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-_ Experiéncia Matematica Philip J Davis A historia de uma ciéneia Reube h em tudo e por tudo fascinante. Frandsco: Alves q DA CERTEZA A FALIBILIDADE Platonismo, Formalismo, Construtivismo E VOCE FAZ MATEMATICA todos 0s dias, ela lhe S parece a coisa mais natural do mundo. Se vocé para ¢ pensa sobre que esta fazendoe o que isso significa, ela Ihe parece uma das coisas mais misteriosas. Co- mo podemos falar de coisas que ninguém jamais viu, ¢ compreendé-las mais do que os objetivos da vida diaria? Por que a geometria cuclidiana ainda é correta, enquanto que a fisica de AristOteles ja morreu ha muito tempo? © que sabe- mos na matematica, ecomo'o sabemos? Em qualquer discuss%o sobre os fundamentos da ma- tematica sao apresentados trés dogmas-padrao: @ platonis- mo, 0 formalismo ¢o canstrutivismo. Segundo o platonisma, os objetos matematicos sao reais. Sua existéncia ¢ um fato objetivo, totalmente independente denosso conhecimento sobre eles. Conjuntos infinitos, con- juntos infinitos ndo-enumeraveis, variedades de dimensdo infinita, curvas que enchem espaco — todos os membros do zoolégico matematico. sao objetos definidos, com pro- priedades definidas, algumas conhecidas, muitas desconheci- das. Estes objetas nao sao, naturalmente. fisicos OU mate: riais. Existem fora do espago e do tempo da experiencia fisi- ca. Sdo imutaveis — nao foram criados, ¢ nao mudarao ou desaparecerao. Qualquer pergunta significativa sobre um ob- jeto matematico tem uma resposta definida, quer sejamos capazes ou ndo de determina.ta. Segundo.o platonismo, um matematico é um cientista empirico, como um gedlogo; nao pode inventar nada, pois tudo ja existe. O que pode fazer € descobrir coisas. René Thom e Kurt Gédel sao dois adeptos entusiastas do platonismo. Thom escreve (1971), 359 “‘Levando tudo em conta, 0s mateméticos deveriam ter a coragem de suas convicgOes mais profundas e afirmar assim que as formas ma- tematicas tém, com efeita, uma existéncia que ¢ independente da men- teque as contempla... Noentanto, a qualquer tempo, 03 matemticos tém somente uma visao incompleta e fragmentiria deste mundo das ideias."" EGédel ““Malgrado seu distanciamento da experitncia dos sentidos, temos algo como que uma percepgio também clos abjetos da teoria dos con- juntos, como se depreende do fato de que os axiomas se impr a nds como verdadeiros. Nao vejo nenhuma razio por que deveriamos ter menos confianca neste tipo de percepyao, isto ¢, na intuicdo matemati- ca, do que na percepgdo dos sentidos... Esses abjetos podem também representar um aspecto da realidade objetiva.”” O mundo das idéias de Thom é geométrico, enquante que 0 de Gédel ¢ 0 universo da teoria dos conjuntos. De outro la- do, temos Abraham Robinson “Nao consigo imaginar que voltarei jamais ao credo do verdadei- ro platonista, que percebe 0 mundo do infinito real estendido a seus pés, ¢ que pode compreender o incompreensivel.”” (A. Robinson, 1969) Segundo o formalismo, por outro lado, nao ha objetos matematicos. A matematica consiste somente em axiomas, definigdes e teoremas — em outras palavras, formulas. Em uma visdo extrema, existem regras por meio das quais se de- duz uma férmula.da outra, mas as formulas nao so sobre alguma coisa: séo somente cadeias de simbolos. Naturalmen- te o formalismo sabe que, por vezes, as formulas matemati- cas sao aplicadas a problemas fisicos. Quando ¢ dada interpretacdo fisica a uma formula, ela adquire um signifi do, ¢ pode ser verdadeira ou falsa. Mas esta verdade ou fe dade tem a ver com a propria interpretacao fisica. Co uma férmula puramente matematica, ela ndo tem signifi do nem de uma verdade. Um exemplo que demonstra a diferenca entre 0 formali ¢ 0 platonista aparece na hipétese do continuo de Cant Cantor conjecturou que nao existe cardinal infinito que maior do que X, (a cardinalidade dos inteiros) e menor que ¢ (a cardinalidade dos niimeros reais). K. Gédel e P. 360 Cohen mostraram que, baseando-se nos axiomas da teoria formal dos conjuntos, a hipotese do continuo ndo pode nem ser demonstrada (Gédel, 1937) nem negada (Cohen, 1964). (Veja o Capitulo 5, Teoria dos Conjuntos Nao-Cantoriana.) Para um platonista, isso significa que nossos axiomas sdo in- completos como uma descri¢ao do conjunto dos numeros reais. Nao sdo suficientemente fortes para nos contar toda a verdade. A hipétese do continuo ¢ ou verdadeira ou falsa, mas ndo compreendemos suficientemente bem o conjunto dos nimeros reais para descobrir a resposta. Para o formalista, por outro lado, a interpretacdo plato- nista ndo faz sentido, pois nado ha sistema dos niimeros reais, a nao ser da forma que escolhemos cria-lo, estebelecendo os axiomas para descrevé-lo. Naturalmente temos liberdade de modificar este sistema de axiomas se desejarmos fazé-lo. Uma tal modificacdo pode ser por conveniéncia ou por util dade ou algum outro critério que resolvermos introduzir; nao pode tratar-se de uma melhor correspondéncia com a realidade, pois ai nao ha realidade. Os formalistas ¢ platonistas estao em extremos opostos do problema da existéncia e da realidade; mas nao discutem so- bre que principios de raciocinio deveriam ser admissiveis na pratica matematica, Opostos a ambos estdo os construtivis- tas. Os construtivistas consideram matematica genuina so- mente 0 que pode ser obtido por uma construco finita. O conjunto dos nimeros reais, ou qualquer outro conjunto in- finite, nao pode ser obtido desta maneira. Conseqtientemen- te, @ construtivista considera a hipdtese de Cantor palavras sem sentido, Qualquer resposta seria pura perda de tempo. 361 O Dilema Filoséfico do Matematico Praticante sunto parece concordar que o matematico pratica- mente tipico é um platonista nos dias de semanae um formalista nos domingos. Isto ¢, quando esta fazen- do matematica ele est conyencido de que esta lidando com uma realidade objetiva cujas propriedades esta tentanda determinar. Mas, quando desafiado a prestar contas filosdficas desta reali- dade, acha mais facil fingir que nao acredita realmente nela. Citaremos dois autores bem conhecidos: A MAIOR PARTE DOS ESCRITORES sobre o as- “Quanta aos fundamentos, acreditamos na realidade da ma- tematica, mas naturalmente quando os filosofos nos atacam com seus paradoxos, corremos ¢ nos escondemos atras do formalism ¢ dizemos, “A matematica é somente uma combinagao de simbolos sem sentido,’ ¢ mostramos os Capitulos 1 e 2 da tcoria dos conjun- tos. Finalmente, deixamos em paz para que regressemos a nossa ma- tematica ¢ para fazt-la como sempre a fizemos, com 0 sentimento, que cada matematico tem, de que esta trabalhando com algo real Esta sensacdo € provavelmente uma ilustio, mas ¢ muito eonvenien- te, Esta € a atitude de Bourbaki em rclacdo aos fundamentos,"* (JA. Dieudonné, 1970, p. 145.) “Para o matematico médio, que deseja simplesmente saber que seu trabalho tem bases exatas, a escolha mais convidativa € evitar as dificuldades, através do programa de Hilbert. Nele, encara-se a ma- tematica como um jogo formal e s6 se esté preocupado com 0 pro- blema da consisténcia... A posigde Reallista [isto & platonista] ¢ pro- vavelmente a que a maior parte dos matemiticos preferiam adotar, Somente quando se tornar consciente de aleumas das dificuldades da teoria dos conjuntos ¢ que 0 matemitico comecara a questiond- la Seestas dificuldades o inquictam particularmente, ele correra pa tao abrigo do formalismo, enquanto que sua posicao normal ser em algum ponto entre as duas, tentando destrutar 0 melhor de dois 362 mundos.”' (P.J. Cohen, ‘Axiomatic Set Theory”", editor D. Scott.) Nestas citacdes de Dieudonné e Cohen usamos o termo “formalismo”’ para significar a posic4o filos6fica segundo a qual quase toda ou toda a matematica pura € um jogo sem sentido. Deveria ser Sbvio que rejeitar o formalismo como uma filosofia da matematica nado implica de maneira nenhu- ma qualquer critica 4 l6gica matematica. Pelo contrario, os légicos, cuja propria atividade matemitica é 0 estudo dos sis- temas formais, estao na melhor posicao para avaliar a diferenca enorme entre a matematica como € feita ¢ a ma- tematica como € esquematizada na nocao de um sistema ma- tematico formal. Segundo Monk, o mundo matemiéatico esta habitado por 65% de platonistas, 30% de formalistas e 3% de construti- vistas. Nossa propria impressao é que o retrato tragado por Cohen-Dieudonné estA mais proximo da verdade. O ma- tematico tipico é ao mesmo tempo um platonista ¢ um fo! malista — um platonista secreto com uma mascara formali: ta que ele pde sempre que a ocasiao o pede. Os construtivis- tas so uma espécie rara, cujo status no mundo matematico parece por vezes ser o de hereges tolerados, cercados pelos membros ortodoxos de uma igreja. Leituras Suplementares. Veja a Bibliografia J. Diewdonné (1970); M. Dummett; K. Godel; L. Henkin; J.D. Monk; A. Robinson; R. Thom; D. Scott 363 O Mito de Euclides VISAO QUE OS MANUAIS dao da filosofia da ma- A tematica € estranhamente fragmentaria. O leitor ‘a com a impressao de que 0 assunto surgiu por inteiro pela primeira vez no fim’ do século dezeno- ve, em resposta as contradicées da teoria dos conjuntos de Cantor. Naquela época, falava-se de uma “crise dos funda- mentos’’. Para restabelecer os fundamentos apareceram em cena trés escolas, e gastaram trinta ou quarenta anos a discu- tir entre si. Verificou-se que nenhuma das trés podia real- mente fazer muito a respeito dos fundamentos, e a historia terminou incompleta uns quarenta anos atras, com White- head ¢ Russell abandonando 0 logicismo, o formalismo de Hilbert derrotado pelo teorema de Godel, ¢ Brouwer a pre- gar o construtivismo em Amsterda, ignorado por todo 0 res- to do mundo matematico. Este episodio da historia da matematica é na yerdade notavel. Certamente foi um periodo critico na filosofia da matematica. Mas, por uma mudan¢a marcante no significa- do das palavras, o fato de que o fundamentismo foi em um certo periodo critico a tendéncia dominante na filosofia da matematica conduziu a identificagao virtual da filosofia da matematica com o estudo dos fundamentos. Uma vez feita esta identificacdo, ficamos com uma impressdo peculiar: a filosofia da matemética foi um campo ativo durante quaren- ta anos. Foi despertada pelas contradigGes da teoria dos con- juntos, ¢ apés algum tempo voltoua dormir. Em verdade, sempre houve um pano de fundo filoséfico, mais ou menos explicito, do pensamento matematico. O periodo fundamentista foi um em que matematicos preemi- nentes estavam abertamente preocupados com problemas fi- losoficos, ¢ se empenharam em controvérsias piblicas sobre eles. Para entender o que aconteceu durante aquele periodo, dever-se-ia ver o que aconteceu antes ¢ depois. Ha duas correntes de historia que deveriam ser observa- das. Uma é a filosofia da matematica; a outra é a propria 364 365 matematica. Pois a crise foi uma manifestacdo de uma dis- crepancia duradoura entre o ideal tradicional da matematica, que podemos chamar de mito de Euclides, ¢ a realidade da matematica, a pratica real da atividade matematica em um instante dado qualquer. O bispo Berkeley reconheceu esta discrepancia em 1734, em seu livro, The Analyst. O livro ti- nha um longo subtitulo, A Discourse Addressed to an Infidel Mathematician, Wherein it is Examined Whether the Object, Principles and Inferences of the Modern Analysis are More Distinctly Conceived, or More Evidently Deduced, than Re- ligious Mysteries and Points of Faith. “First east out the beam of thine own Eye; and then shalt thou see clearly to cast the mote out of thy brother’s Eye.’* (O infiel era Ed- ; mund Halley.) Berkeley expds as obscuridades ¢ inconsisténcias do caleu- lo diferencial, como explicado em sua é¢poca por Newton, Leibnitz e seus seguidores. Ou seja, mostrou como 0 caleulo estava longe de se ajustar a idéia da matematica segundo 0 | mito de Euclides. - O que €0 mito de Euclides? E a crenga de que os livros de Euclides contém verdades sobre o universo, claras e indu- bitaveis. Partindo de verdades evidentes, por si préprias ¢ a procedendo por demonstrasées rigorosas, Euclides chega a conhecimento certo, objetivo ¢ eterno. Mesmo agora, parece que a maior parte das pessoas com instrucao acredita no mi- to de Euclides. Até o meio ou fim do século dezenove, o mito reinava sem desafios. Todos acreditayam nele. Foi o maior suporte da filosofia metafisica, isto ¢, da filosofia que procu- tava estabelecer certezas a priori sobre a natureza do univer- 30. As raizes da filosofia da matematica, como da prépria ma- D tematica, esto na Grécia classica. Para os gregos, ma- O guctrade sobre @ diago- tematica significava geometria, ¢ a filosofia da matematica rao sobte 0 iado AB.Pia- de Platao ¢ Aristételes € a filosofia da geometria. ne possuimos eo. Para Plat&o, a missao da filosofia era descobrir 6 conheci- ie wie stor entg yerdadcira por tras do véu da opinido ¢ da aparéncia, das mudaneas ¢ ilusées do mundo temporal. Nesta missdo, a + Um Discurso Enderegado a um Matematico Infiel, no qual ¢ Examinado s¢ 0 Ob- Jeto, 08 Principios eas Inferéncias da Anilise Moderna sio mais Claramente Concebidos ou mais Evidentemente Deduridos do que os Mistérios Religiosos ¢ Assuntos da Fé. ‘*Retira Primeiro a Trave de teu Proprio Olho; Poderds entao ver Claramente e Retirar 0 Algueire do Olho deteu Irmio"’ 366 matematica tinha um papel central. pois o conhecimento ma- tematice era um exemplo notavel de conhecimento indepen- dente da experiéncia dos sentidos, conhecimentos de verda- des eternas e necessarias. _ No livro Meno, de Plato, Sécrates interroga um menino *eScravo, e 0 conduz a descobrir que a 4rea do quadrado gran- de (veja a figura) é duas vezes a do quadrado ABCD, cuja diagonal € 0 lado do quadrado maior. Como é que o menino escravo sabe disso? Socrates argumenta que o menino nao aprendeu tal coisa nesta vida mortal, de maneira que seu co- mhecimento deve ser uma recordac¢ao da vida antes de seu nascimento. Para Plato, este exemplo mostra que ha algo como 0 conhecimento verdadeiro, conhecimento do eterno. Platdo argumenta que: 1, Conhecemos as verdades da geometria que ainda nao aprendemos pela educagao ou experiencia. 2. Este conhecimento é um exemplo das verdades univer- sais, imutAveis que, com efeito, podemos perceber ¢ reconhe- cer. 3. Assim, deve existir um reino de verdade absoluta, imutavel, a fonte e a base de nosso conhecimento do Bem. A.concepeao de Plato da geometria era um elemento-cha- ve em sua concepcao do mundo. A geometria desempenhou um papel semelhante para os filosofos racionalistas, Spino- za, Descartes ¢ Leibnitz. Como Platao, os racionalistas con- sideravam a faculdade da Razdo como um traco inato da mente humana, pelo qual as verdades podiam ser-percebidas a priori, independentemente da observacdo. Por exemplo, posso estar enganado em pensar que estou sentado 4 minha mesa componde esta frase, ¢ posso seguramente estar enga- nado em pensar que o sol se levantara amanha, mas de ne- nhuma maneira posso estar enganado em meu conhecimento de que a soma dos 4ngulos de um triangulo é igual a um an- gulo plano. (O exemplo favorito de uma afirmativa indubita- velmente verdadeira, para Spinoza, era este teorema de Eu- clides, que, incidentemente, prova-se falso em geometria ndo-euclidiana.) A Razao era a faculdade que permitia ao homem conhecer o Bem ¢ conhecer o Divino. A existéncia desta faculdade era 367 percebida da melhor maneira na matematica. A matematica partia de verdades evidentes, por si préprias e prosseguia por raciocinios cuidadosos para descobrir verdades ocultas. As verdades da geometria tinham como objeto formas ideais cuja existéncia era evidente 4 mente. Duyidar de sua existén- ‘cia seria sinal de ignordncia ou.de insanidade. A matematica e a religido eram exemplos preeminentes de conhecimento obtido pela Razio. O conhecimento do Bem em Platao foi transmutado no conhecimento de Deus no pen- samento dos racionalistas da Renascenca. ‘O servigo que o racionalismo prestou a ciéncia foi negar a supremacia da autoridade, em particular da autoridade reli- giosa, enquanto mantinha a verdade da religido. Esta filoso- fia abriu espaco para que a ciéncia crescesse sem ser estran- gulada como rebelde. Exigia para a Razio — em particular para a ciéncia — o direito 4 independéncia da autoridade — em particular, da autoridade da Igreja. No entanto, esta in- dependéncia da razdo no era muito perigosa 4 autoridade, pois os filésofos declaravam que a ciéncia nada mais era se- nado o estudo de Deus. ‘Os céus proclamam a gloria de Deus 0 firmamento mostra Seu trabalho.” A existéncia de objctos matematicos em um reino de idéias independentes das mentes humanas nao apresentava dificul- dades para Newton ou Leibnitz; como cristaos, aceitavam a existéncia de uma Mente Divina. Neste contexto, a existéncia de objetos ideais tais como niimeros ou formas geométricas nao é problema. O problema ¢, ao contrario, justificar a existéncia de objetos nao-ideais, materiais. Depois que o ra- cionalismo conseguiu substituir o escolasticismo medieval, foi desafiado por sua vez pelo materialismo e o empirismo; por Locke ¢ Hobbes na Inglaterra e pelos Enciclopedistas na Franga. Na disputa entre o racionalismo ¢ o empirismo, foi o progresso da ciéncia natural baseada no método experimen- tal que deu ao empirismo sua vitoria decisiva. A sabedoria convencional na ciéncia tornou-se a crenca no universo mate- rial como sendo a realidade fundarnental, com a experimen- tactio ¢ a observacdo sendo os tinicos meios legitimos de ob- ter conhecimento. Os empiristas afirmayam que todo conhecimento, exceto 0 conhecimento matematico, provinha da observacao. Geral- mente ndo tentavam explicar como é obtido o conhecimento matematico. Uma excec4o foi John Stuart Mill. Ele propés 368 uma teoria empirica do conhecimento matematico — que a matematica ¢ a ciéncia natural em nada diferente das outras. Por exemplo, sabemos que 3 + 4 = 7 pois observamos que, unindo uma pilha de trés botdes a uma pilha de 4 botGes, ob- temos uma pitha de sete botdes. Frege, em seu Fundamentos da Aritmética, ridiculariza a crueza de Mill, ¢ € somente na critica de Frege que se discute a filosofia matematica de Mill, hojeem dia. Na controvérsia filosofica, em primeiro lugar entre o ra- cionalismo ¢ 0 escolasticismo, mais tarde entre o racionalis- tho ¢ as novas correntes radicais do empirismo e do materia- lismo, a santidade da geometria nunca foi questionada. Os fildsofos discutiam se partimos da Razdo (0 que os seres hu- manos possuem como uma dadiva do Divino) para descobrir as propriedades do mundo fisico, ou se temos somente nos- sos sentidos fisicos com os quais vamos descobrir as proprie- dades dos objetos fisicos e de seu Criador. Nestas batalhas, ambos os lados aceitavam que o conhecimento geométrico nao é problematica, mesmo se todo o resto do conhecimento o é. Hume, em sua célebre instrucdo ‘‘Lance-o as chamas’’, excetuou somente os livros de matematica ¢ os de ciéncia na- tural. Até mesmo ele nao percebeu problemas em definir o status do conhecimento matematico. Para os racionalistas, a matematica era o melhor exemplo para confirmar sua viséo do mundo. Para os empiristas, ela ‘era um contra-exemplo embaracoso, que tinha que ser igno- rado ou explicado de alguma maneira. Se, como pareceu ébvio, a matematica contém conhecimento independente da percepeao dos sentidos, entéo o empirismo ¢ inadequado co- mo explicagdio de todo o conhecimento humano. Este emba- taco ainda nos acompanha; é uma das razes de nossas difi- culdades com a filosofia da matematica. Temos tendéncia de esquecer que o ponto de vista cientifico modermo ganhou supremacia somente no século passado. Na época de Russell ¢ Whitehead, somente a légica ea matematica podiam ainda ser tidas como conhecimento ndo-empirico obtido diretamente pela Razao. ‘A matemitica sempre desempenhou um papel especial na batalha entre o racionalismo e o empirismo. O matematico comum, com sua crenca, dada por seu senso comum, na ma- tematica como conhecimento, é 0 Ultimo vestigio do raciona- lismo. 369 Do ponto de vista costumeiro entre os cientistas de hoje, a prevaléncia do Platonismo, como uma filosofia de trabalho tacita ou informal, é_uma_anomalia_notavel. As hipéteses aceitas na ciéncia sdo agora, ¢ tém sido por muitos anos, as do materialismo’no que diz respeito a ontologia, ¢ do empi- ismo*fio que diz respeito a logia. Isso quer dizer que o mundo € feito de uma. mada de matéria e es- tudada pelos fisicos; se a matéria se apresenta em configura- ges mais complicadas, torna-se 0 objeto de ciéncias mais es- peciais com sua propria metodologia, tais como a quimica, a ioe geologia e a biologia. Aprendemos sobre o mundo observan- 1931-1916 do-o ¢ meditando sobre o que vemos. Até que olhemos, no temos nada sobre o que pensar. No entanto em matematica temos conhecimento de coisas que nunca observamos ¢ ndo podemos nunca observar. Pelo menos, este ¢ 0 ponto de vista ingénuo que adotamos quando nao estamos tentando ser filos6ficos. No fim do século dezoito, chegamos ao cume da filosofia classica, com Kant, cujo trabalho tentou unificar as duas tra- digSes conflitantes do racionalismo ¢ do empirismo. A me- tafisica de Kant ¢ uma continuacdo da heranga platGnica, da procura da certeza e da imutabilidade no conhecimento hu- mano. Kant tentava refutar as criticas de Hume sobre a pos- sibilidade da certeza no conhecimento humano. Fez uma dis- ting4o nitida entre o noumena, as coisas nelas préprias, que n&o podemos jamais conhecer, ¢ os fenGmenos, as aparén- cias, que sAo tudo sobre 0 que nossos sentidos nos podem di- zer alguma coisa. Mas, malgrado seu ceticismo cauteloso, a principal preocupacdo de Kant era ainda o conhecimento a priori — conhecimento que independia do tempo e da expe- riéncia. Ele distinguiu dois tipos de conhecimentos a priori. ~__.0 “‘a priori analitico”’ é 0 que sabemos ser verdadeiro pela analise Idgica, pelo exato significado dos termos usados. Kant, como os racionalistas, acreditava que possuimos também um outro tipo de conhecimento a priori, que nao ¢ simplesmente truismo logico. Este ¢ o “‘a prigri-sintético’’ Nossas intuigdes do tempo e do espaco, segundo Kant, repre- sentam tal conhecimento. Ele explica sua natureza a priori afirmando que estas intui¢Ges sdo propriedades inerentes ao espirito humano. Nosso conhecimento do tempo é sistemati- zado na aritmética, que se baseia na intuigdo da sucessdo. Nosso conhecimento do espago é sistematizado na geome- Karl Weierstrass 1815-1897 Yo Lom AY ee Ny i to wend om Para Kant, como para Platdo, ha somente uma geome- —a mesma_que hoje chamamos de euclidiana, para gui-la de muitos outros sistemas de conceitos que jbém S40 chamados geometrias. As verdades da geome- eda aritmética se nos impdem pela maneira como fun- ‘Giona nossa mente. rar Isso explica por que sao supostamente validas para todos, endentemente da experiéncia. As intuigées do tempo espaco, sobre as quais esto baseadas a aritmética ea geo- ia, SAo objetivas no sentido de que ség_universalmente ‘existéncia fora da mente humana; contudo o mito de Eucli- des permanece como um elemento central na filosofia kan- fiana. O dogma kantiano do a priori permaneceu uma influéncia dominante na filosofia da matematica, adentrando o século vinte. Todas as trés escolas de fundamentos tentaram manter a matematica na posic¢fo especial que Kant lhe tinha concedi- do. Os Fundamentos, TE BOA PARTE do século dezenove, o mito de Euclides estava tao bem firmado entre os ma- tematicos quanto entre os fildsofos. A geometria era considerada por todos, inclusive os matemati- cos, como © mais firme ¢ mais confidvel ramo do conheci- mento. A andlise matematica — 0 caleulo € suas extensdes ¢ . 371 Achados e Perdidos. Alfred North: Whitenead 1861-1947 Berivand Russell 41872-1970 Gottlob Frage 1848-1925 ramificagdes — obtinha seu significado e legitimidade de suas ligacdes com a geometria. Nao necessitamos usar o ter- mo “‘geometria euclidiana’” pois 0 uso do adjetivo se tornou necessario significative somente apés a possibilidade de mais de uma geometria ter sido reconhecida. Até esse reco- nhecimento, a geometria era simplesmente a geometria — 0 estudo das. propriedades do espaco: Estas existiam absoluta € independentemente, eram objetivamente dadas, sendo 0 exemplo supremo de propricdades do universo que eram exa- tas, eternas e cognosciveis com certeza pela mente humana, Varios desastres aconteceram no século dezenove. Um d les foi a descoberta das geometrias nao-euclidianas, que mo: traram que havia mais de uma geometria imaginavel. Um outro mais serio foi o desenvolvimento da analise de tal maneira que ultrapassou a intuicéo geométrica, como na descoberta das curvas que enchem © espago e€ curvas continuas que nao tém derivada em nenhum ponto. Estas surpresas chocantes expuscram @ vulnerabilidade do unico alicerce solido — a intuigao geométrica — sobre 0 qual se pensava que repousava a matematica. A perda da certeza na geometria foi filosoficamente intoleravel, pois implicou na perda de toda a certeza no conhecimento humana. A geome- tria tinha servido, desde PlatZo, como o exemple supremo da possibilidade dessa certeza-~ ae ore Os mateméaticos do século dezenove enfrentaram 0 desafio Aaltura. Liderados por Dedekind e Weierstrass, passaram da geometria a aritmética como fundamento para a matemati- ca. Para fazer isso, foi necessario apresentar uma eonstrugao do continuo linear, isto ¢, do sistema dos nimeros reais, para mostrar como ele podia ser construido a partir dos inteiros 1, 2, 3... Foram propostos trés métodos para se fazer isso, por Dedekind, Cantor ¢ Weierstrass. Em todos os trés métodos, foi necessario usar algum conjunto infinito de numeros ra- cionais, a fim de definir ou construir um nimero real. As- sim, no esforco de reduzir a analise ¢ a geometria a aritméti ca, introduziram-se conjuntos infinitos nos fundamentos da matematica. A teoria dos conjuntos foi desenvolvida por Cantor como um ramo novo e fundamental da matematica por seu direito. Parecia que a idéia de um conjunto — uma colecao arbitraria de objetos distintos — era to simples ¢ fundamental que po- deria ser 0 tijolq, com o qual poderia ser construida toda a 372 ematica. Até a aritmética podia ser reduzida (ou clevada) uma ¢strutura fundamental a uma secundaria, pois Frege strou que os numeros naturais podiam ser construidos do ida — isto é, do conjunto vazio — usando-se as operacdes da teoria dos conjuntos. A teoria dos conjuntos parecia, a principio, ser quase 0 mesmo que a lgica. A relacdo de incluso em teoria dos con- juntos, A é um subconjunto de B, pode ser sempre restrita como a relacao logica de implicacdo, “Se A, entdo b.”’ As- sim parecia possivel que a ldgica da teoria dos conjuntos po- deria servir de fundamento para toda a matematica. ‘‘Légi- ca’, como_compreendida neste contexto, refere-se-as_leis_ fundamentais da razdo, a rocha alicerce do universo. A lei da contradigdo e as regras de implicacao s4o consideradas como objetivas ¢ indubitaveis. Mostrar que toda a matematica é somente uma elaboracdo das leis da ldgica teria sido uma justificativa do platonismo, transferido ao resto da ma- femAatica a indubitabilidade da propria légica. Este foi o pro- grama logistico, elaborado por Russell e Whitehead em seu Principia Mathematica. Como toda a matematica pode ser reduzida a teoria dos conjuntos, tudo o que necessitamos considerar sAo os funda- mentos da teoria dos conjuntos. No entanto, foi o proprio Russell quem descobriu que a nocdo aparentemente transpa- rente de conjunto continha armadilhas inesperadas. As controvérsias do fim do século dezenove ¢ do inicio do século vinte ocorreram devido 4 descoberta de contradicdes na teoria dos conjuntos. Uma palavra especial — “‘antino- mias” — foi usada como um eufemismo para contradigées deste tipo. Os paradoxos surgiram da crenca de que qualquer atributo razoavel — qualquer descrig&éo verbal que parecesse fazer sentido — poderia ser usado para definir um conjunto, o conjunto dos objetes que gozassem da propriedade enuncia- da. O mais famoso exemplo de tal conjunto foi descoberto pe- lo préprio Russell. Para enunciar o paradoxo de Russell, de- finimos um ‘‘R-conjunto”” como um “‘conjunto que se in- clui’’. (Um exemplo é ‘‘o conjunto de todos os ee des- critos por exatamente treze palavras ¢m port *”) Consi- dere agora um outro conjunto M: o conjunto me membros so todos os conjuntos possiveis, excefo os R-conjuntos. Mé um R-onjunto? Nao. M nao ¢ um R-conjunto? Mais uma 373 3<¢ vez, nfio. Moral: a definigao de M, que parecia inofensiva, embora um pouco capciosa, é autocontraditéria. Russell enviou seu exemplo em uma carta a Gottlob Frege. Frege estava prestes a publicar um trabalho monumental em que a aritmética era reconstruida baseada nos fundamentos da teoria dos conjuntos em sua forma intuitiva. Frege adicio- nou um pés-escrito a seu tratado — “Um cientista dificil- mente pode deparar-se com algo to indesejavel do que ver os fundamentos ruirem exatamente quando seu trabalho esta terminado. Fui colocado nesta posicao por uma carta do Sr. Bertrand Russell, quando o trabalho ja estava quase todo impresso.”” O paradoxo de Russell ¢ outras antinomias mostraram que a légica intuitiva, longe de ser mais segura do que a ma- tematica classica, era em verdade muito mais traicocira, pois Podia conduzir a contradigées de uma maneira que nunca acontece na aritmética ou na geometria. Esta foi a “‘crise dos fundamentos”, 0 problema central has controvérsias famosas do primeiro quarto deste século. Trés remédios principais foram propostos. © programa do ‘‘logicismo”, a escola de Frege e Russell, cra achar uma refermulacao da teoria dos conjuntos que pu- desse evitar 0 paradoxo de Russell e portanto salvar o Proje to de Frege-Russell-Whitehead que baseava toda a ma- tematica nos alicerces da légica. O trabalho referente a este programa desempenhou um pa- pel preponderante no desenvolvimento da légica. Mas foi um fracasso em termos de sua intencdo original. Ao tempo em que a teoria dos conjuntos tinha sido remendada a fim de ex- cluir os paradoxos, ela era uma estrutura complicada, que di- ficilmente podia identifiear-se com a légica no sentido fi- losdfico de “‘regras para o raciocinio correto’’. Assim, tor- nou-s¢ insustentavel propor que a matemética nada mais é do que logica — que a matematica é uma grande tautologia. Russel escreveu “Eu queria certeza da mesma maneira que_as pessoas querem #8 religiosa. Eu pensava que a certeza é mais provavel de ser encontra- dana matemitica do que em qualquer outra coisa, Mas descobri que muitas demonstragSes matematicas, que meus professores espera- vam que cu aceitasse, estavam cheias de falécias, e que, se a certeza 374 -pudesse realmente ser descoberta na matematica, seria em um novo ‘campo da matematica, com fundamentos mais sblidos do que os que tinham até ento sido considerados seguros. Mas enquanto 0 traba- Iho prosseguia, cu me lembrava constantemente da fabula sobre 0 elefante e a tartaruga. Tendo construido um elefante sobre 0 qual poderia repousar o mundo matematico, vi que o elefante cambalea- va, © passei a construir uma tartaruga, para evitar que ele caisse. Mas a tartaruga no estava mais segura do que o clefante, © apds uns vinte anos de trabalho muito &rduo, cheguei A conclusio de que ndio havia mais nada que eu pudesse fazer a fim de tornar o conheci- ‘mento matematico indubitavel.”* (Bertrand Russell, “Portraits from Memory’”.) ‘ Apos 0 logicismo, a grande escola seguinte foi a construti- vista. Ela originou-se com o topdlogo holandés L.E.J. Brou- wer, em torno de 1908. A posicao de Brouwer era de que os nameros naturais nos séo dados por uma intuicao funda mental, que ¢ 0 ponto de partida de toda a matematica. Ele insistia em que toda a matematica deveria estar baseada construtivamente nos numeros naturais. Em outras palavras, 0s objetos matematicos ndo podem ser considerados signifi- cativos, nao podem ser considerados existentes, se nado forem. dados por uma construcdo, em um nimero finito de procedi- mentos, partindo dos numeros naturais. Nao € suficiente mostrar que a hipotese de ndo-existéncia conduziria a uma contradicao. Para os construtivistas, muitas das demonstracées-padrao da matematica classica sdo invalidas. Em alguns casos, con- seguem fornecer uma demonstracdo construtiva. Mas em ou- ‘tos mostram que uma tal demonstracdo é impossivel: teore- mas que sao considerados bem estabelecidos na matematica elassica sio em verdade declarados falsos na matematica construtiva. Um exemplo importante é a “‘lei da tricotomia’’: Qualquer numero real 6 ou zero, ou positivo, ou negativo. Quando os nimeros reais s40 construidos do ponto de vis- ta da teoria dos conjunios, segundo a receita de Dedekind ou Cantor, por exemplo, a lei da tricotomia pode ser demons- 375 Russell ¢ Whitehead foram ont de um prrana ra redutr a matemaicn 9 Ggica. agai, apes 362 paginas, std demonstrada & proposipto aritmaca de quel e122 De, “Prince Mothematico” Cambridge U. Pres. 1900 +5442. boae2.D:8Ca. 1B B¥a.= feria Den. bx54-4. Dhnamceuey.2 BCa.T!6.=:B=A.v.B=cx.v.p [924-58-56.451-161] = 254-95. Transp 59-22. Dhiwky Dee uey te’ (418-12) Shra=cxuey. vty. 3 wtex.at ry F.(1).2). Dhrasexucy.xty,D BCaalp.pea }$11-11-35.*54-101. D4. Prop $0443, b.a,Bel.DianB=A.=.cu fe? Dem. bab: ‘«.B=cy.D :aupe? [a5 [13-13] F.()4111135,5 Gay) Q)AL LS 5s “x. Ba'y.D:auped.= D+ Prop Desta proposicdo decorrerd, quando @ adicito aritmética tiver sido definida, que 1+ 1=2. trada como um teorema. Desempenha um papel fundamen- tal em todo o clculo e andlise. No entanto, Brouwer deu um exemplo de um numero real tal que somos incapazes de demonstrar construtivamente que ele é zero, positivo, ou negativo. (Para detalhes, veja o capitulo seguinte, “x ¢ #”.) Do ponto de vista de Brouwer, este é um contra-exemplo e mostra que a lei da tricotomia é falsa. Em verdade, a demonstragao classica da lei da tricotomia usa demonstragao por absurdo (a lei do terceiro excluido) ¢ desta maneira nao € uma demonstracdo valida, pelos critérios de Brouwer. Embora muitos matematicos preeminentes tenham expres- sado dividas e desacordo sobre os métodos n&o-construtivos € sobre 0 uso livre de conjuntos infinitos, o pedido de Brou- wer de reestruturacdo da andlise a partir dos alicerces pare- ceu pouco razoavel, em verdade fanatico, 4 maioria dos ma- tematicos. 376 Hilbert, em particular, ficou alarmado. “O que Weyl ¢ Brouwer fazem equivale a seguir os passos de Kronecke! Eles tentam salvar a mateméatica langando ao mar tudo o que causa problemas... DispGem-se a retalhar ¢ deformar a cién- cia. Se seguissemos uma reforma como a que sugerem, cor- reriamos o risco de perder grande parte de nosso tesouro mais valioso!” (Hilbert, C. Reid, p. 155) Hilbert empreendeu a tarefa de defender a matematica da critica de Brouwer dando uma demonstracdo matemdtica da consisténcia da matematica classica. Outressim, propds-se a fazer isso por raciocinios de tipo puramente finite, combi- nat6rio — raciocinios que o proprio Brouwer nao poderia re- jeitar. Este projeto envolvia trés passos. (1) Intreduzir uma linguagem formal e regras formais de in- feréncia suficientes para que toda “‘demonstragao correta’”’ de um teorema classico pudesse ser representada por uma de- dugao formal, partindo dos axiomas, com cada passo meca- nicamente verificdvel. Isso j4 tinha sido conseguido em gran- de parte por Frege, Russell Whitehead (2) Desenvolver uma teoria das propriedades combinatérias desta linguagem formal, considerada como um conjunto fi- nito de simbolos sujeitos.a permutacdes e reajustes, confor- me permitido pelas regras de dedusdo, consideradas agora regras de transformagdes de formulas. Esta teoria foi cha- mada ‘‘metamatematica”’. 3) Demonstrar, por meio de raciocinios puramente finitos, que uma contradigao, por exemplo 1 = 0, nao pode ser de- duzida dentro deste sistema. Desta maneira, seriam fornecidos alicerces sdlidos 4 ma- tematica — no sentido de uma garantia de consisténcia. Este tipo de fundamentos nao ¢, de nenhuma maneira, o mesmo que fundamentos baseados em uma teoria que sabe- mos verdadeira, como acreditavamos que o era a geometria, ou pelo menos impossivel de duvidar, como supde-se que se- ja impossivel duvidar da lei da contradigao na légica elemen- tar. Qs fundamentos formalistas de Hilbert, da mesma forma que os fundamentos logisticos, ofereciam certeza ¢ confiabi- lidade a um certo preco. Enquanto que a interpretacdo logi- cista tentava tornar a matematica segura transformando-a em uma tautologia, a interpretacdo formalista tentava torn: 377 Daved Hilbert 1862 1943 Ja segura transformando-a em um jogo sem sentido. O proje- to de ‘‘demonstracées tedricas’’ entra em acdo somente apos 2 matematica ter sido codificada em uma linguagem formal ¢ suas demonstracdes escritas de maneira verificavel por mAquina. Quanto ao significado dos simbolos, isso se torna algo extramatematico. Os escritos ¢ os pronunciamentos de Hilbert mostram sua conviccao plena de que os problemas matematicos so ques- tes sobre objetos reais, e que tém respostas significativas que so verdadeiras da mesma maneira que qualquer afirma- tiva sobre a realidade é verdadeira. Se ele estava preparado para defender uma interpretag&o formalista da matematica, este era o preco que achava necessario pagar para obter a cer- teza. “

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