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GRUPO OPERATIVO: uma proposta de Pichon-Rivière

Escrito por Digelza Lassalvia em 24 Mar, 2011 em Artigos | Comente!


Digelza Flávia Câmara Lassalvia

Enrique Pichon-Rivière ( 1907 a 1977) nasceu na Suíça e criou-se na Argentina. Formou-se psiquiatra,
participou ativamente como intelectual de vanguarda dos movimentos culturais da época,
desenvolvendo entre outros estudos, a incorporação dos conceitos da psiquiatria dinâmica com a
psicanálise.
Inseriu a psiquiatria dinâmica na medicina e fundou, juntamente com outros psicanalistas, a APA
(Associação Psicanalítica Argentina). Isto possibilitou na Argentina o estudo da psicossomática, da
psicanálise de grupo, da análise institucional e ainda do trabalho comunitário. . Progressivamente,
Pichon foi deixando a concepção de psicanálise ortodoxa, concentrando os estudos e sua prática nos
grupos da sociedade, desenvolvendo um novo enfoque epistemológico que o levou à psicologia social.
.
Dessas experiências profissionais, Pichon criou a teoria do Grupo Operativo que se constitui em uma
técnica terapêutica de atendimento grupal, a qual foi inicialmente destinada aos portadores de
esquizofrenia e psicoses. Tempos mais tarde, também foi utilizado na área de recursos humanos em
empresas e posteriormente na área educacional. O princípio básico é promover, por meio de uma
técnica integrativa de seus membros, os processos de mudança em grupo. Essa conotação possui o
objetivo de levar os participantes a aprender a pensar e operar, isto é, desenvolver a capacidade de
resolver contradições dialéticas, sem criar situações conflitantes que imobilizem o crescimento do
grupo.
Constatou-se que a situação de aprendizagem criada por essa operatividade grupal gera nos sujeitos
duas ansiedades básicas: medo da perda das condutas existentes (ansiedade depressiva) e medo do
ataque na nova situação (ansiedade paranóide). Esses medos coexistem e cooperam na operatividade
do grupo, uma vez que mobilizam tipos de conduta em prol do alcance dos objetivos propostos. Não
importa qual o tipo de grupo operativo, há sempre sob sua tarefa outra implícita que aponta para
ruptura, que ocorre com o esclarecimento das pautas estereotipadas que dificultam a aprendizagem e a
comunicação, significando um obstáculo frente a toda situação de progresso ou mudança.
A transformação se cumpre nos três momentos dialéticos de tese, antítese e síntese, através de um
processo de esclarecimento que vai do explícito ao implícito. A unidade de trabalho que permite a
realização de tal esclarecimento é integrada pelo existente (material trazido pelo grupo através de um
membro qualquer, que nesse momento cumpre a função de porta-voz), pela interpretação realizada
pelo coordenador ou co-pensor do grupo e pelo novo emergente – conduta nascida da organização de
distintos elementos que surgem como resposta a essa interpretação.
Cone Invertido
É um esquema idealizado por Pichon para avaliar o movimento no interior de um grupo durante a
realização de uma tarefa e seu resultado final, quando se tornam manifestos os conteúdos que no início
do processo encontravam-se latentes. O Cone Invertido constituído por seis vetores de análise também
pode ser utilizado para analisar a dinâmica de uma equipe institucional bem como uma entrevista ou
até uma intervenção clínica. Visca (1987) utilizava-o também para avaliar a conduta do paciente
(individual e grupal).
Os seis vetores são:
CONE INVERTIDO ELABORADO POR PICHON RIVIÈRE
Os seis vetores são:
Afiliação e Pertença – diz respeito à sensação única e individual de fazer parte do grupo, ser
importante para a realização da tarefa e pode ser medida pela presença constante, respeito aos
compromissos assumidos e efetiva participação nas atividades. Indica o grau de envolvimento do
sujeito com a tarefa e com os demais integrantes do grupo, que tende a transpor-se de um nível mais
básico (afiliação) para um de maior envolvimento e profundidade (pertença).
Cooperação – baseia-se na troca de informação entre os participantes do grupo, isto é, aquilo que os
membros trazem de si para o grupo, contribuindo para a tarefa grupal. Capacidade que cada integrante
possui para colaborar com os outros membros, com o coordenador na execução da tarefa do grupo, em
uma relação de complementaridade e de acordo com suas possibilidades no momento.
Pertinência – diz respeito a percepção dos integrantes quanto ao centramento nas tarefas, isto é, aos
objetivos delineados no projeto. Consiste no centramento do grupo na tarefa proposta, rompendo
estereótipos, ansiedades, vencendo a resistência à mudança e outros tantos movimentos recorrentes no
“aqui e agora” do grupo
Comunicação – constitui basicamente o intercâmbio de informações entre membros do grupo. Para
não haver obstáculos no entendimento das mensagens de cada um é importante que não aconteça
“formação de ruídos” nessa comunicação, o que causaria dificuldades para enfrentar a tarefa. Ela
possibilita observar os vínculos estabelecidos entre os integrantes, sendo assim, a base do grupo. Há
diversas maneiras de se estabelecer a comunicação entre os membros: de um para todos (líder); de
todos para um (bode expiatório); entre dois ou mais entre si excluindo os demais (subgrupos); entre
todos mutuamente, sem se escutarem (caos); entre todos, mas se escutando e respeitando as
intervenções de cada um (boa comunicação)
Aprendizagem – torna-se possível a partir da comunicação bem realizada. O grupo se conscientiza da
natureza real da tarefa e se torna capaz de gerar um projeto de execução, incluindo abordagens táticas,
técnicas e logísticas para iniciar, realizar e aperfeiçoar a tarefa. O vínculo que o grupo estabelece com
a aprendizagem tem relação com o afastar ou aproximar o sujeito da aprendizagem. Está sendo
alcançado quando se somam as contribuições de cada integrante em direção à tarefa, possibilitando a
mudança de atitude. É a adaptação do integrante de maneira ativa à realidade, que modifica o sujeito e
o meio, fazendo com que o indivíduo e o grupo possam desenvolver suas capacidades de condutas
alternativas diante de possíveis obstáculos, não se deixando cristalizar em comportamentos já
conhecidos e estereotipados. A aprendizagem se desenvolve a partir da comunicação, em saltos de
qualidade que incluem tese, antítese e síntese. Implica em criatividade, em elaboração das ansiedades
e em adaptação ativa à realidade.
Tele – diz respeito a empatia entre os participantes do grupo, que pode ser positiva ou negativa. É o
clima que se desenvolve no grupo causando sentimento de atração ou rejeição quando as tarefas.
Refere-se à disposição positiva ou negativa para trabalhar a tarefa grupal e estar em interação ou não
com o grupo. Consiste no sentimento desperto de atração ou rejeição dos participantes entre si de
maneira espontânea e de acordo com a dramática ou temas do grupo. É, enfim, o “clima” do grupo, e
os vetores guardam entre si uma inter-relação, sendo que a análise da comunicação pode ser indicativa
de como estão os demais vetores.
Esquema Conceitual Referencial Operativo (ECRO)
É considerado o instrumento de análise ideal do funcionamento do grupo como um todo e do
indivíduo participante deste grupo. Vem, como unidade operacional, da Epistemologia Convergente.
Este esquema é voltado para a aprendizagem através da TAREFA. O ECRO vai sendo construído na
medida em que o trabalho do grupo for se desenvolvendo e depende da história da instituição ou do
grupo em si, e da contribuição individual de cada componente: com suas histórias, seus esquemas
conceituais, referenciais e operativos, colocados no interjogo das relações interpessoais que aí
acontecem e vão se construindo.
Papéis do Grupo Operativo
Os indivíduos assumem diferentes papéis nos grupos dos quais fazem parte. Esses papéis vão sendo
colocados naturalmente pelo grupo dependendo dos vínculos que vão se criando e normalmente são
desempenhados pelos componentes que têm uma história pessoal que lhes permita desempenhá-los.
Estes papéis são móveis, ou seja, o indivíduo pode em determinado momento do grupo estar
desempenhando um papel e mais adiante, em outra situação, estar em outro.
Líder de mudança: é aquele componente que provoca, instiga, sugere coisas novas levando o grupo a
buscar algo novo, a mudança.
Líder de resistência: é aquele que, quando se sugere algo novo, tenta segurar o grupo a manter a
situação anterior abrindo um espaço para a conservação.
Obs: As duas lideranças são importantes, porque é justamente no interjogo entre o novo e o conhecido
que ocorrem as mudanças, as transformações e o crescimento individual e grupal.
Porta-voz: é aquele que traduz através de sua fala e de suas ações os sentimentos e as idéias que
circulam no grupo, aparentes ou não.
Bode expiatório: é aquele que recebe e aceita a carga negativa do grupo, deixando-o mais leve e
produtivo, já que o grupo está tendo em quem projetar seus pontos negativos.
Sintetizador: é aquele participante que consegue ouvir, perceber e captar o que se passa no grupo,
expressando a síntese da discussão, integrando o que foi apresentado, mesmo que tenham surgido
idéias opostas, o que quase sempre acontece.
O trabalho em Grupo Operativo é quase sempre um jogo de inter-relações, do qual todos fazem parte e
ninguém é melhor ou pior que o outro. O tempo todo, mesmo sem que se perceba, há trocas entre os
integrantes em todos os níveis. Analisar os diferentes papéis e sua circulação permite ao observador
perceber o momento ideal para uma intervenção e sua real necessidade. O grupo torna-se mais
saudável e produtivo quando os papéis circulam, proporcionando o crescimento individual e grupal, ou
seja, a realização da tarefa e a transformação dos indivíduos.Trabalhar em grupo operativamente não é
fácil, mas permite que ocorra maior circulação do saber de cada um e evita a cristalização de certos
comportamentos que em outras circunstâncias impediria que a tarefa fosse realizada e que os
componentes do grupo crescessem enquanto sujeitos.
Coordenador e Observador
O coordenador de grupo operativo não pode trabalhar nem como um psicanalista de grupo nem como
um simples coordenador de grupo de discussão e tarefa. Sua intervenção se limita a sinalizar as
dificuldades que impedem ao grupo enfrentar a tarefa. Dispõe para isso de um ECRO pessoal a partir
do qual tentará decifrar essas dificuldades, propondo ao grupo as hipóteses que lhe permitam tornar-se
a si mesmo como objeto de estudo e ir revelando as dificuldades que aparecem na comunicação e
aprendizagem. O coordenador não está ali para responder as questões mas, para ajudar o grupo a
formular aquelas que permitirão o enfrentamento dos medos básicos. Ele cumpre no grupo um papel
prescrito: o de ajudar os membros a pensar, abordando o obstáculo epistemológico configurado pelas
ansiedades básicas. Seu instrumento é a sinalização das situações manifestas e a interpretação da
causalidade subjacente.
O observador, na forma tradicional de grupo operativo, é um elemento não participante e ao mesmo
tempo em que serve de tela de projeção por sua característica de permanecer silencioso, registra
material expresso tanto verbalmente como pré-verbalmente nos distintos momentos grupais. Depois da
sessão grupal as notas do observador são analisadas em conjunto com o coordenador, que juntos
podem repensar as hipóteses e adequá-las em função do processo grupal.
Bibliografia:
PICHON-RIVIÈRE, E. Processo Grupal. São Paulo: Martins Fontes,1988.

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