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Caso prático: O caso do migrante Januário.

Trata-se de estudo de caso no qual é relatado o trabalho escravo realizado


pelo migrante maranhense Januário em minas de carvão existente em uma fazenda no
estado do Amazonas. Após a liberação de Januário da situação de trabalho em condições
análogas à escravidão pela ação de auditores fiscais do Ministério do Trabalho e
Emprego, esse Ministério mobiliza a Câmara de Deputados do Congresso Nacional para
a proposição de Projeto de Emenda Constitucional (PEC) para aumentar as punições
aplicadas a esse prática criminosa, de modo a reduzir a incidência de casos de trabalho
análogo à escravidão no país. Por ocasião dessa PEC é iniciada uma audiência pública na
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC). Nessa audiência, deputados
federais e representantes da sociedade civil organizada, possuindo cada qual diferentes
visões políticas sobre esse assunto, vão apresentar contribuições ao debate relacionado a
essa PEC. Assim, o foco desse caso prático é expor como os representantes do Parlamento
brasileiro e da sociedade civil organizada tratam a matéria do trabalho análogo à
escravidão e a proposta de reforma constitucional no sentido de endurecer as penas
cominadas a esse tipo penal.

Primeiramente, cumpre destacar que o caso prático destaca detalhadamente as


características de situações análogas à escravidão, a saber: trabalho forçado, jornada
exaustiva, servidão por dívida e condições degradantes.

Em segundo lugar, cabe destacar também que, em que pese ser comum a
veiculação dessa situação como trabalho escravo, é preciso lembrar que o ordenamento
pátrio não acolheu como modalidade de trabalho individual o trabalho escravo, sendo, ao
contrário, tipificado em nosso Código Penal no capítulo que trata dos Crimes contra a
liberdade individual da seguinte forma:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a
jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer
meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela
Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

Dessa forma, o termo correto a ser aplicado a essa situação degradante de trabalho
é trabalho em condição análoga à escravidão, utilizando-se, como foi visto nas aulas de

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Teoria do Direito, a analogia como forma de suprir a ausência de norma regulamentadora,
em virtude de o sistema jurídico não admitir a existência de trabalho escravo no Brasil.

Por fim, é mister apontar também que a proposição da PEC citada acima teria como
objetivo modificar a redação do texto do artigo 243, caput e seu parágrafo único da
Constituição Federal de 1988, os quais determinam o seguinte, in verbis:

Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas
culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão
expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização
ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no
art. 5º. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 81, de 2014)

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico
ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a
fundo especial com destinação específica, na forma da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 81, de 2014)

Ou seja, como efeito da aplicação de penas às práticas de culturas ilegais de plantas


psicotrópicas ou de redução de indivíduos à condição análoga à escravidão em
propriedades privadas rurais e urbanas, ter-se-á a expropriação dessas propriedades sem
qualquer indenização aos seus proprietários e sua destinação aos programas de reforma
agrária e programas de habitação popular. Por outro lado, o artigo 243 da Carta Política
brasileira ressalta que será confiscado e revertido a fundo especial com destinação
especifica todo bem de valor econômico apreendido em decorrência da prática de tráfico
ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de condição de trabalho análogo
ao escravo. Por fim, além da expropriação do bem imóvel, aos agentes dessa prática
criminosa serão aplicadas as penas do artigo 149 do Código Penal brasileiro.

Desse modo, em posse dessas informações adicionais, passe-se agora a


apresentação das sustentações orais apresentadas pelos parlamentares e pelos
representantes da sociedade civil organizada por ocasião da audiência pública realizada
na CCJC para tratar do Projeto de Emenda Constitucional que tem por escopo o
endurecimento das penas cominadas às pessoas presas por pratica da redução de outros
indivíduos à condição análoga à escravidão.

Nesse sentido, objetivando uma maior clareza na apresentação, indicarei, ao início


de cada exposição, a filiação ideológica e o aspecto central da argumentação apresentada:

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1. Deputada Delmira. Visão política de esquerda. Foco do argumento:
estatística dos casos ocorridos no Brasil e a função social do Direito.

Senhor Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, cumprimento


Vossa Excelência e todas as deputadas e deputados e representantes da sociedade civil
organizada aqui presentes. Passo a apresentar a minha tese:

Primeiramente, venho perante a presença de Vossas Excelências e eminentes


senhores e senhoras recordar fragmentos da matéria publicada em 28/01/19 no Jornal O
Globo. Nessa matéria foi informado que em 2018, ações fiscais da Inspeção do Trabalho,
do governo federal, identificaram 1700 casos de trabalho escravo no Brasil. Além disso,
destacou que desde que o governo brasileiro reconheceu a existência dessa prática ilegal
e passou a combatê-la, em 1995, os grupos de fiscalização da Inspeção do Trabalho
resgataram 53.607 trabalhadores nessa condição em todo o país. E, ressaltou também
que nesse período, foram pagos mais de R$ 100 milhões em verbas salariais e rescisórias
durante as operações.

Com essas informações, precisamos refletir sobre se o aparato jurídico existente


no Brasil é capaz de fulminar plenamente a pratica delituosa de redução de indivíduos à
condições análogas à escravidão. Pois, no espaço de tempo de 23 anos, 53.607
trabalhadores foram retirados desta situação. E, mais, somente no ano passado, 1.700
casos foram registrados. Casos esses que não se limitam somente ao indivíduo que é
mantido cativo, mas se estende também aos seus familiares, os quais não sabem a sua
localização, não sabem se está ainda vivo, etc.

A par do fato de existir um enorme contingente populacional que é mantido nessas


condições, às portas da terceira década do século XXI e de suas muitas revoluções
tecnológicas, econômicas e políticas, é preciso pensar também nos objetivos que o Direito
pretende alcançar na sociedade brasileira mediante o nosso sistema jurídico. Com efeito,
compreendendo-se a função social do Direito como objeto último que vigora subjacente
a cada norma jurídica específica, bem como ao sistema jurídico como um todo, caberia
nos perguntarmos se, com as medidas existentes, conseguimos antever um futuro sem que
existam no Brasil pessoas reduzidas à condição análoga à escravidão. E eu digo,
Excelências e prezados senhores e senhoras, que, com as medidas hoje existentes não é
possível expurgar desse solo essa prática abominável.

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Dessa forma, em face de do acima exposto, afirmo que minha posição é que se
endureçam severamente as penalidades cominadas aos agentes dessa pratica delituosa de
redução de indivíduos a condições análogas à escravidão.

2. Deputado Sanchez. Visão política de direita. Direito de propriedade e


inoportunidade da PEC.

Prezado Senhor Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania,


apresento meus cumprimentos a Vossa Excelência e a todas as deputadas e deputados e
representantes da sociedade civil organizada aqui presentes.

Cumpre apresentar minha divergência em relação à senhora Deputada que


apresentou anteriormente a sua tese.

Com efeito, cumpre destacar que vivemos em República Federativa assentada sobre
o inalienável direito de propriedade, conforme preceitua o caput do artigo 5º da Carta
Magna brasileira.

Além disso, cumpre relembrar aos presentes que a segurança do indivíduo relativa
aos seus bens é o que garante o liame do corpo social, como bem assinalou o famoso
filósofo inglês Thomas Hobbes, em sua obra o Leviatã. De acordo com esse autor, no
Leviatã são traçadas as características principais da relação existente entre os homens em
um estado anterior à sociedade, qual seja, o estado de natureza. Essas características
seriam a competição, a desconfiança e a glória. Essas três características condicionariam
a vida vivida pelos indivíduos como uma situação de guerra de todos contra todos. Tese
esta que sintetizada pela famosa frase hobbesiana “O homem é o lobo do homem”, por
meio da qual o filósofo inglês expõe a situação humana antes do surgimento de um
ordenamento comum que regulamentasse a vida e as atividades realizadas pelos
indivíduos. Ocorre que toda a evolução humana buscou a segurança, seja do indivíduo,
seja dos seus bens, e a única forma de assegurar a segurança e, por conseguinte a paz
social, foi mediante a institucionalização do contrato social, o qual é base de toda a teoria
política moderna.

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Entretanto, com esta nova PEC, querem novamente colocar a propriedade em risco,
vitimando os grandes geradores de riquezas desse país, a saber: o grande proprietário de
terras.

Assim, em virtude do acima exposto, observa-se como carente de fundamento a


alteração constitucional debatida nesta audiência pública.

3. Deputado Anatócles. Eleito como representante dos ruralistas. Defesa


da produtividade agrícola e pecuária.

Boa noite, Senhor Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, é


com os maiores votos de estima que apresento meus cumprimentos a Vossa Excelência e
a todas as deputadas e deputados e representantes da sociedade civil organizada aqui
presentes. Após a fala de Sua Excelência o Deputado Sanchez, cumpre apenas apresentar
alguns complementos a sua exposição.

Minha exposição se fundamenta na matéria publicada na data de 19/01/2019 pelo


jornal Agência Brasil e cuja autoria foi atribuída ao jornalista Gilberto Costa. Nessa
matéria são ressaltados os seguintes fragmentos:

O Brasil deverá colher 237,3 milhões de toneladas de grãos em 15 culturas diferentes na safra
2018/2019. Conforme estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o volume representa
crescimento de 9,5 milhões de toneladas em relação à safra anterior (4,2% a mais em termos proporcionais).
Segundo a empresa, vinculada ao Ministério da Agricultura, a produtividade será 3% maior na
comparação com a safra 2017/2018. O crescimento da safra de grãos ocorre com aumento de 1,2% da área
plantada (62,5 milhões de hectares no total).

Metade do volume da produção de grãos estimada é do plantio de soja (118,8 milhões de toneladas)
e 38,4% advêm das colheitas de milho, colhido em duas safras por ano.

http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-01/brasil-aumenta-
(fonte:
produtividade-de-graos-na-safra-20182019)

Ou seja, pelo verificado acima, mostra-se uma vez mais que o agronegócio
continua sendo o carro-chefe da economia desse país, alavancando os índices da balança
comercial brasileira seja relacionada ao abastecimento interno como o abastecimento
externo.

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Além disso, é o único setor econômico brasileiro capaz de gerar empregos diretos
e, sobretudo, indiretos, uma vez que, após da colheita de produtos, múltiplos setores são
mobilizados para levar o produto fornecido à mesa do cidadão comum, como logística,
abastecimento, rede de supermercados, propaganda, tecnologia da informação, etc.

Contudo, em razão de alguns poucos casos, querem manchar a imagem do


agronegócio brasileiro. E, por isso, venho perante Vossas Excelências e prezados
senhores repudiar claramente a proposta apresentada de alteração constitucional para
apenar covardemente os verdadeiros geradores de emprego dessa nação.

4. Deputado Antônio. Foco: mudança da constituição não irá alterar as


condições reais de vida dos trabalhadores do campo.

Senhor Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, boa noite.


Boa noite também Excelências e representantes da sociedade civil organizada aqui
presentes. Na esteira das apresentações apresentadas esta noite, cumpre-me apresentar a
minha contribuição nesta audiência pública.

Com efeito, cumpre destacar que represento a fração do corpo social que destoa
de todo o debate apresentado até o momento, na medida em que sustento que a alteração
constitucional não alterará a vida do cidadão comum do campo. Afirmo isso a partir das
condições históricas da sociedade brasileira. Pois, observando o Brasil a partir de uma
perspectiva histórica, observa-se ano após ano, década após década, a produção de regras
jurídicas incapazes de atender plenamente aos anseios apresentados pelos trabalhadores
rurais. E ressalta-se: digo isso sem tocar no fato de que a legislação especifica sobre o
trabalhador rural e suas especificidades só foi publicada após 30 anos1 da promulgação
da Consolidação das Leis do Trabalho –CLT direcionadas ao trabalhador urbano.

E, em que pese ter sido publicada esta Lei e o Brasil não reconhecer como
modalidade de trabalho individual o trabalho escravo, ainda sim, como bem ressaltou a

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Com efeito, entre a aprovação do DECRETO-LEI Nº 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943, que aprova a
Consolidação das Leis do Trabalho e a LEI Nº 5.889, DE 8 DE JUNHO DE 1973, que estatui normas
reguladoras do trabalho rural, passaram-se 30 anos sem que o Estado reconhecesse como trabalho o labor
desenvolvido nos campos, fazendas e sertões do Brasil.
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Senhora Deputada Delmira, no espaço de tempo de 23 anos, 53.607 trabalhadores foram
retirados da situação de trabalho análogo à escravidão.

Em face do acima exposto, afirmo que a discussão acerca da alteração


constitucional se mostra contraproducente, em virtude de não trazer soluções aos
problemas enfrentados pelo homem comum do campo.

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