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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE DIREITO

LUCAS MACIEL ALMEIDA DE MIRANDA

O USO DO DESARMAMENTO CIVIL COMO FORMA DE PROMOVER O


CONTROLE SOCIAL

Goiânia
2017
LUCAS MACIEL ALMEIDA DE MIRANDA

O USO DO DESARMAMENTO CIVIL COMO FORMA DE PROMOVER O


CONTROLE SOCIAL

Trabalho de conclusão de curso apresentado


à Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Goiás como requisito para a
obtenção do título de Graduação em Direito.

Orientadora: Prof. ª M. ª Cláudia Helena


Nunes Jacó Gomes.

Goiânia
2017
AGRADECIMENTOS

Acima de tudo à Deus que me permitiu ingressar e concluir esse curso


acompanhado de excelentes amigos e professores, aos meus pais e irmãos que
sempre me apoiaram nas minhas necessidades, não apenas durante a execução
deste trabalho, mas em todos os momentos trabalhosos da minha vida
acadêmica.

Aos meus amigos do Ministério Público do Estado de Goiás, Rodrigo Silva


e Josias Ferreira, que em conversas rotineiras me ajudaram com ideias,
apontamentos e indicações bibliográficas, e, por fim, a minha orientadora Me.
Cláudia Helena Nunes Jacó Gomes que tem atuado brilhante e corajosamente
como voz dissonante em meio a um cenário acadêmico que tem se esquecido
da enorme importância que têm a pluralidade e os debates de ideias.
“Ele lhes disse: Mas agora, se vocês
têm bolsa, levem-na, e também o saco
de viagem; e, se não têm espada,
vendam a sua capa e comprem uma.”

(Lucas 22:36)
RESUMO

No mundo contemporâneo, políticas que promovem o desarmamento civil se


fazem presentes não apenas no Brasil, mas são aplicadas em diversos governos
e, quando ainda não praticadas, as autoridades cultivam uma constante
ansiedade pela implementação destas, supostamente fundadas na busca pelo
controle da criminalidade. Concomitantemente, cada dia surgem mais pesquisas
e análises de dados que apontam para a ineficácia deste tipo de política na
redução da violência, frente a isto, o presente trabalho tem como objetivo
compreender a razão pela qual governos ainda buscam o desarmamento de
seus cidadãos uma vez que a eficácia do mesmo no controle do crime é
duvidosa. Inicialmente através da análise histórica do crescimento exponencial
do poder estatal ao longo dos séculos, bem como, do estudo comparativo entre
a evolução política da aplicação de políticas desarmamentistas na Inglaterra e
no Brasil, verifica-se que a adoção de práticas de desarmamento civil sempre
visam o controle social. Vemos por meio da análise estatística que a restrição do
acesso a armas de fogo pela população civil tem apontado para a não diminuição
das taxas criminais, logo o próprio motivo alegado pelos legisladores como
fundamento de tais medidas é falso. A história demonstra que este tipo de
política sempre foi utilizada como ferramenta para a manutenção do poder
estatal, desde para controlar rebeldes ao governo vigente, seja a monarquia,
aristocracia ou república, até para retirar do povo o poder restritivo sobre as
ações do governo que este possui. Uma população desarmada fica refém não
só dos criminosos, mas também do estado, os quais, por sua vez, estão ambos
sempre bem armados.

Palavras-chave: Controle de Armas. Desarmamento Civil. Controle Social.


Redução da Criminalidade. Lei 10.826/2003.
ABSTRACT

In the contemporary world, policies that promote civil disarmament are not only
present in Brazil, but are applied in several governments and, when not yet
practiced, the authorities cultivate a constant anxiety for the implementation of
these, all supposedly based on the search for crime control. Concomitantly, more
and more researches and analysis of data are published every day, pointing to
the ineffectiveness of this type policy in violence reduction, thus, the objective of
this paper is to understand why governments are still seeking to disarm their
citizens once that the effectiveness of this policy in crime control is questioned.
Initially through the historical analysis of the exponential growth of the state power
over the centuries, as well as the comparative study between the political
evolution of the implementation of disarmament policies in England and Brazil,
we verify that the adoption of civil disarmament practices always aim to promote
social control. We clearly see from the statistical analysis that the restriction of
the access to firearms by the civilian population is not pointing to a reduction of
criminal rates, so the very own motivation claimed by legislators as being the
basis for such measures is false. History shows that this type of policy has always
been used as a tool for the maintenance of the state power, from controlling
rebels to the current government, be it the monarchy, the aristocracy or the
republic, to even withdrawing from the people the restrictive power over the
government's actions. An unarmed population is not hostage only to criminals but
also to the state, which, in turn, both are always very armed.

Keywords: Gun Control, Civil Disarmament. Social Control. Reduce Criminality.


Law 10.826/2003.
SUMÁRIO

1 DO NASCIMENTO DA COROA......................................................................07
1.1 Das Guerras.................................................................................................07
1.2 Da Democracia Autoritária............................................................................10
1.3 Da Coroa e o conflito entre Poderes.............................................................14

2 A INEFICIÊNCIA DO DESARMAMENTO CIVIL.............................................17


2.1 A maior pesquisa já feita...............................................................................18
2.2 Dos principais pontos debatidos. .................................................................19
2.2.1 Do complexo de Vira-Lata e o Velho Oeste Brasileiro................................19
2.2.2 Dos acidentes domésticos. .......................................................................23
2.2.3 Do acesso de criminosos a armas.............................................................27
2.2.4 Dos assassinatos em massa.....................................................................30
2.3 Do Estatuto do Desarmamento.....................................................................33
2.4 A Realidade Brasileira..................................................................................35

3 OS INIMIGOS DO REI.....................................................................................37
3.2 O Controle Social..........................................................................................38
3.2.1 O Caso Inglês............................................................................................40
3.2.2 O Caso Brasileiro.......................................................................................46
3.3 Legislação de Classe....................................................................................49

REFERÊNCIAS..................................................................................................52
7

1 DO NASCIMENTO DA COROA

Primordialmente, antes de chegarmos a questão principal a ser abordada


no presente trabalho, se faz necessário para melhor compreensão do tema que
discorramos sobre algumas fases dos movimentos históricos de formação,
manutenção e expansão do Poder, que de maneira sucinta, pode ser traduzido
como sendo o nível de abrangência que o aparelho estatal adentra nas diversas
camadas da sociedade e a forma como os homens que ocupam a cidade do
comando utilizam esta máquina estatal.

Como veremos mais à frente, a utilização de políticas que promovem o


desarmamento civil, advém de muito mais fatos geradores do que pressupomos
ou do que nos são apresentados, imprescindível, portanto, que estudemos um
mínimo indispensável sobre a própria natureza da máquina que aplica ou tenta
aplicar tal política sobre nossas vidas. Desta forma, nos é possibilitado que os
reais fatos geradores sejam mais facilmente revelados e que, conhecendo o
contexto da formação da máquina estatal, possamos, através da observação e
análise de acontecimentos políticos, constatar se as razões para a
implementação de leis, como a do Estatuto do Desarmamento (Lei Federal
10.826/2003), são realmente as que nos são apresentadas como justificação.

1.1 Das Guerras

O Poder, presente nos aglomerados humanos desde que se possa


memorar, sempre viu suas capacidades e força bruta aumentarem com o
caminhar do tempo, das sociedades primitivas nas quais o líder espiritual exercia
certa direção e era capaz de apontar comportamentos que deveriam ser
seguidos por todos sob o risco de sanções coletivas e de exilo, até as sociedades
modernas na qual a vontade, uma vez exercida através da máquina estatal é
quase que totalmente irresistível pelo individual. Nota-se que, historicamente, tal
crescimento do Poder se deu, em sua grande maioria das vezes, durante tempos
de revoluções e de guerras, observemos estas últimas.
8

O nível e a intensidade dos conflitos, com o passar dos séculos, sempre


foram se movendo para o crescimento, este quase que exponencial, com a
aplicação de cada vez mais homens e recursos da sociedade em prol do
empreendimento bélico, como destaca Bertrand de Jouvenel:

“Na batalha decisiva do século XIV, Poitiers, cerca de cinquenta mil


homens se enfrentam. O mesmo em Maringam (1515). Não muito
mais, sessenta e cinco mil, dizem, na batalha decisiva da guerra dos
Trinta Anos, Nordlingen. Mas já duzentos mil em Malplaquet (1709) e
quatrocentos e cinquenta mil em Leipzig (1813).” (JOUVENEL, 2010,
p. 181)

Neste processo, quando alcançamos o ano de 1914, durante a primeira


grande guerra, apenas o número de homens mortos ou mutilados ultrapassou e
muito, o total de homens em armas que toda a Europa empregava durante o fim
das guerras napoleônicas.

Mas então qual seria o motivo desta intensificação das guerras? É


importante entender esta razão pois ela nos remete a matéria principal deste
capítulo, o crescimento do Poder.

Observa-se que o referido aumento não ocorre devido a um crescimento


igualmente exponencial nos sentimentos de ambição e ganância dos líderes e
comandantes de exércitos; ora, não se pode afirmar que um rei durante o período
da Idade Média se engajava em conflitos menores, com menos homens e menos
recursos, pois teria menor desejo de conquista do que um líder como Napoleão
ou mesmo Hitler; a diferença entre eles está justamente aí, na capacidade que
tinham de transpor sua ambição do campo das ideias para o campo fático. Note-
se que, à época, um rei era extremamente limitado em seus esforços de guerra,
precisava contar com a ajuda e apoio de seus vassalos, os quais forneciam os
homens e os recursos financeiros necessários, e assim, circunscrito por
tamanhas limitações, suas guerras apenas poderiam ser empreendidas de
acordo com esses recursos, a despeito de quão ganancioso ou visionário fosse
o líder.
9

Por sua vez, os chefes do período moderno eliminaram o problema da


dependência de seus vassalos, agora eles possuem a sua disposição um
exército profissional, criado pela instituição do serviço militar obrigatório, e ainda
contam com exorbitantes recursos, estes por sua vez proporcionados pela
criação de impostos. Apenas esses dois institutos, antes inconcebíveis à mente
do rei e inaceitáveis para o coração da sociedade, proporcionavam mais
ferramentas concentradas nas mãos do Poder, e consequentemente uma
vantagem para o governante que se dispunha delas, na busca de sua ambição,
comumente através do empreendimento bélico.

É assim que uma França, frente à guerra simultânea com diferentes


nações consegue suportar e, até mesmo, sobrepor seus inimigos, com o país
dispondo de 180 mil soldados, e sendo necessário o enfrentamento da soma de
uma Prússia e uma Áustria com 195 mil e 240 mil homens em armas
respectivamente; a instituição do serviço militar obrigatório, antes considerado
algo completamente absurdo e autoritário, mas agora justificado pelas iminentes
ameaças externas, faz com que, em 1794, a França esteja contando com
1.169.000 de soldados, quase 5 vezes mais que a soma dos que seus inimigos
possuíam. 1

A importância de tais fatos é que, a máquina estatal tem seu poder


aumentado através da criação de novos institutos que, uma vez justificados pelo
adento da guerra, continuam a existir mesmo com o fim desta. O Poder então se
utiliza destes momentos de instabilidade para justificar um crescimento que se
manterá mesmo encerrado seu fato gerador, fazendo com que alcance
proporções cada dia maiores, capazes de interferir até as camadas mais
interiores da sociedade com extrema facilidade.

Seguindo este crescimento, o funcionamento da máquina alcançou níveis


monstruosos que, mais uma vez, pôde ser observado na sua surpreendente
aplicação durante a maior guerra de todas. O poder Alemão, sem precedentes e
incialmente incomparável, foi alcançado pela instituição de um Estado que,

1
JOUVENEL, Bertrand de. O poder: história natural de seu crescimento. Tradução de Paulo Neves. 1. ed.
São Paulo, Peixoto Neto, 2010, p. 191.
10

utilizando seu Poder, direcionou não apenas recursos e soldados para o


empreendimento bélico, mas toda a sociedade em sua completude, com a
manutenção de apenas um mínimo essencial que a mantivesse funcionando. A
consequência disso é que, frente a um poder tão avassalador, alcançado de
forma tão violenta, os demais membros da sociedade internacional tiveram de
tomar mesmas medidas para assim serem capazes de enfrentá-lo.

Finalmente, como dito anteriormente, mas de forma sucinta, temos que


que tais acontecimentos não ocorrem apenas em guerras, mas em todos os tipos
de conflitos e revoluções, os quais sempre findam, observando-se aqui a questão
do Poder, com governos mais poderosos. Monarquias absolutas são depostas
em nome de uma liberdade para o povo, mas findada a revolução se vê
instaurado em seu lugar, o comando exercido por uma aristocracia que possui
poderes nunca antes concebidos ao rei, e muito menos limitações, sociedades
abrem mão de direitos para conseguirem enfrentar o inimigo, mas findado o
conflito nunca têm estes de volta.

Com esta dinâmica de conflitos e de tempo de paz, vai se formando assim


a Coroa.

1.2 Da Democracia Autoritária

Agora, realizando análise semelhante a que constata o incessante


crescimento do Poder, vemos que neste processo também existe o contra
movimento, isto é, o surgimento e a aplicação de forças que atuam de forma a
limitar o próprio Poder, estas são diversas e bem variadas, mas tendo em mente
o objetivo do presente trabalho, vamos nos ater a uma delas, a questão da
soberania popular.

Nas sociedades o Poder encontra sua legitimação ao passo que é regido


por um Direito superior e assim transcendental à vontade de um indivíduo ou de
um grupo de pessoas, e dessa forma sua base, de modo finalístico, sempre se
encontra firmada em uma de duas fundações: Deus ou a Sociedade. Muitos dos
grupamentos antigos eram conduzidos por sistemas regidos pela Vontade
11

Divina, a qual, boa por natureza, servia de base imutável para a aplicação de
princípios na comunidade, e esse fundamento acabava por, consequentemente,
se tornar um fator limitador do próprio Poder, pois mesmo o maior dos príncipes
deveria se submeter à autoridade intransponível de Deus.

Por sua vez, com a negação cada vez maior do fator divino, necessitou-
se de outro conceito, ainda transcendental, que pudesse reger a comunidade,
sendo utilizada então a sociedade em si, que se tornou a originadora da Vontade
Geral ou Vontade de Todos, que seria então utilizada como guia para reger o a
vida social, devendo também atuar como limitadora do Poder: as decisões
seriam tomadas apenas se estivessem de acordo com ela. Na prática, contudo,
este novo conceito estabeleceu, um novo problema, pois, ao passo que a
Vontade Divina não poderia ser manipulada, obviamente devido à sua própria
natureza, a Vontade Geral era diferente e menos dogmática.

Uma vez adotada a ideia da regência da vontade do povo no


estabelecimento de novas regras e novos princípios, o único que possuiria tal
legitimidade seria a Soberania Popular, contudo, como vimos, esta tem uma
concepção transcendental, e para ser aplicada deve ser traduzida para a
realidade, e nesse processo o raciocínio se deu da seguinte forma: todos
aceitavam que apenas a universalidade dos homens era a única legisladora
competente sobre a sociedade, essa universalidade foi transferida para o povo,
o qual, por sua vez, através da representatividade, o transferiu para a pessoa do
Príncipe.

Assim o Poder passa a ter sua força mais acentuada do que nunca, pois
agora, não se encontra sustentado por uma série de princípios divinos imutáveis,
mas tendo se tornado o representante do povo, o seu soberano é capaz de tornar
móveis os princípios que regem a máquina, pois pode ordenar o que deseja
desde que para isso invoque a Vontade Geral.

Uma vez instaurada, a Soberania Popular se tornou instrumento para


absolutismos muito mais poderosos do que os alcançados através da Soberania
Divina, já que, o poder monárquico antigo, mesmo que tenha tentado, não
12

conseguiu alcançar a força e capacidade que pretendia, pois ainda que estivesse
acima do povo, encontrava-se fora dele, enfrentando assim nos membros da
sociedade uma constante resistência a sua vontade, enquanto que, o poder
democrático alcançou outro patamar, pois se mistura e se percebe como sendo
o próprio povo, mas, ao mesmo tempo, está absolutamente acima dele.

Antes a vontade que guiava a sociedade poderia ser personificada, todos


distinguiam e sabiam por quem ela era exercida, através da figura do rei, um
humano particular, já no novo sistema a vontade não é facilmente visualizada,
ela se apresenta como sendo pertencente a todos, oriunda de uma forma
genérica que não conseguimos identificar exatamente, ficando imposto a cada
indivíduo um interesse geral que diz representá-lo.

É nesta realidade que se intensifica um dos maiores fatores limitadores


do Poder, o interesse individual, os reis tinham a seu dispor um reduzido
aparelho estatal, isso ocorria pois seus próprios súditos e vassalos possuíam
interesses divergentes, e a nobreza auxiliava a atuação do rei somente até onde
convinha seus próprios desejos. Na democracia moderna fundada nos conflitos
de interesses, as vontades individuais lutam para resistir não ao desejo de um
soberano, mas a uma vontade estatal que passa a se identificar como o interesse
de todos.

O que mais nos interessa aqui é o fato de que, bem rapidamente os


particulares perceberam ser bem difícil ou quase que impossível resistir a uma
vontade que é legitimada pela Soberania do Povo, mas com a mesma rapidez
esses perceberam que tal vontade poderia ser convertida e utilizada para os
seus próprios desejos, pois esta, como já vimos, não possui princípios e
conceitos imutáveis como, por exemplo, a vontade Divina.

Na vigência da Soberania Popular, uma vez movida, ou fingindo ser


movida pelo “desejo geral”, a máquina estatal não tem limites, desta forma, os
interesses particulares, vislumbrando tal capacidade, notam que para o alcance
de seus desejos necessitam apenas que sejam apoiados pela a opinião da
maioria. Se então (JOUVENEL, 2010, p. 332) “souberem se organizar e adquirir
13

a arte de criar movimentos de opinião, eles podem subjugar o Poder, [...] para
exercê-lo em seu proveito, em detrimento de outros grupos.”

É essa disputa de interesses particulares pelo controle do “interesse geral”


que produz uma guerra entre facções, quais sejam, os partidos, transformando
as assembleias que antes eram ocupadas por homens com personalidades
independentes em simples aglomerados de interesses. O debate de ideias com
a exposição argumentativa para a tomada de decisões foi substituído pela busca
de mais filiados à ideia de seu partido, frente ao princípio democrático de vitória
por quantidade, assim homens com alguns interesses em comum se aglomeram
visando a vitória, mesmo que para isso tenham que abrir mão de algumas ideias
que também defendiam.

Da mesma forma são transformadas as eleições na vigência desta


Soberania, pois agora não mais representam a entrada de uma nova leva de
indivíduos trazendo os mais diversos interesses e ideias a serem acrescentadas
ao corpo político, mas sim o enfraquecimento ou fortalecimento de blocos
políticos já pré-determinados.

O fim alcançado é que, o eleitor agora é visto apenas como um número


que resultará no alcance de um ou outro interesse de facções diferentes,
devendo assim ser utilizados todos os esforços possíveis para a obtenção desse
número.

O que era vislumbrado como a Soberania da Vontade de todos e uma


forma de limitar o próprio Poder levou apenas ao crescimento da máquina estatal
e consequentemente do Poder em si, que agora, legitimado por uma vontade
completamente líquida que pode ser transformada a qualquer momento,
consegue interferir em camadas nunca antes alcançadas. O cidadão, ao qual foi
prometido ser o seu próprio soberano, só é capaz de exercer o poder que lhe foi
prometido de quatro em quatro anos, enquanto que no restante do tempo nada
pode.

Como demonstrou Benjamin Constant:


14

“Tão logo a Vontade Geral pode tudo, os representantes dessa


Vontade Geral são tanto mais temíveis por se dizerem apenas
instrumentos dóceis dessa suposta vontade, e por terem em mãos os
meios necessários para assegurar sua manifestação no sentido que
lhes convém. O que nenhum tirano ousaria fazer em seu nome, estes
o legitimam pela extensão sem limites da autoridade social.”
(CONSTANT, 1872 apud JOUVENEL, 2010, p. 366)

A ideia de que o Estado é limitado por um direito imutável e superior a ele,


devendo assim agir e deixar de agir de acordo com estas limitações, antes muito
mais difundida do que imaginamos, foi completamente perdida e agora tragada
pela concepção de uma sociedade líquida, possuidora direitos móveis, os quais
fundados na ditadura da soberania do popular, podem ser a todo e qualquer
momento alterados, servindo a interesses particulares.

Foi então instituída a Coroa.

1.3 Da Coroa e o conflito entre Poderes.

O Poder é limitado quando se encontra frente a barreira dos interesses


particulares, embora esta restrição tenha sido parcialmente superada pela
instituição da soberania absoluta da vontade de todos, existe outro fator de
limitação muito importante que nos levará até a questão principal deste trabalho.

Na realidade o Poder nunca consegue existir de forma solitária, isto no


sentido de que sempre existiram e sempre existirão o que podem ser chamados
de poderes paralelos, os quais, por possuírem acesso a uma força social, que
varia de tamanho e intensidade, concorrem com o comando exercido pelo Poder
central. Podemos ver tais poderes na força patronal ou nas forças sindicais por
exemplo, que se tratam de grupos no qual uma liderança consegue de certa
forma controlar fatores e influenciar a direção de seus membros.

Esta justaposição de pequenos poderes, contribui para o crescimento e


suporte da sociedade como que sendo um edifício sustentado por várias
pilastras, ocorre que o Poder central não consegue coexistir com qualquer outro
além dele, ele deseja se tornar a pilastra principal, a mais espessa, para isso se
15

utiliza de diversos meios e manobras principalmente se utilizando do apoio da


“plebe”.

Em qualquer hierarquia existem classes que se encontram no mais baixo


nível e, consequentemente, mais vulneráveis que as outras, desta forma o Poder
vê tal realidade como uma oportunidade para o seu próprio crescimento,
passando a utilizar a ansiedade pelo fim da dominação que tais classes possuem
as concedendo liberdade de seus “exploradores”, isso, contudo desde que elas
lhe deem seu apoio integral. Sendo assim o Poder é capaz de, por exemplo,
interferir na relação de trabalho e, sob o pretexto da preocupação com a
exploração dos trabalhadores, passa a limitar a capacidade do poder patronal ao
fazer com que os empregados não tenham que responder ao patrão mas agora
ao próprio Estado, transferindo assim a este último toda a força social que o
primeiro possuía.

Uma vez livres de seu antigo “explorador”, tais classes adquirem a


sensação de maior liberdade, contudo esta demostra-se completamente falsa,
visto que para ser capaz de interferir na esfera do poder patronal, o Poder
necessitou de uma máquina estatal mais forte e bem equipada, a qual foi
autorizada pelas classes “exploradas”, porém que agora poderá e será utilizada
contra seus próprios legitimadores.

Este conflito de poderes paralelos se demonstra como sendo capaz de


exercer um papel as vezes limitador e as vezes expansionista do Poder, variando
conforme são identificados os vencedores da disputa. É neste campo de batalha
que se nota a questão do desarmamento civil, o poder paralelo mais poderoso
de todos, cidadãos livres armados.

O Poder frente a sua incapacidade de aceitar a existência de concorrentes


não pode admitir que um extremamente poderoso exista. A força social irradiada
de cidadãos armados é bem mais perigosa ao Poder do que qualquer uma das
anteriormente explicitadas, a sociedade armada exerce um poder que é capaz
de colocar em xeque toda a máquina estatal.
16

No que diz respeito a atuação, uma sociedade armada acaba por


funcionar mais como um poder limitador negativo do que positivo, ao passo que
não age como um poder influenciador do Direito e das Leis, mas sim como um
limitador sobre quais Direitos e Leis poderão ser instituídos. Justificar a criação
de institutos expansionistas do Poder frente a uma força que além de negá-lo é
capaz de resistir aos meios coercitivos que esse já possui é uma tarefa muito
ardilosa.

Sem armas, na democracia moderna, o povo de quem todo poder deveria


emanar acaba que, na prática, sendo muito mais restringido do que se imagina.
O filósofo Olavo de Carvalho fez uma análise pontual sobre o assunto
descrevendo o raciocínio de que na sociedade atual, impedir ou parar o
movimento da máquina estatal é extremamente difícil e, em certos casos,
acrescento, completamente impossível, pois o processo legislativo uma vez
iniciado e legitimado por indivíduos que se dizem representantes da “vontade
geral” apenas poderá ser interrompido se esta vontade geral for de alguma forma
claramente manifestada.

É o que ocorre quando eclodem as manifestações populares, ou seja,


quando uma considerável parte do próprio povo vai as ruas, sobe ao palco
político e transmite sua discordância com o andamento em questão. O problema
se dá na dificuldade e no tempo que isto demanda, mesmo sob a ótica dos
tempos contemporâneos, com o emprego de tecnologias de comunicação
instantâneas e das redes sociais, a organização deste tipo de resistência a
máquina estatal leva meses, muitas vezes mais demorada que o processo
legislativo ordinário.

Todo este movimento, uma vez vindo de uma sociedade já desarmada,


corre o risco do Poder simplesmente decidir usar sua força de forma a
deslegitimar aqueles que o resistem e, utilizando dos princípios da na Soberania
Popular, tabelar seus opositores como inimigos da vontade geral e
consequentemente inimigos do povo. Riscos estes que seriam quase que
totalmente anulados frente a uma força composta por milhares de indivíduos que
17

são capazes de oferecer resistência a capacidade coercitiva do Poder, daí a


importância do direito a armas como limitador do Poder.

Finalmente, entendido o surgimento da Coroa e a importância de existirem


limitações ao crescimento a atuação desta, devemos então estudar o
desarmamento em si que apesar de ser instrumento importante de limitação do
Poder deverá, como toda e qualquer política, ser aplicado apenas após detida
análise de suas consequências, efetuada a comparação entre seus benefícios e
malefícios a sociedade como um todo.

De um lado da balança coloca-se a necessidade da limitação do Poder


enquanto que do outro a preocupação com a sociedade, a qual poderá se tornar
vítima de uma acentuação da violência provocada pela presença de mais armas
de fogo no seu meio.

2 A INEFICIÊNCIA DO DESARMAMENTO CIVIL.

A política do desarmamento civil está implementada em quase todos os


tipos de Governo que podemos observar no mundo, variando apenas de
intensidade e aplicação, contudo o desejo de sua instituição permanece sempre
presente, torna-se muito importante que se mantenha um olhar objetivo e, como
dito anteriormente, estabeleça-se um raciocínio comparativo entre os benefícios
e os malefícios de tal política para então ser decidido o melhor caminho.

Veja-se, parece concebível que todo um povo seja desarmado sob a


justificativa de que esta política é uma forma de protegê-lo dele mesmo, ainda
que isto signifique deixa-lo a mercê das ansiedades de um Poder que
continuamente deseja a acumulação em si mesmo?

Parece uma concepção bem desproporcional, desbalanceada e


completamente infundada pois a análise objetiva constata que o desarmamento
civil não é resposta eficiente para combate à violência, tal política não contribuí
para a diminuição dos índices de criminalidade na sociedade, diante disso a
balança comparativa imediatamente pende para um dos lados e levando em
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mente tudo que foi visto sobre a natureza do Poder, levanta-se a dúvida, será o
desarmamento civil realmente utilizado para o controle da violência?

A resposta direta é não, sabe-se, contudo, que pode haver um clima de


surpresa frente a afirmação abrupta de que o desarmamento civil não reduz a
criminalidade pois, partindo do pressuposto de que armas de fogo são criadas
para causarem danos, parece uma conclusão lógica de que, se dificultarmos o
acesso a estas, menos armas estarão disponíveis para o uso e
consequentemente menos mal poderá ser perpetrado. Todavia por uma série de
motivos constata-se que tal conclusão, aparentemente lógica, quando posta em
prática é totalmente inverídica.

2.1 A maior pesquisa já feita.

Inicialmente cumpre informar que a referência principal para este capítulo


trata-se do estudo realizado pelo Ph. D. em economia, Dr. John Richard Lott
Junior, um americano reconhecido como um dos mais proeminentes estudiosos
da violência no mundo.

O Dr. John Lott realizou a investigação mais abrangente em termos de


escopo, duração, extensão de dados e controle de variáveis sobre o tema, seu
estudo foi o primeiro a analisar sistematicamente 3.054 condados dos Estados
Unidos por um período de vinte anos, entre 1977 a 1992, para descobrir se uma
legislação restritiva de porte oculto de armas salvou ou custou vidas. Sendo que
até o presente momento nenhum outro estudo acadêmico foi capaz de desafiar
os resultados obtidos por Lott.

É interessante notar que, em suas pesquisas, como economista, Lott levou


em consideração para suas análises de dados o maior número de variáveis
possíveis, sendo que além das diferenças normais entre os estados e anos, ele
incluiu a renda per capita real, taxas de pobreza, desemprego, população do
estado e população do estado ao quadrado (densidade populacional),
informação demográfica por idade, sexo e raça, bem como a informação dobre
os pagamentos de seguro desemprego e aposentadoria.
19

Ressalta-se tal fato pois é verdade que muitos fatores, que não a restrição
do acesso a de armas de fogo, podem explicar as mudanças nos níveis de
criminalidade, assim nota-se que em sua pesquisa Lott levou tal realidade em
conta, não se resumindo a apenas uma análise puramente temporal em uma
área determinada, o que aumenta a credibilidade e precisão de seus resultados.

Por fim, justamente por não se tratar do objetivo principal do presente


trabalho, aborda-se a questão da ineficácia do desarmamento civil de maneira
objetiva, assim o presente capítulo é estruturado de forma a contrapor aquelas
afirmações e questionamentos mais comumente pressentes tanto na mídia como
em debates e discussões sobre o tema.

Contudo não se pode deixar de destacar que alguns pontos abordados pela
pesquisa de Lott e por outros vários estudiosos da mesma área, como a questão
da checagem ou não de antecedentes criminais, o efeito de períodos de espera
durante a aquisição de armas e a regulação da venda entre particulares ficarão
de fora, mas que, no final, todos apontam a mesma conclusão a seguir
apresentada.

2.2 Dos principais pontos debatidos.

2.2.1 Do complexo de Vira-Lata e o Velho Oeste Brasileiro.

Este é um dos mais, se não o mais utilizado e propagado por pessoas que
se posicionam contra a facilitação do acesso a armas de fogo por parte de civis.
Estes alegam, que o brasileiro não possui cultura ou preparo para possuir armas
de fogo, afirmam que existe um problema da maturidade, ou melhor, a falta dela
e devido ao despreparo e incapacidade não se pode comparar o brasileiro com
os cidadãos americanos ou europeus.

Tal posicionamento é um dos mais preconceituosos e elitistas de todos,


trata-se claramente do complexo de vira-latas brasileiro, criado pelo saudoso
dramaturgo e escritor Nelson Rodrigues:
20

“[...] entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca,


voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso
às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não
encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima.”
(RODRIGUES, 1993, p. 51).

Trata-se de uma ideia totalmente estapafúrdia e sem qualquer


embasamento fatídico que aponte para a sua veracidade, construída a total
mercê e ignorância do Brasil anterior ao estatuto do desarmamento, quando a
compra e porte de armas era algo praticamente banal e nem por isso o
“despreparo” brasileiro proporcionava tiroteios cotidianos em vias públicas ou
altos índices de criminalidade, muito pelo contrário.

É interessante notar que os propagadores de tal informação sempre


apontam que o problema está na ignorância do brasileiro, mas quando se
utilizam do referido argumento estes nunca se incluem entre os ignorantes,
imediatamente se colocando em outro patamar. Nunca se ouve alguém afirmar
que por seu próprio despreparo e por sua ignorância não mereçam o direito de
dirigir ou de votar.

A questão cultural comumente é utilizada como suposta contra


argumentação quando se expõem às taxas de criminalidade e posse de armas
de países como os EUA, Finlândia e Suíça, aparentemente uma grande
diferença cultural não permite que possamos comparar países desenvolvidos
com o nosso.

Ainda que aqui defenda-se ser este tipo de afirmação completamente


descabida, atender-se-á as ânsias deste pensamento passando a tomar nota
dos nossos vizinhos Paraguai e Uruguai, que possuem uma realidade cultural
muito mais próxima à brasileira.

No quesito das armas de fogo, o Paraguai possui uma legislação muito


menos limitativa que a brasileira e uma das menos restritivas da América Latina,
para adquirir uma arma basta que o interessado apresente uma cópia da certidão
de identidade, certidão de antecedentes criminais e que realize um teste de
21

conhecimento técnico básico. Além do mais, não há limite de calibres ou


quantidade de munição e armas por pessoa, o indivíduo pode ter o porte para
duas armas, inclusive armas longas2. Sendo que, com essa realidade, hoje o
Paraguai possui uma das taxas de homicídio mais baixas da América Latina com
9,3 homicídios a cada 100 mil habitantes3, enquanto que, por sua vez, o Brasil
já atingiu a marca dos 28,9.

Outro vizinho nosso é nono pais com maior número de armas nas mãos de
civis no mundo, o Uruguai4, que mesmo com isso, em termos de criminalidade
também está em uma situação bem melhor do que o Brasil, com o índice de 7.7
homicídios por 100 mil habitantes5.

Tais comparações são importantes pois demonstram que o armamento de


uma população que se encontra em situação socioeconômica e até mesmo
culturais mais próximas a nossa, não trouxe qualquer consequência das
premeditadas por apoiadores da política desarmamentista, mas pelo contrário,
como visto.

A respeito do despreparo para a concessão do porte de arma para


Brasileiros, desarmamentistas, nunca sustentados por fatos e estatísticas, mas
recorrendo ao apelo emocional, afirmam que uma vez permitido o acesso a
armas de fogo, pessoas descontroladas passariam a tomar atitudes violentas
com as próprias mãos, exemplo muito utilizado é o de que indivíduos raivosos
quando no trânsito, guiados por um descontrole emocional teriam agora em suas
mãos uma ferramenta de destruição.

2
Lei 4.036, artigos 33º e seguintes, disponível em: < http://www.bacn.gov.py/leyes-
paraguayas/516/de-armas-de-fuego-sus-piezas-y-componentes-municiones-explosivos-
accesorios-y-afines> Acesso em: 18 dez, 2017.
3 Disponível em: <https://pt.actualitix.com/pais/pry/paraguai-homicidios-no-pais.php> Acesso

em: 19 out, 2017.


4 Disponível em: <http://www.smallarmssurvey.org/fileadmin/docs/H-Research_Notes/SAS-
Research-Note-9.pdf> Acesso em: 16 out, 2017.
5 Disponível em: <https://pt.actualitix.com/pais/ury/uruguai-homicidios-no-pais.php> Acesso em:

16 out, 2017.
22

Este argumento imaginativo é completamente ilógico e descabido, como já


disse anteriormente, em um Brasil pré Estatuto do Desarmamento, no qual o
acesso a armas de fogo era muito mais facilitado e banal do que hoje, não havia
um verdadeiro velho-oeste americano, como aquele retratado por hollywood,
onde cada um solucionava seus problemas na “base da bala”.

Para atualizar esta constatação para os dias de hoje basta comparar


algumas das regiões brasileiras, assim vemos que o sul ao mesmo tempo em
que apresenta o número mais alto de quantidade de armas nas mãos de civis,
tem a taxa mais baixa de índice de homicídios, enquanto que, por sua vez, o
nordeste tem os números inversos com menor quantidade de armas e maior taxa
de homicídios. Desta forma a realidade contradiz a previsão.

Ainda, com nosso país atingindo a marca de quase 60 mil assassinatos por
ano, a vida encontra-se completamente banalizada, e tendo em mente o assunto
em tela devemos questionar: quem são aqueles que matam? Qual o nível de
pessoas que cometem assassinatos com suas armas legalizadas? Pergunte a
qualquer policial o número de ocorrências que atendeu nas quais os crimes
foram perpetrados utilizando-se armas legalizadas e verá que número será
ínfimo praticamente inexistente, é uma questão lógica.

Nos EUA, no início do ano de 2002 a Corte de Apelação de Ohio julgou


inconstitucional uma lei estadual que proibia o porte de armas de fogo,
imediatamente a isso toda mídia e os grupos desarmamentistas previram
cenários de velho-oeste e ondas de violência, exatamente como os previstos
pelos desarmamentistas brasileiros. O problema é que tais cenários nunca se
materializaram, mesmo com o passar do tempo “nada havia acontecido” 6

escreveu o jornalista Petter Bronson em sua coluna do jornal Cincinnati Enquirer,


único reconhecimento da mídia sobre o assunto. O Dr. Jonh Lott, em sua
pesquisa descobriu ainda que, em todo os EUA, a cada ano de vigência das leis
que autorizavam o porte de armas as taxas de homicídio diminuíram em 1,5%,

6
LOTT, John R., Jr. Preconceito contra as armas: por que quase tudo que você ouviu sobre o
controle de armas está errado; tradução de Flávio Quintela. Campinas, SP, Vide Editorial, 2015,
p. 35.
23

sendo que, pessoas com licença para o porte raramente se envolveram com
algum tipo de crime muito menos com o de assassinato. 7

Como conclui historiadora Joyce Lee Malcon ao analisar parte da pesquisa


de Lott:

“Temores de um banho de sangue, especialmente estados maiores e


densamente populoso, se provaram falsos. Em todas as décadas de
experiência com leis que permitem o porte oculto de armas em um
número crescente de estados, há apenas um registro único de
incidente com o uso de uma arma curta legalizada em um tiroteio
subsequente a um acidente de trânsito, e que depois foi considerado
um caso de defesa própria”. (MALCOLM, 2014, p. 240)

Esses temores de que mais pessoas armadas produzirão um verdadeiro


banho de sangue, encontram-se completamente afastados da realidade.

Informações errôneas geram crenças erradas, e assim muitos ainda


acreditam em um suposto despreparo brasileiro e que a liberação do porte de
armas tornaria tiroteios entre motoristas algo muito comum, contudo percebe-se
que essa ideia é falsa.

2.2.2 Dos acidentes domésticos.

Novamente muito repetida tem-se também a afirmação de que se mais


pessoas tiverem acesso a armas e, consequentemente, as armazenarem em
casa, os números de casos em que crianças morrem ou saem feridas ao se
envolverem em acidentes com este tipo de ferramenta, sofrerá um aumento
significativo. Assim, mais uma vez, com aquela lógica aparentemente plausível,
pessoas favoráveis a políticas desarmamentistas alcançam a conclusão de que
menos armas significam mais vidas de crianças salvas.

Este é um ponto bastante crucial, pois a vida de nossas crianças é que está
em jogo, assim tudo deve ser tratado com a maior seriedade possível para se
alcançar a melhor solução, ou seja, aquela que for capaz de salvar o maior

7
Ibid., p. 128.
24

número de vidas. Nesse sentido, abstendo-se do discurso emocional, o qual é


facilmente alcançado devido a própria natureza da questão, pois notícias de
crianças que acidentalmente dispararam uma pistola contra a outra
imediatamente ativam o fator sensível e isto, quando da análise para a tomada
de decisões, é ultimamente ruim, pois os posicionamentos passam a ser
baseados tão somente em um calor do momento, muitas vezes não condizendo
com a realidade.

Esse ponto do apelo emocional, infelizmente, é muito comumente


explorado nos dias de hoje, ao passo que, ao invés de comunicar e noticiar fatos,
instituições de informação aproveitam-se de acontecimentos trágicos,
distorcendo acontecimentos e se apoiando na fração emocional de seu público,
isto sempre de acordo com os planos traçados pela a agenda que promove. Nos
EUA, por exemplo, isto foi bem nítido, sendo que entre 1993 e 2000, durante a
gestão Clinton, quando o próprio Governo Federal, muito engajado na ideia de
promover o desarmamento civil, colocou no ar diversos anúncios anti-armas, os
quais focavam constantemente nos riscos que possuir uma arma em casa trazia
para as crianças.

Em um destes anúncios, era abertamente informado ao público que nos


EUA ocorriam dez mortes de crianças por dia, vítimas de armas de fogo, uma
informação completamente distorcida e consequentemente falsa, pois em 1995,
um ano antes do referido anúncio ser publicado, foram registradas as mortes de
126 crianças menores de 10 anos, vítimas de disparos de armas de fogo, o
equivalente a 0,5 por dia, trágico obviamente, mas ainda número muito menor
do que as dez mortes relatadas. Na situação narrada, o governo apenas
conseguiu alcançar o número de dez por dia ao incluir em seus dados as mortes
acidentais e por suicídios, para todas as “crianças” menores de 20 anos de idade,
faixa de idade na qual, assassinatos de crianças com menos de 10 anos
perfazem apenas 4,5% de todas as vítimas, enquanto que as idades de 17 a 19
anos respondem por cerca de dois terços de dos números.8

8LOTT, John R., Jr. Preconceito contra as armas: por que quase tudo que você ouviu sobre o
controle de armas está errado; tradução de Flávio Quintela. Campinas, SP, Vide Editorial, 2015,
p. 79.
25

Apenas através de tal distorção de dados, aparentemente inofensiva, é que


conseguiram atingir seu objetivo e, assim, a população acreditando no que lhe
era dito, passou a cada vez mais repudiar o armazenamento de armas de fogo
em casa, preocupadas com o suposto mal que isto causaria a suas crianças.

Todavia ao se colocar a ideia perpassada pela gestão Clinton frente a


realidade si essa é completamente aniquilada, observando números do último
ano em que houve um detalhamento de dados quando da realização da pesquisa
de Lott, temos que em 1999 foram registradas 31 mortes de crianças menores
de 10 anos vítimas de disparos acidentais, em meio a um Estados Unidos com
algo em torno de 94 milhões de proprietários de armas e quase 40 milhões de
crianças. No mesmo período mais de 1.260 crianças menores de 10 anos
morreram por causa de veículos automotores, 484 devido a incêndios
residenciais, 93 se afogaram em banheiras e outras 36, menores de 5 anos, se
afogaram em baldes de vinte litros.9

No Brasil acontece algo bastante similar, no período de 2003 a 2012, foram


registradas 353 mortes de crianças de até 12 anos de idade vítimas de disparos
de armas de fogo, enquanto que, no mesmo período, 21.005 morreram vítimas
de acidentes de trânsito e 13.623 vitimadas em afogamentos, ficando as armas
de fogo em 8º lugar no ranking das causas de mortes infantis, sendo responsável
por 0,7% destas, atrás de causas como queimaduras, quedas e intoxicações. 10

Ainda assim, ninguém fica aflito ou preocupado por possuir um balde de plástico
em casa, mesmo sendo este um objeto significativamente mais perigoso que
uma arma de fogo, conforme demonstram os números.

Grande parte da culpa disto está no sistema de propagação de


informações, que espalha um senso de desinformação ao noticiar apenas os
casos raríssimos de acidentes com armas de fogo e esquecer os benefícios que

9Ibid., p. 109-110.
10QUINTELA, Flavio; BARBOSA, Bene. Mentiram para mim sobre o desarmamento. Campinas,
SP, Vide Editorial, 2015, p. 92.
26

esta causa, fazendo com que as pessoas passem a acreditar que os acidentes
sejam muito mais frequentes do que realmente são.

Percebe-se que mesmo sendo notadamente perigosos, banheiras ou


baldes de plástico ainda são mantidos dentro de casa juntamente com as
crianças, isto ocorre devido a equação benefício versus malefício, ao passo que
comparados neste caso os benefícios de possuir tais ferramentas são muito
maiores do que as consequências prejudiciais, deve-se então ser utilizar a
mesma equação quando do tratamento das armas de fogo.

Em 2015, no estado do Alabama, Chris Gaither, um garoto de 11 anos de


idade, estava sozinho em casa quando um criminoso a invadiu, Chris pegou a
pistola 9mm pertencente a sua mãe e confrontou o invasor, mas este acreditando
tratar-se de uma arma de brinquedo ainda tentou atacar o garoto, momento
então em que a criança efetuou um disparo e fez com o que o criminoso fugisse,
mas não antes de Chris esvaziar seu carregador, disparando um total de 12 tiros
contra o invasor e o atingir na perna. 11

Neste caso nota-se claramente que o benefício proporcionado pela


existência da arma de fogo naquela casa foi altíssimo, superando e em muito
qualquer malefício por esta proporcionado, pois não se sabe qual era o objetivo
do criminoso ou o que poderia ter acontecido com a criança caso tal família não
possuísse uma arma de fogo.

Tal uso defensivo das armas é mais comum do que se imagina, mas
frequentemente não alcança as manchetes de jornais da mesma forma que os
poucos acidentes o fazem, contribuindo assim para o pensamento errôneo,
porém muito propagado, de que possuir uma arma em casa nunca pode trazer
algo de bom.

Por fim ao observarmos os dados sobre adultos os números apontam para


a mesma conclusão, sendo que das mortes acidentais registradas no ano de

11
Disponível em: <http://www.chicagotribune.com/news/nationworld/ct-alabama-boy-shoots-
intruder-20160501-story.html> Acesso em: 18 out, 2017.
27

2012 para pessoas com mais de 12 anos, as vítimas de armas de fogo


responderam por apenas 1,4% das mortes, também depois dos acidentes de
trânsito, afogamentos e intoxicações. 12

Ressalta-se rapidamente que, sobre o número de suicídios praticados com


armas de fogo, temos que no Brasil, após o Estatuto do Desarmamento, nos
anos de 2004 a 2006, tal número diminuiu, mas isto não significou um efeito
positivo do desarmamento civil pois a quantidade total de suicídios na verdade
aumentou, só que neste caso foram concretizados mediante outros meios que
não com armas de fogo.13

2.2.3 Do acesso de criminosos a armas.

Outra ideia interessante é de que, uma vez que mais armas de fogo estejam
presentes no mercado e estando muitas delas nas mãos da população civil,
indivíduos criminosos terão maior facilidade para obtê-las e consequentemente
as utilizando para prática de atividades criminosas. Deste ponto central variam
os argumentos, desde que civis armados se tornarão alvos em potencial para
criminosos até que residências invadidas por bandidos objetivando subtrair
armas ali armazenadas.

É crucial abordar de maneira inicial que é completamente descabido falar,


ainda mais diante da realidade em que vivemos, que facilitar o acesso de
cidadãos cumpridores da lei a armas de fogo aumentará a capacidade que
criminosos tem de obtê-las, é fato notório que hoje qualquer bandido consegue
se armar com o tipo de arma que desejar, prova é que constantemente somos
bombardeados com notícias de policiais enfrentando traficantes que estão
exponencialmente mais bem equipados e as vezes empregando até mesmo
armas de fogo que são de uso exclusivo do Exército Brasileiro, as quais nem
mesmo a polícia possui autorização para utilizá-las. Isto acontece mesmo frente
a duríssima legislação desarmamentista implantada no Brasil, por um simples e

12
QUINTELA, Flavio; BARBOSA, Bene. Mentiram para mim sobre o desarmamento. Campinas,
SP, Vide Editorial, 2015, p. 95.
13
Ibid., p. 98.
28

objetivo fato, nenhuma legislação consegue evitar que criminosos tenham


acesso a armas de fogo.

Recentemente no Rio de Janeiro (RJ) agentes da Força Nacional de


Segurança que atuavam na cidade, afirmaram estar surpresos com a quantidade
de fuzis que os criminosos estão equipados: “No Ceará, só pegamos um fuzil
quando vem um bandido de outro estado para assaltar um banco. Aqui, até um
menino de 11 anos anda com uma arma longa na mão”, disse um policial
cearense, cujo nome não foi divulgado. 14

Isto não é comum apenas no nosso país, nos Estados Unidos, ao analisar
o assunto, Lott chegou a mesma conclusão de que não importa quão dura a
legislação em vigor faça serem os requisitos para o acesso a armas de fogo,
criminosos não se importam com isso, logo os únicos que realmente são
afetados por este tipo de legislação são os cidadãos de bem, obedientes a lei,
que, a partir daí, estarão em desvantagem quando comparados aos criminosos,
como diz um ditado comum americano: “Se as armas estão fora da lei, apenas
os fora da lei terão armas.15”

Igualmente falaciosa a afirmação de que criminosos desconsiderarão


qualquer perigo para eles e passarão a invadir casas movidos pelo objetivo de
subtrair a arma que o morador poderá possuir, pois é claro que bandidos também
são afetados pelo instinto básico humano de preocupação com a própria vida.

Na verdade, a presença de armas de fogo nas casas não as torna alvos


mais interessantes, como dizem muitos desarmamentistas, mas faz exatamente
o contrário, entram em ação os chamados efeitos de substituição e de restrição,
geralmente aplicados em ciências econômicas, mas que aqui funcionam de
maneira muito eficaz.

14
Disponível em: <https://extra.globo.com/noticias/rio/agentes-da-forca-nacional-dizem-que-
numero-de-bandidos-com-fuzis-no-rio-incomum-21620728.html> Acesso em: 19 out, 2017.
15
“If guns are outlawed, only outlaws will have guns”, o ditado faz um trocadilho com a palavra
outlaw que traduzida literalmente significa fora da lei.
29

O primeiro, a noção de substituição, explica o motivo de criminosos


evitarem traficantes poderoso ou outros bandidos cruéis e de evitarem, por
exemplo, policiais membros de destacamentos especiais como do Batalhão de
Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas (ROTAM), aqui em Goiás. Dá se
assim pois, conforme a noção de substituição tem-se que quando alguma coisa
se torna difícil, as pessoas têm menos chance de se esforçar nisso e passam a
buscar alternativas mais fáceis, sob este princípio criminosos escolhem
diferentes vítimas dependendo do custo do ataque.

Por sua vez a restrição explica a razão pela qual bairros americanos com
alta taxa de cidadãos armados possuem menor risco de invasões domésticas
para todas as casas, não apenas aquelas que efetivamente possuem as armas,
isto pois o risco de confronto para o ladrão se torna bem mais alto e quando
pessoas defendem a si mesmas acabam beneficiando a outros cidadãos de
forma indireta. Aqueles que não tem armas de fogo acabam pegando uma
carona nos esforços defensivos de seus vizinhos proprietários de armas, fato é
que ao serem entrevistados em uma pesquisa, 74% dos condenados por roubo
ou por algum crime violento nos EUA concordaram que uma das razões pela
qual evitavam invadir casas com moradores dentro era o medo de levar um tiro.

Na verdade durante tal pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Justiça


Americano, um dos detentos entrevistados disse que era muito melhor se
envolver com a polícia do que com um morador, pois pelo menos diante dessa
no fim você saía preso, enquanto que frente a moradores armados estes não
leem os seus direitos mas “esperam você entrar e depois atiram...”.16 Isto é tão
forte que, ao analisarmos os dados colhidos por Lott, temos que nos EUA cerca
de 13% dos roubos em domicílio são “quentes” ou seja, ocorrem quando as
casas estavam ocupadas, sendo que, em comparação com a Grã-Bretanha,
região que restringe severamente o acesso a armas, este número salta para

16LOTT, John R., Jr. Preconceito contra as armas: por que quase tudo que você ouviu sobre o
controle de armas está errado; tradução de Flávio Quintela. Campinas, SP, Vide Editorial, 2015,
p.20.
30

59%,17 nos EUA o criminoso passou a estudar mais o local antes de praticar o
crime e a evitar invadir uma casa durante o período noturno, quando seus
moradores estavam presentes.

Quem mais é afetado pela a restrição ao acesso a armas de fogo é o


cidadão obediente a lei uma vez que o fora da lei não se importa com as
determinações desta, o criminoso não faz curso técnico, exame psicológico ou
realiza o procedimento de renovação de registro periodicamente, pois o Estado,
mesmo com todo seu Poder, não consegue impedir que este obtenha a arma de
fogo e, infelizmente, nunca vai conseguir tal feito.

Não se trata de apenas falta do desejo de governantes, mas sim uma


questão de logística e capacidade, nem mesmo o Estado superpoderoso da
antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, que restringia o acesso a
armas de fogo por parte de seus cidadãos, foi incapaz de removê-las das mãos
dos criminosos, que diríamos o sucateado e ineficaz Estado brasileiro.

2.2.4 Dos Assassinatos em Massa

Como último ponto tem-se a questão dos massacres com múltiplas vítimas
que, embora não muito comuns no Brasil, são acontecimentos que quando se
perpetram atraem a atenção imediata da mídia por todo o planeta, que
geralmente utiliza tais acontecimentos como uma boa justificativa para a
aplicação de políticas desarmamentistas. Além disso tal tema foi muito debatido
recentemente haja vista que no dia primeiro de outubro de 2017, ocorreu em solo
americano o ataque deste tipo mais fatal da história, quando em Las Vegas, um
atirador abriu fogo contra uma multidão em um festival de música country,
matando 58 pessoas e deixando mais de 500 feridas.

O atirador disparou da janela de um quarto situado no 32º andar do Hotel


e Cassino Mandalay Bay, no interior deste quarto foram apreendidas mais de

17LOTT, John R., Jr. Preconceito contra as armas: por que quase tudo que você ouviu sobre o
controle de armas está errado; tradução de Flávio Quintela. Campinas, SP, Vide Editorial, 2015,
p.174.
31

vinte armas diferentes e milhares de munições, sendo assim, ainda no mesmo


dia, o debate sobre o controle de armas tomou conta de programas de televisão,
de rádio e da pauta de figuras políticas de todo o mundo, que em sua maioria
passaram colocar a culpa da ocorrência de tão terrível massacre na facilidade
existente nos EUA de civis obterem armas de fogo. Todos estes passaram então
a pedir leis mais rigorosas ao acesso a armas, contudo nenhum deles explicou
como estas leis teriam impedido o assassinato.

Novamente é utilizado o apelo emocional e oportunista, normalmente


aplicado quando tratando-se dos acidentes de crianças com armas de fogo.
Assim igualmente deve-se fugir da parte sensível e voltar para a análise de fatos
e dados, será que um acesso facilitado a armas de fogo realmente aumenta as
chances de acontecimentos como o de Las Vegas e muitos outros semelhantes
acontecerem? Certamente não.

Nota-se que frente a frequência que este assunto é trazido à tona, o Dr.
John Lott dedicou bastante tempo de sua pesquisa para analisar o impacto de
leis de porte de arma em assassinatos em massa, denominados por ele como
massacres com múltiplas vítimas.

Ele descobriu que a adoção de leis que concediam o porte de armas curtas
ao cidadão, causou o declínio extremamente alto da ocorrência de tais crimes,
alcançando uma redução de 70%, sendo que o número médio de pessoas
feridas reduziu cerca de 50%, com uma queda anual contínua de entre 11 a 13%,
18 ao passo ainda que notou que dos massacres com múltiplas vítimas já
ocorridos cerca de 90% aconteceram em estados americanos que possuíam leis
de direito ao porte mais restritivas. Na verdade, a pesquisa de Lott sobre o tema
em tela foi tão extensa e exaustiva que não compete apresentar aqui todos os
dados e variáveis por ela analisados.

18
LOTT, John R., Jr. Preconceito contra as armas: por que quase tudo que você ouviu sobre o
controle de armas está errado; tradução de Flávio Quintela. Atos de terror com armas: tiroteios
com vítimas múltiplas. Campinas, SP, Vide Editorial, 2015, p. 125-170
32

Contudo interessante notar que a maioria dos ataques aconteceram em


estados nos quais o acesso a armas era, em tese, mais difícil, contudo isto não
foi capaz de impedir os assassinos, pois como anteriormente demonstrados
criminosos não respeitam as leis. De forma semelhante tem-se que quando
ocorridos em estados que permitem o porte de armas de fogo mais facilitado, os
ataques em sua grande maioria aconteceram nas chamadas “Gun Free Zones”
as zonas livres de armas, que são perímetros ou estabelecimentos onde as
pessoas não podem entrar portando suas armas de fogo mesmo sendo
proprietários legalizados.

As zonas livres de armas comumente são estabelecidas em escolas,


faculdades e igrejas, estas então acabam se tornando o palco mais comum para
assassinos que desejam causar o maior número de vítimas possível. Caso
interessante foi o ocorrido em janeiro de 2002, na faculdade de direito
Appalachian Law School na Virgínia, um crime que resultou na morte de três
pessoas, sendo que o atirador foi impedido por dois estudantes que possuíam
licença para portar armas, mas que estavam armazenadas em seus veículos fora
da faculdade, felizmente estes ainda conseguiram deter o agressor antes que
tragédia maior ocorresse, de forma semelhante foram casos ocorridos em
escolas públicas em Pearl, Mississippi, Edinboro, Pensilvânia e Santee e
Califórnia, cujos ataques foram parados ou totalmente impedidos por pessoas
que tinham armas por perto.

Ao se proibir a presença de armas em zonas específicas é repetido o


problema produzido pela proibição de armas em uma comunidade como um
todo, pois apenas os criminosos, aqueles com a intenção de praticar um
massacre, estarão armados, enquanto os cidadãos de bem se tornarão os alvos
fáceis. A presença de uma arma nesta situação pode e diminui a extensão dos
danos, é justamente isto que é feito pela polícia quando atende tais ocorrências,
ela traz alguém igualmente armado para enfrentar o problema, a questão está
no tempo necessário para seu deslocamento, tempo que é reduzido
consideravelmente quando alguém armado já presente no local do fato é o
primeiro a responder.
33

2.3 Do Estatuto do Desarmamento

Diante disso completa-se este ano de dois mil e dezessete, quatorze anos
em que o Estatuto do Desarmamento está em vigor no Brasil, dispositivo que,
segundo as autoridades, iria diminuir os índices de criminalidade ao restringir o
número de armas de fogo nas mãos de criminosos.

A Lei Federal nº 10.826/2003 foi sancionada em 22 de dezembro de 2003


e regulamentada pelo decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de nº 5.123,
em 1º de julho de 2004. Tal Lei, amplamente conhecida como Estatuto do
Desarmamento, que “dispõe sobre registro, posse e comercialização de amas
de fogo e munição (...)”, tornou o Brasil um dos países mais restritivos do mundo
no que concerne o acesso de armas de fogo, de forma legal, pela população.

O referido dispositivo foi o marco para a regulamentação de posse e porte


de armas no Brasil, o Estatuto do Desarmamento, estabeleceu uma política
pública que supostamente foi desenvolvida com o intuito de reduzir os índices
de criminalidade e violência, através da limitação do acesso a armas de fogo por
cidadãos.

Atualmente, depois da lei 10.826/2003, não é mais possível que qualquer


cidadão brasileiro tenha acesso a armas de fogo, muitas pessoas ainda
acreditando no contrário, assim o é, pois, ainda que a legislação tenha impostos
requisitos a serem cumpridos pelo o interessado em obter uma arma de fogo de
forma legal, estes são praticamente impossíveis de serem cumpridos pelo
cidadão comum.

Tal conclusão é facilmente alcançada com uma análise rápida de alguns


destes requisitos, além do registro em órgão competente, a Lei 10.826/2003
constituiu diversas normas e restrições para o acesso a armas, sendo que ficou
estabelecido em seu art. 4º:
34

Art. 4o Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado


deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos
seguintes requisitos:
I - comprovação de idoneidade, com a apresentação de
certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça
Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a
inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas
por meios eletrônicos; (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008).
II – apresentação de documento comprobatório de ocupação
lícita e de residência certa;
III – comprovação de capacidade técnica e de aptidão
psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma
disposta no regulamento desta Lei. (Grifamos)

Já apresentada como a primeira exigência está a mais difícil de todas de


ser cumprida pelo cidadão comum, a obrigação de declarar a existência de
efetiva necessidade, esta trata-se de um dispositivo discricionário, ou seja,
depende única e exclusivamente da decisão de uma autoridade da
administração pública que de forma pessoal e totalmente subjetiva, decidirá se
este foi cumprido ou não pelo interessado.

Ora, o que seria este estado de efetiva necessidade? Estar exposto


cotidianamente a situações de risco, cercado por agentes que objetivam causar
danos a si, a sua família e a sua propriedade pode ser considerado estado de
efetiva necessidade de um indivíduo? Caso a resposta seja positiva torna-se
muito difícil imaginar qual cidadão brasileiro que não esteja nestas exatas
condições atualmente. Mas ainda assim, inúmeros pedidos de aquisição e
registro de arma de fogo são negados alegando-se o descumprimento de tal
requisito.

Ademais, o mesmo artigo, em seu inciso I determina que interessado ainda


deve comprovar sua idoneidade, ou seja, o ônus da prova descansa com o
interessado, que deve pelos seus próprios meios e recursos comprovar ser
cidadão obediente a lei, um requisito totalmente abusivo. A título de comparação
nos Estados Unidos, para compra de uma arma de fogo também é necessária
uma verificação de antecedentes, contudo esta é realizada pelo próprio órgão do
governo, ao passo que o interessado deve apenas informar seus dados pessoais
e aguardar o resultado.
35

Os outros requisitos, quais sejam a comprovação de ocupação lícita e


residência fixa; qual indivíduo que exerce atividade ilícita vai procurar um órgão
da Polícia Federal para adquirir uma arma legalmente?; a comprovação de
capacidade técnica, e a comprovação de aptidão psicológica, não fazem mais
nada do que aumentar consideravelmente a burocracia e gastos dispendidos por
parte do interessado.

Isto tudo ao falar-se apenas sobre a posse de arma de fogo, pois quando
abordamos a questão do porte, quando o indivíduo pode carregar a arma de fogo
consigo, foi definido no artigo 6º do Estatuto do Desarmamento, que o cidadão
comum, não tem direito a este.

Ainda sobre o tema do Estatuto do Desarmamento, a questão da consulta


pública realizada através de referendo merece um rápido esclarecimento. No dia
23 de outubro de 2005, o povo brasileiro foi consultado sobre a proibição do
comércio de munições e armas de fogo no Brasil, sendo que como resultado
36.06% da população respondeu “sim”, enquanto que 63,94% da população da
época, ou seja, aproximadamente 59,109,265 (cinquenta e nove milhões cento
e nove mil duzentos e sessenta e cinco) de pessoas responderam “não” à
pergunta: O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?
19

Diante de tal resultado restou demonstrado que o Estatuto do


Desarmamento é um dispositivo legal totalmente impopular em que a opinião
legal está em lado totalmente oposto aos valores da comunidade.

2.4 A Realidade Brasileira

Uma vez frente a toda essa legislação observa-se a realidade brasileira


atual, foi a implementação do referido Estatuto eficaz no controle da
criminalidade? Descobrir a resposta para este questionamento não é uma tarefa
difícil, ao passo que qualquer pessoa em poucos minutos, consegue perceber a

19
Disponível em: <http://www.tse.jus.br/eleicoes/plebiscitos-e-referendos/quadro-geral-
referendo-2005> Acesso em: 21 out, 2017.
36

onda de violência que percorre o Brasil, basta ligar a televisão ou ouvir algum
noticiário transmitido pelo rádio.

A segurança pública brasileira encontra-se completamente falida, segundo


os mais recentes dados do Atlas da Violência, no Brasil a taxa de homicídios por
100 mil habitantes atingiu o índice de 28,89, ou seja, no ano de 2016 foram
registrados quase 60 mil homicídios, 20 chegando ao ponto de que na lista das
vinte cidades mais perigosas do mundo, seis são brasileiras 21.

O caso brasileiro recente mais notório é o do Estado do Rio de Janeiro,


local onde, até a última semana de setembro deste ano (2017), foram registradas
105 mortes de policiais militares, sendo que a maioria destes foram vítimas de
assaltos e execuções 22, uma região em que a constante disputa por território e
pelo controle do tráfico de drogas entre diferentes facções criminosas, ocorre a
total mercê de um Estado completamente sucateado e incapaz de cumprir com
os deveres que assume.

Em uma total crise econômica e de segurança, a cidade maravilhosa, sede


dos jogos Olímpicos de 2016, atualmente deixa seus cidadãos de lado,
abandonados em favelas chefiadas por traficantes, que impõem suas próprias
leis e fiscalização, locais que se encontram tomados por poderes paralelos,
munidos de sua própria força social, gerados perante a resistência nula de um
Estado falido e de uma população desarmada.

Observar tal contexto caótico é importante pois evidencia a única conclusão


natural que se pode chegar, qual seja, o Estatuto do Desarmamento atingiu o
mesmo resultado constatado através dos dados estatísticos anteriormente
apresentados, qual seja, a completa incapacidade de reduzir a criminalidade.

20 Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/dados-series> Acesso em: 21 out, 2017.


21 Disponível em: <http://www.worldatlas.com/articles/most-dangerous-cities-in-the-world.html>
Acesso em: 21 out, 2017.
22
Disponível em: <http://especiais.g1.globo.com/rio-de-janeiro/2017/pms-mortos-no-rj/> Acesso
em: 21 out, 2017.
37

Índices de criminalidade altíssimos, um Estado completamente falido, uma


força policial totalmente sucateada e atacada de todos os lados, desde
criminosos até a própria mídia, é neste cenário que se encontram os brasileiros,
tendo se tornado uma população amedrontada e, principalmente, indefesa.

Evidentemente não seria possível concluir que esta realidade foi alcançada
pela implementação do desarmamento civil no Brasil, mas o que se ressalta aqui
é que, se este foi imposto com o objetivo de reduzir a violência e o que ocorre é
justamente o oposto, qual a razão de que, cada vez o governo Brasileiro e os
governos em geral, mesmo conhecedores desta constatação, desejam e se
esforçam para implementar políticas que desarmam apenas seus cidadãos
obedientes a lei?

3 OS INIMIGOS DO REI

Uma vez constatado que atualmente existem muito mais pontos


favoráveis a implementação de legislações que facilitem o acesso da população
civil a armas de fogo, extensos estudos cada vez mais reforçam o fato de que
mais armas não causam mais crimes. Ainda assim, mesmo diante de tal
realidade, vemos grupos e governos lutando por cada vez mais restrições e
obstáculos para o acesso a armas de fogo por civis, precisamos assim pensar
sobre qual o motivo deste tipo de posicionamento duro contra as armas de fogo.

A primeira ideia e raciocínio que vem à mente, uma ideia bem inocente
por sinal, seria de que o desarmamento civil ainda é erroneamente visto como
solução ao problema da criminalidade devido ao mero desconhecimento dos
nossos legisladores, da mídia e dos membros de grupos que lutam pela sua
implementação. Esses para estarem defendendo tal política não devem estar a
par dos números, dados, e pesquisas já realizadas, este raciocínio, ainda que
inocente, não é de todo falso.

Realmente existe um desconhecimento geral sobre o assunto, basta


conversar com estudantes e professores universitários, elite da produção
acadêmica, ou mesmo assistir entrevistas de jornalistas e “especialistas” que
38

quando questionados a respeito do desarmamento civil, apenas repetem


afirmações completamente falsas. Pior so encontram os próprios membros da
mídia que, ante a natureza de sua função supõem-se que deveriam checar fatos
e dados antes de publicarem matérias, mas já não o fazem contribuindo ainda
mais para o que podemos chamar do problema da sabedoria convencional.

Quando indivíduos se utilizam de suposições não testadas e de


“achismos”, é que surgem ideias como a de que mais armas presentes na
comunidade produzirão maior número de crimes praticados a mão armada,
raciocínio a princípio aparentemente lógico, mas uma vez examinado se mostra
completamente falso como já vimos. Logo estes tipos de conclusões falsas, mas
de aparência lógica são então repassadas e ainda ensinadas através da
repetição e pela própria falta de interesse na busca por conhecimento, como
conclusão deste processo firma-se um entendimento errado que agora é então
tratado como fundamento para a tomadas de decisões que afetarão a todos,
como própria instituição do desarmamento civil.

Mas seria ingênuo acreditar que apenas o desconhecimento e a sabedoria


convencional são os fatores responsáveis pela a aplicação de uma política falida
como o desarmamento nas sociedades modernas. O verdadeiro motivo disto é
muito mais profundo e premeditado do que se imagina, a remoção das armas
das mãos dos cidadãos obedientes a lei se resume na expectativa do Poder de
que estes deixem de ser uma ameaça para a subsistência e desenvolvimento da
própria máquina estatal. A coroa tentando eliminar o poder paralelo que a limita
é a razão finalística de toda e qualquer implementação de políticas públicas de
desarmamento civil.

3.2 Do Controle Social

Assim conclui-se que a promoção do desarmamento civil é utilizada pelos


governos com o único e exclusivo intuito de promover o controle social, por mais
que o controle da criminalidade seja nos apresentado como justificativa para tais
39

políticas, quem assim o faz não são ingênuos, mas sim mal-intencionados e
estão apenas tentando encobrir seus reais propósitos políticos.

Por controle social entenda-se como a aplicação dos recursos materiais e


humanos à disposição da máquina estatal atuante, de forma a assegurar que os
membros da sociedade se comportem de certa maneira ou, no caso do
desarmamento, sejam incapazes de se opor as regras e preceitos vigentes.
Desta forma, muito mais do que indefesos a criminalidade, os cidadãos comuns
são feitos incapazes de proteger ou, caso necessário, restaurar as liberdades do
povo, que já teve sua Soberania furtada pelos membros da Coroa.

Observa-se que os governos mais ditatoriais e infames, antes de serem


plenamente instaurados, lutaram com todos seus recursos para que seus
cidadãos fossem desarmados, constantemente utilizando o argumento do
combate à criminalidade e, pelo menos inicialmente, recebendo apoio de alguns
membros da sociedade sucumbidos ao problema da sabedoria convencional.
Através disso no fim tais governos conseguiram aumentar sua própria força visto
que estavam agora frente a uma população completamente incapaz de limitar de
suas decisões.

Na verdade, políticas desarmamentistas foram e ainda podem ser


observadas nos governos de países como Cuba, Síria, Coreia do Norte, Vietnã,
e da nossa vizinha Venezuela, nos quais a propriedade de armas por parte de
civis é extremamente restrita e privilégio de apenas uma parcela destes, os que
apoiam o regime de governo.

Até mesmo o grupo extremista islâmico Talibã quando tomou o


Afeganistão durante a década de 90, instituiu como uma de suas primeiras
medidas o desarmamento dos cidadãos civis. Neste ritmo e relembrando as
consequências para os cidadãos advindas da instauração de cada um destes
regimes fica ainda mais claro que o controle de criminalidade não é objetivo da
implementação do desarmamento civil.
40

Observando regimes autoritários e ditatoriais a questão do controle social


é tornada nítida, contudo isto pode não ser suficiente para o convencimento do
leitor haja vista que governos ditatoriais tem suas vontades distorcidas por
natureza, por serem tipos de governo em que geralmente a preocupação com o
bem da população em geral é quase que nulo.

Assim para alcançar uma análise mais fidedigna a realidade passaremos


a examinar melhor como esta mesma questão se dá frente a realidade de
governos democráticos modernos, os quais, em tese, tomam decisões
preocupados com o bem geral. Será que aplicação do desarmamento civil em
democracias modernas é também motivado pela busca do controle social?

Como cenário de estudo observemos a experiência inglesa, é uma


escolha interessante pois atualmente a Inglaterra é o país com as leis de acesso
a armas de fogo mais restritivas entre todas as democracias do mundo. Nela o
banimento a arma foi tão extremo que a maior parte de sua força policial exerce
suas atividades sem portar qualquer tipo de arma de fogo.

Para ter-se a percepção e entendimento do motivo da implementação de


tal política se deve realizar uma análise de como se deu o movimento histórico
que transformou a Inglaterra de um país em que a posse de armas de fogo era
um direito fundamental e indispensável, em um país no qual até mesmo sua
própria força de segurança é impedida de se armar.

3.2.1 O Caso Inglês

Historicamente mesmo antes da arma de fogo ser popularizada, os


cidadãos ingleses já possuíam não direitos, mas ideais coletivos de
responsabilidade e segurança, não era sem razão que desde o século XIV
possuíam a obrigação civil de manter no mínimo um arco longo em casa e de
ensinar suas crianças a manuseá-lo. Os governantes dependiam de seus súditos
para manutenção da paz, não apenas em relação a guerras e conflitos externos,
mas principalmente no controle e prevenção da criminalidade.
41

Qualquer cidadão que presenciasse alguma prática criminosa ou cujo


auxilio fosse requisitado pelo xerife, deveria cumprir com sua obrigação de
manutenção da ordem, devendo até, em alguns casos, acompanhar o xerife por
outras vilas durante a perseguição de algum criminoso, tudo isto sob incidência
de penas, geralmente multas, caso não cumprissem com tal dever. Havia uma
expectativa por parte dos governantes de que os cidadãos comuns ajudariam
com esta tarefa, logo para isso, eram instituídas leis generosas que permitiam o
uso da força, inclusive letal por parte dos cidadãos comuns.

Diante desde contexto, já durante o século XVI, as armas de fogo


começaram a se popularizar, passando a lentamente substituir os arcos e flechas
e serem utilizadas juntamente com as lâminas, ainda principais ferramentas
deste tipo na época. Ainda não muito eficientes, as armas de fogo alcançaram a
popularidade muito rapidamente e uma das razões para isto foi o seu baixo
custo, assim elas passaram a ser empregadas principalmente durante atividades
como a caça. Todavia estas também serviam como instrumentos de defesa e
para o exercício da obrigação de todos os homens em contribuir para a
manutenção da paz social.

A posse de armas de fogo para a defesa pessoal e para o cumprimento


de suas obrigações para com a sociedade estava estabelecida nos espíritos dos
homens britânicos como algo natural e de inconcebível revogação. Neste cenário
foi durante o século XVI que os índices de crimes violentos e homicídios na
Inglaterra começaram sua notável queda que continuou, surpreendentemente,
por mais de 400 anos até o começo do século XX.

Em meio a esta popularização das armas de fogo, o Poder começa a


tomar atitudes duvidosas, durante o século XVII, após um conflito entre o rei
Carlos I e o Parlamento, Carlos II ao retornar a Inglaterra e assumir o poder
encontra seus súditos “armados até os dentes”, vindo de um recente conflito
interno esta realidade despertou a preocupação em evitar que os inimigos da
coroa tivessem acesso armas de fogo, desta forma, ainda que o número de
crimes graves não tenha aumentado, foram aprovadas uma série de medidas
42

que restringiam o acesso a armas por parte de alguns grupos, principalmente de


indivíduos que haviam lutado anteriormente contra os Stuarts.

Esta foi uma das primeiras e, infelizmente, precursora de muitas outras


medidas similares que seriam aplicadas na Inglaterra, contudo nota-se que as
primeiras medidas de forma explícita justificaram sua implementação como
necessárias para evitar que “inimigos da coroa” conseguissem pegar em armas,
ou seja, por um tempo o Poder nem considerou necessário utilizar a desculpa do
controle da criminalidade e era direto com seus reais objetivos.

Assim foi que em 1671, o Parlamento estabeleceu uma lei para prevenir
a caça ilegal de forma ostensiva e, pela primeira vez, proibiu a posse e porte de
armas de fogo a todos que fossem desqualificados para a caça, ainda que
ineficaz à época, a importância desta lei se dá na transformação da motivação
para ser instaurada. Ao serem claros sobre o desejo de controlar o acesso de
certos grupos a armas de fogo, os governantes enfrentavam a resistência de
alguns parlamentares e de parte da população, que viam em tais medidas uma
ameaça que poderia a qualquer momento se estender a eles.

Começam assim a instituição de medidas nas quais o Poder se utiliza de


uma motivação, mas secretamente visa outro objetivo, no caso da referida lei de
caça, isto fica explícito pois ainda que baseado na justificativa do controle da
caça ilegal, na verdade o governo buscava, como bem identificou o jurista
britânico William Blackstone, a “prevenção de insurreições populares e
resistência ao governo através do desarmamento da massa popular”. Isso se
deve porque na prática a lei permitia que escudeiros do governo pudessem
desarmar quem desejassem pois a qualidade de “classificados para a caça”, nos
termos da lei, não era alcançada por quase nenhuma pessoa, sendo estimado
que em Witshire apenas 0,5% da população era qualificada.

Surge assim um contra movimento estabelecendo-se uma pressão


popular, provocada pelo desarmamento de pessoas consideradas “inimigas do
rei”, com o surgimento do sentimento de que a posse de armas de fogo não mais
era apenas um instrumento que possibilitava ao cidadão comum cumprir com
43

suas tarefas, mas sim um direito fundamental intrínseco a este. Com o advindo
da chamada Revolução Gloriosa foi então instituida a Carta de Direitos, que
estabeleceu como direito garantido que os súditos poderiam “ter armas para a
sua defesa”. O século XVIII finaliza-se com as armas de fogo privadas sendo
agora consideradas como baluartes da constituição e intrumentos necessários
para proteção das liberdades do povo.

William Blackstone classifica o direito dos britânicos de possuir e portar


armas de fogo como sendo um dos cinco direitos auxiliares, mantenedor dos
principais: segurança pessoal, liberdade individual e propriedade privada, para
ele a posse de arma de fogos por civis é um direito natural de resistência e
autopreservação. Ressalta-se, pois, a partir de certo momento, uma sociedade
em que as armas de fogo constituíam direito fundamental se transformou em
uma das que mais restringe o acesso de seus cidadãos a esta.

Este processo de alteração de pensamento ocorreu a um passo lento e


gradual, talvez imperceptível aos olhos daqueles que eram por ele afetados,
neste caso os cidadãos ingleses, mas facilmente percebido quando da aplicação
de um olhar histórico dos fatos. Iniciou-se uma mudança do pensamento inglês,
com a instauração de instrumentos legais similares a lei de caça de 1671, mas
agora não mais justificados pela busca do controle de grupos rebeldes, mas
empenham-se na ideia de que são necessários para a redução da criminalidade.

Pode-se notar esta exata mudança de justificativa da implementação de


políticas desarmamentistas através do conteúdo dos debates que ocorriam tanto
na Câmara dos Comuns como na Câmara dos Lordes. Frente a um novo século
munido de cidadãos armados e autossuficientes, ainda responsáveis em
contribuir com a manutenção da paz, uma nova classe de trabalhadores
industriais que passaram a demandar por reformas e ainda enfrentando a
agitação da revolução Francesa, o governo constantemente se via balançando
a beira de uma revolta e isto precisava ser urgentemente controlado.

Sendo incapaz de remover a posse de armas de fogo do rol de direitos do


cidadão, ao menos por enquanto, o governo passou a pedir mais restrições se
44

baseando na ideia de que, ainda que tal direito exista o problema estava em seu
abuso, o qual supostamente ocorria quando uma porção da população saía pelas
ruas bradando e exibindo suas armas de fogo para o “terror e alarme dos súditos
de sua Majestade”.

A questão criminalidade passou a ser utilizada como argumento, o


governo passou a afirmar que esta estaria apresentando índices altíssimos e
preocupantes, sendo que o cidadão se via refém de criminosos diariamente e o
desarmamento civil seria a resposta lógica para o controle dos crimes. Contudo
semelhantemente ao que ocorre hoje, os fatos eram totalmente distorcidos, pois
temos que no século XIX foram registradas a menor taxa de crimes violentos de
todos os tempos na Inglaterra.

Tentou-se instaurar, sem sucesso, uma lei que instituía o justo motivo para
o acesso a armas, semelhante a comprovação de efetiva necessidade exigida
pelo nosso Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), sendo que para isso
o governo passou a emplacar estatísticas falsas a respeito do número de
acidentes domésticos com armas de fogo, afirmando que se tratava de “um mal
público grave”, dado também falso.

Contudo com a aplicação de inúmeras tentativas e argumentos falsos,


ocorreu a mudança gradual do pensamento dos cidadãos ingleses, os
representantes do povo e a própria sociedade passaram a se esquecer do seu
direito natural e antigo de possuir armas. Lentamente foram instauradas leis
promovendo o desarmamento civil, restringindo a aquisição de armas para
apenas maiores de 18 anos, regulando as especificações técnicas de arma de
fogo permitidas, estabelecendo taxas de licença, registro obrigatório, permissão
de venda apenas por negociantes licenciados e outros quesitos neste sentido.

Quando alguma proposta desarmamentista era rebatida e rechaçada


pelos legisladores o Governo simplesmente a abandonava e esperava alguns
anos para propô-la novamente exatamente nos mesmos termos, esta sequência
de tentativas e tentativas foi cada vez mais proporcionando a aprovação de leis
que removiam do povo um direito antes irrevogável.
45

Os cidadãos ingleses então se viram cada vez mais privados da


“segurança sem a qual todas as outras são insuficientes” como defendia o
grande historiador Thomas Macaulay Whig, desta forma o que antes era um
direito agora se tornou um privilégio.

A observação inicial de que leis desarmamentistas intentam apenas o


controle social é assim facilmente observada também no caso Inglês, basta
observar a própria evolução dos argumentos utilizados como fundamentos para
a implementação de leis deste tipo, os quais inicialmente deixavam clara a
vontade do Poder de manter longe de armas certas classes rebeldes, mas já em
um segundo momento, por perceber ser uma razão mais facilmente aceita pela
população, alegavam que o objetivo da imposição do desarmamento civil seria
o controle de um alto nível de criminalidade.

A busca do controle social fica ainda mais clara com a mudança na atitude
do Governo de acordo com seu interesse imediato, veja-se ainda o caso Inglês,
durante períodos de guerras externas, como a ameaça Napoleônica e durante
as 1ª e 2ª Guerras, o governo inglês permitia que seus cidadãos se armassem,
autorizando até mesmo a criação de milícias armadas.

Os próprios legisladores ingleses sempre críticos do “exagerado” número


de armas de fogo presentes nos EUA, quando da ocorrência da 2ª Guerra
Mundial estabeleceram uma guarda doméstica composta por civis que, pela falta
de armas na Inglaterra, foi suprida pelo Comitê da América para Defesa dos
Lares Britânicos, um grupo formado por civis americanos que enviavam rifles,
pistolas e revólveres particulares que possuíam como doação para os ingleses.

Todavia uma vez controlado o perigo estrangeiro, iniciava-se um novo


processo de desarmamentista, geralmente com restrições ainda mais fortes que
as antigas e isto sob a velha desculpa do controle da criminalidade.

Na situação atual o quinto direito auxiliar descrito por Blackstone,


encontra-se completamente destruído e não apenas na Inglaterra, civis não se
46

preocupam mais com a criminalidade a sua volta, pois, além de estarem


completamente desarmados, já também instituída a ideia de que a obrigação da
garantia da segurança pública é totalmente do Estado.

3.2.2 Do Caso Brasileiro

Se na Inglaterra através da aplicação da tática tentativas políticas


repetitivas, foi possível transformar o que antes era o direito natural de
autopreservação em um sentimento imediato de repulsa, pois hoje grande parte
dos próprios cidadãos ingleses tratam o porte de armas de fogo por civis como
sendo algo inconcebível de ocorrer em uma democracia, devemos observar
atentamente o que aconteceu e pode estar acontecendo na realidade política
brasileira sobre o assunto.

Com o olhar para o Brasil, infelizmente, a questão do desarmamento civil


de forma finalística se deu da mesma maneira que na experiência inglesa, sendo
gradualmente instituído não para o combate à criminalidade, mas para a
promoção do controle social, estabelecido através do mesmo jogo político de
manipulação e instauração de políticas fraudulentas.

Desde a época do Brasil Colônia qualquer um que fosse pego fabricando


armas de fogo em território brasileiro estava sujeito a pena de morte, é notória a
observação de que a Coroa Portuguesa não estava preocupada com a
criminalidade, mas sim em impedir que surgissem indivíduos capazes de resistir
a dominação colonial. Durante o Período Regencial ocorreu uma tentativa de se
desarmar as milícias que foram formadas pouco antes da declaração da
independência.

Nota-se que estas próprias milícias apoiaram o movimento da


independência, mas depois foram vistas como forças paralelas que deveriam ser
extintas, processo semelhante, ao ocorrido na Inglaterra nos períodos de guerra
em que o Governo permitia e até solicitava o apoio de civis armados para então,
uma vez findado o conflito, que estes mesmos cidadãos fossem obrigados a se
desarmar, tudo para a monopolização do poder.
47

Embora ainda que tenha-se ocorrido o desarmamento de certos grupos,


como de negros e índios, durante todo o período do Império era permitido ao
cidadão brasileiro livre o direito à propriedade de armas, sendo que apenas em
1930, no governo de Getúlio Vargas, foi que começaram as primeiras
campanhas desarmamentistas, estas motivadas não pelo aumento da
criminalidade, mas principalmente por dois movimentos: o coronelismo e o
cangaço. Ambos muito fortes no nordeste do país e que até o momento, devido
a presença de armas de fogo, com muito poder.

O coronelismo representava uma ameaça ao Poder central, haja vista que


os coronéis possuíam sob suas ordens uma grande força social armada, estas
muitas vezes, munidas de equipamento muito superior ao das forças policiais.
Por outro lado, o movimento de cangaço representava uma força criminosa na
qual agrupamentos de bandidos, armados até os dentes, atacavam cidades
inteiras saqueando e estuprando mulheres.

Diante disso Vargas foi extremamente sagaz pois, a ideia de acabar com
os cangaceiros era aceitável a população, todavia drenar o poder dos coronéis
era uma tarefa completamente diferente, seria difícil desarmá-los a força pois
isto apenas causaria um conflito ainda maior, sua estratégia então foi colocar
aliar seus dois objetivos, colocando a culpa do movimento cangaceiro nos
próprios coronéis.

Surgiu a aplicação da ideia de que as armas utilizadas pelos cangaceiros


eram oriundas dos estoques que os coronéis mantinham, assim um programa
desarmamentista foi aplicado e muitos coronéis enganados pela suposta causa
nobre de combate à criminalidade, entregaram ao governo milhares de armas de
fogo que possuíam.

A consequência disso foi que a partir daí o movimento cangaço atingiu


seu auge, tendo o próprio Lampião agradecido o major Juarez Távora, coronel
48

que havia apoiado a política desarmamentista de Vargas 23, pelo grande favor
que eles lhe haviam feito. Assim, como hoje, os criminosos podiam escolher à
vontade seus alvos sem preocupação com alguma reação destes.

Nota-se também outro momento muito importante que significou um


grande passo para a implantação do controle social através do desarmamento
civil no Brasil. Tem-se que após a Revolução de 1932, findou-se um conflito
armado intenso entre o Governo Vargas e a força policial do Estado de São
Paulo, esta última armada com fuzis, metralhadoras, carros de combate,
canhões e até mesmo alguns aviões de guerra, tendo Getúlio saído vitorioso da
guerra paulistana. Vemos claramente com tal acontecimento o tipo de resistência
que um povo armado, neste caso os paulistas, é capaz de exercer frente a um
governo autoritário, pois se não contassem com o armamento que tinham
certamente não teriam se rebelado contra a ditadura de Vargas.

Ocorre que o Poder teve a mesma percepção, assim, pouco tempo depois
foi instituído o Decreto 24.602 de 6 de julho de 1934, sendo por causa deste que
policias hoje em dia possuem restrições referentes aos tipos de armamento e de
calibre que podem utilizar, necessitando da autorização do exército para
adquirirem armas de maior calibre.

Por fim o ápice da implementação de políticas desarmamentistas no Brasil


ocorreu com a Lei 10.826 em 2003 a qual, como sabemos, praticamente retirou
o direito do cidadão brasileiro comum de ter armas.

Perceba que quando da análise histórica, as políticas desarmamentistas,


no Brasil ou na Inglaterra, foram sempre utilizadas com o cunho do controle
social. Em alguns momentos mais explicitamente e em outros menos, ocultada
sobre uma suposta preocupação com o controle da criminalidade, hoje podemos
afirmar que os brasileiros não são impedidos de ter armas de fogo para que se
alcance uma redução no número de crimes violentos, mas sim para que o

23
QUINTELA, Flavio; BARBOSA, Bene. Mentiram para mim sobre o desarmamento. Campinas,
SP, Vide Editorial, 2015, p. 34.
49

governo instalado se mantenha sem possibilidade alguma de resistência por


parte de seus cidadãos.

O problema ainda se intensifica quando percebe-se estar instaurada no


Brasil uma legislação de classe pois, observada a prática, o nosso diploma legal
proíbe brasileiro comum de ter armas, mas, nem todos os brasileiros. Alguns
cidadãos ainda possuem livre acesso a armas de fogo, não trata-se aqui dos
criminosos apenas, mas sim de indivíduos que possuem uma diferença essencial
dos seus demais, são os “amigos da coroa”.

3.3 Legislação de Classe

Compreende-se como sendo legislação de classe aqueles diplomas


legais que são instituídos de forma que apenas um grupo ou uma classe da
sociedade conseguirá usufruir da situação criada, enquanto aqueles em
posições mais baixas da escala social, os mais afastados do Poder, serão
excluídos. No caso especifico do desarmamento civil brasileiro a lei que restringe
o acesso a armas de fogo afeta as diferentes classes com diferentes
intensidades, fazendo com que aqueles mais próximos do Poder, ou seja, os
“amigos do rei” sejam por ela menos afetados.

O governo quer apenas e exclusivamente remover as armas de fogo das


mãos de seus cidadãos para eliminar qualquer tipo resistência ao seu próprio
poder, contudo se determinado cidadão em especial se mostra cúmplice ao
andar da máquina estatal, seja por ser um de seus integrantes ou mesmo por
possuir características que a lhe dê vantagens, o governo não vê problema em
permitir que este tenha uma arma de fogo. É o que vemos ocorrer nos mais
variados tipos de governos abusivos e ditatoriais em que, mesmo implementando
políticas rígidas de desarmamento, permitem que aqueles que pertencem a sua
cúpula não encontrem dificuldade alguma, caso desejem obter uma arma.

No Brasil, seguindo esta lógica, qual a unidade da federação em que se


concentram o maior número de autorizações concedidas para o porte de arma
de fogo? Sim, na região de onde emanam as principais decisões políticas do
50

país e onde se encontram os homens e mulheres mais próximas ao “rei”, o


Distrito Federal. 24 Quanto mais próximos do Poder mais chance os indivíduos
têm de conseguir o acesso a armas de fogo.

O que permitiu, em específico ao caso brasileiro, a instauração deste tipo


de legislação de classe foi a implementação do poder discricionário da
concessão ou não de acesso a armas de fogo, requisito extremamente subjetivo,
mas que sem o qual o cumprimento de todos os outros requisitos exigidos por
lei é insignificante.

Sabe-se que no jogo político não existe ingenuidade, logo o Poder não
deixaria uma decisão tão importante, a concessão ou não de acesso a armas de
fogo, exclusivamente nas mãos da vontade de uma única autoridade. O que nos
leva a acreditar que mais um ponto de nossa história possa estar hoje, seguindo
o mesmo caminho de algo que aconteceu no trajeto inglês.

Durante algum tempo na experiência inglesa, quando já havia sido


implantada a necessidade de apresentar “justo motivo” para conseguir acesso
as armas de fogo, ao ser delegado a autoridades policiais a responsabilidade de
verificar a existência ou não deste, descobriu-se, apenas anos depois, que o
Home Office Britânico (departamento responsável por lidar com a segurança
interna no país) havia enviado uma série de instruções secretas aos chefes de
polícia, muitas destas que até hoje não foram reveladas, as quais estabeleciam
as diretrizes que estes deveriam seguir para considerar ou não como justo
motivo a razão apresentada pelo cidadão.

Podemos ter uma ideia da natureza de tais diretrizes, quando observamos


a declaração do chefe do Home Office a época, em 1946, que em certa ocasião
disse ao Parlamento “Eu não consideraria o apelo de que um revólver é desejado
para a proteção de um familiar ou da propriedade do requerente como algo que

24
Disponível em: < http://www.defesa.org/registros-de-arma-de-fogo-por-estado/> Acesso em:
16 out, 2017.
51

necessariamente justifique a emissão de um certificado de arma de fogo.” 25

Logo, não para a nossa surpresa, restou demonstrada a tendência


desarmamentista do próprio departamento responsável por guiar as decisões
dos chefes de polícia.

Frente a tantos pontos em comum da implementação do desarmamento


civil entre a experiência inglesa e a nossa, é difícil negar a possibilidade de que
algo similar as tais diretrizes estejam ocorrendo em nosso país, isto ainda
quando cada vez mais pedidos de autorização para a obtenção de armas de fogo
são indeferidos baseando-se única e exclusivamente na inexistência da efetiva
necessidade, o “justo motivo” brasileiro. Tal arbitrariedade se tornou tão notória
que este ano, através da portaria nº 79, de 16 de março de 2017, o Ministério
Público Federal instaurou inquérito civil público para investigar ações ou
omissões ilícitas que possam estar ocorrendo quando do cumprimento dos
requisitos impostos pelo cidadão pelo Estatuto do Desarmamento.26

O Brasil encontra-se em uma situação insustentável em diversas áreas


públicas e a segurança não fica de fora, enquanto criminosos se proliferam e
mantém refém uma população já explorada, o Governo se preocupa cada vez
mais em manter seu poder através do monopólio da segurança, mesmo
conhecedor de sua total incapacidade de cuidar sozinho da proteção de seus
cidadãos.

A contínua aplicação do desarmamento civil para o controle da


criminalidade mesmo frente a sua constatada ineficiência para tal, se mostra
parte de um plano de conservação de governos, que já possuem exorbitante
poder acumulado em suas mãos por um processo milenar de concentração das
forças. Não são os criminosos os alvos das políticas desarmamentistas, mas sim
os cidadãos obedientes a lei que, ao que parece, são cada vez mais tratados por
seus próprios líderes como sendo Inimigos da Coroa.

25
MALCOLM, Joyce Lee. Violência e Armas: a experiência inglesa; tradução de Flávio Quintela
2. ed. Campinas, SP, Vide Editorial, 2014, p. 161.
26
Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/go/sala-de-imprensa/docs/not2018-
Portaria%20Estatuto%20do%20Desarmamento_1.pdf> Acesso em: 16 out, 2017.
52

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Bene. Violência, armas e os vira latas de Pavlov. Disponível em:


<http://www.cadaminuto.com.br/noticia/287029/2016/05/16/violencia-armas-e-
os-vira-latas-de-pavlov> Acesso em: 15 out. 2017.
JOUVENEL, Bertrand de. O poder: história natural de seu crescimento.
Tradução de Paulo Neves. 1. ed. São Paulo, Peixoto Neto, 2010.
LOTT, John R., Jr. Preconceito contra as armas: por que quase tudo que
você ouviu sobre o controle de armas está errado; tradução de Flávio
Quintela. Campinas, SP, Vide Editorial, 2015.
MALCOLM, Joyce Lee. Violência e Armas: a experiência inglesa; tradução de
Flávio Quintela 2. ed. Campinas, SP, Vide Editorial, 2014.
QUINTELA, Flavio; BARBOSA, Bene. Mentiram para mim sobre o
desarmamento. Campinas, SP, Vide Editorial, 2015.

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