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REAPROVEITAMENTO DE RESÍDUOS TÊXTEIS ATRAVÉS DA COLAGEM

TÊXTIL

Anne ANICET1, Pedro BESSA2, Ana Cristina BROEGA3


1
Doutoranda em Design na Universidade de Aveiro
2
Doutor em Design na Universidade de Aveiro
3
Doutora em Engenharia Têxtil na Universidade do Minho

SUMÁRIO
Este artigo apresenta parte de uma pesquisa de Doutoramento em Design actualmente a
decorrer na Universidade de Aveiro, cujo foco principal é a aplicação e reaproveitamento
de resíduos da indústria têxtil através da técnica da colagem têxtil. Para tal, foi
desenvolvida uma metodologia de criação em design e posterior produção que teve
prosseguimento num workshop com artesãs ligadas ao Banco de Vestuário de Caxias do
Sul, Caxias do Sul, Brasil. O objetivo principal deste trabalho foi a criação de uma
metodologia de criação e execução de acessórios têxteis para aplicação em vestuário com
foco no design sustentável.

PALAVRAS-CHAVE
metodologia de design, reutilização de resíduos, colagem têxtil, sustentabilidade

INTRODUÇÃO
O design do século XXI alerta para questões de ordem estética, funcional, de produção assim
como para questões ambientais, levando em consideração as necessidades e desejos do seu
público-alvo e da época vigente. Se por um lado as empresas querem aumentar suas produções e
faturamentos, por outro deve-se ter em mente os fatores de sustentabilidade ao longo de todo
ciclo de vida do produto. Com esse tema em destaque, a conscientização ecológica, assim como
esclarecimentos e alternativas sustentáveis são elementos essenciais para que problemas como
poluição e degradação ambiental, comumente encontrados nos dias de hoje, sejam banidos ou
pelo menos minimizados a fim de evitar o comprometimento da qualidade de vida num futuro
próximo.
Existem muitas alternativas para diminuir estes danos e preservar a resiliência da natureza. Um
deles é o reaproveitamento de resíduos industriais. Na indústria têxtil, por exemplo, muitas
empresas possuem dificuldade em dar um destino correto aos mesmos, sendo proibido o descarte
desses resíduos em lixos comuns, pois o seu não cumprimento podem vir a sofrer conseqüências
fiscais graves.
No Brasil, por exemplo, a Lei nº 9.921/93 Art. 8º relata que a coleta, o transporte, o tratamento, o
processamento e a destinação final dos resíduos sólidos de estabelecimentos comerciais,
industriais e de prestação de serviços, são de responsabilidade dos mesmos, ou seja, da fonte
geradora. Esta disposição foi recentemente reforçada com a Lei nº 11.520/00 Art.218.
Para solucionar este problema, muitas empresas do ramo têxtil destinam seus resíduos
(tecelagens, malharias e confecções) para instituições de caridade que os utilizam em
enchimentos de almofadas, tapeçarias, cobertores, entre outros lavores. Outras empresas, por sua
vez, pagam para a recolha e tratamento desses resíduos, ou ainda optam por destiná-los aos
Bancos de Vestuários que possuem a missão de organizar e redistribuir os mesmos para as mais
variadas entidades cadastradas nos mesmos. O Banco de Vestuário de Caxias do Sul (Brasil), por
exemplo, possui 130 entidades cadastradas, dentre elas de aposentadas, clube de mães, presídios,
clínicas psiquiátricas e indígenas.
Ao trabalhar com a criação e desenvolvimento de um produto, muitos designers aplicam a teoria
dos 3 Rs (reduzir, reutilizar e reciclar), com o intuito de desenvolver um design sustentável. Uma
primeira abordagem busca a redução na fonte, ou seja, através da redução de resíduos gerados
pela fabricação e consumo de produtos, conforme definição da EPA/Environment Protection
Agency [Straliotto09]. A reutilização, por sua vez, é caracterizada pela utilização de produtos já
existentes, ou de parte deles, muitas vezes com uma nova função ou aplicação. E a reciclagem
trata da recuperação da matéria-prima constituinte dos produtos a fim de beneficiá-la novamente
para o desenvolvimento e produção de novos produtos. Frequentemente, a reciclagem é
considerada uma alternativa de fim-de-linha, menos ecológica que as alternativas de redução e
reutilização porque os processos de reciclagem implicam consumo de energia de fontes não
renováveis. [Manzinni e Vezzoli08; Chehebe02].
Pode mesmo considerar-se que, muitas vezes, a reciclagem é na verdade um downcycling, pois
reduz a qualidade do material ao longo do tempo neste processo [McDonough e Braungart02,
Fuad-Luke10]. Um novo conceito que tem vindo a ganhar importância, é o de upcyling, que
significa utilizar um material já utilizado ou o resíduo de um produto tal como foi encontrado, sem
despender mais energia na reutilização do mesmo, ou seja, sem reciclar o produto (Ibid.). Este
conceito se enquadra no trabalho desenvolvido pela autora em contexto de Doutoramento em
Design1, com o reaproveitamento dos resíduos do Banco de Vestuário de Caxias do Sul, Estado de
Rio Grande do Sul, Brasil.
Ao tratarmos de soluções inovadoras possíveis, temos que buscar combinações equilibradas entre
a dimensão técnica e a dimensão sociocultural da inovação que estes autores representam por um
ponto situado algures em um plano definido pelos eixos T/mudança tecnológica e C/mudança
cultural. [Manzini e Vezzoli08]
O que se pretende com esta investigação é, nesse sentido, conseguir alcançar um equilíbrio entre
o eixo tecnológico e o eixo cultural trabalhando-os de forma efetiva, seja através do
desenvolvimento da tecnologia da colagem têxtil, seja através do treinamento de artesãs e
trabalhadoras locais para que elas possam ter a sua renda de subsistência, convergindo numa
solução de design sustentável.
Esta pesquisa visa aproveitar os desperdícios, limpos das empresas têxteis na criação de novos
substratos têxteis através da colagem para nutrir a indústria da moda – tanto em relação a
1
Anne Anicet, Colagens têxteis: em busca de um design sustentável, projecto de Doutoramento em Design a decorrer na
Universidade de Aveiro, sob orientação de Pedro Bessa e Ana Cristina Broega.
vestuários e acessórios, como na área da decoração, com a criação e o desenvolvimento de
produtos inovadores, de maior valor acrescentado e com responsabilidade social. No alinhamento
desse raciocínio, estão a ser realizadas investigações sobre as expressividades dos resíduos têxteis
fabris aliadas ao desenvolvimento de novas tecnologias de construção e/ou reconstrução de
tecidos e não-tecidos dentro dos pressupostos ecológicos.
Como referido, a tecnologia utilizada nesta pesquisa é a colagem têxtil, pois possui inúmeras
vantagens e grande potencial, nomeadamente ser um método limpo, não poluente, que não gera
subprodutos, além de ser uma tecnologia nova e pouco explorada. Esta tecnologia assenta nos
métodos tradicionais de confecção de vestuário, onde é recorrente o uso de entretelas (tecidos ou
não-tecidos que possuem superfície termoadesivada) com o objetivo de dar maior rigidez a
determinadas partes da peça, como por exemplo golas, punhos e lapelas. Considera-se que os
adesivos termocolantes utilizados nesta pesquisa são uma evolução das entretelas acima citadas.
[Rüthschilling e Anicet06]

Metodologia
Inicialmente, foram recolhidos aleatoriamente alguns resíduos no Banco de Vestuário de Caxias do
Sul para serem testados tanto no que respeita à colagem, quanto à expressividade da matéria-
prima em questão. Posteriormente, foram seleccionados alguns resíduos provenientes do
processo de corte da confecção têxtil de casacos de inverno com tecidos com composições 100%
lã. Esses resíduos responderam muito bem aos testes de colagem. Com isso, a autora criou alguns
protótipos que, posteriormente, foram utilizados como modelos num workshop realizado em 24
de Fevereiro de 2011 com artesãs ligadas ao Banco de Vestuário de Caxias do Sul.
A seleção das artesãs para este workshop foi realizada pelo próprio Banco de Vestuário. Como o
mesmo possui mais de 130 entidades cadastradas com aproximadamente 3000 pessoas, o critério
de seleção foi a escolha de pessoas que já tivessem uma certa experiência com craft/artesanato,
que estivessem interessadas no workshop e que tivessem o perfil de liderança para servirem como
multiplicadoras do processo para as demais artesãs.
Na primeira hora do curso, foi apresentado o trabalho a realizar, as possibilidades e as vantagens
que a colagem têxtil pode proporcionar no desenvolvimento das peças tanto de vestuário como
de decoração. Como o tempo de duração do workshop não foi muito extenso, optou-se pela
execução de peças de acessórios de vestuário, apesar da técnica ter inúmeras possibilidades de
aplicação.
Posteriormente, as artesãs selecionaram as lãs, matéria-prima a usar nas colagens ao longo do
workshop. Optou-se pela escolha da lã dado o excesso desse resíduo em estoque no próprio
Banco de Vestuário. Para a escolha das cores, foi decidido que se utilizassem as lãs conforme as
gamas de cores e formatos oferecidos nos próprios resíduos. Nessa fase, também foram
recolhidos resíduos de entretelas colantes pelas artesãs no Banco de Vestuário durante o
workshop e, por fim, foram apresentadas as prensas térmicas para a execução das colagens
têxteis.
A figura 1 apresenta um esquema da metodologia utilizada ao longo do processo de criação e
desenvolvimento dos produtos/acessórios de moda.
Figura 1. Metodologia aplicada no Banco de Vestuário

As peças desenvolvidas neste workshop foram golas, punhos e tiras para posterior aplicação em
peças de vestuário de moda, como podem ser observadas nas Figuras 2.

Figuras 2: Colagens desenvolvidas pelas artesãs para posterior aplicação em vestuário de moda.

Estas peças ainda estão em fase de prototipagem, mas pretende-se colocá-las em breve em linha
de produção sendo a parte da colagem têxtil realizada pelas artesãs do Banco de Vestuário de
Caxias do Sul.

CONCLUSÃO
A presente pesquisa pretende contribuir para o desenvolvimento de novas tecnologias eco-
amigáveis, com a diminuição de desperdícios e aumento da inovação através de novas
visualidades que agregam factores de diferenciação aos produtos de vestuário de moda. Apesar
dos protótipos ainda estarem em fase de testagem, acredita-se que essa investigação esteja no
rumo certo para o desenvolvimento de produtos sustentáveis com grande valor agregado. O
próximo passo dessa pesquisa será a implementação do processo de criação e desenvolvimento
dos produtos/acessórios de moda em linha de produção para que as artesãs pertencentes aos
mais variados tipos de comunidades possam ter uma renda económica para auxiliá-las nos seus
próprios sustentos e de suas respectivas famílias.
REFERÊNCIAS
[Chehebe02] Chehebe, José Ribamar B. Análise do ciclo de vida de produtos: ferramenta gerencial
da ISO 14000. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2002.
[Edwards10] Edwards, Andres R. The Sustainability Revolution. Canada: New Society Publishers,
2010.
[Fuad-Luke10] Fuad-Luke, Alastair. EcoDesign: The Sourcebook. São Francisco, CA: Chronicle Books,
2010.
[Manzini e Vezolli02] Manzini, Ezio e Vezolli, Carlo. O desenvolvimento de produtos sustentáveis : os
requisitos ambientais dos produtos industriais. São Paulo: EDUSP /Editora da Universidade de São Paulo,
2002.
[Rüthschilling e Anicet06] Rüthschilling, E. e Anicet, A. Design de superfície em 3 dimensões aplicado à
moda. In: XXII CNTT Congresso Nacional de Têxteis Técnicos. Pernambuco, 2006.
[Straliotto09] Straliotto, L. M. Ecodesign de jóias: estudo de casos de reuso e reciclagem. Porto
Alegre: UFRGS - Programa de Pós-Graduação em Design, 2009. Dissertação de mestrado em
Design.

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