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Pós- graduação em Literatura, Memória e Sociedade

Campus Cambuci

Bruna Regina Simplício da Silva

ANÁLISE DA OBRA “O DESCANSO DO MODELO” DE JOSÉ FERRAZ DE


ALMEIDA JÚNIOR

Cambuci
Setembro/2018
Bruna Regina Simplício da Silva

ANÁLISE DA OBRA “O DESCANSO DO MODELO” DE JOSÉ FERRAZ DE


ALMEIDA JÚNIOR

Trabalho apresentado à disciplina de Memória e


Imagem e Análise do Discurso como requisito de
avaliação para o curso de pós-graduação em
Literatura, Memória e Sociedade.

Cambuci
Setembro/2018
RESUMO

O presente trabalho tem por finalidade analisar os aspectos de iconografia e iconologia


apresentados por Almeida Júnior em sua obra O descanso do modelo. E em
contrapartida, observar o discurso produzido por essa obra. O autor faz uma leitura das
imagens a partir dos elementos que compõe o espaço da obra, os objetos, os
personagens e seus gestos, o cotidiano. Promovendo seus argumentos por meio uma
representação dos movimentos do dia-a-dia. Dessa forma, o trabalho apresenta uma
relação de pertinência com momento da criação do artista e refleti sobre seu processo de
produção artística numa interação entre interior e exterior.

Palavras-chave: Almeida Júnior; contexto histórico; discurso; iconografia.


INTRODUÇÃO

Muito já se falou sobre Almeida Júnior em diversas análises correntes sobre suas obras.
No primeiro momento nos deparamos com uma figura caipira paulista, autor de quadros
produzidos no Brasil, após seu retorno de Paris. Iniciando a fase na arte conhecida como
regionalista. Almeida Junior começa a representar o espaço brasileiro, através de obras
que retratam o cotidiano, a vida rural. Pretende-se aqui discorrer muito além de rasos
olhares sobre sua criação, buscando elementos que permitam obter uma relação de
pertinência com momento da criação do artista e refletir sobre seu processo de produção
artística, numa interação entre interior e exterior, que conduza a uma análise histórica,
estética e discursiva. Compondo assim, a estrutura das ideias aqui colocadas. Tendo em
vista que as mudanças ocorridas na Europa e também no Brasil no século XIX
influenciaram fortemente as pinturas produzidas nessa época, assim, os artistas
começaram a buscar a utilidade da arte no processo de transformação social em
detrimento de uma postura individualista romântica que justificava a arte pela arte.

CONTEXTO HISTÓRICO: DA EUROPA AO BRASIL

As importantes mudanças sociais ocorridas na Europa, em especial na França, na


segunda metade do século XIX tiveram uma profunda influência sobre a pintura que se
fazia ali nesse período. Essas transformações pelas quais passava a sociedade da época
relacionam-se com o processo de intensa industrialização, a luta pelos direitos
trabalhistas e civis, a intensa agitação e organização da classe operária e o surgimento
de camadas médias urbanas com uma atitude crítica aos regimes que vieram depois do
fracasso das revoluções liberais do final da década de 1840. Foi o período também do
golpe de estado e da restauração do Império sob Luís Bonaparte, o Napoleão III. Foi
uma época marcada por eventos fundamentais. Em 1848 ocorreu a grande revolta em
Paris e arredores, quando a classe média liberal se viu frente à ameaça de uma revolução
socialista. Foi o ano também do Manifesto Comunista de Karl Marx. O chamado
Segundo Império duraria até 1871 com o advento da III República.
No Brasil, o Império conheceu certa prosperidade econômica, proporcionada pelo café,
e certa estabilidade política, depois que Dom Pedro II assumiu o governo e dominou as
muitas rebeliões que agitaram o Brasil até 1848. Além disso, o próprio imperador
procurou dar ao país um desenvolvimento cultural mais sólido, incentivando as letras,
as ciências e as artes. Estas ganharam um impulso de tendência nitidamente
conservadora, que refletia modelos clássicos europeus.
Toral (2001) afirma que para pintar a contemporaneidade, esse mundo em constante
transformação, os artistas começaram a buscar a importância da arte no processo de
transformação social através de uma postura individualista romântica que justificava a
arte pela arte. Essa busca de contato com a realidade fez com que os artistas
enfrentassem uma pintura que se punha em contato com a natureza, ainda que essa
última compreendesse quase sempre o ambiente rural.
Almeida Júnior não era um pintor isolado de seu contexto. Movia-se entre gêneros de
pintura no amplo espectro de possibilidades existentes no campo até então hegemônico
da pintura acadêmica. O repertório de temas de Almeida Júnior demonstra que sua obra
transitava de um Naturalismo que traduzia para uma linguagem acadêmica moderna o
interior do Brasil de final de século até uma pintura para o mercado burguês de
província, à base de retratos tecnicamente conservadores e, na sua esmagadora maioria,
de interesse menor.

SOBRE O AUTOR

Nascido em Itu (SP) e falecido tragicamente em Piracicaba, José Ferraz de Almeida


Júnior vinha mostrando desde a mais tenra idade inclinações artísticas, teve no Padre
Miguel Correa Pacheco seu primeiro incentivador, quando era sineiro da Matriz de
Nossa Senhora da Candelária, em sua cidade natal.
Foi o padre quem obteve, numa coleta pública, o dinheiro suficiente para que o futuro
artista, já então com 19 anos de idade, pudesse embarcar para o Rio de Janeiro, a fim de
ali estudar. De fins de 1876 até 1882 morou em Paris, efetuando, nesse último ano de
sua permanência europeia, breve excursão à Itália. Em Montmartre, onde residiu, teria
pintado 16 telas com cenas do bairro famoso; tais pinturas, se de fato existiram,
perderam-se de vez. Em compensação restam do período francês, Arredores de Paris e
Arredores do Louvre, e, sobretudo as grandes composições com as quais participou dos
Salons de 1880 (Derrubador Brasileiro e Remorso de Judas), 1881 (Fuga para o Egito) e
1882 (Descanso do Modelo), obras admiráveis da pintura realista de qualquer tempo ou
lugar.
Voltando ao Brasil, Almeida Júnior expôs no Rio seus trabalhos executados em França.
Mas o sucesso da mostra não impediu que pouco depois o pintor de novo se encafuasse
em Itu, para em 1883 abrir ateliê em São Paulo. Na grande exposição de 1884,
novamente expôs quatro dos seus maiores triunfos - a Fuga, o Derrubador, o Descanso e
o Remorso. Pouco a pouco, em contato com a terra e os habitantes, Almeida Júnior irá
se preocupar com temas regionais, com aspectos simples de sua provinciana Itu.
Na década que vai de 1888 a 1898 nascem-lhe as grandes composições regionalistas,
que hoje lhe garantem prestígio talvez superior às pinturas realizadas na França.
Em 1891 e 1896 o pintor realizaria novas viagens à Europa, a última em companhia de
Pedro Alexandrino, o qual, com bolsa de estudos do Governo de São Paulo. Dos anos
finais de sua existência datam ainda alguns quadros notáveis, como Leitura (1892),
expostos no Salão de 1894, A Partida da Monção, baseada em desenhos de Hercule
Florence e medalha de ouro no Salão de 1898, e finalmente O Importuno e Piquenique
no Pio das Pedras, expostos, com mais seis obras, no Salão de 1899, e repletos, ambos,
de conotações psicológicas.
Em 13 de novembro de 1899, teve sua vida e carreira trucadas, quando o artista caiu
apunhalado, diante do Hotel Central de Piracicaba.

SUA OBRA

No panorama da pintura nacional, Almeida Júnior aparece como autêntico precursor.


Em sua obra, que abrange pinturas históricas, religiosas e de gênero, retratos e
paisagens, repercute uma personalidade que nunca se afastou um milímetro de suas
ideias e convicções. Sua produção, não muito extensa, é valiosa do ponto de vista
estético, histórico e social, nela se misturando influências românticas, realistas e até
mesmo pré-impressionistas. Algumas pinturas de Almeida Junior são: Caipira picando
fumo, A partida da monção, Caipiras negaceando, O descanso do modelo; Leitura, A
pintura (Alegoria) e A fuga para o Egito. Nota-se a adequação nos temas das obras de
Almeida Junior aos anseios do público de seu tempo. A representação de uma cena
contemporânea, com a qual o espectador podia interagir de modo direto foi muito
apreciada.
ANÁLISE DA OBRA “O DESCANSO DO MODELO”

O descanso do modelo, 1882 Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.

Fonte: http://mnba.gov.br/portal/component/k2/item/127-dencanso-do-modelo.html

Em uma análise Pré- iconográfica da obra o descanso do modelo, detectamos elemento


da imagem que compõe um cenário de do cotidiano de um pintor e a modelo. Onde
podemos ver um espaço com tapete ao chão, um copo semidespido, a modelo com as
mãos sobre o piano, cortinas douradas, parece ter um diálogo entre os compositores da
cena.
No que tange a análise iconográfica, observa-se que as vestes de cobrem parte do corpo
da modelo, têm cores mais expressivas que o resto da tela, o que chama a atenção para o
fato de o resto do corpo estar descoberto. Nota-se também que a fotografia que leva a
produção da obra, foi tirada num momento em que o pintor está com o cigarro acesso,
ou seja, revela a intimidade do momento. Ele aplaude a moça, que parece tocar alguma
música. O pintor para a produção para fazer algo comum em seu cotidiano: fumar. E a
expressão da modelo, de estar em um diálogo com o pintor, demostrado também que
uma aproximação nesse espaço. Pelas definições do corpo, percebe-se ser uma mulher,
com o cabelo preso no topo da cabeça.
"Os figurantes nestas composições desempenham suas ações
numa grande proximidade do observador, recurso este que o
introduz na intimidade da conversa discreta, ou do repouso
descontraído e revelador das formas da mulher, bem como do
momento informal do pintor que assiste sua modelo tocar piano,
tendo esta o corpo parcialmente coberto, incluindo igualmente a
conversa de ambos num terraço e a visita indesejada que chega ao
ateliê" (LOURENÇO, 1980, p.129).

A interpretação iconológica permite observar os discursos que atravessam os quadros,


isto é, permite considerar o significado da obra segundo seu exterior construtivo. “Para
captar esses princípios, necessitamos de uma faculdade mental „comparável a de um
clínico nos seu diagnóstico‟ [...]” (PANOFSKY, 2009, p. 62). Ou seja, faz-se necessário
um olhar minucioso sobre a obra em questão. Na análise iconológica, é possível
observar o sentido intrínseco ou conteúdo de uma obra; de tratá-la como um sintoma da
sociedade, segundo Foucault (200).
Na obra a cima, no que diz respeito à Análise Iconológica, a composição está ligada à
narrativa, a obra faz parte das pinturas de gênero com intuito de romper a distância entre
o espectador e a obra, isso é resolvido com enredos mais "humanos", gestos e trejeitos
familiares aos espectadores, telas menos suntuosas, recortes mais íntimos e fechados e
contrastes de cor, luz e sombra. Os tons mais sóbrios se encontram nas extremidades do
campo de visão do espectador e os mais vivos estão no centro da pintura, o que traz
unidade à obra. No local em que a cena acontece tudo parece propício. Apesar do
atumultuado de objetos, todos compõe um “ateliê” de pintura, prendendo a atenção do
espectador para observar melhor a cena.
O autor utiliza sua técnica para compor as cenas e conduzir o espectador a um contato
com a intimidade ou com os episódios que aconteceram antes ou depois da cena. Nessa
obra o autor retrata cenas do dia-a-dia, que na obra revelam sua beleza. Ou seja, cenas
comuns que ao serem reproduzidas, revelam uma beleza não percebida no cotidiano, por
ser tão comum. É como se o autor buscasse o tempo todo, uma naturalidade, uma
simplicidade ao retratar as cenas, ele não apenas compõe a cena, mas também coloca o
espectador “dentro” dela. A reprodução das mãos entreabertas do pintor indica o que vai
acontecer em seguida, que, no caso, é o estalar da palma no encontro das mãos. O olhar
da modelo e seu rosto sorridente voltado para o pintor, espera sua aprovação. Trata de
uma cena de interior, e apesar do cenário glamoroso, percebe-se que o pintor escolheu
um momento de descontração para retratar; provavelmente o momento em que a modelo
descansa ao piano, despida, ou seja, à vontade, um momento em que se tem uma
“trégua”, demonstrando intimidade com o pintor, que também fuma seu cigarro
descontraído. Nas obras regionalistas, esta intimidade com a modelo e com a cena a ser
retratada é um dos grandes diferenciais da obra de Almeida Júnior. Ao observar a
primeira vista a obra, o espectador pode regatar a memória as especulações criadas,
onde as modelos mantinham relações sexuais com o artista que as retratavam. A obra
de Almeida Júnior traz essa possibilidade para a imaginação do espectador. Porque,
sua pintura reforça o olhar estabelecido pelo sujeito masculino e o objeto de observação
feminino pela representação da grande intimidade e naturalidade entre os personagens
retratados.
Entrelaçados a análise do discurso tem-se na imagem discursos implícitos: a policromia,
na imagem os diversos objetos heterogêneos (os pinceis, as paletas de cores, os espelhos
na parede), juntos formam a identidade da imagem; o aplauso do pintor para a modelo
subentende-se que ambos pertencem a uma classe social que apreciam esse ato artístico;
a expressão de ambos os componentes da imagem, revela que naquele contexto
histórico era comum que as mulheres fossem pintadas, e em sua forma nua-natural.
Percebe-se que o artista busca mostrar ao espectador diferentes olhares quando executa
suas obras. Em cenas simples, com motivos cotidianos, encontra-se toda uma atmosfera
rica que nos descreve o personagem e não apenas “fotografa” uma cena.
QUESTÃO 2:

Ao pensar na análise de uma obra, torna-se necessário entender muito além do que nos é
apresentado, é necessário uma visão crítica, uma análise minuciosa de cada aspecto
apresentado por essa imagem. Mas como entender o que a imagem traz? Como
identificar aspectos que antes eram imperceptíveis? Como reconhecer e identificar os
discursos que compõe a imagem? Essas eram as perguntas que eu me fazia ao longo das
disciplinas de memória e imagem e também de análise do discurso.
Entender que o contexto histórico em que tal imagem foi produzida, o momento em que
foi produzida, quem a produziu, foi de grande relevância para aguçar minha percepção,
e permitir que eu levasse em conta que uma obra pode trazer de informação, seja ela
explicita ou não.
Ao decorrer dos seminários, a cada análise era possível reconhecer as particularidades
de cada autor, e como essas particularidades podiam ou não influenciar sua obra. Na
visita ao museu, ao ter contato com as obras, foi possível entender o que a disciplina
pretendia alcançar. Contextualizando com as memórias existentes, tornou-se possível
entender os discursos existentes nas obras e através do contexto histórico onde elas
foram produzidas, observar que a análise iconológica nem sempre é possível, pois
algumas obras perpassam reflexões teóricas. Obras que retratam o social, os processos
de produção, as interrupções cotidianas, vão além de uma análise programada, exigem
um olhar de criticidade. Como referia Foucault (2007), para analisar uma obra, pode-se
reconstruir o universo latente do pintor. Pode-se querer reencontrar os incômodos de
suas intenções que não são apenas, transcritas em palavras, superfícies e cores; pode-se
tentar destacar a filosofia implícita que, supostamente, forma a visão de mundo.
A assimilação dos conceitos interligados tanto na AD, quanto em memória e imagem,
me permitiram outro olhar sobre qualquer obra que me é apresentada, e para muito
além, me conduziu a uma sensibilidade inesperada sobre a sociedade em si.
Promovendo uma reflexão instantânea sobre os discursos e imagens que produzimos do
outro, e também sobre as análises que fazemos cotidianamente da “imagem do outro”,
limitando nossa observação apenas a pré-iconografia, deixando de explorar as tantas
vozes, imagens e memórias que o iconológico, e para além dele tem a nos oferecer.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

As considerações apresentadas neste trabalho procuraram demonstrar perante a análise


da obra de Almeida Júnior que o artista conseguiu trazer uma nova discussão para a
pintura do século XIX, por abordar em suas obras questões que se aproximam de uma
subjetividade moderna, dentre elas a obra e sua relação com o espectador.
Compreende-se que, sua obra reflete uma diversidade temática como, temas históricos,
religiosos e de gênero, onde nos temas de gênero, se insere os trabalhos regionalistas,
sendo este no que mais se debruçou, e onde se entende que o artista pôde mostrar sua
compreensão sobre o comportamento e o costume da sociedade, de modo geral.
Nesse sentido, tem-se a importância do destaque do elemento histórico ao analisar uma
obra, ou seja, a partir da história e dos discursos, torna-se possível visualizar a
construção dos efeitos de sentido de uma obra. E também as condições que permeiam o
aparecimento e o esquecimento de certos enunciados, símbolos, figuras, vinculados ao
cânone das artes de uma época.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1- BANDEIRA, A. (2013). «Descanso do modelo e outros primorzinhos» (PDF).


Consultado em 13 de setembro de 2018.

2- VIEIRA, S. (2013). «Cenas de atelier: o artista, a modelo e o sofá» (PDF).


Consultado em 13 de setembro de 2018.

3- FRIAS, P. G. (2006). «Almeida Júnior, uma alma brasileira?.» (PDF).


Consultado em 12 de setembro de 2018.

4- ORLANDI Eni Pulccinelli. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho


simbólico. Petrópolis -RJ: Vozes,1998.

5- BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. São Paulo: EDUSC,


2004.

6- FOUCAULT. M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro; Forense


Universitária, 2007.

7- AMARAL, Aracy & TORAL, André. Arte e Sociedade no Brasil: de 1930 a


1956; vol. 3. São Paulo: Instituto Callis, 2005.

8- http://mnba.gov.br/portal/component/k2/item/127-dencanso-do-modelo.html,
acessado em: 17 de setembro 2018.

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