos de
olhos para ver e ouvidos para ouvir, precisamos de um órgão próprio para com ele compreender os
desígnios da divindade, e este órgão é o coração amoroso. Se todos os planos da Providência
concorrem para a santidade, eles jamais poderão ser entendidos com os olhos da carne ou da razão
exterior. Os acontecimentos da vida devem ser avaliados não pelo quanto nos gratificam, mas pelas
vitórias espirituais e regenerações que podem nos proporcionar com suas provas e expiações.
Ora, o homem não está neste mundo para descansar e gratificar seus sentidos, mas para crescer e
desenvolver o botão de rosa que tem em seu coração, para crescer e desenvolver sua Alma a ponto
de que possa servir de veículo puro e unido a seu Espírito. Nossa alma natural, nascida segundo esta
natureza, é refém de toda a volatilidade da astralidade e suas revoluções e aspectações.
Consequentemente, devemos tornar-nos fixos na luz, sendo o amor é o fio de ariadne que nos tirará
da confusão e instabilidade de nosso ser inferior e emocional. Não à toa, nosso coração é o centro
de nosso organismo corporal, tal como o Sol é o centro do sistema solar e fonte de todo o seu calor
e luz. Quando amamos, tornamo-nos também pequenos sóis, doando nossa luz e vida para os que
nos cercam. O amor, como dito anteriormente, é uma força que potencializa e vivifica,
essencialmente criativa e geradora, assim oposta aos sentimentos inferiores que secam no homem
sua inspiração e criatividade.
O Amor é também a força por trás da Magia da Imaginação, pois, quando irradiamos amor por algo,
nossa Vontade adentra esta coisa com nossa imaginação, movendo o invisível para dar-lhe
substância e trazê-la a ao plano do visível. De fato, nos tornamos ímãs das coisas que amamos,
convertemo-nos em focos de irradiação que atraem, no plano do pensamento, pessoas e situações
com que temos afinidade.
Assim como, no plano da matéria, o amor é a força criadora do visível, o amor é, no plano do
pensamento, a força criadora do Invisível. A afinidade, lei universal do átomo ao arcanjo, rege não
apenas a matéria, mas tudo a que nos vinculamos. Quando nos colocamos diante daquilo com que
não temos afinidade, somos como que cegos, e ignoramos esta coisa ainda que cruze nosso
caminho. Todavia, quando encontramos afinidade conosco, seja positiva ou negativa, em algo ou
alguém, enxergamos a nós mesmos através daquela pessoa ou situação, e nos vemos a ela ligados
por uma força maior que nós mesmos.
Não há, para o iniciado, caminho de elevação que não passa pela tomada de consciência e
desabrochar dessa força do Amor em Si. Quer o transmute ou não, estará sob seus efeitos – seja em
suas oitavas superiores, manifestando consciente e voluntariamente a magnanimidade do Sol, seja
em suas oitavas inferiores, sendo arrastado pela força atrativa e irresistível de Saturno.
O amor é a orientação interior da bússola do Candidato. Orientação esta que faz com que as provas
e expiações, tomadas negativamente pela visão horizontal do profano, transfigurem-se em
oportunidades verticais de santidade e regeneração, como no caso da história de Jó. Enquanto o
homem exterior, puramente material, poderia sentir-se injustiçado e blasfemar contra o Eterno por
ter tido toda a sua propriedade e até mesmo a própria carne atacadas, Jó humilhou-se em seu íntimo
e louvou o Autor das Coisas, que tudo deu e tudo tomou, pois que a Ele tudo pertence.
Os mesmos acontecimentos que poderiam ter sido, para um profano, fonte de blasfêmias e
rebeldias, tornaram-se um fogo santificador para um coração quebrantado. Não à toa, os santos
exortam-nos a tudo suportar e confiar com paciência pois, apesar de um determinado acontecimento
parecer uma benesse ou um castigo para os olhos carnais da razão exterior, no plano invisível
absolutamente tudo concorre para a santidade, para a qual a Providência constantemente nos
convida.
O amor é, portanto, uma atitude de confiança e fidelidade para com a Divindade. Todo amor dela
emana, e, por isso, é impossível simultaneamente amar e apartar-se dela. É pela mesma razão que é
impossível para os espíritos perversos salvarem a si próprios, posto que, ao se afastarem da
Divindade, perdem também a comunicação com o Eterno, fonte e emanação de todo pensamento de
Amor. E é tão incondicional e oniabarcante o amor do Divino Reparador dos Mundos, que para
conter a queda infinita desses seres, envolve-os no mundo do Espaço e do Tempo e dá ao homem,
um ser Menor do que os próprios anjos caídos, a incumbência de com eles trabalhar e religá-los ao
Alto.

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