Rodrigues estaria escrevendo hoje novelas da Globo, e, em caso afirmativo, se levaria às nossas telinhas cotidianas o rol de perversões sexuais que desfilou em sua obra romanesca publicada em forma de folhetim cinquenta anos atrás. Se não temos como responder, obviamente, esta questão, o livro de Aguimario traça, por outro lado, um capítulo importante não somente da pré- história da telenovela, mas, sobretudo, da história da ficção brasileira, vinculada, desde sua origem no Romantismo do século XIX, com a produção em massa dos jornais diários, com a reprodutibilidade técnica, em suma. Tendo pesquisado para este livro da melhor forma autodidata, Aguimario ouviu de uma sua banca examinadora o pedido para não tratar seu objeto apenas pelo prenome (‘Nelson’), mas perseverou com essa intimidade que é peculiar a quem se debruça sobre um autor sem muita mediação acadêmica. E saiu então o ótimo ‘Nelson Rodrigues e a Literatura de Massa’, que percorre os textos ditos ‘menores’, ou até mesmo ‘inferiores’, do grande dramaturgo brasileiro. Desde a exploração dos heterônimos femininos (e as novelas em torno de sua identidade), chamando a atenção para o machismo que “pregava claramente a submissão total da figura feminina aos desejos de seu parceiro”, até chegar propriamente aos romances- folhetins, com os temas sempre contextualizados na biografia do autor (como a descoberta da “Rua Alegre”, da sua infância, por exemplo), conhecemos uma interessante faceta da ficção brasileira do século XX, através de um texto fluente, embora de estilo bastante pessoal. Trazendo as novidades formais de escrita impostas pela técnica, como a fragmentação dos capítulos, os momentos de suspensão, o ritmo narrativo ditado pelos jornais diários, e após o histórico das adaptações para a televisão, Aguimario acerta o alvo, ao traçar as principais características da “literatura comercial de Nelson Rodrigues”, de modo didático e profundo, e que, ao voltar os olhos para o passado, redescobre cada vez melhor o nosso presente.