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CONTRATO DE DOAÇÃO

Noção e aspetos gerais


A doação encontra-se regulada no artigo 940º que a define como “o contrato pelo qual uma pessoa,
por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um
direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente”.
O nosso Direito qualificou expressamente a doação como um contrato. Regra geral, tendo a doação
caráter contratual, necessita de uma proposta e uma aceitação.
Elementos constitutivos do contrato de doação
Em face do artigo 940º, é possível descortinar os seguintes elementos constitutivos da doação:
a) Atribuição patrimonial geradora de enriquecimento
O primeiro requisito do contrato de doação é a existência de uma atribuição patrimonial geradora de
enriquecimento, ou seja, um ato que atribua a outrem uma concreta vantagem patrimonial. O artigo
940º refere que essa atribuição patrimonial pode consistir, quer na disposição de uma coisa ou de um
direito, quer na assunção de uma obrigação. Efetivamente, em qualquer dos casos, o donatário sofre
um incremento no seu património.
b) Diminuição do património do doador
O segundo requisito é a diminuição do património do doador, expressa na expressão “à custa do seu
património”. Este requisito, ao contrário do que sucede no enriquecimento sem causa, supõe uma
efetiva diminuição patrimonial, sem a qual não se estará perante uma doação. Daí que não seja
qualificada uma doação, mas antes como prestação se serviços gratuita (1154º), o contrato pelo qual
alguém apenas se obrigue a prestar um serviço a outrem.
c) Espírito de liberalidade
O último requisito consiste na existência de espírito de liberalidade, ou seja, que exista a intenção de
atribuir o correspondente benefício a outrem por simples generosidade ou espontaneidade, e não em
qualquer outra intenção como, por exemplo, o cumprimento de um dever. O doador deve através do
seu ato pretender beneficiar o donatário, podendo esse fim concorrer com outros, embora estes sejam
considerados meros motivos do ato e, por isso, irrelevantes.
O espírito de liberalidade assim consiste no fim direto de atribuir um benefício ao donatário,
provocando o seu enriquecimento, e que a doutrina tem identificado como a causa jurídica da doação.
Características qualificativas do contrato de doação
1. A doação como contrato nominado e típico
A doação é um contrato nominado, uma vez que a lei o reconhece como categoria jurídica, definindo-
o no artigo 940º, e típico porque lhe estabelece um regime, nos artigos 940º a 979º do Código Civil.
2. A doação como contrato primordialmente formal
Para além disso, a doação é um contrato formal, já que o artigo 947º/1 sujeita a doação de coisas
imóveis à forma de escritura pública ou documento particular autenticado, e o artigo 947º/2 a doação
de móveis à forma escrita. Esta última forma é dispensada, no aso de a doação de coisas móveis ser
acompanhada de tradição da coisa doada, caso em que a celebração do contrato e a sua execução
ocorrem simultaneamente.
3. A doação como contrato primordialmente consensual
A doação pode ainda considerar-se um contrato primordialmente consensual (e não real quoad
constitutionem), uma vez que a lei prevê expressamente a existência de uma obrigação de entrega por
parte do doador (954º/b), o que significa que não associa a constituição do contrato à entrega da
coisa, admitindo a sua vigência antes da coisa ser entregue.
A doação como contrato que tanto pode ser obrigacional como real quoad effectum, isolada
ou conjuntamente
A doação tanto poe ser um contrato obrigacional como real quoad effectum, podendo reunir estas
duas características tanto isolada como conjuntamente. A situação mais comum é a doação ser tanto
um contrato real quoad effectum como obrigacional, na medida em que se transmite a propriedade
da coisa ou a titularidade do direito para o donatário (954º/a), ao mesmo tempo que se onera o
doador com a obrigação de entregar a coisa (954º/b). Mas a doação pode ser um contrato
estritamente obrigacional, se o doador se limitar a assumir uma obrigação em benefício do outro
contraente (940º e 954º). Para além disso, a doação pode ser real quoad effectum sem gerar quaisquer
obrigações, como sucederá numa doação manual de coisas móveis.
4. A doação como contrato gratuito
A doação é um contrato gratuito, uma vez que nele não existe qualquer contrapartida pecuniária em
relação à transmissão dos bens ou à assunção de obrigações, importando assim apenas sacrifícios
económicos para uma das partes, o doador. A onerosidade nem sequer se verifica em relação à doação
com encargos (963º), dado que o encargo não constitui uma contrapartida da atribuição patrimonial
do doador, sendo antes uma mera restrição à liberalidade.
5. A doação como contrato não sinalagmático
Sendo um contrato gratuito, a doação é naturalmente também um contrato não sinalagmático, uma
vez que só faz surgir obrigações para uma das partes.
6. A doação como contrato que tanto pode ser de execução instantânea como periódica
A doação é normalmente um contrato de execução instantânea, uma vez que a atribuição patrimonial
do doador não tem, em princípio, o seu conteúdo e extensão delimitado em função do tempo. No
artigo 943º, a lei admite a possibilidade de a doação abranger prestações periódicas, caso em que
naturalmente estaremos perante um contrato de execução periódica.
Objeto da doação
A lei estabelece algumas restrições às entidades que podem ser objeto de um contrato de doação.
Assim, o artigo 942º/1 refere-nos que a doação não pode abranger bens futuros. Esta proibição
compreende-se porque, se alguém efetuasse uma doação relativamente a bens que ainda não adquiriu,
embora o contasse posteriormente fazer, poderia não estar totalmente seguro das implicações do seu
ato, e vir a arrepender-se aquando da futura aquisição do bem.
Uma outra regulação do objeto da doação é a disposição do artigo 943º, que determina que “a doação
que tiver por objeto prestações periódicas extingue-se por morte do doador”. Não há neste caso uma
doação de bens futuros, mas antes a oferta de um direito de crédito, correspondente a obrigações
duradouras periódicas como, por exemplo, o direito a uma pensão vitalícia ou à renda de um imóvel.
Em relação ao objeto da doação temos ainda que considerar a disposição interpretativa do artigo
944º, que se refere à doação conjunta, esclarecendo o nº1 que “a doação feita a várias pessoas
conjuntamente considera-se feita por partes iguais, sem que haja direito de acrescer os donatários,
salvo se o doador tiver declarado o contrário”. Esta é uma hipótese em que o doador oferece a mesma
coisa ou direito a várias pessoas, sem determinar a parte que a cada uma delas compete. A lei
estabelece que neste caso se deve presumir não apenas que são iguais as partes que competem a cada
um dos donatários, mas também que, se algum deles não quiser ou não puder aceitar a doação, não
acresce a as parte aos restantes, mas antes se mantém na titularidade do doador. Esta solução não
prejudica, no entanto, o direito de acrescer entre usufrutuários, no caso se o usufruto ser constituído
por doação (944º/2).
Forma do contrato
Resulta do artigo 947º que a doação é, salvo num caso especial, um contrato normalmente sujeito a
forma especial, sendo consequentemente nulo se não respeitar essa forma (220º).
A exigência de forma especial (bens imóveis) ou da formalidade da tradição da coisa (bens móveis)
justifica-se pela necessidade de assegurar a seriedade da intenção do doador, evitando assim que um
contrato que lhe impõe um sacrifício patrimonial possa resultar de declarações precipitadas.
A formação do contrato
O contrato de doação está sujeito a regras diferentes para a sua formação do que as que vigoram para
o comum dos negócios jurídicos. Assim, a lei admite que a doação seja celebrada, quer entre
presentes, quer entre ausentes. No entanto, neste último caso a proposta da doação não caduca pelo
decurso dos prazos fixados no artigo 228º, apenas se verificando essa caducidade se não for aceite
em vida do doador (945º/1).
Enquanto a proposta de doação não for aceite pelo donatário, o doador pode proceder à sua
revogação (969º). O donatário pode aceitar a proposta de doação enquanto o doador for vivo
(945º/1). A aceitação da doação está sujeita à forma exigida para o contrato (945º/3), parecendo que,
salvo no caso de ter havido tradição da coisa para o donatário, terá que constar de uma declaração
expressa, não sendo assim aplicável no âmbito da doação a regra do artigo 234º.
Tratando-se de coisas imóveis, terá a aceitação que constar de escritura pública ou documento
particular autenticado (947º/1). Tratando-se de coisas móveis, se não se tiver verificado a tradição da
coisa para o donatário, a aceitação terá que constar de documento escrito (947º/2). Uma vez emitida
a aceitação, esta terá que ser declarada ao doador sob pena de não produzir os seus efeitos (945º/3).
O contrato só se considera concluído com a receção ou conhecimento da aceitação pelo doador
(224º/1). Até lá, quer o doador, quer o donatário podem revogar a sua declaração, não sendo
inclusivamente admissível a renúncia a esta faculdade. O artigo 969º/1 impõe que a revogação da
proposta da doação observe as formalidades desta, mas não parece excluir que ela seja efetuada
tacitamente, como na hipótese de o doador tornar a dispor dos bens doados. Pode também se
verificar a caducidade, quer da proposta quer da aceitação da doação, por morte de qualquer dos
declarantes ou destinatários. Aqui é derrogada a regra geral do artigo 231º, dado que na doação os
herdeiros do doador não ficam vinculados pela proposta do autor da sucessão, nem os herdeiros do
donatário estão em condições de aceitar a doação, dado que a liberalidade não lhes era dirigida.
Se se tiver verificado a tradição da coisa móvel para do donatário, ou do seu título representativo, a
receção por este do objeto doado é considerada como aceitação, não sendo assim necessária a prática
de mais qualquer ato. Já em caso de doação pura feita a incapaz (951º/2) ou a nascituro (952º) o
contrato produzirá efeitos mesmo sem a aceitação.
Capacidade ativa e passiva para o contrato de doação
A lei prevê regras especiais em relação à capacidade para efetuar doações (capacidade ativa) ou para
receber doações (capacidade passiva), reguladas nos artigos 948º e ss.
Em relação à capacidade ativa, dispõe-se no artigo 948º/1 que “têm capacidade para fazer doações
todos os que podem contratar e dispor dos seus bens”. Daqui resulta que a lei equipara a capacidade
ativa nas doações à capacidade contratual geral (67º), da qual são apenas excluídos os menores (122º
e ss.) e os maiores acompanhados em relação aos quais tenha sido estabelecida essa restrição (138º e
ss.).
O artigo 949º/2 estabelece, ainda, que “os representantes legais dos incapazes não podem fazer
doações em nome destes”, uma vez que a realização de doações pelos representantes legais se
apresentaria como contrária à natureza da doação.
A lei estabelece que a capacidade é regulada pelo estado em que o doador se encontrar ao tempo da
declaração negocial (948º/2). Se o doador era capaz no momento em que fez a proposta de doação,
essa proposta não perde a validade, se o doador se tornar incapaz no momento da celebração do
contrato.
Segundo o artigo 950º/1, relativamente à capacidade passiva, “podem receber por doação todos os
que não estão especialmente inibidos de as aceitar por disposição da lei”, acrescentando o nº2 que “a
capacidade do donatário é fixada no momento da aceitação”. Há assim uma situação de capacidade
genérica para a receção de doações (67º).
O mandato para doar
A lei proíbe também a atribuição por mandato da faculdade de escolha do donatário ou da designação
do objeto da doação, o que se compreende em virtude de a doação pressupor uma relação direta
entre o espírito de liberalidade daquele que sacrifica o seu património e o que vem a ser enriquecido
por essa via. Também pelo mesmo motivo não se admite a atribuição ao mandatário da faculdade de
escolher por sua iniciativa o objeto da doação.
O mandato para doar deve assim incluir a designação da pessoa do donatário e o objeto da doação,
sendo considerado um mandato especial por força do artigo 1159º/1.
O contrato-promessa de doação
Tem-se discutido na doutrina a admissibilidade do contrato-promessa de doação. A resposta da
maioria da doutrina tem sido, porém, no sentido da admissibilidade deste negócio, por se considerar
que, além de a figura se encontrar expressamente prevista em Códigos Estrangeiros, o requisito da
espontaneidade não é posto em causa, uma vez que o contrato-promessa de doação é espontâneo,
participando o contrato definitivo por arrastamento da mesma característica.
Invalidade e confirmação da doação
A doação pode ser nula, seja porque não obedeceu à forma legal (947º), seja porque se verifica uma
situação de indisponibilidade relativa (953º). O regime da nulidade da doação afasta-se, porém, do
que vigora para a generalidade dos negócios jurídicos, uma vez que admite que admite o que qualifica
como “confirmação da doação nula”, a realizar pelos herdeiros do doador. Efetivamente, o artigo
968º estabelece que “não pode prevalecer-se da nulidade da doação o herdeiro do doador que a
confirme depois da morte deste ou lhe dê voluntária execução, conhecendo o vício e o direito à
declaração de nulidade”.
A confirmação prevista no artigo 968º pode ser expressa ou tácita nos termos gerais (217º), referindo
o legislador expressamente um caso de declaração tácita que é a voluntária execução da doação por
parte do herdeiro do doador.
Efeitos da doação
1. Generalidades
O artigo 954º indica os seguintes efeitos da doação:
a) A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito;
b) A obrigação de entregar a coisa;
c) A assunção da obrigação, quando for esse o objeto do contrato.
2. A doação real
Conforme se referiu, quando a doação respeita à transmissão de uma coisa ou direito, constitui um
contrato real quoad effectum, uma vez que a celebração do contrato acarreta a automática
transmissão da propriedade para o donatário (408º/1 e 954º/a). Se, no entanto, se tratar de doação
verbal de coisas móveis, a lei exige a tradição da coisa para a celebração do contrato, pelo que nesse
caso a doação será igualmente um contrato real quoad constitutionem (947º/2).
3. A doação obrigacional
O artigo 954º/c) refere que também constitui efeito da doação a assunção da obrigação, se este for o
objeto do contrato. Encontra-se, assim, prevista nesta disposição a doação obrigacional, nos termos
da qual o doador assume, por espírito de liberalidade, uma obrigação para com o donatário. Neste
caso estão preenchidos os requisitos do artigo 940º, uma vez que a assunção de uma obrigação para
com o donatário diminui o património do doador e produz um enriquecimento do donatário, que vê
aumentar o seu passivo em virtude da constituição do crédito a seu favor.
Cláusulas acessórias nas doações
A lei regula especificamente nos artigos 958º e seguintes certas cláusulas acessórias, que é isso as
partes incluírem neste contrato.
1. Reserva de usufruto
O artigo 958º consiste na denominada reserva de usufruto, que o legislador prevê expressamente que
pode ser instituído pelo doador, quer a favor de si próprio, quer a favor de terceiro.
O doador pode livremente instituir uma reserva de usufruto. A reserva de usufruto a favor do doador
não dispensa, porém, o donatário do ónus de aceitar a doação da nua propriedade, o que tem que
fazer em vida do doador, nos termos gerais (945º/1). No caso de reserva de usufruto a favor de
terceiro, como se trata o caso concreto, quer o nu proprietário, quer o usufrutuário, terão que aceitar
a doação em vida do doador, sem o que não adquirirão os respetivos direitos (945º/1). O usufruto é
vitalício.
2. Reserva do direito de dispor de coisa determinada ou de certa quantia sobre os bens
doados
Outra cláusula acessória é a reserva do direito de dispor de coisa determinada ou de certa quantia
sobre os bens doados (959º). Efetivamente, o doador pode reservar-se a faculdade de dispor de
qualquer objeto (por ato inter vivos ou post mortem) compreendido na doação ou de qualquer quantia
sobre os bens doados, ou seja, de uma parte específica do complexo material que constitui o objeto
da doação.
A lei, porém, exige a determinação do objeto de reserva de disposição, seja através da individualização
da coisa, seja através da limitação da quantia, pelo que será nula a cláusula que estabeleça em termos
indeterminados qualquer coisa ou qualquer quantia; o que no caso concreto não acontece, uma vez
que A determina que são cenouras.
Esta faculdade não se transmite aos herdeiros, pelo que caduca com a morte do doador (959º/2) e,
para além disso, a reserva quando respeite a coisas imóveis ou móveis sujeitas a registo, carece de ser
registada (959º/2) e a consequência da falta de registo será a ineficácia da reserva perante terceiros,
não impedindo o seu exercício entre as partes.
3. Cláusula de reversão
Uma das estipulações admitidas na doação é a cláusula de reversão, prevista no artigo 960º, nos
termos da qual se determina que o bem doado regressa à titularidade do doador em caso de pré-
decesso do donatário ou do donatário e os seus descendentes, presumindo-se ser esta a última solução
aplicável, salvo estipulação em contrário (960º/2).
Esta cláusula significa que o doador não deseja estender a sua generosidade a todos os herdeiros e
legatários do donatário, mas antes pretende limitá-la a este ou, como a lei presume supletivamente, a
quele e aos seus descendentes, visando-se assim que o bem doado permaneça sempre naquela estirpe
familiar.
4. Substituições fideicomissárias
O artigo 962º/1 refere-nos que são admitidas substituições fideicomissárias nas doações. A
substituição fideicomissária ou fideicomisso é uma figura que se encontra prevista no âmbito da
sucessão testamentária, regulada pelos artigos 2286º e ss., para onde o artigo 962º/2 remete, com as
necessárias correções. Em sucessão testamentária admitem-se ainda outros tipos de substituições
como a direta (2281º e ss.) ou a pupilar e quase-pupilar (2297º e ss.), mas estes não são abrangidos
pela remissão do artigo 962º, uma vez que não têm cabimento em sede de doação.
De acordo com o artigo 2286º, a substituição fideicomissária trata-se de uma situação em que o
donatário instituído em primeiro lugar (fiduciário) fica obrigado a conservar o objeto da liberalidade
para que ele reverta por morte em benefício de um segundo donatário (o fideicomissário). O
fiduciário é considerado um proprietário a termo, tendo o gozo e administração dos bens (2290º/1),
nos mesmos termos do que o usufrutuário, salvo no que for incompatível com a natureza do
fideicomisso (2290º/2), embora possa, em caso de evidente necessidade ou utilidade, alienar os bens,
mediante autorização judicial (2291º).
5. Doação sujeita a condição
Apesar de não expressamente prevista na lei é também admissível a sujeição da doação a uma
condição, sendo-lhe aplicável diretamente o regime geral da condição, isto é, os artigos 270º e ss.
Assim, nos termos gerais, as condições das doações podem ser suspensivas ou resolutivas, positivas
ou negativas, causais, potestativas ou mistas. A sua verificação tem eficácia retroativa (276º) e o
negócio na pendência da condição é regulado pelos artigos 272º e ss.
Em sede de doação vigora antes o regime do artigo 2230º, que não fez afetar de nulidade estas
doações. Efetivamente, se elas forem física ou legalmente impossíveis, consideram-se como não
escritas e não prejudicam o donatário, salvo declaração em contrário. Se forem contrárias à lei, ordem
pública ou ofensivas dos bons costumes, consideram-se igualmente não escritas, ainda que o
donatário tenha declarado o contrário, salvo se se puder concluir que a doação foi essencialmente
determinada por esse fim, caso em que será integralmente nula.
6. Doação modal
A lei admite a possibilidade de as doações serem oneradas com encargos (963º/1) – cláusulas modais.
O modo ou encargo consiste numa restrição imposta ao beneficiário da liberalidade que o obriga à
realização de determinada prestação no interesse do autor da liberalidade, de terceiro, ou do próprio
beneficiário, podendo por isso, consoante os casos, revestir tanto a natureza de uma obrigação em
sentido técnico, como a de um mero ónus jurídico.
Só existe doação com encargos quando, apesar da realização do encargo, o donatário ainda recebe
um benefício que represente um valor superior àquele que se obrigou a despender em consequência
dos encargos.
De acordo com o artigo 963º/2, o donatário não é obrigado (mas pode cumprir) a cumprir os
encargos senão dentro dos limites da coisa ou do direito doado. Assim, o encargo não pode superar
o valor da doação
À semelhança do que sucede com a condição, os encargos não podem ser impossíveis, contrários à
lei, à ordem pública ou ofensivos dos bons costumes. Se forem física ou legalmente impossíveis,
consideram-se não escritos e não prejudicam o donatário, salvo declaração em contrário. Se forem
contrários à lei, ordem pública ou ofensivos dos bons costumes, consideram-se igualmente não
escritos, ainda que o testador tenha declarado o contrário, salvo se se puder concluir que a doação
foi essencialmente determinada por esse fim, caso em que será integralmente nula (967).
A imposição de encargos não transforma a doação em negócio oneroso, na medida em que a
obrigação do donatário é meramente acessória e não pode exceder o montante da liberalidade.
Independentemente de ser acessório ou principal, desde que não invada o espírito da doação, pode
ser principal – desde que se consiga ainda retirar as características da doação.
O cumprimento do encargo pode ser exigido tanto pelo doador, os seus herdeiros ou qualquer
interessado (965º) e caso o encargo não venha a ser cumprido, quer o doador, quer os seus herdeiros,
poderão resolver a doação, mas apenas se esse direito lhes tiver sido conferido pelo contrato (966º).
Proibições de doação
Existem também diversas proibições de celebração de doações. O Código atual pretendeu equiparar
as indisponibilidades relativas nas doações às vigentes em sede de sucessão testamentária.
Temos assim estabelecida a proibição de doações, diretamente ou por interposta pessoa (2198º) a
favor do tutor, curador, administrador legal de bens e protutor (2192º), médicos, enfermeiros e
sacerdotes (2194º e 2195º), cúmplice do doador adúltero (2196º) e intervenientes na doação (2197º).
Para além disso, o artigo 1761º prevê ainda a proibição da doação entre casados se vigorar entre eles
o regime imperativo da separação de bens. Finalmente, a certas entidades, como os partidos políticos
e as associações sindicais e patronais, é vedado, para garantia da sua independência o recebimento
de certas doações. v
Modalidades atípicas de doações
1. A doação remuneratória
Apesar das suas características especiais, o legislador não deixou de incluir no conceito de doação a
figura da doação remuneratória, referindo o artigo 941º que “é considerada doação a liberalidade
remuneratória de serviços recebidos pelo doador, que não tenham a natureza de dívida exigível”.
Está-se perante uma situação em que o doador recebeu determinados serviços, os quais não têm,
porém, a natureza de dívida exigível. No entanto, o facto de o doador ter ficado grato pela receção
do serviço, leva-o a querer remunerar quem lho prestou, ainda que em termos jurídicos a isso não
seja obrigado.
É essencial, para que haja doação remuneratória que a remuneração dos serviços prestados não possa
corresponder a qualquer obrigação por parte do recetor. Assim, se o beneficiário dos serviços se
limita à restituição do enriquecimento que lhe causou a receção dessa prestação (473º e 479º), ou
procede apenas à remuneração de uma gestão de negócios, nos casos em que a lei atribui esse direito
ao gestor (464º e 470º), naturalmente que não se está perante uma doação remuneratória. Também
não haverá doação remuneratória, se se estiver perante uma situação de cumprimento de obrigação
natural (402º e ss.) ou de donativo conforme aos usos sociais (a chamada gorjeta: 940º/2).
2. A doação por morte
Consiste esta na situação em que o doador efetua por espírito de liberalidade ao donatário uma
atribuição patrimonial à custa do seu património, mas determina que a corresponde aquisição apenas
se verificará com a morte dele, doador.
Apesar de nula, a doação por morte pode ser havida como disposição testamentária se tiverem sido
observadas as formalidades dos testamentos (946º/2). Neste caso, está-se perante uma aplicação
particular da regra do artigo 293º, admitindo-se a conversão do negócio nulo num negócio de tipo e
conteúdo diferente, sem que seja necessário demonstrar que a vontade hipotética das partes iria nesse
sentido.
3. A partilha em vida
Prevista no artigo 2029º, esta norma refere que “não é havido como sucessório o contrato pelo qual
alguém faz a doação entre vivos, com ou sem reserva de usufruto, de todos os seus bens ou parte
deles a algum ou alguns dos presumidos herdeiros legitimários, com o consentimento dos outros, e
os donatários pagam ou se obrigam a pagar a estes o valor das partes que proporcionalmente lhes
tocariam nos bens doados”. Trata-se assim de um caso 1específico de doação a um presumido
herdeiro legitimário, em que este assume o encargo de pagar aos outros presumidos herdeiros
legitimário, com o acordo destes, o valor em dinheiro correspondente à parte que lhes caberia.
4. As doações para casamento
Nos termos do artigo 1753º/1, a doação para casamento “é a doação feita a um dos esposados, ou a
ambos, em vista do seu casamento”. Estamos assim perante uma verdadeira doação, ainda que
realizada em vista do casamento, e não perante os donativos que os usos sociais mandam realizar em
consequência da promessa de casamento, regulados especificamente nos artigos 1592º e ss.
A doação para casamento é sujeita a grandes especialidades de regime, o que leva a que o legislador
refira expressamente que as disposições dos artigos 940º a 979º apenas são aplicáveis subsidiariamente
(1753º/2).
Essencial à doação para casamento é que seja feita em vista do casamento, tendo como donatário um
ou ambos os esposados. Já o doador pode ser tanto o outro esposado como terceiro referindo, por
isso, o artigo 1754º que “as doações para casamento podem ser feitas por um dos esposados ao outro,
pelos dois reciprocamente, ou por terceiro a um ou a ambos os esposados”.
5. As doações entre casados
Conforme resulta do artigo 1761º, o regime geral da doação, previsto nos artigos 940º a 979º, apenas
é aplicável à doação entre casados a título subsidiário, o que ilustra bem as grandes especialidades de
regime que apresenta este caso particular de doação.
A especialidade principal da doação entre casados, referida no artigo 1765º é a sua livre
revogabilidade. Efetivamente, a lei estabelece que as doações entre casados podem a todo o tempo
ser revogadas pelo doador, sem lhe que seja lícito renunciar a esse direito, não se transmitindo, porém,
essa faculdade aos herdeiros do doador.
O regime das perturbações da prestação no contrato de doação
Em relação à doação, verifica-se, como normalmente sucede nos contratos gratuitos, que o elemento
da gratuitidade conduz a uma moderação no regime de responsabilidade do doador em caso de
perturbações da prestação, quer derivadas da sua ilegitimidade para alienar a coisa doada, quer
derivadas da existência de vícios ou limitações do seu direito em relação a essa coisa.
1. Doação de bens alheios
O doador só pode doar coisas próprias e não alheias, não podendo sequer a doação abranger bens
futuros (942º). Por esse motivo, o artigo 956º/1 vem instituir a nulidade da doação de bens alheios.
Por motivos de tutela da boa fé do donatário, vem-se, porém, estabelecer que o doador não pode
opor a nulidade ao donatário de boa fé. Em relação ao verdadeiro proprietário da coisa doada, o
contrato será ineficaz, enquanto res inter alios (406º/2).
O artigo 956º/2 vem estabelecer a regra geral da irresponsabilidade do doador prelos prejuízos
causados ao donatário. Essa responsabilidade só se verificará se o donatário estiver de boa fé e se
verifique algum dos seguintes factos:
a) Ter o doador assumido expressamente a obrigação de indemnizar o prejuízo;
b) Ter o doador agido com dolo;
c) Ter a doação caráter remuneratório;
d) Ser a doação onerosa ou modal, ficando neste caso a responsabilidade do donatário limitada
ao valor dos encargos.
2. Doação de bens onerados ou de coisas defeituosas
De acordo com o disposto no artigo 957º, o doador não responde pelos ónus ou limitações do direito,
nem pelos vícios da coisa doada, a menos que se tenha expressamente responsabilizado ou haja
procedido com dolo.
A regra da irresponsabilidade do dador compreende-se na medida em que, apesar de haver uma
redução do valor do bem doado, o donatário não deixa de obter um enriquecimento patrimonial, não
se justificando que o doador responda pela diminuição de valor do bem que o donatário contava
receber.
A coisa entra no património do donatário tal como é, sem que ele possa reclamar os sus defeitos.
Esta regra sofre duas exceções: se o doador se tiver expressamente declarado responsável ou se tiver
atuado com dolo (957º/1). Em relação à assunção da responsabilidade, a lei determina que ela tenha
que ser realizada por forma expressa (declaração expressa) e, neste caso, o donatário encontra ainda
no âmbito da generosidade do doador a indemnização por eventuais defeitos da coisa, que poderá
reclamá-la caso esses defeitos realmente se verifiquem. A outra hipótese é se o doador tiver atuado
com dolo, Pires de Lima e Antunes Varela pronunciam-se no sentido de que o dolo “revestirá em
regra a forma de ocultação intencional dos vícios, com a intenção de enganar o donatário”. ML
complementa que não basta apenas a intenção de enganar para se estabelecer a responsabilidade,
exigindo-se também a intenção de efetivamente prejudicar o donatário.
E de acordo com o º2 do artigo 957º, a doação é anulável a requerimento do donatário de boa fé.
Extinção das doações
1. A revogação por ingratidão do donatário
Uma vez aceite a doação, esta torna-se em princípio irrevogável, só sendo admitida a sua revogação,
em caso de ingratidão do donatário (970º). O artigo 974º vem-nos referir que “a doação pode ser
revogada por ingratidão, quando o donatário se torne incapaz, por indignidade, de suceder ao doador,
ou quando se verifique algumas das ocorrências que justificam a deserdação”. Assim, apenas se
admite a revogação por ingratidão se ocorrer, relativamente ao donatário uma situação que, caso se
verificasse em relação a um herdeiro, pudesse ser qualificada como justificativa de indignidade (2034º)
o de deserdação (2166º).
2. A colação
Para além da revogação por ingratidão do donatário, existem ainda outras causas de extinção das
doação, sendo uma delas a colação, ou a conferencia dos bens doados, prevista nos artigos 2104º e
ss. Consiste esta na obrigação que é imposta aos descendentes que pretendem entrar na sucessão do
ascendente de restituir à massa da herança, para efeitos de igualação da partilha, os bens ou valores
que lhes foram doados por este (2104º/1).
A colação constitui assim uma causa de extinção das doações em vida, que é estabelecida para efeitos
de reconstituição do património da herança, pretendendo-se que os donatários participem na partilha
com os outros herdeiros como se não tivessem recebido quaisquer doações.
O fundamento da colação é a presunção de que o autor da sucessão, quando quis efetuar uma doação
a favor de um dos seus descendentes, não pretendeu beneficiá-lo em relação aos outros, mas apenas
antecipar o que posteriormente lhe viria a ser atribuído na herança.
3. A redução por inoficiosidade
Nos termos do artigo 2168º, são inoficiosas as liberalidades, entre vivos ou por morte, que ofendam
a legítima dos herdeiros legitimários, podendo estas ser objeto de redução por forma a que não
venham a afetar a legítima. A legítima consiste na porção de bens que o autor da sucessão não pode
dispor, por a lei a destinar ao seu cônjuge, descendentes ou ascendentes (2156º e 2157º).

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