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Os processos de separação por membranas e sua utilização no tratamento de efluentes...

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Revisão DOI: 10.14295/2238-6416.v70i6.487

OS PROCESSOS DE SEPARAÇÃO POR MEMBRANAS E SUA


UTILIZAÇÃO NO TRATAMENTO DE EFLUENTES INDUSTRIAIS
DA INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS: REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

The separation processes by membrane sand their use in the


treatment of industrial effluents of the dairy industry:
literature review

Douglas Felipe Galvão1*, Eliane Rodrigues dos Santos Gomes1

RESUMO

As indústrias de laticínios são grandes geradoras de efluentes em seus


processos de produção. Esse efluente precisa ser tratado antes de seu lançamento em
corpos hídricos, para atender aos padrões da legislação, especialmente a Resolução
nº 357/2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) complementada
e alterada pela Resolução nº 430/2011(CONAMA) que “dispõe sobre condições e
padrões de lançamento de efluentes”. Os processos de separação por membranas têm
ganhado destaque no que se refere ao tratamento de efluentes por meio de sistemas
compactos de tratamento, pois possibilitam a geração de águas de reúso que podem
ser reaproveitadas nos processos industriais. Nesse sentido, buscou-se na literatura
estudos na área de tratamento de efluentes de laticínios por meio dos processos de
separação por membranas, com o objetivo de elucidar sobre a importância desse tipo
de tecnologia no tratamento de efluentes de laticínios.
Palavras-chave: leite; efluente; separação.

ABSTRACT

Dairy industries are great generator of waste in their production processes.


This effluent must be treated before its released into waterbodies, comply with
AOS Legislation Standards, especially Resolution nº 357/2005 of the National
Council of the Environment (CONAMA) supplemented and amended by Resolution

1 Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Medianeira, Av. Brasil, 4232, Independência,
85884-000, Medianeira, PR, Brasil. E-mail: fgdoug@gmail.com
* Autor para correspondência.
Recebido / Received: 18/05/2016
Aprovado / Approved: 05/09/2016

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CONAMA 430/2011, which “boasts the conditions and effluent Release Standards”.
The membrane separation processes has gained prominence there regarding the
treatment of effluents through compact treatment systems, as they allow the reuse
of water generation that may be reusedin industrial processes. In this sense, we
sought in the literature studies in the treatment area of dairy effluent through the
membrane separation processes, with the aim of elucidating the importance of this
type of technology in the treatment of dairy effluents.
Keywords: milk; effluent; separation.

INTRODUÇÃO pelas indústrias de laticínios, especialmente


pela possibilidade de geração de águas de
Os processos de separação por mem­ reúso de boa qualidade que podem auxiliar
branas utilizam como barreira seletiva mem­ na minimização do consumo, bem como na
branas sintéticas e, por meio deste processo, re­d ução da geração de efluentes por estas
é possível separar, concentrar e purificar indústrias.
substâncias (HABERT et al., 2006). Assim, Com o objetivo de elucidar sobre os pro­
podem ser utilizados no tratamento de efluen­ cessos de separação por membranas no trata-
tes de laticínios, com o objetivo de melhorar mento de efluentes de laticínios, reali­zou-se
a qualidade destes. pesquisa na literatura nacional e inter­n a­
A indústria de laticínios caracteriza-se cional, utilizando-se os estudos já pu­blicados
pelo elevado consumo de água. A necessi­ re­fe­rentes ao tema, verificando-se resultados
dade de água ocorre, principalmente, pela obtidos e a importância com relação ao reúso
manutenção das condições de limpeza, das de água e a valorização de produtos.
condições sanitárias e de higiene nos setores
de produção. Com o elevado consumo de REFERENCIAL TEÓRICO
água para o processamento de leite, ocorre
a geração de grandes vazões de efluentes, o Efluentes da indústria de laticínios
que torna a indústria de laticínios um poten­
cial poluidor (MAGANHA, 2008; VOURCH Os efluentes líquidos industriais são
et al., 2008). aqueles oriundos de operações e processos
Com a escassez de água e a necessi­da­de nos quais utiliza-se água, e corresponde a
de pagamento pela utilização desse re­curso, par­ce­la não incorporada ao produto final e a
um dos instrumentos de gestão da Po­lítica par­cela líquida proveniente da matéria-pri­
Nacional de Recursos Hídricos, ins­ti­tuída pela ma que é removida nos processos industriais
Lei nº 9.433/97 (BRASIL, 1997), é a minimi- (PIRES et al., 2013; CAVALCANTI, 2012).
zação do consumo nos processos industriais As águas residuárias industriais variam
que torna-se cada dia mais essencial. O uso muito, tanto em composição quanto em
consciente, as novas tecnologias que utilizam quantidade e são dependentes da diversidade
menos água para a realização do mesmo pro- dos produtos que são fabricados, da
cesso e a adoção de formas de reúso podem ser capacidade produtiva da indústria, da
atitudes relevantes para a redução do consumo modernidade dos processos empregados,
de água pelo setor industrial (MIERZWA; da natureza da ati­vidade, de quais matérias-
HESPANHOL, 2005). primas são utilizadas, além das práticas de
Dessa forma, os processos de separa­ reciclagem e do reúso que são utilizadas
ção por membranas têm gerado interesse (CAVALCANTI, 2012).

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As características dos efluentes podem observa-se as características para os diferen­


ser de biodegradabilidade, semelhante aos tes parâmetros do efluente bruto de lati­cínio,
esgotos sanitários, ou completamente não conforme Maganha (2008).
biodegradáveis, principalmente os oriundos Estas águas residuárias, se não tratadas
de indústrias de produtos metálicos como as e despejadas nos recursos hídricos, poderão
de galvanoplastia. As indústrias alimentí­cias, causar diversos problemas, tais como a mor­
de papel e celulose e sucroalcooleiras, ca­rac­ tandade das espécies aquáticas, prejuízos à
terizam-se pela geração de efluentes bio­de­ saúde pública pelo consumo de água poluída
gradáveis e ricos em matéria orgânica (PIRES e gerar aumento nos custos de tratamento
et al., 2013). deste recurso (SCHMITT et al., 2014; LIMA,
Entre as indústrias alimentícias, a de 2010). De tal maneira, torna-se importante
laticínios está entre as mais poluentes, prin­ utilizar sistemas de tratamento de efluentes
ci­p almente pelo grande consumo de água oti­mizados que sejam integrados com a iden­
e geração de efluentes (VOURCH et al., tificação dos pontos de geração de despejos
2008). De acordo com Saraiva et al. (2009), líquidos no processo de produção para que
tal geração varia de 1,1 a 6,8 m³/m³ de leite se possa chegar a uma produção sustentável
processado. Tchamangoet al. (2010) citam que (SARAIVA et al., 2009).
tal valor varia de 0,2 a 10 litros de efluente Frente ao exposto, a busca por alterna­
para cada litro de leite processado. Na Ta­ tivas internas de reúso industrial e a compra
bela 1 observa-se o volume de geração de de efluentes tratados de companhias de sa­
efluentes de acordo com as diferentes linhas neamento a preços inferiores aos da água
de produção em um laticínio. potável tem gerado interesse às indústrias,
As características do efluente gerado pois minimizam o consumo de água nos
variam bastante conforme o padrão e as tecno­ pro­cessos e, consequentemente, reduzem a
logias utilizadas na indústria de laticínios, gera­ção de efluentes (CONSTANZI, 2007).
em geral apresentam concentração elevada Nesse sentido, Hespanhol (2002) afirma
de matéria orgânica, quantidades considerá­ ainda que, deve-se optar por satisfazer àque­
veis de nutrientes, poluentes orgânicos e las demandas que exigem águas de baixa
agentes infectantes, além de resíduos de qualidade por fontes menos nobres e utilizar-
leite, proteínas, carboidratos, gorduras e resí­ se de fontes de qualidade superior somente
duos de agentes de limpeza (LÁSLÓ et al., para usos mais nobres, como o abasteci­mento
2009; SARAIVA et al., 2009). Na Tabela 2 doméstico.

Tabela 1 – Volume de efluente por quilograma de leite processado nas diferentes linhas de
produção da indústria de laticínios

Volume de efluentes líquidos


Tipo de Produto
(litro/kg de leite processado)
Produtos “brancos” (leite, cremes e iogurtes) 3
Produtos “amarelos” (manteiga e queijos) 4
Produtos “especiais” (concentrados de leite
5
ou produtos lácteos desidratados)
Fonte: Maganha (2008).

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Tabela 2 – Caracterização dos efluentes da indústria de laticínios

Faixa de Variação
Parâmetro
(1) (2)
Sólidos suspensos 24 – 5700 mg/L 100 – 1000 mg/L
Sólidos suspensos totais 135 – 8500 mg/L 100 – 2000 mg/L
DQO 500 – 4500 mg/L 6000 mg/L
DBO5 450 – 4790 mg/L 4000 mg/L
Proteína 210 – 560 mg/L ND
Gordura/óleos e graxas 35 – 500 mg/L 95 – 550 mg/L
Carboidrato 252 – 931 mg/L ND
Amônia – N 10 – 100 mg/L ND
Nitrogênio 15 – 180 mg/L 116 mg/L
Fósforo 20 – 250 mg/L 0,1 – 46 mg/L
Sódio 60 – 807 mg/L ND
Cloretos 48 – 469 mg/L ND
Cálcio 57 – 112 mg/L ND
Magnésio 22 – 49 mg/L ND
Potássio 11 – 160 mg/L ND
pH 5,3 – 9,4 1 – 12
Temperatura 12 – 40ºC 20 – 30ºC
Fonte: (1) Enviroment Agency of England and Wales (2000)/ European Comission – Integrated Pollution
Prevent and Control (2006); (2) ABIQ; citado sem Maganha (2008).

Em resposta a tais condições, tem au­ tados ou não para fins que sejam benéficos,
mentado o desenvolvimento das tecnologias citando-se a irrigação, o uso industrial e fins
de tratamento de efluentes a fim de satisfazer urbanos que não sejam potáveis (MIERZWA;
os limites de qualidade para o reúso. Assim, HESPANHOL, 2005).
atualmente, águas de reúso podem tornar-se Alguns processos industriais, mais es­
uma importante contribuição para o suprimento pecificamente os da indústria alimentícia,
de água na indústria (ÁREVALO et al., 2012; não permitem a utilização de águas de reúso
ANDRADE et al., 2012; ANDRADE et al., em seus processos de produção. Entretanto,
2014; VOURCH et al., 2008). mesmo nestas indústrias, há a possibilidade
Pode-se definir reúso como a utiliza­ção de reutilização da água em processos que exi­
do efluente diretamente ou após alguma etapa gem qualidade de água menos nobres, como
de tratamento em outros processos, de acor- para refrigeração, alimentação de caldeiras,
do com a qualidade de água requerida. Nem limpeza de pisos, descargas sanitárias em ba­
toda a parcela de efluente gerada, pre­cisa ser nheiros, entre outros.
tratada para ser reutilizada, porém, em deter- Devido às técnicas de tratamento exis­
minados casos, há necessidade de tra­tamen­ tentes nas indústrias, um efluente tratado pode
tos específicos para purifica­ção (TELLES; apresentar características físicas, químicas ou
COSTA, 2010). O reúso pode ser concebido biológicas semelhantes ou até melhores que
tam­bém como a utilização de efluentes tra- as da água bruta. Da mesma forma, efluentes

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de determinados processos apresentam qua­ Apesar de alguns estudos na área de


lidade adequada a outros processos, sem membranas terem ocorrido desde a década
a necessidade de tratamento (MIERZWA; de 1930, somente na década de 1950 as pes­
HESPANHOL, 2005). quisas com membranas passaram a gerar
Os processos de separação por mem­ maior interesse, quando, nos Estados Unidos,
branas têm ganhado destaque na indústria passou-se a investir em pesquisas para a
de laticínios no sentido de gerar águas de des­s alinização de água do mar, ocorrendo
reúso com qualidade elevada, que ampliam as avanços com relação as técnicas de produção
possibilidades de reúso nas indústrias. das membranas e aumento do fluxo permea-
do de água (HABERT et al., 2006).
Processos de separação por membranas Mais recentemente a sua utilização
acon­teceu na indústria química, na década
Os processos de separação por membra­ de 1970, aliada a outros tipos de processos
nas utilizam como barreira seletiva mem­ clá­ssicos de separação como a filtração, absor­
branas sintéticas, nas quais tenta-se utilizar ção, troca iônica e dentre outros processos
as características desejáveis das membranas (HABERT et al., 2006).
naturais (biológicas), principalmente as de Schneider e Tsutyia (2001) afirmam
permeabilidade e seletividade. Não acontece ain­da que, inicialmente, o tratamento de mem­
nenhuma transformação química durante o branas tinha por finalidade a dessalinização
tra­tamento por membranas, apenas o material de água do mar, utilizando-se o sistema com
fica retido durante a filtração (SCHNEIDER; membranas de osmose reversa. Somente a
TSUTYIA, 2001). partir dos anos 90 a tecnologia passou a ser
Tais sistemas são utilizados para sepa­ uti­lizada para o tratamento de água e esgoto.
rar da água substâncias e sólidos que têm Principalmente devido à cobrança pelo
pequenos diâmetros, além de moléculas e uso da água aliada à necessidade de pre­ser­
compostos iônicos, através da aplicação de vação do meio ambiente, aumentou o inte­resse
algum tipo de força externa. As forças exter­ pelo reúso da água. Nesse sentido, os proces-
nas utilizadas na filtração em membranas sos de separação por membranas no tratamen-
podem ser a pressão, a sucção ou ainda o to de efluentes se apresentam como uma das
pot­encial elétrico (SCHNEIDER; TSUTYIA, tecnologias mais promissoras, possibilitando
2001; HABERT et al., 2006). a reutilização das águas e, consequente­mente,
Após a passagem do líquido pela mem­ reduzindo o consumo de água de boa qualida-
brana este passa a ser chamado de permeado de em processos que não exijam qualidade tão
e o que é retido é chamado de concentrado alta, otimizando sua utilização nos processos
ou retentado (MIERZWA, 2007). A Figura 1, industriais (ANDRADE et al, 2012).
a seguir, apresenta o esquema simplificado Segundo Mierzwa; Hespanhol (2005),
de entrada e saída da solução na membrana. os processos de separação por membranas

Fonte: Adaptado de Mierzwa(2007).

Figura 1 – Esquema representando a entrada do líquido, a saída do permeado e do concentrado


(retentado)

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diferem dos sistemas de filtração convencio­ das com materiais poliméricos (orgânicos)
nal, porque o fluxo de alimentação é paralelo e aquelas que são produzidas com materiais
às membranas. inorgânicos. Os materiais inorgânicos já são
Esses processos apresentam inúmeras utilizados na produção de membranas há mais
vantagens, tendo em vista que as membra­nas de 20 anos. Porém, ganharam maior espaço
têm eficiência para reter partículas sóli­das no mercado apenas recentemente (HABERT,
de dimensões pequenas e compostos orgâ­ni­ et al., 2006). Os materiais orgânicos para
cos e inorgânicos dissolvidos. Além disso, a pro­du­ção das membranas são basicamente os
pres­são do sistema de separação por membra­ po­lí­meros e os inorgânicos são os metais e as
nas é maior que nos processos de filtração cerâmicas.
con­v encional (MIERZWA; HESPANHOL, Os polímeros mais utilizados na fabri­
2005). cação de membranas são expostos a seguir,
Os materiais utilizados na produção das na Tabela 3.
membranas variam. Há membranas prepara­ Os processos utilizando membranas

Tabela 3 – Tipos de polímeros utilizados na produção das diferentes membranas

Membrana Material
Cerâmica
Microfiltração (MF)
Polipropileno (PP)
Cerâmica
Acetato de Celulose (AC)
Polisulfona (PS)
Ultrafiltração (UF) Polietersulfona (PES)
Polivinilpirolidona
Poliacrinonitrila (PAN)
Fluoreto de polivinilideno (PVDF)
Nanofiltração (NF) Poliacrilamida
Poliamida
Osmose Reversa (OR)
Poliacrilamida
Fonte: Adaptado de Cavalcanti (2012); Wagner (2001).

Tabela 4 – Tipo de membrana e força motriz

Membrana Força Motriz


Microfiltração (MF) < 2 bar
Ultrafiltração (UF) 1-10 bar
Nanofiltração (NF) 5-35 bar
Osmose Reversa (OR) Diferença de Concentração (15-150 bar)
Eletrodiálise Tensão e corrente elétrica
Fonte: Adaptado de Cavalcanti (2012); Wagner (2001).

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Fonte: Habert et al. (2006).

Figura 2 – Partículas e moléculas retidas de acordo com o tipo de processo de separação por
membranas

são basicamente cinco: microfiltração (MF), ta­m ento por processos de separação por
ul­trafiltração (UF), nanofiltração (NF), membranas é necessária a utilização dos cha­
osmose reversa (RO) e eletrodiálise (ED) mados módulos de membranas. De acor­do
(SCHNEIDER; TSUTYIA, 2001). A diferen­ com Schneider; Tsutyia (2001) o módulo é
ça de cada um é a dimensão das partículas um sistema básico que possibilita a utilização
e das moléculas que são retidas e com qual das membranas como unidade de separação.
intensidade a força motriz promove a sepa­ A sua composição é a seguinte: membranas,
ração, conforme visualizado na Figura 2 e estruturas de suporte de pressão (vácuo ou
na Tabela 4, respectivamente (HABERT, et corrente elétrica) e canais de alimentação e
al. 2006; CAVALCANTI, 2012; WAGNER, remoção do concentrado e do permeado.
2001). De acordo com Schneider; Tsutiya
Comparando-se com técnicas físico- (2001) os principais módulos são os módulos
químicas tradicionais aos sistemas de trata­ com placas de membranas, módulos tubula­
mento por membranas, podem-se citar di­ res, módulos espirais, módulos com fibras
versas vantagens, tais como necessidade de ocas e módulos com discos rotatórios.
tratamento químico somente para a limpeza
da membrana e alta taxa de transferência que Operação dos processos de separação por
ocorre durante o processo, mantendo a pu­reza membranas e fatores que influenciam no
do produto em condições ambientes (ACERO fluxo
et al., 2010). As vantagens salientadas são
importantes por reduzirem a poluição am­ Analisando um sistema de tratamento
biental, aumentarem a segurança e a eficiên­cia por membranas, Schneider; Tsutyia (2001)
do processo. afirmam que, somando-se ao módulo, estes
Para a utilização dos sistemas de tra­ sistemas são formados por um sistema de

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pressurização para pressurizar o canal que da membrana, que aumenta a resistência


alimenta a membrana, uma válvula no canal ao fluxo, e a formação de uma camada de
do concentrado que regula a pressão no incrustação a qual cria uma camada adicional
canal de alimentação, um canal de coleta do de resistência ao fluxo permeado. Outros
permeado e os elementos de remoção do ma­ fatores como adsorção do soluto, depósito
terial retido na superfície. de partículas dentro dos poros da membrana
Nos processos de separação por mem­ e mudança nas características da camada
branas, o fluxo permeado é independente de incrustação podem afetar o fouling da
do tempo, dependendo especificamente do membrana ou aumenta-lo, ou ainda modificar
potencial de pressão aplicado ou então da ambos os fenômenos essenciais do fouling
difusão pelo material da membrana. Essa in­ (entupimento dos poros e formação da ca­
dependência do tempo, indica a estabilidade mada de incrustação). A formação da camada
mecânica da membrana, da pureza do solvente de concentração de polarização pode tam­
e da sua baixa interação com o material de bém acrescentar uma camada de resistência
fabricação da membrana. Quando não há (SONG, 1998).
observação de uma dessas condições, o fluxo De acordo com Giacobbo et al. (2010),
permeado irá diminuir com o tempo, in­ o fouling refere-se ao acúmulo de conta­
dicando que ocorre alguma alteração com a minantes na superfície ou dentro dos poros
membrana (HABERT et al., 2006). da membrana, ocasionando a dimi­nuição do
Habert et al. (2006) indicam como fluxo permeado. Já o fenômeno de polarização
prin­c ipais causadores do decaimento do por concentração é o aumento da concentração
fluxo a deformação mecânica, o inchamento de soluto na interface membrana/solução, o
da matriz mecânica, a interação do solvente que acaba gerando uma retrodifusão do solu­
com o material da membrana ou então pela to em direção ao seio da solução. Ou seja, o
presença de impurezas no solvente que causa soluto fica concentrado na região próxima
o entupimento dos poros. da interface membrana/solução impedindo a
Schneider; Tsutyia (2001) citam que passagem do solvente.
o fluxo do líquido através da membrana é Segundo os autores Lautenschlager et
dependente de alguns fatores, como: diâ­ al. (2009), a redução no fluxo permeado du­
metro dos poros, porosidade da membrana rante a filtração, aplicando-se pressão cons­
(fração da área de membrana ocupada por tante, ocorre devido a deposição de partículas
poros), espessura da membrana, camada de co­loidais e macromoléculas na superfície
concentração e polarização, tortas de filtro da membrana. Dessa forma, os autores afir­
(material retido), fouling químico (sais pre­ mam que a limpeza da membrana deve ser
cipitados ou géis) e biofilmes. realizada periodicamente durante a operação
Um dos piores problemas citados pelos do sistema, para prevenir a possibilidade
autores durante a operação dos sistemas de de colmatação extrema da membrana e até
membranas é o decaimento do fluxo com mesmo sua colmatação irreversível.
o tempo. Esse fenômeno é denominado O fouling acaba aumentando a com­
de fouling ou colmatação da membrana plexidade de operação dos sistemas de separa­
(LAUTENSCHLAGER et al., 2009; HASAN, ção por membranas, pois o sistema precisa ser
et al., 2013; GIACOBBO et al., 2010; SONG, parado frequentemente para restabeleci­men­
1998; VIDAL; CAMPOS; 2009). to do fluxo através da retrolavagem, resul­
Essa diminuição do fluxo ocorre por tando em aumento dos custos econômicos
dois motivos essenciais: bloqueio dos poros e tor­n ando menos viáveis a utilização de

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sis­te­mas de UF e MF para muitos processos como água de reúso nas caldeiras. De acordo
(SONG, 1998). com os autores, o reúso de água nas caldeiras
As formas de limpeza das membranas é importante para as indústrias, pois nestes
podem ser físicas e químicas. As físicas são processos o volume de água utilizado é con­
dependentes de forças mecânicas para remoção siderável. O reúso permite a minimização do
das partículas acumuladas na superfície da desperdício da água.
membrana. Incluem a lavagem na direção Khider et al. (2004) utilizaram uma
do fluxo (flushing) e/ou flushing reverso e mem­brana de ultrafiltração comercial e uma
retrolavagem (LAUTENSCHLAGER et al., membrana de ultrafiltração com suporte de
2009). argila, no estudo da remoção de Demanda
Os métodos químicos dependem de rea­ Bioquímica de Oxigênio (DBO) e Demanda
ções químicas, que quebram as for­ças que Química de Oxigênio (DQO) de efluente
ligam as substâncias aderidas na superfície de laticínio. As amostras de efluente bruto
da membrana. As formas de limpe­za química foram filtradas e conseguiram a remoção de
são a hidrólise, digestão, saponifi­cação, solu- 4000 mg/L e 1800 mg/L de DBO e DQO,
bilização e dispersão (LAUTENSCHLAGER res­p ectivamente, para 90 e 62 mg/L com
et al., 2009). a membrana comercial. Para a membrana
com suporte de argila, as características do
Processos de separação por membranas no permeado chegaram a 60 mg/L para DBO e
tratamento de efluentes de laticínios 42 mg/L para DQO. Como a DBO e a DQO
representam a carga orgânica do efluente, a
A utilização de tratamentos para puri­ remoção de tais parâmetros é essencial para
ficação da água e possibilidade de reúso, a qualidade do efluente a ser lançado.
auxiliam na diminuição do total de água Nos processos de separação por mem­
consumida e a produção de efluentes durante branas, além do efluente tratado ser reutiliza­do
os processos utilizados na indústria de lati­ como águas de reúso dentro dos processos, há
cínios(BALANNEC, 2005). a possibilidade de concentração do material
Baldasso (2008) utilizou as membra­nas retido pela membrana e sua reutilização na
para separar e fracionar proteínas especí­ fabricação de novos produtos. Isso permite a
ficas encontradas no soro de leite. O soro é valorização dos recursos da indústria.
descartado no tratamento de efluentes de la­ Estudos como o de Brião e Tavares (2007)
ticínios onde há principalmente produção de que utilizaram a ultrafiltração como pro­c es­
queijo e é responsável por grande poluição, so de tratamento e reutilização de efluentes
especialmente pela grande quantidade de de lati­c í­n ios, encontraram a possibilidade
matéria orgânica. Utilizando membranas da reu­tilização do permeado na limpeza de
de ultrafiltração, a autora encontrou grande equi­pamentos e do concentrado, após pasteu­
pos­si­bilidade para o fracionamento das pro­ rização, na produção de subprodutos lácteos
teínas, o que é extremamente importante para como o doce de leite.
as indústrias, especialmente na indústria de A utilização da coagulação associada a
laticínios. processos de separação por membranas per­
Utilizando vapor condensado de in­ mitem elevadas remoções de contaminantes
dús­tria de laticínio, Chmiel et al. (2000) rea­ dos efluentes. Nesse sentido, Schimitt et al.
lizaram a nanofiltraçãono tratamento des­ta (2013) utilizaram efluente oriundo de pro­
água residuária, conseguindo manter todos cesso de limpeza de pasteurizadores de uma
os parâmetros requeridos para a utilização indús­tria de laticínios. A membrana de UF

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utilizada era de cerâmica, com poro de 0,1 µm a post treatment to membrane bioreactor
e retenção molar de 4 kDa. Estes autores effluent for dairy waste water reuse. Procedia
encontraram remoções de DQO e de turbidez Engineering, v. 44, p. 1956-1960, 2012.
acima de 96% para os tratamentos utilizan­
do UF associada a coagulação por Moringa ANDRADE, L. H. Distribuição de massa
oleífera. molar em um biorreator com membrana para
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Os processos de separação por mem­
branas têm sido estudados e utilizados na ÁREVALO, J. et al. Waste water reuse
in­dústria de laticínios, principalmente visan­ after treatment by MBR. Microfiltration or
do o tratamento de efluentes para geração de ultrafiltration? Desalination Journal, v. 299,
águas de reúso, o que acaba por contribuir p. 22-27, 2012.
para a preservação do recurso água, gera eco­
nomia para indústrias e contribui para a sus­ BALANNEC, B. Comparative Study of
tentabilidade. different nano filtration and reverse osmosis
Os resultados explorados demonstram membranes for dairy effluent treatment by
que os processos de separação por membranas dead-end filtration. Separation, Purification
apresentam eficiência considerável na remoção and Technology, n. 42, p. 195-200, 2005.
de matéria orgânica do efluente da indústria
de laticínios, o que é relevante considerando BALDASSO, C. Concentração, purificação
a alta taxa orgânica que compõe os resíduos e fracionamento das proteínas do Soro
líquidos gerados nos processos. Lácteo através da Tecnologia de Separa­
As possibilidades de estudo se ampliam ção por Membranas. Dissertação (Mestrado
em se tratando de membranas, pois há a em Engenharia Química) – Universidade Fe­
pos­sibilidade de reutilização do efluente per­ deral do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
meado (tratado) nos processos industriais e 2008.
a do concentrado gerado pela membrana na
fabricação de subprodutos, por exemplo. Tal BRASIL. Lei nº 9.433 de 8 de janeiro de
possibilidade é importante para as indústrias, 1997. Institui a Política Nacional de Recursos
pois pode possibilitar a minimização dos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Geren­
custos de produção e, consequentemente, do ciamento de Recursos Hídricos, Brasília, DF,
preço do produto, tornando a indústria mais 09 jan 1997.
competitiva no mercado.
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