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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BAURU

Mantido pela Instituição Toledo de Ensino


CURSO DE DIREITO

ANA CAROLINA CANUTO MINOZZI

PLANEJAMENTO URBANO COMO INSTRUMENTO QUE GARANTE DIREITOS


FUNDAMENTAIS

BAURU
2012
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BAURU
Mantido pela Instituição Toledo de Ensino
CURSO DE DIREITO

ANA CAROLINA CANUTO MINOZZI

PLANEJAMENTO URBANO COMO INSTRUMENTO QUE GARANTE DIREITOS


FUNDAMENTAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Banca Examinadora do Curso de Direito, Centro
Universitário de Bauru, Mantido pela Instituição
Toledo de Ensino, para a obtenção do grau de
bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. Ms.
Luiz Nunes Pegoraro

BAURU
2012
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BAURU
Mantido pela Instituição Toledo de Ensino
CURSO DE DIREITO

ANA CAROLINA CANUTO MINOZZI

PLANEJAMENTO URBANO COMO INSTRUMENTO QUE GARANTE DIREITOS


FUNDAMENTAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Banca Examinadora do Curso de Direito, Centro
Universitário de Bauru, Mantido pela Instituição
Toledo de Ensino, para a obtenção do grau de
bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. Ms.
Luiz Nunes Pegoraro

Banca examinadora

_________________________________

_________________________________

_________________________________

BAURU
2012
Aos meus pais, que há 22 anos financiam
os meus sonhos, compartilhando deles
comigo e alimentando meus potenciais.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente aos meus pais,


Miguel Angelo Minozzi e Adriana Yara
Dantas Canuto Minozzi, de quem herdei
valores como a justiça e a dignidade, e
que além do exemplo, me deram também
esse presente que tive cinco anos para
desfrutar.
À minha avó materna, Leonilde
Rodrigues, a Vó Ni, que me cuidou tão
bem desde que nasci, proporcionando-me
a ternura que jamais esquecerei.
Agradeço ao meu mestre e orientador,
Prof. Ms. Luiz Nunes Pegoraro, que mais
que ensinamentos jurídicos, me incentivou
e acreditou no meu sucesso.
Agradeço aos meus companheiros do
Curso de Direito, Adrielle, Andeara,
Viviane, Tássia, Juliana, Lucas, Raony e
Pedro, e ao Sr. Procurador da Fazenda
Nacional, Dr. Ricardo Garbulho Cardoso,
que me impulsionaram ao trabalho.
Aos meus amigos, Fábio, Nádia, Taila,
Fabrício e Vinícius, pelo seu tempo e
atenção, me ouvindo, me aconselhando e
me divertindo enquanto não concluía este
trabalho.
E à minha analista, Silvana, que me
ajudou a refletir sobre tantos temas
quanto aqueles que me chamaram à
atenção no mundo jurídico, também
trilhando a profissional que serei.
Há um vilarejo ali/ Onde areja um vento
bom
Na varanda, quem descansa/ Vê o
horizonte deitar no chão/ Pra acalmar o
coração/ Lá o mundo tem razão/ Terra de
heróis, lares de mãe/ Paraiso se mudou
para lá
Por cima das casas, cal/ Frutas em
qualquer quintal/ Peitos fartos, filhos
fortes/ Sonho semeando o mundo real
Toda gente cabe lá/ Palestina, Shangri-lá
Vem andar e voa/ Vem andar e voa/ Vem
andar e voa
Lá o tempo espera/ Lá é primavera
Portas e janelas ficam sempre abertas/
Pra sorte entrar
Em todas as mesas, pão/ Flores
enfeitando/ Os caminhos, os vestidos, os
destinos/ E essa canção/ Tem um
verdadeiro amor/ Para quando você for
(Marisa Monte – Vilarejo)
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fig. 01 – Enchente .................................................................................................... 20


Fig. 02 – Incêndio em favela ..................................................................................... 20
Fig. 03 – Gráfico comparativo de características urbanas conforme a renda dos
habitantes dos municípios brasileiros – Censo demográfico 2010 ............................ 27
Fig. 04 – Capa da obra “Princípios de Urbanismo. La Carta de Atenas” do arquiteto
Le Corbusier .............................................................................................................. 34
Fig. 05 – Dimensões de uma cidade sustentável ...................................................... 39
Fig. 06 – Cartografia do Município de Bauru conforme seu plano diretor, lei orgânica
5.631 de 22 de agosto de 2008. Mapa 07: zona especial de interesse social - ZEIS 46
Fig. 07 – Tira da famosa personagem argentina “Mafalda” ....................................... 50
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art. - Artigo
BNH - Banco Nacional da Habitação
CEU - Conselho Europeu de Urbanistas
CF - Constituição Federal
CIAM - Congresso Internacional da Arquitetura Moderna
IBDU - Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
MP - Ministério Público
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
SEPLAN/MT - Secretaria do Estado de Planejamento Urbano do Mato Grosso
SERFHAU - Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
MNRU - Movimento Nacional da Reforma Urbana
PL - Projeto de Lei
RESUMO

Este trabalho versa sobre a interação entre o meio urbano, ou meio ambiente
construído, e a qualidade de vida daqueles que o habitam. Para tanto, busca dentre
os ramos jurídicos aquele que se ocupasse dessa importante reflexão, pertinente ao
Direito Público, encontrando no prematuro Direito Urbanístico. Depara com a
precípua discussão entre aqueles primeiros pensadores do tema acerca de sua
autonomia jurídica em relação aos demais ramos, tais como o Direito Civil, e
principalmente o Administrativo, assim como depara com a estreita relação que ele
possui com o Direito Constitucional, Ambiental, e com outras áreas do conhecimento
alheias à jurídica, tais como a Engenharia, Arquitetura, Economia, Sociologia,
sanitarista, etc., concluindo que até hoje, no Brasil, apesar de sua autonomia jurídica
ter sido consagrada constitucionalmente em 1988, ainda está em processo de
popularização, conforme demonstrado pela quantidade minoritária de Cursos de
Direito que o tem em sua grade curricular. Daí em diante, busca apresentar seus
conceitos, princípios, objetos e fontes, conforme doutrinadores pátrios, acentuando
sua relevância constitucional, eis que tem o condão de interferir em direitos
fundamentais do homem. Nesse contexto, descreve a necessidade de organizar o
espaço urbano, e como foram os primeiros tratamentos jurídicos da matéria no
Mundo, destaca as Cartas de Atenas e traça uma comparação entre a experiência
jurídica européia, que foi aquela percebida como a pioneira e atualmente admitida
como a mais desenvolvida, e a jovem experiência jurídica pátria. Logo após, enfatiza
o tratamento jurídico brasileiro pertinente e vigente, aponta especificamente o artigo
182 da CF/88 e a Lei no 10.257/01, o Estatuto da Cidade, que dá as diretrizes gerais
quanto ao tema, demonstra quais instrumentos jurídicos podem abstratamente ser
considerados para este desiderato. Nesta toada, ressalta o Plano Diretor como
aquele instrumento que, através de Lei Orgânica Municipal, estabelecerá as normas
específicas ao meio urbano do Município que o aprovou. Por fim, esclarece como e
por quem se dá a fiscalização do cumprimento dessas normas, destaca a
participação popular e as atribuições do Poder Executivo e Ministério Público, bem
como, cita quais as providências judiciais cabíveis, tais como a Ação Civil Pública.
Dessa forma, conclui como o Direito Urbanístico influi diretamente na dignidade da
pessoa humana, e garante diversos direitos tidos como fundamentais pelo nosso
ordenamento jurídico, objetivando sua habitação, circulação, saneamento, etc.

Palavras-chave: Direito Urbanístico. Direitos Fundamentais. Cidade. Bem Estar.


Dignidade.
ABSTRACT

This paper discusses the interaction between urban environment and the quality of
life of those who inhabit it. To this end, we sought from the legal branches one that is
seeing this important discussion, pertaining to public law, finding it in the premature
Urban Law. We faced the major discussion between those early thinkers on the
subject of their legal autonomy in relation to other branches, such as the Civil Law,
and specially the Administrative, as we found the close relationship he has with the
Constitutional Law, Environmental, and other areas of knowledge outside the law,
such as Engineering, Architecture, Economics, Sociology, sanitation, etc., concluding
that even today, in Brazil, despite its legal independence constitutionally enshrined in
1988, still is in the process of popularization, as demonstrated by the number of
minority law courses that it has in its curriculum. Thereafter, we attempted to present
their concepts, principles, goals and sources, as patriotic scholars, stressing their
constitutional significance, have the power to interfere with fundamental human
rights. In this context, we describe the need to organize the urban space, and how
were the first treatments of legal matters in the world, especially the Letters of
Athens, drawing a comparison between the European legal experience, which is the
one perceived as a pioneer and currently accepted as the most developed legal
experience, and the young nation of legal experience. Soon after, we emphasize the
current Brazilian law, pointing specifically article 182 of the CF/88 and the Law no.
10.257/01, the City Statute, which gives general guidelines on the subject,
demonstrating the legal instruments that can be abstractly considered for this
intention. In this tune, it is noteworthy that the Master Plan is a tool that, through
Municipal Organic Law, will establish specific standards to the urban municipality that
approved it. Finally, it was clarified how and who enforces these standards,
emphasizing popular participation and the powers of the Executive and the
Prosecutors, as well as Public Civil Action, citing the appropriate judicial action. Thus,
it appears as the Urban Law directly affects the human dignity, guaranteeing various
rights regarded as fundamental for our legal system, aiming to housing, traffic,
sanitation, etc.

Key-words: Urban Law. Fundamental human rights. City. Welfare. Dignity.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 11

2 PLANEJAMENTO URBANO ........................................................................ 13


2.1 Considerações ao direito urbanístico pátrio ............................................ 13
2.2 Evolução histórica da legislação urbanística pátria ................................ 29
2.3 Tratamento jurídico da CF/88 ..................................................................... 35
2.4 Tratamento jurídico infralegal .................................................................... 40
2.4.1 Diretrizes gerais: Estatuto da Cidade ............................................................ 40
2.4.2 Normas específicas: plano diretor ................................................................. 45
2.4.2.1 Conceito ........................................................................................................ 45
2.4.2.2 Procedimento ................................................................................................ 48
2.4.2.3 Execução....................................................................................................... 49
2.5 Atribuição para fiscalizar e demais providências judiciais ..................... 53

3 DIREITOS FUNDAMENTAIS ........................................................................ 54


3.1 Conceito, classificações e destinatários................................................... 54
3.2 Características intrínsecas e extrínsecas ................................................. 55
3.3 Planejamento urbano e Direitos Fundamentais ....................................... 56

4 CONCLUSÃO ............................................................................................... 58

REFERÊNCIAS ............................................................................................. 60
11

1 INTRODUÇÃO

Se o homem é um animal político, assim como afirmado por Aristóteles, então


a cidade é seu habitat natural. Tanto a cidade quanto o Direito são exteriorizações
do caráter social do ser humano, o primeiro, reúne os seres a fim de conviverem, o
segundo, procura manter a ordem social e viabilizar essa convivência.
O liame entre esses dois universos é o Direito Urbanístico, ramo do Direito
que vem ao longo dos anos firmando a sua autonomia jurídica, objeto, princípios,
institutos e leis.
Este ramo da ciência jurídica surgiu para acompanhar a realidade social da
urbanização, que é o crescimento da população urbana em detrimento da população
rural, que ocorreu no mundo e no Brasil em decorrência da Reforma Industrial, que
desembocou o êxodo rural.
Segundo o Censo de 2010, realizado pelo IBGE, em 50 anos nos
transformamos de um país rural em um país eminentemente urbano, onde, dos
aproximadamente 190 milhões 730 mil habitantes, 84,35% da população mora em
zona urbana.
E paralelo a este crescimento surge também problemas de ordem urbana, tais
como favelamento, enchentes, lixo, trânsito, violência etc, decorrentes do mau
ordenamento da cidade, da má distribuição dos bens e serviços públicos.
A ciência jurídica tentou diversas vezes regularizar as aglomerações urbanas,
desde o Brasil colônia, quando Portugal instituiu regras sobre estética da cidade, até
promulgação da pioneira Lei no 10.257/01, o Estatuto da Cidade, a formação de um
campo específico do Direito para tratar das questões urbanas encontra-se em pleno
processo de evolução.
Desta forma, este trabalho visa o estudo do Direito Urbanístico, a fim de,
compreendermos se funciona como instrumento garantidor de direitos fundamentais.
Nesse sentido, num primeiro momento, aborda-se, sem pretensão de esgotar
qualquer dos temas propostos, como se deu o surgimento e autonomização jurídica
deste ramo, qual o conceito, princípios, e normas pátrias que o tangenciam, tanto
aquelas inseridas na Constituição Federal de 1988, quanto aquelas previstas pelo
Estatuto da Cidade.
E num segundo momento da pesquisa, versa sobre Direito constitucional,
buscando o conceito, as classificações, destinatários e características dos direitos
12

fundamentais, a fim de identificá-los em nosso ordenamento jurídico, e traças um


paralelo com a finalidade do Direito Urbanístico.
Portanto, este trabalho é dividido em duas partes. Na primeira identificamos a
disciplina autônoma do Direito Urbanístico. Na segunda identificamos qual é o seu
alcance quanto aos direitos fundamentais do homem, através da construção de
cidades mais economicamente includentes, ambientalmente equilibradas e
socialmente igualitárias, ou seja, qual o papel do Direito Urbanístico na melhoria da
qualidade de vida dos habitantes da urbs.
Busca-se demonstrar a importância e conceituação do Direito Urbanístico
percebendo-se quais direitos fundamentais influencia diretamente, bem como a
necessidade de se garantir sua efetividade.
13

2 PLANEJAMENTO URBANO

2.1 Considerações ao Direito Urbanístico Pátrio

O Direito é uno, sendo dividido em ramos para fins acadêmicos. O principal


critério de distinção entre os ramos é o interesse, classificando-os em Direito Público
quando seu principal interesse é o bem comum, é a coletividade, e Direito Privado
quando seu principal interesse é o particular, o individual. Sendo o Direito
Urbanístico, portanto, de natureza jurídica pública, pois se preocupa com a
coletividade.
Tal ideia de unidade é uma lição preliminar de Direito, assim como ensinada
abaixo:
[...] o Direito se apresenta sob múltiplas formas, em função de múltiplos
campos de interesse, o que se reflete em distintas e renovadas estruturas
normativas. [...] sendo necessário apreciá-las no seu conjunto unitário, para
que não se pense que cada uma delas existe independentemente das
outras.
O Direito divide-se, em primeiro lugar, em duas grandes classes: o Direito
Privado e o Direito Público. (REALE, 2007, p. 3-6-4)

Ideia que é reafirmada por Lenza (2010, p. 47), quando diz expressamente
que “[...] modernamente, vem sendo dito que o direito é uno, indivisível,
indecomponível. O direito deve ser definido e estudado como um grande sistema,
em que tudo se harmoniza no conjunto.”, o que logo abaixo denomina de “princípio
da unidade do ordenamento”.
Quanto à alocação do Direito Urbanístico, Lenza (2010, p. 47), também
pronuncia-se no sentido de que, aceitando-se a classificação dicotômica, público e
privado, que atribui a Jean Domat, tal ramo jurídico encontra-se dentro do direito
público.
No entanto, para este autor, há certa reflexão a ser destacada, sendo que,
apesar da utilidade didática da divisão do direito em ramos, propõe ser mais
adequado falar-se em “escalonamento verticalizado e hierárquico das normas,
apresentando-se a Constituição como norma de validade de todo o sistema,
situação essa decorrente do princípio da unidade do ordenamento e da supremacia
da Constituição” (LENZA, 2010, p. 49).
Prosseguindo naquela linha de estudo temos que cada um desses ramos tem
suas peculiaridades, o que os torna autônomos.
14

Nesse sentido, Mello (2002, p. 36) disse que “há uma disciplina jurídica
autônoma quando corresponde a um conjunto sistematizado de princípios e normas
que lhe dão identidade, diferenciando das demais ramificações do direito".
O reconhecimento de um direito urbanístico, dentro da ciência jurídica ainda é
polemico tanto no direito pátrio quanto no estrangeiro, assim como afirma Di Sarno
(2004, p. 31):
A dificuldade de conformar o Direito Urbanístico não é um problema pátrio.
Noutros países onde tal tema sempre foi tratado enfaticamente, também se
percebeu a complexidade de elaborar instrumentos que conseguissem
conciliar vontades tão opostas: de um lado, o poder público, tentando
verificar o bem comum, coletivo e, de outro o particular sentindo-se atingido
em seus direitos e, portanto, não colaborando na perseguição das finalidade
urbanísticas. Em países federativos e de cultura latifundiária, tais problemas
se agravam imensamente, pois as instâncias públicas se dividem,
desconcentrando o poder do Estado e o proprietário é culturalmente
protegido pela sociedade.

Narrou Mukai (1988, p. 11-12) a influencia do Direito Administrativo no


desenvolvimento do Direito Urbanístico, que, no estágio atual socorre-se “não só de
institutos (ainda que tecnicamente adequados a novas funções) como de princípios
próprios” daquele ramo do direito.
Segundo Fernandes (1998, p. 59-60) “de modo geral, o direito urbanístico
somente tem sido aceito como um sub-ramo do direito administrativo ou, em alguns
casos, do direito ambiental”.
Já Silva (2000, p. 59) propõe falar-se em uma característica singular ao direito
urbanístico, o que denomina de “coesão dinâmica, a fim de exprimir a ideia de que a
„visão estática da norma singular e da sua ratio não é suficiente para individualizar a
essência do fenômeno urbanístico‟, como nota PIERANDREA MAZZONI”.
Enquanto Pinto (2010) elucida que, a identidade do Direito Urbanístico com o
Direito Administrativo dava-se por este ser “o ramo mais amplo do Direito que regula
a relação entre o indivíduo e o Estado”:
[...] mas o que se verifica no mundo inteiro é que existem especificidades
quando se trata da cidade, tem principios especificos, tem institutos
especificos. E felizmente a Constituição brasileira consagrou em seu art. 24
o direito urbanistico como ramo autonomo do direito, o que pra nós é muito
importante, pois permite tratar ele com maior liberdade em relação ao
Direito Administrativo.

Ainda, segundo Fernandes (2000, p. 19-21), “a relação entre o processo de


urbanização e o avanço do direito urbanístico e do direito ambiental tem sido pouco
discutida” e explica que além da matéria urbanística ser comumente tratada sob o
prisma limitado e limitante do Direito Administrativo, são poucos os cursos oferecidos
15

pelas faculdades de Direito, bem como a literatura pertinente disponível, mas


justifica:
[...] A Constituição Federal de 1988 pôs fim a todas as controvérsias: além
de reconhecer explicitamente o direito urbanístico e o direito ambiental
como ramos autônomos, a Constituição distribui competências legislativas
em matérias urbanísticas e ambientais enfatizando a ação municipal, e,
sobretudo, define o principio da função social da propriedade como sendo o
fator fundamental para a determinação dos direitos de propriedade
imobiliária urbana e da ação do Estado na condução do processo de
desenvolvimento urbano.

Porém, modernamente temos que o Direito Urbanístico é ramo autônomo do


Direito, até mesmo em relação ao Direito Administrativo, eis que tem seus próprios
conceito, princípios e objetivos, sendo voltado tanto ao administrado quanto à
própria Administração (como parâmetro aos seus atos de expansão, obras, serviços,
etc), e também ao Direito Ambiental, mesmo que, a princípio, este englobe aquele.
Portanto, o estudo do Direito Urbanístico tangencia diversos outros ramos
jurídicos, dada a sua interdisciplinaridade, que, como veremos a seguir, vai além dos
muros do Direito.
Faz-se, necessário adentrar o Direito Constitucional, pois este lhe conferiu
expressamente autonomia jurídica em face dos demais ramos já existentes, quando
no art. 24, I, CF/88, estabelece-se que o Direito Urbanístico é competência
legislativa concorrente da União, Estados e Distrito Federal.
Além da autonomia e competência, o Direito Urbanístico também tangencia o
Direito Constitucional em face de seu objeto referir-se à direitos tidos como
fundamentais pela Carta Magna, tais como, o próprio direito à vida digna (art. 5 o,
caput), direito de propriedade (art. 5o, XXII) e sua função social (art. 5o, XXIII e
XXIV), direitos sociais de saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança (art. 6 o, caput),
entre diversos outros desdobramentos do bem estar e dignidade daqueles que
habitam o centro urbano.
Nesse sentido, concluíram os mestrandos Ortega, Paula e Maia (2012) que “a
garantia constitucional à adequada condições de vida está no mesmo nível de
proteção que os direitos fundamentais. A qualidade de vida depende de um meio
ambiente que garanta dignidade e bem estar”.
Quanto a sua relação com o Direito Administrativo, segundo Mukai (2002, p.
21) alguns autores entendem que o direito urbanístico é um capítulo especial do
direito administrativo, entre eles: Ítalo Di Lorenzo, Vírgilio Testa, Guaita, Nuñez
Ruriz; enquanto outros negam essa dependência como Laubadère e Farjat:
16

Trata-se [o uso do solo urbano] de uma imposição administrativa, sendo,


portanto, espécie do gênero limitações administrativas, devendo ter como
fonte primária de normatividade a lei formal. Desse modo, segundo a
repercussão que têm sobre o comportamento dos indivíduos, também
classificam-se nas modalidades de fazer (positiva), não fazer (negativa) e
deixar de fazer (permissiva). (MUKAI, 2004, p. 43)

Também é grande a confusão que se faz entre o Direito Urbanístico e o


Direito Ambiental, eis que coincidem em certos pontos, como por exemplo, ambos
preocupam-se com a sustentabilidade do meio:
Não é por acaso que o aspecto do meio ambiente está diretamente
relacionado ao conceito de cidade, que passou a ter natureza jurídica não
só com a Carta Magna de 88, mas principalmente com o advento do
Estatuto da Cidade em 2001. Isso em decorrência do vocábulo “urbano” do
latim urbs, urbis, significa cidade e, por extensão os habitantes desta.
(FIORILLO, 2002, p. 6)

Ainda, o conceito de cidade está inserido no Direito Ambiental, mas recebe a


denominação majoritária dos doutrinadores deste ramo de “meio ambiente
construído”, sendo um dos desdobramentos do meio ambiente:
O meio ambiente construído tem o mesmo status de qualquer aspecto do
meio ambiente e, por isso, não deve ter sua proteção jurídica e efetiva
atrelada à proteção do patrimônio histórico, cultural e artístico. Ao contrário,
o crescimento regular e ordenado da cidade, por implicar na sadia qualidade
de vida do ser humano deve ter a mesma proteção que as outras
dimensões do ambiente. (SILVA e SANTOS, 2007, p. 3)

Há também que se falar na influência do Direito Urbanístico na disciplina de


Direito Civil, uma vez que ambas tratam do direito de propriedade, esta conferindo-a
ao particular, aquela, relativizando-a em prol do bem público.
Ademais, como o urbanismo refere-se ao processo social de expansão da
cidade e suas conseqüências, ele, portanto, abrange estudo em diversas áreas além
da jurídica.
A inevitável incidência das diversas ciências no estudo e disciplina do
fenômeno urbano leva a crer que os juristas ou os arquitetos sozinhos, não
mais resolvem os problemas da cidade [...].
A matéria urbanística é, assim, necessariamente interdisciplinar e
infinitamente rica em aspectos. (MIRANDA, 2008, p. 7)

O sentido social do urbanismo moderno coloca-o como disciplina


interdisciplinar. Nele não mais pode o arquiteto sozinho se por a resolver
seus problemas, porque convergem, na solução deles, conhecimentos
sociológicos especializados, econômicos, geográficos, estatísticos, jurídicos,
de engenharia sanitária, de biologia, de medicina e, sobretudo, políticos, no
sentido de tomada de decisões prioritárias. (MUKAI, 1988, p. 5)

Com as efervescentes discussões e debates, cresce o número de obras


literárias sobre essa realidade social e ramo jurídico, adentrando, a medida de seu
crescimento, aos bancos dos Cursos de Direito, Administração, Economia,
17

Engenharia e Arquitetura.
As instituições de ensino não podem se furtar do tema, pois os técnicos e
profissionais carecem do conhecimento das normas vigentes para desempenhar
suas atividades com qualidade.
Podemos comprovar a afirmativa supra através do resultado de mera colheita
de dados realizada junto aos sites dos nove melhores Cursos de Direito do Brasil,
segundo o Guia do Estudante de 2011 quais sejam, alfabeticamente ordenadas,
PUC-Rio, UEL, UFP, UFRGS, UFSC, UFV, UNB, UNISINOS, USP, assim como
junto ao próprio Centro Universitário de Bauru.
Das Faculdades citadas, 3/9 (três nonos) não continham a disciplina em sua
grade curricular, 3/9 (três nonos) continham em sua grade regular, com as
denominações de “Direito Edilício”, “Direito Ambiental e Urbanístico” e “Direito
Municipal”, 2/9 (dois nonos) continham em sua grade optativa, com as
denominações de “Direito Urbanístico” e “Direito Municipal” e 1/9 (um nono) não
disponibiliza a grade em seu site.
Tal disciplina foi recentemente acrescentada à poucos cursos jurídicos do
país, como por exemplo, a USP, que oferece a disciplina “Direito Municipal”, desde
2008.
No Centro Universitário de Bauru esse ramo jurídico não faz parte da grade
curricular, não sendo oferecido nem mesmo como matéria optativa.
Ademais, o assunto não deveria se restringir aos Congressos e Academias,
mas ser alvo de discussão dos cidadãos, aqueles que diretamente sofrem os efeitos,
benefícios ou prejuízos, decorrentes do planejamento e ordenação urbana ou a falta
desses, daí decorrendo o princípio da obrigatoriedade do planejamento participativo.
Nesta toada, encarando-se o Direito Urbanístico como um ramo autônomo do
Direito, pertencente ao ramo do Direito Público, passemos a apreciar alguns
conceitos e denominações, que modificaram-se com o passar dos anos, conforme
seus objetivos foram sendo traçados, já tendo sido chamado de “direito do
urbanismo” (Georges Henri Noel, Le droit de l‟urbanisme, 1956 apud MEIRELLES,
1964, p. 28) e “direito da cidade” (AGUIAR, 1996).
Há de se destacar, antes de demais colocações, a diferença entre urbanismo
e Direito Urbanístico e entre Urbanização e Urbanificação.
Conforme Bueno (2000, p. 783), o adjetivo “urbanístico” significa “referente ao
urbanismo”, palavra derivada do latim urbs, ou urbis, que, por sua vez, significa
18

cidade.
Ensina Carmona (2010, p. 13) que “o conceito de urbanismo é, portanto,
estreitamente ligado à cidade e, mais do que isso, às necessidades do ser humano
nas cidades”.
De acordo com Mukai (1988), o urbanismo já possuiu diversas concepções. A
primeira restringia-se aos limites da cidade, conforme a obra fundamental do jurista
italiano Leopoldo Mazzaroli, I piani regulatori urbanistici, redigida em 1966. E uma
segunda, abrangendo também o campo, impulsionado pela obra Garden cities of
tomorrow, do inglês Ebenezer Howard, redigida em 1898.
A partir dessas considerações Bidagor apud Mukai (1988, p. 4), distingue um
“conceito antigo” e um “conceito moderno” de urbanismo: “[...] antigamente o
urbanismo se referia à alinhamentos, pavimentações, bancos, fontes etc., elementos
que compões ainda um capitulo importante do urbanismo, mas que hoje não
delimitam o objeto do urbanismo [...]”
Nesse sentido, Mukai (1988, p. 4) conclui:
Com a síntese daquelas duas escolas [escola racionalista ou funcional e
escola sociológica ou organicista], mais recentemente, o urbanismo passa a
ser concebido em termos funcionais e racionais, mas com uma preocupação
básica humana, visando o homem no contexto urbano e a melhoria de suas
condições de vida.

Já, Direito Urbanístico, para Mukai (1988, p. 7), também citando Fernando
Garrido Falla, las transformaciones del régimen administrativo:
Poder-se-ía-a conceituar o direito do urbanismo como aquele que se
constitui prevalentemente de normas jurídicas de complementariedade, isto
é, de normas que procuram realizar aquilo que não se realiza pelo livre jogo
das forças sociais, e em número reduzido, por normas de paralelismo, que
procuram assegurar e reforçar o que a sociedade faz (direito privado), posto
que esse direito tem como sua característica básica a circunstancia de se
constituir de normas jurídicas destinadas a compor o equilíbrio dos
interesses gerais da comunidade, com o respeito ao direito de propriedade.

Segundo Pinto (2010) “o Direito Urbanístico dispõe sobre a cidade, mas do


ponto de vista físico principalmente, ou seja, a construção da cidade”, e exemplifica:
Então ele envolve desde o planejamento da cidade, até os loteamentos, os
reloteamentos, que são aquelas operação no interior da malha urbana já
deteriorada, quando se vai refazer o tecido urbano, e as edificações. Então,
a reunião de tudo isso, do ponto de vista jurídico, que cria a cidade. E o
direito urbanístico tem princípios específicos para regular essa matéria.

E, conforme Carmona (2010, p. 13) "o direito urbanístico é uma disciplina


jurídica relativamente nova e é fruto das transformações sociais que vem ocorrendo
nos últimos tempos em decorrência do processo de forte urbanização".
19

Ainda, “Direito Urbanístico é o conjunto de preceitos jurídicos de natureza


administrativa, destinado ao estudo das normas, que visem impor valores
convivenciais na ocupação e utilização dos espaços habitáveis” (MIRANDA, 2008, p.
9).
Ensina Di Sarno (2004, p. 32) que “é um ramo do direito público que tem por
objeto normas e atos que visam à harmonização das funções do meio ambiente
urbano, na busca pela qualidade de vida da coletividade.”
No entanto, desde as primeiras referencias literárias brasileiras quanto ao
ramo já vislumbramos a enorme abrangência de seu conceito:
[...] urbanismo moderno, como sendo a ciência da organização global do
espaço foi fixada no seu extremo por GASTÓN BARDET, ao dizer que
“presentemente, o urbanismo designa a organização do solo a todos os
escalões, o estudo de todas as formas de localização humana na terra.
Partindo da organização de grupos densos o conceito teve de estender-se a
toda a ‘economia territorial’, com o único limite dos oceanos. Poderá dizer-
se que o Urbanismo se tornou um Orbanismo” (L'urbanisme, p. 28).
(MUKAI, 1988, p. 5)

No Brasil, o centro urbano só adquire categoria de cidade quando seu


território se transforma em Município, sede de governo municipal, conforme previsto
no §4º do artigo 18 da Constituição Federal, in verbis:
A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-
se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei
Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante
plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos
Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da
lei.

Já Silva (2000, p. 26) define cidade como um centro populacional com


unidades edilícias e equipamentos públicos:
Do ponto de vista urbanístico, um centro populacional assume característica
de cidade quando possui dois elementos essenciais: (a) as unidades
edilícias - ou seja, o conjunto de edificações em que os membros de uma
comunidade moram ou desenvolvem suas atividades produtivas,
comerciais, industriais, ou intelectuais; (b) os equipamentos públicos - ou
seja, os bens públicos e sociais criados para servir às unidades edilícias e
destinados a satisfazer as necessidades de que os habitantes não podem
prover-se diretamente e por sua própria conta (estradas, ruas, praças,
parques, jardins, canalização subterrâneas, escolas, igrejas, hospitais,
mercados, praça de esportes, etc).

Sendo que o mesmo autor conceitua Direito Urbanístico, subdividindo-o em


dois aspectos:
Direito urbanístico objetivo consiste num conjunto de normas que tem por
objeto organizar espaços habitáveis de modo a propiciar melhores
condições de vida ao homem na comunidade. O direito urbanístico como
ciência é o ramo do direito público que tem por objeto expor, interpretar e
sistematizar as normas e princípios disciplinadores dos espaços habitáveis."
(SILVA, 2000, p. 48)
20

Quanto à urbanização, segundo Silva (2000, p. 26), ela designa um mal, no


qual a população urbana cresce em proporção superior à população rural, gerando
enormes problemas de deterioração do meio ambiente e desorganização social, em
contraponto a ser ela um dos índices apontados pelos economistas para definir um
país desenvolvido está no seu grau de urbanização.
Enquanto que, para este autor, a urbanificação é um termo cunhado por
Gaston Bardet, que representa o remédio para a urbanização, corrigindo-a,
designando a aplicação dos princípios do urbanismo, buscando a renovação urbana.
Dessa forma, passemos a analisar qual o objeto e os destinatários inerentes a
este ramo do Direito Público.
Conforme a subdivisão de Silva (2000, p. 37), em direito urbanístico objetivo e
direito urbanístico como ciência, há também dois principais objetos deste ramo.
Respectivamente, “organizar espaços habitáveis de modo a propiciar melhores
condições de vida ao homem na comunidade” e “expor, interpretar e sistematizar as
normas e princípios disciplinadores dos espaços habitáveis”.
Mais humanizada a visão de Mukai (1988, p. 5), onde “é objeto do urbanismo
moderno, não só transformar e desenvolver as localidades, visando dar um máximo
de bem-estar aos cidadãos, mas também conservar, preservar e manter valores e
bens comunitários que são imprescindíveis para aquele bem estar”.
Bidagor apud Mukai (1988, p. 4), onde o objeto do urbanismo refere-se a “a
arte de projetar e construir as unidades de concentração humana de forma que
sejam satisfeitas todas as premissas que garantem a vida digna dos homens e a
eficácia da grande empresa que constitui uma cidade”.

Fig. 01 – Enchente; Fig. 02 – Incêndio em favela.

Fonte:<http://www1.folha.uol.com.br>. Acesso em: 20 jun. 2012


21

Nesse sentido, Venuti apud Mukai (1988, p. 8), dá maior amplitude ao


urbanismo, “ultrapassando os limites da cidade para abrigar um território inteiro”,
sendo que “o objeto dessa ciência não mais coincide com seu significado
etimológico”, deixando de significar “do urbano”, mas “do território”.
Conforme Aguiar (1996, p. 12) “a política de desenvolvimento urbano tem por
objetivo a ordenação do pleno desenvolvimento dessas funções sociais (da
propriedade e da cidade) [...]”.
A Carta Magna, quando trata da política urbana (capitulo II do titulo VII - da
ordem econômica e financeira), em seu art. 182 explicita qual o objetivo da política
de desenvolvimento urbano como “ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”
Antigamente, o urbanismo não tinha a importância que se tem hoje, já que
visava a arte de embelezar as cidades, como também tinha o objetivo de
resolver os problemas sanitários. Posteriormente, sua concepção tornou-se
mais ampla, com sentido social e humano, para que se organize o espaço
visando à realização da melhoria qualidade de vida do homem nas cidades.
(MEDAUAR, 2000, p. 8)

Assim, o direito urbanístico tem por objeto disciplinar o planejamento urbano,


o uso e ocupação do solo urbano, as áreas de interesse ecológico e social, como
também detêm instrumentos de intervenção urbana, sendo norteado por princípios.
Vários são os princípios que dão sustentação a essa disciplina jurídica, como
o principio de que o urbanismo é uma função pública, o principio da conformação da
propriedade urbana, o principio da afetação das mais-valias aos custos da
urbanificação.
Antonio Carceller Fernández apud Silva (2000, p. 44), pioneiro doutrinador
urbanístico espanhol, elenca quatro princípios a serem observados por este ramo,
quais sejam, que o urbanismo é uma função pública, a conformação da propriedade,
afetação das mais-valias ao custo da urbanificação e a justa distribuição dos
benefícios e ônus derivados da atuação urbanística.
Porém são seis os princípios recorrentes em nosso direito pátrio, sendo eles,
a função social da propriedade, a função social da cidade, a obrigatoriedade do
planejamento participativo, a justa distribuição do ônus (e dos benefícios) decorrente
do processo de urbanização (atuação urbanística), a coesão dinâmica e a
subsidiariedade. Passemos as expor cada um.
A função social da propriedade e da cidade está explicitada no art. 182, §2º,
CF/88, que delimita o seu conteúdo em linhas gerais, in verbis:
22

A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às


exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano
diretor (grifo nosso)

Estando mais bem explicadas no art. 39, caput, da lei no 10.257/01, o Estatuto
da Cidade, e nas diretrizes das políticas públicas para organização urbana, previstas
em seu artigo 2o, respectivamente in verbis:
Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano
diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos
quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das
o
atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2 desta
Lei.
o
Art. 2 . A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento
das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as
seguintes diretrizes gerais:

I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à


terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana,
ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as
presentes e futuras gerações;

II – gestão democrática por meio da participação da população e de


associações representativas dos vários segmentos da comunidade na
formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos
de desenvolvimento urbano;

III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores


da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse
social;

IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial


da população e das atividades econômicas do Município e do território sob
sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do
crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;

V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços


públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às
características locais;

VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:


a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;
b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;
c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou
inadequados em relação à infra-estrutura urbana;
d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar
como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura
correspondente;
e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua
subutilização ou não utilização;
f) a deterioração das áreas urbanizadas;
g) a poluição e a degradação ambiental;
h) a exposição da população a riscos de desastres. (Incluído dada pela
Lei nº 12.608, de 2012)

VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais,


tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do
23

território sob sua área de influência;

VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de


expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental,
social e econômica do Município e do território sob sua área de influência;

IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de


urbanização;

X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e


financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano,
de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a
fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais;

XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha


resultado a valorização de imóveis urbanos;

XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e


construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e
arqueológico;

XIII – audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos


processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos
potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o
conforto ou a segurança da população;

XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por


população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais
de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a
situação socioeconômica da população e as normas ambientais;

XV – simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e


das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o
aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais;

XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados na


promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de
urbanização, atendido o interesse social.
(grifos nossos)

Ela tem origem histórica na 1a Grande Guerra, finda em 1918, quando os


problemas sociais que envolveram o Ocidente também alteraram a estrutura
conservadora dos governos. Dessa forma, passou-se a acatar os direitos sociais,
intervindo cada vez mais na sociedade, comprimindo os direitos individuais, “razão
pela qual, atualmente, fala-se em propriedade-função social” (CARMONA, 2010, p.
35).
Segundo Carmona (2010) desde a CF/46 há referencia ao principio da função
social da propriedade em nosso ordenamento jurídico, mas apenas tornou-se
expresso na CF/67, sobre a ordem econômica e social, coexistindo com o direito de
propriedade. No entanto, apenas a vigente CF/88 dedicou capítulo específico à
Política Urbana, sendo que, ao mesmo tempo que garante o Direito de Propriedade,
24

em seu art. 5º, XXII, a restringe a fim de que cumpra com sua função social, no
inciso XXIII, e também o inclui como princípio da ordem econômica (art. 170, III) .
Nesse sentido, falar de função social da propriedade é falar de Direito
Urbanístico, pois ele a tem como núcleo central (CARMONA, 2010), uma vez que ela
abre imensas possibilidades de uma atuação urbanística eficiente por parte do
Poder Público, de certo que a detenção da terra urbana com propósitos puramente
especulativos, não tem e não pode ter amparo legal (DALLARI apud CARMONA,
2010).
Sendo assim, através do Plano Diretor, que é o principal instrumento de
ordenação urbana a disposição do Poder Público Municipal, é que se define o que,
como, quando e onde se pode construir, delimitando, no caso em concreto, a função
social da propriedade abarcada por aquele Município.
Uma vez descumprida a função social da propriedade, assim delimitada pelo
Plano Diretor do Município em que se encontra, o seu proprietário estará sujeito a
penalidades sucessivas, conforme art. 182, §4º, da CF e arts. 5º e 6º, da Lei no
10.257/02, o Estatuto da Cidade, respectivamente dispostos abaixo:
Art. 182, §4º, CF/88. É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei
específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei
federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou
não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena,
sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no
tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de
emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate
de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o
valor real da indenização e os juros legais. (grifo nosso)
o
Art. 5 . Estatuto da Cidade: Lei municipal específica para área incluída
no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a
utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou
não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação
da referida obrigação.
o
§ 1 Considera-se subutilizado o imóvel:
I – cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou
em legislação dele decorrente;
o
§ 2 O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o
cumprimento da obrigação, devendo a notificação ser averbada no cartório
de registro de imóveis.
o
§ 3 A notificação far-se-á:
I – por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, ao
proprietário do imóvel ou, no caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenha
poderes de gerência geral ou administração;
II – por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação na
forma prevista pelo inciso I.
o
§ 4 Os prazos a que se refere o caput não poderão ser inferiores a:
I - um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto no
25

órgão municipal competente;


II - dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do
empreendimento.
o
§ 5 Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcional, a lei
municipal específica a que se refere o caput poderá prever a conclusão em
etapas, assegurando-se que o projeto aprovado compreenda o
empreendimento como um todo.
o
Art. 6 , Estatuto da Cidade: A transmissão do imóvel, por ato inter vivos ou
causa mortis, posterior à data da notificação, transfere as obrigações de
o
parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5 desta Lei, sem
interrupção de quaisquer prazos.
(grifos nossos)

Cumpre frisar que, apesar da CF/88 ter-se utilizado do vocábulo "faculdade",


deve o Poder Público proceder conforme as normas acima colacionadas, eis que de
ordem pública, cogentes, sobre direito indisponível da coletividade. Portanto esta
exigência de cumprimento da função social da propriedade é poder-dever do Poder
Público Municipal (CARMONA, 2010, p. 40).
Porém mais do que a regulamentação da propriedade conforme a função
social, evitando-se a excessiva especulação imobiliária em detrimento do bem
comum, a cidade possui outras funções chamadas funções sociais.
Segundo Meirelles apud Garcias e Bernardi (2008, p. 6), são quatro as
funções sociais da cidade, quais sejam, habitação, trabalho, circulação e recreação,
assim como afirmado no pioneiro documento quanto à organização do espaço
urbano, a Carta de Atenas.
Este foi o modelo que influenciou a cidade moderna, planejada, com
funções delimitadas em seu espaço físico-territorial durante mais de 50
anos, e que teve como marco histórico a implantação do projeto de Lucio
Costa, em Brasília, a capital da República.

Ainda, segundo Garcia e Bernardi (2008, p. 7), o Conselho Europeu de


Urbanistas (CEU) em 1998 propôs uma Nova Carta de Atenas, que deverá sofrer
revisão de quatro em quatro anos.
A primeira revisão foi aprovada no congresso na entidade realizada em
20/11/2003, em Lisboa, Portugal, recebendo o nome de Carta Constitucional de
Atenas 2003 – A visão das Cidades para o Século XXI do Conselho Europeu de
Urbanistas.
A Nova Carta de Atenas propõe uma rede de cidades que deseje:
Conservar a riqueza cultural e diversidade, construída ao longo da história;
conectar-se através de uma variedade de redes funcionais; manter uma
fecunda competitividade, porém esforçando-se para a colaboração e
cooperação e contribuir para o bem-estar de seus habitantes e usuários.
26

Este documento estabelece, não quatro, mas dez funções sociais da cidade,
que são tratadas como conceitos, quais sejam, garantir uma cidade para todos,
promover a participação efetiva, valorizar o contato humano como forma de evitar a
erosão das estruturas sociais, garantir a continuidade das vocações da cidade,
destacar os benefícios das novas tecnologias, estimular a sustentabilidade do meio
ambiente, combinar os aspectos físicos com os sociais e econômicos, contemplar
uma gestão do trafego de forma a garantir a mobilidade e acessibilidade, promover
variedade e diversidade com o abandono das grandes zonas de uso mono
funcionais e tutelar as questões envolvendo saúde e segurança, incorporando
medidas de proteção contra as catástrofes naturais, criminalidade e conflitos sociais.
Esta nova Carta é mais adequada à geração atual e às futuras, colocando o
cidadão em destaque no momento de tomar decisões de planejamento (CARMONA,
2010, p. 21) daí decorrendo o princípio da obrigatoriedade do planejamento
participativo, que também se encontra explícito na Carta Magna, quando, em seu art.
174 enuncia que o planejamento é obrigatório para o Estado e indicativo para o setor
privado.
A finalidade do planejamento local é o adequado ordenamento do território
municipal com o objetivo de disciplinar o uso, o parcelamento e a ocupação do solo
urbano, conforme art. 30, VIII, CF, devendo este ser obrigatoriamente confeccionado
a partir da cooperação das associações representativas dos vários segmentos da
sociedade, conforme art. 29, XII, CF e art. 2º, II e 40, §4º, Estatuto da Cidade.
[...] embora os princípios do urbanismo sejam de fácil compreensão, a sua
aplicação concreta exige conhecimento técnico. Por essa razão os planos e
projetos têm que ser elaborados por profissionais qualificados.
Isto não significa que os projetos urbanísticos não devam ser amplamente
discutidos por toda a sociedade. Pelo contrario, é preciso que a legislação
garanta a possibilidade de participação da comunidade, já que é sua
qualidade de vida que será diretamente afetada.
Entretanto, não é possível uma discussão séria dos projetos urbanísticos
pela sociedade na ausência de estudos técnicos a respeito de seus
possíveis impactos. (PINTO, 1999, p. 155)

Esta participação popular ocorre em todas as etapas de construção do Plano


Diretor – elaboração, implementação e avaliação – e na formulação, execução e
acompanhamento dos demais planos, programas e projetos de desenvolvimento
urbano municipal. Está fixada, ainda, a promoção de audiências públicas (MARINS,
2009, p. 4).
Quanto a este princípio o Capítulo IV do Estatuto da Cidade prevê, conforme
arts. 43 a 45, que, na gestão da cidade deverá imperar a democracia direta, com a
27

utilização de diversos instrumentos para esse fim, quais sejam, órgãos colegiados de
política urbana, debates, audiências, consultas públicas, conferências de assuntos
de interesse urbano, iniciativa de popular de projetos de lei e de planos, programas e
projetos de desenvolvimento urbano. Prevê, ainda, o art. 44, a institucionalização da
gestão orçamentária participativa, com a realização de debates, audiências e
consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes
orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação
pela Câmara Municipal.
Outro importante princípio do urbanismo é o da justa distribuição dos
benefícios e dos ônus decorrentes do processo de urbanização, que também está
presente no Estatuto da Cidade, onde “busca-se a garantia de que todos os
cidadãos tenham acesso aos serviços, aos equipamentos urbanos e a toda e
qualquer melhoria realizada pelo poder público” (MARINS, 2009, p. 5).
Em geral, como se verifica em mera observação pela cidade, o “homem
médio” percebe que as áreas que precisam ser equilibradas são locais onde já não
se realizavam investimentos, coincidindo com os setores urbanos ocupados pela
população pobre, que permanecem, muitas vezes, “abandonadas” pelo poder
público. Conforme dados do IBGE abaixo:

Fig. 03 – Gráfico comparativo de características urbanas conforme a renda dos habitantes


dos Municípios brasileiros – CENSO DEMOGRÁFICO 2010.

Fonte: CENSO (2010)


28

Nesse sentido o Estatuto da Cidade - guia para implementação pelos


Municípios e cidadãos (2005, p. 15) afirma que “na busca dessa justa distribuição, o
poder público passa a ter a prerrogativa de, no interesse coletivo, recuperar parcela
da valorização imobiliária, decorrente dos investimentos em infra-estrutura física e
social, pago pelos impostos de todos”
O que ocorre é que, com a aquiescência do próprio poder público, os
proprietários retêm suas áreas, como reserva especulativa, aguardando a
crescente valorização da propriedade e se beneficiam diretamente com a
implantação de infra-estrutura básica e instalação de equipamentos urbanos
em seu entorno imediato.
A realização pelo governo municipal de obras infra-estruturais, em geral,
atende às demandas mais prementes da população ou resultam da
implantação de empreendimento de porte, e de interesse de determinados
grupos empresariais locais, em área próxima. Assim, estas propriedades
recebem, gratuitamente, toda a infra-estrutura e os equipamentos urbanos
básicos, alcançando, no mercado imobiliário, valores consideráveis.
(MARINS, 2009, p. 7)

Dessa forma, esse princípio decorre do princípio da isonomia, levando o


princípio da capacidade contributiva para a organização do espaço urbano
(CARMONA, 2010, p. 45), refletindo um dos objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil, o de reduzir as desigualdades sociais e regionais, expresso no
art. 3o, III, CF/88.
Por ser tão dinâmico, o Direito Urbanístico tem um princípio que lhe é peculiar
e implícito, o chamado princípio da coesão dinâmica.
O princípio da coesão surge justamente para que as modificações feitas
pelas interferências urbanísticas sejam continuadas por ações que tenham
pertinência e nexo com o contexto. As mesmas prioridades, o mesmo
enfoque deverá ser dado para as ações urbanísticas de certo local em certo
tempo. A dinâmica é fundamental para a eficácia desse princípio. Assim o
plano deverá prever mecanismos de revisão e atualização de seu conteúdo.
(DI SARNO, 2004, p.51)

Desta feita, Silva (2008, p. 63) afirmou que coesão dinâmica designa uma
particularidade do Direito Urbanístico, de onde “denota-se que sua eficácia somente,
ou especialmente, decorre de grupos complexos e coerentes de normas e tem seu
sentido transformacionista da realidade”.
Por fim, o princípio da subsidiariedade “completa a ideia de que o urbanismo
é uma função pública e importa na abstenção da intervenção estatal” (CARMONA,
2010, p. 47):
A iniciativa privada é suficiente para atender adequadamente as
necessidades públicas, observando a proporcionalidade dessa intervenção,
principalmente quando o particular toma a iniciativa de propor ao Poder
Público ações urbanísticas a assume a responsabilização pelos custos da
operação, de acordo com os parâmetros legais.
29

Esta delegação de ações urbanísticas ao particular não exime o Poder


Público da responsabilidade de supervisionar e fiscalizar a atividade
urbanística.

Ainda, conforme Anais do V Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico, o


princípio da subsidiariedade relaciona-se com a distribuição de competência pela
CF/88, atribuindo ao Município a competência para elaborar seus Planos Diretores.
Ao expressamente atribuir aos Municípios brasileiros a competência para
elaborar planos diretores, a Constituição de 1988 expressamente
determinou a aplicação do princípio federativo da subsidiariedade ao
planejamento urbano.
o
Em 2001, o Estatuto da Cidade, Lei n 10.257, de 10 de julho de 2001, ao
regular o capítulo de política urbana da Constituição de 1988, artigos 182 e
183, institucionalizou o modelo dialógico do planejamento urbano
participativo. Vinte anos depois, apesar dos avanços, a gestão democrática
das cidades ainda continua sendo um desafio para a Administração Pública
brasileira. (ARAUJO, SOARES, CAMPOS, 2008, p. 104)

Desta feita, passemos a expor considerações específicas quanto às


legislações pátrias vigentes, aplicáveis ao tema urbanístico, tais como o art. 182,
CF/88, lei 10.257/02, o Estatuto da Cidade e o Plano diretor.

2.2 Evolução histórica da legislação urbanística pátria e no mundo

O Direito Urbanístico teve “[...] sua inclusão na ordem constitucional, que se


deu muito em função da capacidade de organização da sociedade, principalmente
dos seus movimentos sociais.” (DANTAS, 2012, p. 5) como veremos a seguir.
Conforme apontado pelo patrono do Direito Urbanístico, Silva (2000, p. 49-
55), desde as povoações que então se formavam na colônia até nas ordenações do
reino, diplomas legais que eram emitidos por Portugal quando este ainda exercia o
jugo de império sobre as terras brasileiras havia regramentos urbanísticos, que
diziam respeito, por exemplo, à estética das cidades, as relações de vizinhança e ao
direito de construir, sendo estabelecidas pelas Ordenações Filipinas (séc. XVII).
Regras simples, porque também as cidades eram simples.
Já no século XVIII, as Câmaras Municipais estabeleciam regras de
ordenamento urbanístico, que se caracterizavam pelo tratamento dado ao
arruamento e à beleza da cidade.
Em 1824, surge a Constituição Imperial, e logo após, a Lei de 1.10.1828 que
enumerou as matérias de que poderiam tratar as Câmaras Municipais brasileiras,
contemplando o alinhamento e tratamento das ruas quanto à iluminação e limpeza
30

das ruas, cais e praças, os cuidados com o meio ambiente urbano, como
estabelecimento de cemitérios fora dos recintos dos templos e esgotamento de
pântanos, as vozerias nas ruas em horas de silêncio (poluição sonora), o tratamento
das edificações em ruínas etc.
Silva (2000, p. 53) explica que “foi, porém, através das leis de desapropriação
que se delinearam as primeiras normas jurídicas urbanísticas, como, aliás,
aconteceu na generalidade dos países”, destacando-se as leis de 1826 e 1855 que
estabeleceram as bases para as disciplinas da utilidade pública, no qual se
fundamentava as desapropriações.
Da 1ª Constituição da República, em 1891, até a Emenda Constitucional nº
01/69 destaca-se o Plano Nacional de Viação Férrea e de Estradas de Rodagem, e
diversas tentativas de reverter o quadro de “precariedade urbana generalizada” que
se instalou devido a evolução da urbanização, tais como as arroladas por Dantas
(2012, p. 5):
[...] dos anos trinta em diante (Rio de Janeiro – com o primeiro Plano Diretor
do Brasil, o Plano do notório arquiteto francês Alfred Donat Hubert Agache:
1930; Salvador – com a Semana de Urbanismo de 35 e o Escritório do
Plano de Urbanismo da Cidade do Salvador – EPUCS, sob a liderança do
engenheiro baiano Mário Leal Ferreira, instalado em 1943; e São Paulo –
com as administrações Anhaia Mello e Prestes Maia (membros da
sociedade Amigos da Cidade), nas década de 30 e 40; finalizando com a
utopia modernista concretizada com a construção de Brasília, por obra de
Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, no governo de Juscelino Kubistchek, nas
décadas de 50 e 60).

Desde a Constituição de 1934, a função social da propriedade foi inscrita no


ordenamento jurídico brasileiro, sob forte influência das constituições sociais como a
do México (1917) e de Weimar (1919), da Alemanha.
Tendo em vista o agravamento social da questão, começou a se organizar
uma iniciativa de combate da questão urbana por outro foco, o da sociedade civil, ao
invés do estado, onde se reuniram, em 1963, no Hotel Quitandinha, intelectuais,
políticos e técnicos, que discutiram com ênfase na questão habitacional, o chamado
“Seminário do Quitandinha”, que em seu relatório final incluiu a seguinte proposta:
"Que o Poder Executivo envie projeto de lei ao Congresso Nacional corporificando
os princípios de Política Habitacional e de Reforma Urbana aprovados neste
seminário", descrevendo detalhadamente o conteúdo da lei reclamada, que levou
vinte anos para ser atendida, quando, em 1983, o Poder Executivo enviou ao
Congresso Nacional o projeto de Lei Nº 775, espécie de "pai" do Estatuto da Cidade
(DANTAS, 2012, p. 6).
31

Com o envio da proposta em 1983, surgiram muitas dúvidas, e os juristas


Miguel Reale e Hely Lopes Meirelles foram consultados, formulando pareceres
publicados na RDP 75/42 e 73/95 (CARMONA, 2010, p. 50).
A tentativa de instauração pelo governo militar, a partir da década de 60,
abafaram as pretensões dos participantes do Quitandinha, porém, devido ao
crescimento da população urbana, o Governo tinha interesse em uma política
pública nacional de desenvolvimento urbano, que poderia redundar na criação de
marcos legais para o Direito Urbanístico, mas que não se deu, sendo as iniciativas
pautadas na atuação do Banco Nacional da Habitação (BNH) e do Serviço Federal
de Habitação e Urbanismo (SERFHAU) são hoje tidas como fracassadas pelos
especialistas.
Foi em 1957 e 1961 que Hely Lopes Meirelles publica seus primeiros
trabalhos, Direito Municipal e Direito de Construir, respectivamente.
Dessa forma só na década de 70 é que o Movimento Nacional de Reforma
Urbana (MNRU) fortificou-se, contando, inclusive com a participação ativa da Igreja
Católica e com a publicação da obra Introdução ao Direito Ecológico e ao Direito
Urbanístico, de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, em 1975:
A rearticulação do movimento popular urbano só veio a acontecer na
década de 70. É a partir dessa rearticulação que podemos falar
efetivamente num Movimento Nacional de Reforma Urbana, que uniu em
torno de um mesmo ideário de redução das desigualdades vividas nas
cidades, associações de moradores, estudiosos, advogados e outros
agentes sociais que se engajaram na luta por uma cidade melhor para
todos. (DANTAS, 2012, p. 6)

[...] setores da Igreja Católica, especialmente aqueles ligados à Teologia da


Libertação, tiveram papel fundamental nesse despertar dos movimentos
sociais urbanos. Em 1975, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) divulga um documento intitulado “Uso do Solo e Ação Pastoral”,
contendo críticas à especulação imobiliária e reivindicando a função social
da propriedade. (ERMINIA MARICATO apud DANTAS, 2012, p. 6)

Já na década de 80, José Afonso da Silva publica o clássico Direito


Urbanístico Brasileiro, época em que se muda o foco do movimento social urbano,
elevando-se as suas pretensões, que passam a se posicionar, não mais como
solicitações de intervenções do Estado no espaço físico da cidade, mas sim como
reivindicações de um maior espaço para o cidadão se manifestar na definição das
políticas públicas de gestão da cidade.
[...] as reformas implementadas no urbano eram muito mais voltadas para
intervenções técnicas de dimensão estética e reformista, do que
propositivas e de implementação de processos sociais e de políticas
públicas que viessem impulsionar a democratização do planejamento e da
32

gestão urbanos e contribuíssem para a ampliação do espaço de exercício


da cidadania. (MARCELO LOPES DE SOUZA apud DANTAS, 2012, p. 7)

Nesse sentido, a Assembléia Nacional Constituinte, quando foi instaurada,


admitia regimentalmente o envio de emendas populares, cujos requisitos eram ter
mais de trinta mil assinaturas e estar subscrita por no mínimo três entidades civis.
Para Dantas (2012, p. 7), a mobilização popular deu “mostras incontestes de
que queria um novo modelo de ordem jurídica que tratasse a questão urbana com a
consideração que a intensidade dos seus problemas exigia”, e citando José Roberto
Bassul, conta que obtiveram êxito:
[...] entidades sociais e profissionais, integradas no Movimento Nacional
pela Reforma Urbana, levaram ao Congresso Nacional uma emenda
popular que conseguiu angariar 160 mil assinaturas. (Segundo o Jornal da
Constituinte, foi apresentada emenda popular sobre a reforma urbana, com
131 mil assinaturas, patrocinada pelas Federações Nacional dos
Engenheiros e Nacional dos Arquitetos e pelo Instituto de Arquitetos do
Brasil)

Assim, se fazia necessário, além de delegar aos Municípios os assuntos de


interesse local, determinar constitucionalmente o enfrentamento dos verdadeiros
fundamentos da problemática urbana, lastreado nos três princípios básicos, que,
segundo Grazia de Grazia, orientaram a construção da Emenda Popular da Reforma
Urbana, quais sejam, o Direito à Cidade e à Cidadania, a Gestão Democrática da
Cidade e a Função Social da Cidade e da Propriedade (DANTAS, 2012, p. 7).
Como a CF/88 estabeleceu apenas os art. 182 e 183 quanto a gestão da
política urbana, alguns desses princípios só integraram a ordem “jus-urbanística”
com a aprovação do Estatuto da Cidade, em 2001 (DANTAS, 2012, p. 7).
Uma das principais questões sociais do país no século XX foi, certamente, a
imensa e rápida urbanização pela qual passou. Segundo o IBGE, em 1960, 44,7%
da população era urbana, revelando o Censo de 2010 ter expandido-se para 84,4%.
Em números absolutos, somos hoje, 160.879.708 moradores da cidade, em
contraponto aos aproximadamente 31 milhões da década de 60, sendo que nesses
50 anos, conforme as mais diversas mídias publicam, aumentaram o número de
empregos informais, moradias irregulares, produção de lixo, demanda em hospitais,
escolas, praças e áreas para lazer, além das infinitas obras públicas realizadas para
expansão dos Municípios.
Assim, na mais dramática e realista das interpretações do cenário urbano, ele
passa a retratar as injustiças e desigualdades sociais, decorrentes do crescimento
populacional e urbano desordenados.
33

Mais do que isso: a cidade é agente de reprodução dessa desigualdade. Em


geral, a cidade divide-se entre uma porção legal, rica, provida de infra-
estrutura e de equipamentos públicos, e outra, ilegal, pobre, precária e
desprovida de investimentos públicos (CYMBALISTA apud FERNANDES,
1998, p.65).

Resta claro que os fenômenos sociais têm reflexos espaciais, portanto são
carentes de planejamento e organização, para que não se aprofunde cada vez mais
a segregação periférica em relação aos centros, a falta de qualidade de vida da
população e a prestação de serviço público insuficiente ou inadequada.
[...] amadureceu no Brasil, nas últimas décadas, uma visão específica no
campo do urbanismo e do direito urbanístico, que vem propondo soluções
jurídicas inovadoras, e refletindo profundamente sobre os papéis que o
direito desempenha em sua interface com os processos de urbanização
(CYMBALISTA apud FERNANDES, 1998, p.67)

Assim, o Direito Urbanístico apresenta-se como ramo atualíssimo e de


vultuosa essencialidade, que, em relação ao direito estrangeiro, está em plena
expansão de regras, debates, pesquisa, produção de obras e lugar nos bancos
acadêmicos.
A partir de então, leis e normas procuram estabelecer os parâmetros e
padrões adequados de parcelamento, urbanização, edificação, uso e ocupação do
solo, zoneamento, em busca do modelo ideal de cidade.
Além das considerações quanto à evolução legislativa no âmbito urbanístico
brasileiro, é importante destacarmos qual foi o marco mundial de implementação de
regras dessa pertinência temática, qual seja, o 4o Congresso Internacional da
Arquitetura Moderna – CIAM.
Este Congresso foi realizado na Grécia, em 1933, com o tema “Cidade
Funcional”, e foi ele que ensejou a edição do clássico e pioneiro documento
intitulado Carta de Atenas, o qual previa ter a cidade quatro funções essenciais para
o ser humano, e por sua vez ensejou a publicação da obra “La Carta de Atenas”, do
arquiteto Le Corbusier, um dos idealizadores mais ativos do 4o CIAM.
Narra Carmona (2010, p. 21) que esse documento caracterizou o urbanismo
como responsável por quatro funções básicas para o cidadão e a sociedade, quais
sejam, a habitação, o trabalho, a circulação no espaço urbano e a recreação do
corpo e do espírito, sob a inspiração dos trabalhos e da teoria funcionalista do
arquiteto suíço Le Corbusier (1887-1965), “que são, em resumo, os sustentáculos de
um mais apurado bem estar social” (CARNEIRO, 1998, p. 39).
34

Fig. 04 – Capa da obra “Princípios de Urbanismo. La Carta de Atenas” do arquiteto Le


Corbusier.

Fonte: <http://urbanisticka.blogspot.com.br/2009/03/carta-de-atenas-1933.html>. Acesso em:


20 jun.2012

Já em 1998, foi editada pelo Conselho Europeu de Urbanistas (CEU) a Nova


Carta de Atenas, subscrita pelas associações nacionais e institutos de urbanistas
dos principais países da União Européia, que destaca novas necessidades urbanas
em relação à primeira, classificando-as em 4 (quatro) áreas fundamentais, quais
sejam, promover o desenvolvimento econômico e o emprego, favorecer a coesão
econômica e social, melhorar o transporte e as redes transeuropeias e promover um
desenvolvimento sustentável e uma boa qualidade de vida (Carmona, 2010, p. 21).
Como o desenvolvimento sustentável é parte integrante do processo de
planejamento a Nova Carta destaca dez grupos de recomendações para alcançá-lo,
tidos como as funções sociais da cidade, sendo eles garantir uma cidade para todos,
promover a participação efetiva, valorizar o contato humano como forma de evitar a
erosão das estruturas sociais, garantir a continuidade das vocações da cidade,
destacar os benefícios das novas tecnologias, estimular a sustentabilidade do meio
ambiente, combinar os aspectos físicos com os sociais e econômicos, contemplar
uma gestão do trafego de forma a garantir a mobilidade e acessibilidade, promover
variedade e diversidade com o abandono das grandes zonas de uso mono
funcionais e tutelar as questões envolvendo saúde e segurança, incorporado
mediadas de proteção contra as catástrofes naturais, criminalidade e conflitos
sociais.
Nesse sentido, Pinto (2011, p. 77) afirma que “todos os países desenvolvidos
do mundo dispõe de uma legislação coerente de urbanismo [...] em alguns países,
35

como a França e a Itália, adota-se a denominação „Código de Urbanismo‟”


[...] o nosso direito urbanístico brasileiro ainda está muito atrasado, nós
tínhamos apenas a partir de 79 a primeira lei federal que a foi a lei 6766,
que tratou apenas de loteamentos, depois, em 2001, veio o estatuto da
cidade, que tratou basicamente do planejamento e de alguns outros
institutos jurídicos. Mas falta uma coerência em tudo isso, enquanto que no
direito comparado nós temos códigos de urbanismo. Desde a década de 50,
60, principalmente na Europa, cada país tem um código de urbanismo, que
trata da matéria de maneira muito mais sistemática que no Brasil. E por isso
mesmo a própria doutrina nesses países é muito mais avançada que no
Brasil (PINTO, 2010)

Segundo este autor, é importante que o Direito brasileiro tenha como


paradigma o direito urbanístico codificado europeu, eis que várias temas já foram
melhor desenvolvidos lá.
Quais são os planos urbanísticos. Como é que eles se articulam entre si.
Como é que de fato as atividades de construção e de loteamento e de
desenvolvimento urbano tem que seguir os planos urbanos. O que é a
função social da propriedade. São vários temas que já foram muito bem
trabalhados na Europa. Tanto do ponto de vista da doutrina quanto do ponto
de vista da legislação (PINTO, 2010)

No sistema europeu vigora o princípio da tipicidade dos planos, onde os


planos urbanísticos são detalhadamente regulamentados por leis e os governos
locais não podem criar planos próprios, distintos desses (PINTO, 2011, p. 79).
Em contraposição, temos, em nosso ordenamento jurídico que “o direito
urbanístico é competência essencialmente local, com base no conceito de „peculiar
interesse‟”, além do direito de propriedade ser tradicionalmente tratado pelo viés
civilista e excepcionalmente pelas limitações administrativas (PINTO, 2011, p. 95).
Dessa forma, passemos a traças considerações quanto ao tratamento jurídico
dispensado pela CF/88 e lei 10.257/01, Estatuto da Cidade.

2.3 Tratamento jurídico da CF/88

As normas que atualmente dão sustentação a essa disciplina jurídica são


várias, a começar pela Lei Maior, que pioneiramente introduziu normas de
planejamento urbano (art. 21, IX, XX, 22, II, 23, VI, IX, X, XII, 24, I, 25, §3º, 30, I, II,
IV, V, VIII, 182 e 183), a função social da propriedade imobiliária (5o, XXIII, 170, 182,
§2o) e reconheceu a autonomia jurídica do Direito Urbanístico (art. 24, I).
Por outro lado, esses foram os ganhos que, quando observados em
retrospectiva ao tratamento dado à questão urbana nas constituições
anteriores, ganham relevo pela introdução de instrumentos fundamentais do
planejamento urbano, como o Plano Diretor (que já se fazia no Brasil desde
a década de 30 e não tinha um regramento constitucional) e a função social
36

da propriedade imobiliária, um dos princípios fundamentais estabelecidos


pelo próprio Movimento Nacional de Reforma Urbana. Além disso, não foi
apontado outro grande ganho em termos de densificar o tratamento da
questão urbana enquanto política pública: a introdução textual do Direito
Urbanístico na nossa ordem constitucional. (DANTAS, 2012, p. 8)

Oportuna a análise crítica do consultor legislativo do Senado Federal sobre


planejamento urbano, José Roberto Bassul (2002, p. 2):
Ainda que em termos nem sempre coincidentes com o que propunha a
emenda popular da Reforma Urbana, a Constituição de 1988, como se
disse, marcou a introdução dessa temática na história constitucional
brasileira. A chamada Lei Maior passou a tratar de "direito urbanístico" (art.
24, I) e dedicou um capítulo específico à "política urbana" (arts. 182 e 183).
Esses últimos dispositivos destinam-se, fundamentalmente, a exigir da
propriedade urbana, e da própria cidade, o cumprimento de sua “função
social”

Assim como explica Araujo e Nunes (2008, p. 271) por reunir em seu interior
quatro entidades federativas dotadas de autonomia surge, no federalismo, questão
concernente ao seu equacionamento. Dessa forma, a CF/88 opta por um sistema
complexo de definição de competência, que em matéria de planejamento urbano se
apresenta da seguinte forma.
Quanto à União, competem-lhe, privativamente, elaborar e executar planos
nacionais e regionais de ordenação do território (art. 21, IX), instituir diretrizes para o
desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes
urbanos (art. 21, XX) e legislar sobre desapropriações (art. 22, II), além das
competências comum e concorrente abaixo discriminadas.
Quanto aos Estados Federados, competem-lhes instituir, mediante lei
complementar, regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões,
constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a organização,
o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum (25, §3º),
fenômeno conhecido como conurbação (DECICINO, 2009).
Quanto aos Municípios competem-lhes legislar sobre assuntos de interesse local
(art. 30, I), suplementar a legislação federal e a estadual no que couber (art. 30, II),
criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual, organizar e
prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos
de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial (art.
30, IV e V), promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art.
30, VIII), além de ser o responsável pela elaboração do Plano Diretor de
37

Desenvolvimento Urbano, o instrumento básico de desenvolvimento e expansão


urbana (art. 182, §1º).
Quanto ao Distrito Federal, são atribuídas as competências legislativas
reservadas aos Estados e Municípios (art. 32, §1º).
Há ainda a competência comum de proteger o meio ambiente e combater a
poluição em qualquer de suas formas (art. 23, IV), promover programas de
construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento
básico (23, IX), combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização,
promovendo a integração social dos setores desfavorecidos (23, X) e estabelecer e
implantar política de educação para a segurança do trânsito (23, XII). Destacando-se
que leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do
desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional (23, § único).
Por fim, o art. 24 da CF/88, reconheceu a autonomia do Direito Urbanístico
como ramo do Direito, fixando-o como competência legislativa concorrente dos entes
federativos.
Nesse contexto, a CF/88 direcionou especial atenção ao planejamento
urbano, dedicando-lhe, em seu título VII, quanto a ordem econômica e financeira,
um capítulo intitulado “Da Política Urbana”, composto por apenas dois artigos, 182 e
183:
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder
público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir
o bem-estar de seus habitantes.

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para


cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política
de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano
diretor.
§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e
justa indenização em dinheiro.
§ 4º - É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica para
área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do
proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que
promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no
tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de
emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate
de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o
valor real da indenização e os juros legais.
38

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e
cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem
oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o
domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem


ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma
vez.
§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
(grifos nossos)

Cabe ressaltar o que se entende por “política de desenvolvimento urbano”,


citada no caput do art. 182 supra.
De acordo com a SEPLAN/MT a realidade das cidades brasileiras é
caracterizada, entre outras questões, pela fragilidade da gestão e do controle dos
recursos públicos, dificuldade em promover a gestão democrática e o controle social
e a dificuldade na implementação da agenda política do desenvolvimento urbano,
particularmente no âmbito legislativo, segundo a qual:
A Política Nacional de Desenvolvimento Urbano deve ser entendida como
um conjunto de princípios, diretrizes e normas que norteiam a ação do
poder público e da sociedade em geral, na produção e gestão das cidades.
A existência de um projeto nacional de desenvolvimento econômico e social,
a integração de políticas setoriais, políticas territoriais, o controle social e a
destinação de recursos financeiros são fundamentais no combate da
desigualdade social existente.
Na primeira e segunda Conferências Nacionais das Cidades foram
aprovados princípios que devem nortear a Política Nacional de
Desenvolvimento Urbano.

Na elaboração da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano passos


importantes já foram dados: a promulgação da Constituição Federal de 1988, em
especial os artigos 6º, 182 e 183; a aprovação do Estatuto das Cidades (Lei nº.
10.257/01); a edição da Medida Provisória 2220/01; a criação do Ministério das
Cidades; a criação do Conselho das Cidades e do processo de Conferências das
Cidades; a criação do Sistema e Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
(lei nº 11.124/05); a aprovação do marco regulatório da Política Nacional de
Saneamento Básico (lei nº 11.445/07); a aprovação da Lei de Consórcios Públicos
(lei nº 11.107/05); a proposição do Projeto de Lei da Mobilidade Urbana (PL nº
1687/07); a aprovação da lei voltada à regularização fundiária em áreas da União (lei
nº 11.481/07); a retomada e ampliação de recursos para habitação e saneamento,
apesar de ainda insuficientes, e início de um processo de revisão de prioridades de
investimento dos recursos públicos federais para população de baixa renda; a
39

flexibilização de limites de endividamento para o setor público; e a realização da


Campanha Nacional para Elaboração de Planos Diretores Participativos.
Dessa forma, é que, a partir das normas que a CF/88 introduziu no
ordenamento jurídico pátrio, desenvolveram-se demais legislações e políticas
públicas no sentido de ordenar as cidades, visando o direito à cidade sustentável
como um direito fundamental ao homem.
A trajetória das lutas sociais pela reforma urbana sedimenta a aurora do
direito à cidade sustentável como direito fundamental emergente no sistema
jurídico nacional, ganhando forma e tratamento jurídico recentes, ou seja,
perpassa o campo político e alcança o jurídico (LUCENA e SILVA, 200, p.8)

Desta feita, como já exposto, a teor do art. 182 da CF/88, o Município é


dotado de poder político e competência legislativa a fim de desenvolver as funções
sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes, o denominado, direito à
cidade sustentável.
A cidade assume a condição de espaço coletivo culturalmente rico e
diversificado que pertence a todos os seus habitantes, onde o usufruto
coletivo da riqueza, bens e conhecimentos são garantidos a todos. O seu
território é lugar de exercício e cumprimento dos direitos difusos e a sua
gestão se dá de forma democrática e coletiva.
O planejamento urbano pertence à cidade e tem por objetivo atender a uma
função social que apresenta como componentes essenciais: moradia, meio
ambiente equilibrado, equipamentos e serviços urbanos, saneamento
básico, transporte público, cultura e lazer. [...]
A qualidade de vida urbana recebe influxos constitucionais, dotando-a de
força normativa vinculante. [...]
Com o Estatuto da Cidade, o direito à cidade sustentável se transforma num
novo direito fundamental, instituído em decorrência do princípio
constitucional das funções sociais da cidade (LUCENA e SILVA, 2010, p.7)

O direito à cidade sustentável é um direito abrangente e multissetorial.


Fig. 05 – Dimensões de uma cidade sustentável

Fonte: <http://cidadesustentavel.ning.com/>. Acesso em 20 jun. 2012.


40

Entende-se como direito à cidade sustentável, o direito à terra urbana, à


moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos
serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações,
assim como explicita o art. 2o, I do Estatuto da Cidade, que veremos no próximo
subtítulo.
É nesse sentido que o direito à cidade sustentável visa garantir às pessoas
que nela habitam e para as futuras gerações condições dignas de vida, de exercitar
plenamente os direitos humanos (civis, políticos, econômicos, sociais, culturais,
ambientais), de participar da gestão da cidade, de viver num meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
Passemos a traças considerações quanto ao tratamento jurídico infralegal
pertinente à matéria.

2.4 Tratamento jurídico infralegal

2.4.1 Diretrizes gerais: Estatuto da Cidade

Conforme já exposto, a teor do art. 24, I da CF/88 o Direito Urbanístico é


matéria de competência concorrente entre os entes da Federação, dessa forma,
incumbe à União instituir diretrizes gerais quanto ao tema.
Segundo Meirelles (1964, p. 107) “norma geral é a que estabelece princípios
ou diretrizes de ação e se aplica indiscriminadamente a todo território nacional”.
Foi nesse âmbito, que, assim como exposto na digressão histórica (capítulo
2.2), depois de muita luta do Movimento Nacional da Reforma Urbana e 11 anos de
tramitação no Congresso Nacional, a Lei no 10.257/01, o denominado Estatuto da
Cidade, entrou em vigor desde 10 de outubro de 2001.
O Estatuto da Cidade originou-se do PL nº 2.191/89, de Raul Ferraz, que
depois tomou o nº 181/89 no Senado Federal, e, finalmente, o nº 5.788/90 na
Câmara dos Deputados.
De modo geral, o Estatuto contém cinco capítulos, sendo eles, Diretrizes
Gerais (I), Dos instrumentos da Política Urbana(II), com as seções I a XII, que serão
abordadas abaixo, Do Plano Diretor(III), Da Gestão Democrática da Cidade (IV) e
Disposições Gerais (V).
Destaca-se o caráter inovador da Lei no 10.257/01, eis que veio regulamentar
41

os art. 182 e 183 da CF/88, prevendo abstratamente diversos instrumentos de


política urbana, dos quais, o de maior destaque é o Plano Diretor.
Os pontos mais relevantes da lei, a nosso ver, são a efetiva concretização
do Plano Diretor nos Municípios, tornando eficaz a obrigatoriedade
constitucional de sua existência em cidades com mais de vinte mil
habitantes; a fixação das diretrizes gerais previstas no art. 182, da CRFB,
para que o município possa executar sua Política de Desenvolvimento
Urbano; a criação de novos institutos jurídicos, ao lado da regulamentação
do § 4º, do art. 182 da Carta Magna (parcelamento e edificações
compulsórios, IPTU progressivo no tempo e a desapropriação com
pagamento em títulos); a fixação de sanções para o Prefeito e agentes
públicos que não tomarem providências de sua alçada, inclusive, para o
Prefeito, a sanção de improbidade administrativa; a instituição de gestão
democrática e participativa, da cidade, e, finalmente, as alterações na Lei de
Ação Civil Pública para possibilitar que o Judiciário torne concretas as
obrigações de ordem urbanística, determinadas pela Lei, inclusive em
relação à elaboração e aprovação do Plano Diretor. (MARINS, 2012)

Dessa forma, Mattoso (2005, p. 15) também opina que “sem dúvida, estamos
diante de uma lei admiravelmente progressista, inovadora, com vocação
democrática, autenticamente voltada para a construção de cidades, onde será
sempre preservado o bem-estar coletivo da população”.
O Estatuto abarca um conjunto de princípios – no qual está expressa uma
concepção de cidade e de planejamento e gestão urbanos – e uma série de
instrumentos que, como a própria denominação define, são meios para
atingir as finalidades desejadas. Entretanto, delega – como não podia deixar
de ser – para cada um dos municípios, a partir de um processo público e
democrático, a explicitação clara dessa finalidades. Nesse sentido, o
Estatuto funciona como uma espécie de “caixa de ferramentas” para uma
política urbana local. (ESTATUTO DA CIDADE: GUIA PARA
IMPLEMENTAÇÃO PELOS MUNICÍPIOS E CIDADÃOS, 2005, p. 21).

Desta feita, primeiramente, cumpre indicar quais os parâmetros que devem


orientar a construção da política urbana, conforme art. 2o do Estatuto:
o
Art. 2 A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento
das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as
seguintes diretrizes gerais:

I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à


terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana,
ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as
presentes e futuras gerações;

II – gestão democrática por meio da participação da população e de


associações representativas dos vários segmentos da comunidade na
formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos
de desenvolvimento urbano;

III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores


da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse
social;

IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial


da população e das atividades econômicas do Município e do território sob
42

sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do


crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;

V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços


públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às
características locais;

VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:


a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;
b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;
c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou
inadequados em relação à infra-estrutura urbana;
d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar
como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura
correspondente;
e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua
subutilização ou não utilização;
f) a deterioração das áreas urbanizadas;
g) a poluição e a degradação ambiental;
h) a exposição da população a riscos de desastres.

VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais,


tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do
território sob sua área de influência;

VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de


expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental,
social e econômica do Município e do território sob sua área de influência;

IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de


urbanização;

X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e


financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano,
de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a
fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais;

XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha


resultado a valorização de imóveis urbanos;

XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e


construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e
arqueológico;

XIII – audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos


processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos
potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o
conforto ou a segurança da população;

XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por


população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais
de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a
situação socioeconômica da população e as normas ambientais;

XV – simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e


das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o
aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais;
43

XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados na


promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de
urbanização, atendido o interesse social.
(grifo nosso)

Como observado, o direito à cidade sustentável é a primeira diretriz da política


urbana, e como tem fonte nos princípios constitucionais da função social da
propriedade e da cidade, já citados, acaba por elevar-se ao status de direito
fundamental da pessoa humana, conforme art. 5 o, §2o, CF, “os direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte”.
Ainda, o Estatuto prevê abstratamente quais os instrumentos de política
urbana à disposição do Poder Público em seu Capítulo II:
Seção I – Dos Instrumentos em Geral
o
Art. 4 Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:

I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de


desenvolvimento econômico e social;

II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e


microrregiões;

III – planejamento municipal, em especial:


a) plano diretor;
b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;
c) zoneamento ambiental;
d) plano plurianual;
e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;
f) gestão orçamentária participativa;
g) planos, programas e projetos setoriais;
h) planos de desenvolvimento econômico e social;

IV – institutos tributários e financeiros:


a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU;
b) contribuição de melhoria;
c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros;

V – institutos jurídicos e políticos:


a) desapropriação;
b) servidão administrativa;
c) limitações administrativas;
d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano;
e) instituição de unidades de conservação;
f) instituição de zonas especiais de interesse social;
g) concessão de direito real de uso;
h) concessão de uso especial para fins de moradia;
i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios;
j) usucapião especial de imóvel urbano;
l) direito de superfície;
m) direito de preempção;
n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso;
o) transferência do direito de construir;
44

p) operações urbanas consorciadas;


q) regularização fundiária;
r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos
sociais menos favorecidos;
s) referendo popular e plebiscito;
t) demarcação urbanística para fins de regularização fundiária;
u) legitimação de posse.

VI – estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto


de vizinhança (EIV).

Seção II - Do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios

Seção III - Do IPTU progressivo no tempo

Seção IV - Da desapropriação com pagamento em títulos

Seção V - Da usucapião especial de imóvel urbano

Seção VII - Do direito de superfície

Seção VIII - Do direito de preempção

Seção IX - Da outorga onerosa do direito de construir

Seção X - Das operações urbanas consorciadas

Seção XI - Da transferência do direito de construir

Seção XII - Do estudo de impacto de vizinhança

Neste sentido, o Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos


Municípios e cidadãos (2005, p. 31) explica que “o Poder Público somente estará
respeitando o Estatuto da Cidade, quando os instrumentos previstos forem aplicados
com a finalidade de atender as diretrizes gerais previstas na lei”.
Enfatiza Carmona (2010, p. 65) que os instrumentos previstos pelo art. 4 o do
Estatuto não são os únicos existentes, sendo de incumbência do Poder Público
municipal a suplementação:
O planejamento municipal, por sua vez, comporta outros instrumentos mais
específicos, previstos na lei, o que vem ao encontro da forma com que o
texto constitucional cuida da matéria, já que ao Município é atribuída a
condução da política urbana, com destaque para o plano diretor, que é o
o
instrumento básico da política urbana (art. 182, §1 )

Ainda, Carmona (2010, p. 65), explica que o plano diretor, a disciplina do


parcelamento, do uso e da ocupação do solo e o zoneamento ambiental, são planos
físicos, enquanto que o plano plurianual e as diretrizes orçamentárias e orçamento
anual são instrumentos econômicos.
Ainda, conforme o mesmo autor, a gestão orçamentária participativa é uma
45

decorrência do princípio constitucional participativo, enquanto que os planos,


programas e projetos setoriais referem-se à áreas específicas de atuação, e os
planos de desenvolvimento econômico e social visam à organização global do
território. Destacando que o zoneamento ambiental também é um dos instrumentos
da Política Nacional do Meio Ambiente, conforme art. 9o da Lei no 6.938/81.

2.4.2 Normas específicas: plano diretor

2.4.2.1 Conceito

Assim como já citado, o plano diretor, na opinião massiva dos doutrinadores e


conforme o Estatuto da Cidade, é o instrumento básico da política urbana.
Sabemos já, que desde a década de 30 os planos diretores eram adotados
pelos Municípios, no entanto, em concepção diferenciada daquela que foi adotada
pela CF/88, eis que não havia homogeneidade terminológica ou conceitual (PINTO,
2011, p. 104).
Ainda, conforme a distribuição de competências realizada pela CF/88 os
Municípios dispõe de competência genérica para suplementar a legislação federal e
estadual, mas jamais criando novos institutos de Direito Urbanístico.
É neste âmago que, através do Plano Diretor, o Município tem que exercer
sua competência, conforme o interesse local, visando o bem-estar dos seus
habitantes.
Para Pinto (2011, p. 121) o art. 182, em seus parágrafos, deixa claro que o
objeto do plano diretor é apenas o ordenamento territorial, concluindo que “o plano
diretor de que fala a Constituição é exclusivamente urbanístico, não se destinando a
tratar de políticas setoriais ou da promoção do desenvolvimento econômico” e ainda,
esclarece:
[...] deve reservar espaços para todas as atividades econômicas
necessárias ao desenvolvimento da cidade, assim como prever a
localização dos equipamentos públicos e comunitários que servirão de
suporte para as políticas setoriais, como escolas, hospitais, praças,
delegacias etc. [...] deve decorrer de estudos que indiquem a demanda
prevista para cada uso, assim como a disponibilidade de espaços para
atendê-la. Dessa forma, o plano diretor estará levando em consideração as
dimensões econômicas e sociais da cidade, sem que com isto se transforme
em um plano de desenvolvimento econômico.

Assim como anota Pinto (2011, p. 125), desde a promulgação da CF/88 os


46

Municípios vem elaborando seus respectivos planos diretores a fim de cumprirem


sua obrigação constitucional, porém, produzindo documentos tão distintos quanto os
planos de governo, diretrizes genéricas, planos de desenvolvimento econômico e
urbanísticos, sendo que até mesmo as instituições especializadas ofereceram
orientações metodológicas e conceituais distintas.

Fig. 06 – Cartografia do Município de Bauru conforme seu plano diretor, lei orgânica 5.631 de
22 de agosto de 2008. Mapa 07: zona especial de interesse social - ZEIS.

Fonte: <http://hotsite.bauru.sp.gov.br/planodiretor/cartografia.aspx>. Acesso em: 20 jun.2012

Ademais, após a entrada em vigor do Estatuto da Cidade e da criação do


Ministério das Cidades, o governo federal adotou política de apoio à elaboração de
planos diretores, os denominados “planos diretores participativos”, consignando-se
apoio técnico e financeiro aos Municípios.
Conforme Pinto (2011, p. 129) “os planos elaborados nesse contexto
abordaram principalmente temas propriamente urbanísticos [...] Em menor medida,
foram incorporados também os temas do saneamento ambiental, da mobilidade
urbana e do meio ambiente.”
O Estatuto cuidou de definir seu conteúdo mínimo, que foi recentemente
ampliado pela Lei no 12.608/12:
Art. 42. O plano diretor deverá conter no mínimo:
47

I – a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o


parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a
existência de infra-estrutura e de demanda para utilização, na forma do art.
o
5 desta Lei;
II – disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei;
III – sistema de acompanhamento e controle.

Art. 42-A. Além do conteúdo previsto no art. 42, o plano diretor dos
Municípios incluídos no cadastro nacional de municípios com áreas
suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações
bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos deverá conter:
I - parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, de modo a
promover a diversidade de usos e a contribuir para a geração de emprego e
renda;
II - mapeamento contendo as áreas suscetíveis à ocorrência de
deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos
geológicos ou hidrológicos correlatos;
III - planejamento de ações de intervenção preventiva e realocação de
população de áreas de risco de desastre;
IV - medidas de drenagem urbana necessárias à prevenção e à mitigação
de impactos de desastres; e
V - diretrizes para a regularização fundiária de assentamentos urbanos
o
irregulares, se houver, observadas a Lei n 11.977, de 7 de julho de 2009, e
demais normas federais e estaduais pertinentes, e previsão de áreas para
habitação de interesse social por meio da demarcação de zonas especiais
de interesse social e de outros instrumentos de política urbana, onde o uso
habitacional for permitido.
o
§ 1 A identificação e o mapeamento de áreas de risco levarão em conta as
cartas geotécnicas.
o
§ 2 O conteúdo do plano diretor deverá ser compatível com as disposições
insertas nos planos de recursos hídricos, formulados consoante a Lei
o
n 9.433, de 8 de janeiro de 1997.
o
§ 3 Os Municípios adequarão o plano diretor às disposições deste artigo,
por ocasião de sua revisão, observados os prazos legais.
o
§ 4 Os Municípios enquadrados no inciso VI do art. 41 desta Lei e que não
tenham plano diretor aprovado terão o prazo de 5 (cinco) anos para o seu
encaminhamento para aprovação pela Câmara Municipal.

Art. 42-B. Os Municípios que pretendam ampliar o seu perímetro urbano


após a data de publicação desta Lei deverão elaborar projeto específico
que contenha, no mínimo:
I - demarcação do novo perímetro urbano;
II - delimitação dos trechos com restrições à urbanização e dos trechos
sujeitos a controle especial em função de ameaça de desastres naturais;
III - definição de diretrizes específicas e de áreas que serão utilizadas para
infraestrutura, sistema viário, equipamentos e instalações públicas, urbanas
e sociais;
IV - definição de parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, de
modo a promover a diversidade de usos e contribuir para a geração de
emprego e renda;
V - a previsão de áreas para habitação de interesse social por meio da
demarcação de zonas especiais de interesse social e de outros
instrumentos de política urbana, quando o uso habitacional for permitido;
VI - definição de diretrizes e instrumentos específicos para proteção
ambiental e do patrimônio histórico e cultural; e
48

VII - definição de mecanismos para garantir a justa distribuição dos ônus e


benefícios decorrentes do processo de urbanização do território de
expansão urbana e a recuperação para a coletividade da valorização
imobiliária resultante da ação do poder público.
o
§ 1 O projeto específico de que trata o caput deste artigo deverá ser
instituído por lei municipal e atender às diretrizes do plano diretor, quando
houver.
o
§ 2 Quando o plano diretor contemplar as exigências estabelecidas
no caput, o Município ficará dispensado da elaboração do projeto específico
de que trata o caput deste artigo.
o
§ 3 A aprovação de projetos de parcelamento do solo no novo perímetro
urbano ficará condicionada à existência do projeto específico e deverá
obedecer às suas disposições.
(grifo nosso)

Frisa-se que o plano diretor é o parâmetro para identificação da função social


da propriedade, a teor do art. 39 do Estatuto:
A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano
diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto
à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades
o
econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2 desta Lei.

Nesse sentido é que se faz necessário compreender o seu procedimento.

2.4.2.2 Procedimento

A obrigação constitucional de elaboração de plano diretor pelo Município


abrange aqueles que possuam mais de 20 mil habitantes, que conforme o IBGE
(2010, p. 23) corresponde a 29,54% dos Municípios do Brasil, o que, em números
absolutos, representa 1.644 dos 5.565 reconhecidos, nos termos no art. 182, §1o,
CF/88 e art. 41, Estatuto da Cidade, respectivamente:
O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades
com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de
desenvolvimento e de expansão urbana.

O plano diretor é obrigatório para cidades:


I – com mais de vinte mil habitantes;
II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;
III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos
o
previstos no § 4 do art. 182 da Constituição Federal;
IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico;
V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com
significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.
VI - incluídas no cadastro nacional de Municípios com áreas suscetíveis à
ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou
processos geológicos ou hidrológicos correlatos.
49

o
§ 1 No caso da realização de empreendimentos ou atividades enquadrados
no inciso V do caput, os recursos técnicos e financeiros para a elaboração
do plano diretor estarão inseridos entre as medidas de compensação
adotadas.
o
§ 2 No caso de cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá
ser elaborado um plano de transporte urbano integrado, compatível com
o plano diretor ou nele inserido.
(grifo nosso)

Dessa forma, o Plano Diretor está representado por meio de lei orgânica
municipal, devendo ser aprovado pela Câmara Municipal nos termos do art. 29,
CF/88 e 40, Estatuto da Cidade, respectivamente:
O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o
interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros
da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios
estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os
seguintes preceitos: [...]

O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da


política de desenvolvimento e expansão urbana.
o
§ 1 O plano diretor é parte integrante do processo de planejamento
municipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o
orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas.
o
§ 2 O plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo.
o
§ 3 A lei que instituir o plano diretor deverá ser revista, pelo menos, a
cada dez anos.
o
§ 4 No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua
implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais
garantirão: (grifos nossos)
I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da
população e de associações representativas dos vários segmentos da
comunidade;
II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;
III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações
produzidos.
Como já observado, o Estatuto da Cidade cuidou especialmente do plano
diretor, dedicando-lhe capítulo próprio, não competindo aos Municípios criarem
institutos além dos já previstos.

2.4.2.3 Execução

Uma vez cumprido a obrigação constitucional do Município de elaborar seu


plano diretor, através do devido processo legislativo, ele deve implementá-lo e dar
cumprimento aos parâmetros por ele instituído, no intuito de organizar, no plano
concreto as funções sociais da cidade.
50

Pinto (2011, p. 104) observa que “de modo geral, esses planos não têm tido
grande influencia sobre o quotidiano da política urbana, que continua sendo
realizada sem planejamento”.

Fig. 07 – Tira da famosa personagem argentina “Mafalda”.

Fonte: QUINO. Toda Mafalda: da primeira à última. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.219

Desta feita, percebe-se que as políticas públicas de ordenamento territorial


somente serão executadas por parte do Poder Público quando a discussão quanto
ao tema for fomentada dentro dos Cursos de Engenharia, Sociologia, Direito, entre
os habitantes urbanos, nas escolas primárias etc, quando o Poder Judiciário passar
à aplicá-las sem receio, quando os cidadãos estiverem conscientes do seu direito à
vida digna dentro da urbs e como eles podem ser alcançados através da atuação
estatal, reivindicando a sua execução.
Neste sentido, já se verifica entendimentos judiciais, tais como o acórdão
abaixo colacionado, proferido pelo Ministrado do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
Herman Benjamin, em ago. 2010, que prioriza as normas urbanísticas de
ordenamento territorial, em detrimento do bem particular construído ilegalmente:
Processo
REsp 302906 / SP
RECURSO ESPECIAL
2001/0014094-7
Relator(a)
Ministro HERMAN BENJAMIN (1132)
Órgão Julgador
T2 - SEGUNDA TURMA
Data do Julgamento
26/08/2010
Data da Publicação/Fonte
DJe 01/12/2010

Ementa
PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO, AMBIENTAL E URBANÍSTICO.
LOTEAMENTO CITY LAPA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AÇÃO DE
NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA. RESTRIÇÕES URBANÍSTICO-
AMBIENTAIS CONVENCIONAIS ESTABELECIDAS PELO LOTEADOR.
ESTIPULAÇÃO CONTRATUAL EM FAVOR DE TERCEIRO, DE
NATUREZA PROPTER REM. DESCUMPRIMENTO. PRÉDIO DE NOVE
51

ANDARES, EM ÁREA ONDE SÓ SE ADMITEM RESIDÊNCIAS UNI


FAMILIARES. PEDIDO DE DEMOLIÇÃO. VÍCIO DE LEGALIDADE E DE
LEGITIMIDADE DO ALVARÁ. IUS VARIANDI ATRIBUÍDO AO
MUNICÍPIO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA NÃO-REGRESSÃO (OU DA
PROIBIÇÃO DE RETROCESSO) URBANÍSTICOAMBIENTAL. VIOLAÇÃO
AO ART. 26, VII, DA LEI 6.766/79 (LEI LEHMANN), AO ART. 572 DO
CÓDIGO CIVIL DE 1916 (ART. 1.299 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002) E À
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. ART. 334, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL.
VOTO-MÉRITO.
1. As restrições urbanístico-ambientais convencionais, historicamente
de pouco uso ou respeito no caos das cidades brasileiras, estão em
ascensão, entre nós e no Direito Comparado, como veículo de estímulo
a um novo consensualismo solidarista, coletivo e intergeracional,
tendo por objetivo primário garantir às gerações presentes e futuras
espaços de convivência urbana marcados pela qualidade de vida, valor
estético, áreas verdes e proteção contra desastres naturais.
2. Nessa renovada dimensão ética, social e jurídica, as restrições
urbanístico-ambientais convencionais conformam genuína índole pública, o
que lhes confere caráter privado apenas no nome, porquanto não se deve
vê-las, de maneira reducionista, tão-só pela ótica do loteador, dos
compradores originais, dos contratantes posteriores e dos que venham a ser
lindeiros ou vizinhos.
3. O interesse público nas restrições urbanístico-ambientais em
loteamentos decorre do conteúdo dos ônus enumerados, mas
igualmente do licenciamento do empreendimento pela própria
Administração e da extensão de seus efeitos, que iluminam
simultaneamente os vizinhos internos (= coletividade menor) e os
externos (= coletividade maior), de hoje como do amanhã.
4. As restrições urbanístico-ambientais, ao denotarem, a um só tempo,
interesse público e interesse privado, atrelados simbioticamente,
incorporam uma natureza propter rem no que se refere à sua relação
com o imóvel e aos seus efeitos sobre os não-contratantes, uma
verdadeira estipulação em favor de terceiros (individual e coletivamente
falando), sem que os proprietários-sucessores e o próprio empreendedor
imobiliário original percam o poder e a legitimidade de fazer respeitá-las.
Nelas, a sábia e prudente voz contratual do passado é preservada, em
genuíno consenso intergeracional que antecipa os valores urbanístico-
ambientais do presente e veicula as expectativas imaginadas das gerações
vindouras.
[...]
6. Em decorrência do princípio da prevalência da lei sobre o negócio
jurídico privado, as restrições urbanístico-ambientais convencionais devem
estar em harmonia e ser compatíveis com os valores e exigências da
Constituição Federal, da Constituição Estadual e das normas
infraconstitucionais que regem o uso e a ocupação do solo urbano. [...]
9. A Administração não fica refém dos acordos "egoísticos" firmados pelos
loteadores, pois reserva para si um ius variandi, sob cuja égide as restrições
urbanístico-ambientais podem ser ampliadas ou, excepcionalmente,
afrouxadas.
10. O relaxamento, pela via legislativa, das restrições urbanístico-ambientais
convencionais, permitido na esteira do ius variandi de que é titular o Poder
Público, demanda, por ser absolutamente fora do comum, ampla e forte
motivação lastreada em clamoroso interesse público, postura incompatível
com a submissão do Administrador a necessidades casuísticas de
momento, interesses especulativos ou vantagens comerciais dos agentes
econômicos.
11. O exercício do ius variandi, para flexibilizar restrições urbanístico-
ambientais contratuais, haverá de respeitar o ato jurídico perfeito e o
licenciamento do empreendimento, pressuposto geral que, no Direito
52

Urbanístico, como no Direito Ambiental, é decorrência da crescente


escassez de espaços verdes e dilapidação da qualidade de vida nas
cidades. Por isso mesmo, submete-se ao princípio da não-regressão (ou,
por outra terminologia, princípio da proibição de retrocesso), garantia de
que os avanços urbanístico-ambientais conquistados no passado não
serão diluídos, destruídos ou negados pela geração atual ou pelas
seguintes.
12. Além do abuso de direito, de ofensa ao interesse público ou
inconciliabilidade com a função social da propriedade, outros motivos
determinantes, sindicáveis judicialmente, para o afastamento, pela via
legislativa, das restrições urbanístico-ambientais podem ser enumerados: a)
a transformação do próprio caráter do direito de propriedade em questão
(quando o legislador, p. ex., por razões de ordem pública, proíbe certos
tipos de restrições), b) a modificação irrefutável, profunda e irreversível do
aspecto ou destinação do bairro ou região; c) o obsoletismo valorativo ou
técnico (surgimento de novos valores sociais ou de capacidade tecnológica
que desconstitui a necessidade e a legitimidade do ônus), e d) a perda do
benefício prático ou substantivo da restrição.
[...]
14. A regra da maior restrição (ou, para usar a expressão da Lei Lehmann,
restrições "supletivas da legislação pertinente") é de amplo conhecimento
do mercado imobiliário, já que, sobretudo no Estado de São Paulo, foi
reiteradamente prestigiada em inúmeros precedentes da Corregedoria-
Geral de Justiça, em processos administrativos relativos a Cartórios
de Imóveis, além de julgados proferidos na jurisdição contenciosa.
[...]
17. Condenará a ordem jurídica à desmoralização e ao descrédito o juiz
que legitimar o rompimento odioso e desarrazoado do princípio da
isonomia, ao admitir que restrições urbanístico-ambientais, legais ou
convencionais, valham para todos, à exceção de uns poucos
privilegiados ou mais espertos. O descompasso entre o comportamento
de milhares de pessoas cumpridoras de seus deveres e responsabilidades
sociais e a astúcia especulativa de alguns basta para afastar qualquer
pretensão de boa-fé objetiva ou de ação inocente.
18. O Judiciário não desenha, constrói ou administra cidades, o que
não quer dizer que nada possa fazer em seu favor. Nenhum juiz, por
maior que seja seu interesse, conhecimento ou habilidade nas artes do
planejamento urbano, da arquitetura e do paisagismo, reservará para si
algo além do que o simples papel de engenheiro do discurso jurídico.
E, sabemos, cidades não se erguem, nem evoluem, à custa de
palavras. Mas palavras ditas por juízes podem, sim, estimular a
destruição ou legitimar a conservação, referendar a especulação ou
garantir a qualidade urbanístico-ambiental, consolidar erros do
passado, repeti-los no presente, ou viabilizar um futuro sustentável.
[…]
(grifos nossos)

Desta feita, quanto mais os habitantes reclamarem seus direitos de ordem


urbanística, e o Poder Judiciário aplicar as normas pertinentes, maior será a
popularização deste ramo, e consequentemente será cada vez mais executado pelo
Poder Público, através de políticas públicas visando o ordenamento, zoneamento da
cidade e distribuição dos bens e serviços públicos, para que estejam ao alcance de
todos os habitantes, presentes e futuros.
53

2.5 Atribuição para fiscalizar e demais providencias judiciais

O Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos Municípios e cidadãos


(2005, p. 31) elucida que “a possibilidades do uso desses instrumentos pelos
Municípios de forma a contrariar as diretrizes gerais da política urbana poderá ser
questionada até mesmo por via judicial, em razão do pleno desrespeito à lei federal
de desenvolvimento urbano e às normas constitucionais da política urbana”
A MP 2.180-35/01 incluiu no art. 1o da lei 7.347/85, a Lei da Ação Civil
Pública, o direito urbanístico como matéria que objeto dessa Ação:
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação
popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais
causados:

l - ao meio-ambiente;
ll - ao consumidor;
III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico;
IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
V - por infração da ordem econômica;
VI - à ordem urbanística. (grifo nosso)

Mister se faz necessário, colacionar qual a possibilidade jurídica da Ação


Popular, conforme o incerto no art. 5o, LXXIII:
Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a
anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado
participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio
histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de
custas judiciais e do ônus da sucumbência

Nessa disciplina jurídica, vários autores participam dos conflitos oriundos da


vida em sociedade, tais como o Poder Público, os proprietários do solo, os terceiros
vizinhos, os construtores, as associações de defesa, os elaboradores de projeto,
dentre outros. Para apaziguar esses conflitos, mister se faz emergir mecanismos de
consenso, acordo e também harmonia, na qual os interessados poderão expor suas
opiniões e buscar o melhor denominador comum para a coletividade.
54

3 DIREITOS FUNDAMENTAIS

3.1 Conceito, classificações e destinatários

A CF/88 tratou de cuidar especialmente dos Direitos Fundamentais,


destinando a eles um título próprio, Dos Direitos e Garantias Fundamentais (II),
subdividido em 5 capítulos, a saber, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos
(I), Dos Direitos Sociais (II), Da Nacionalidade (III), Dos Direitos Políticos (IV) e Dos
Partidos Políticos (V).
Neste trabalho há pertinência em relação aos capítulos I e II, pois, como
viemos demonstrando, a matéria urbanística tem estrita relação com o direito à vida,
em seu desdobramento quanto à dignidade.
Cumpre, então, trazer à baila alguns conceitos.
Conforme Araujo e Nunes (2008, p. 110) “os Direitos Fundamentais
constituem uma categoria jurídica, constitucionalmente erigida e vocacionada à
proteção da dignidade humana em todas as dimensões”, possuindo natureza
poliédrica, eis que resguarda o homem em sua liberdade, necessidades e
preservação, explicando:
[...] esses níveis de proteção do individuo constituem produto de conquistas
humanitárias que, passo a passo, foram sendo reconhecidas pelos
ordenamentos jurídicos dos diversos países.

Os Direitos fundamentais tratam-se de conquistas, pois referimo-nos às suas


4 gerações/dimensões, que são explicadas por Lenza (2010, p. 740) como sendo de
1a geração aqueles quanto às liberdades públicas e aos direitos políticos, traduzindo
o valor de liberdade, de 2a geração aqueles quanto aos direitos sociais, culturais e
econômicos, traduzindo o valor de igualdade, de 3 a geração aqueles referentes ao
ser humano enquanto inserido em uma coletividade, por exemplo, preservacionismo
ambiental e proteção ao consumidor, traduzindo o valor de solidariedade, e por fim,
o de 4a geração referentes à engenharia genética, que atribui à Norberto Bobbio.
Denota-se que o Direito Urbanístico está inserido nos direitos fundamentais
de 3a geração.
Araujo e Nunes (2008, p. 112) os classifica sob três perspectivas, o “enfoque
conteudístico”, o “enfoque jurídico positivo” e o “enfoque evolutivo cumulativo”.
Sob o “enfoque conteudístico” os direitos fundamentais podem ser protetivos
55

da liberdade, do indivíduo diante das necessidades materiais ou da preservação do


ser humano. Denotando-se que o Direito Urbanístico é protetivo da preservação do
ser humano.
Sob o “enfoque jurídico positivo”, sua especificação coincide com os capítulos
I a V do Titulo II da CF/88, acima arrolados.
Dessa perspectiva cumpre salientar que entende-se por direito individual,
direito coletivo e direito social, respectivamente:
As cláusulas constitucionais destinadas à limitação do Estado

Os transindividuais e indivisíveis de que são titulares pessoas


indeterminadas ligadas por circunstâncias de fato (difusos) ou grupo,
categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por
uma relação jurídica base (coletivo em sentido estrito), ou ainda os
provenientes de origem comum (individuais homogêneos, tidos como
formalmente coletivos) [...] alude ainda aos chamados direitos de exercício
coletivo, a saber: os direitos de associação e reunião

Art. 6º, CF/88: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o


trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição

Por fim, sob o “enfoque evolutivo cumulativo” os direitos fundamentais


pertencem às três gerações/dimensões, já explicadas da perspectiva de Lenza.
Quanto à destinação dos direitos fundamentais, não há dúvidas, pela
interpretação sistemática e finalística da CF/88, de que são voltados à proteção de
todos os indivíduos, independentemente de sua nacionalidade ou situação no Brasil:
Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

Resta tecer algumas considerações quanto as suas características.

3.2 Características intrínsecas e extrínsecas

Araujo e Nunes (2008, p. 118) e Lenza (2010, p. 742) afirmam que, por serem
uma categoria jurídica, denominar um direito como fundamental traz consigo um rol
de características, forjando um traço unificador entre eles. São 6 as suas
características intrínsecas, historicidade, autogeneratividade, universalidade,
limitabilidade, irrenunciabilidade e concorrência.
Ainda, Araujo e Nunes (2008, p. 126) também ensinam que o regime jurídico
peculiar de proteção que a CF/88 confere a esses direitos os distingue de quaisquer
56

outros, sendo eles, a rigidez constitucional (processo de modificação gravoso e


inoculação de um dever de compatibilidade vertical de todas as normas
infraconstitucionais), normas pétreas (art. 60, §4o, IV) e a aplicabilidade imediata de
seus preceitos (art. 5o, §1o).

3.3 Planejamento urbano e Direitos Fundamentais

Assim como ensinado por Lenza (2010, p. 739), o Supremo Tribunal Federal
(STF) corroborou com a doutrina mais atualizada, onde os direitos e deveres
individuais e coletivos não se restringem ao art. 5 o da CF/88, podendo ser
encontrados ao longo do texto constitucional, expressos ou decorrentes do regime e
dos princípios adotados por ela, ou, ainda, decorrentes dos tratados e convenções
internacionais de que o Brasil seja parte, conforme art. 5o, §2o, CF/88:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição;
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei; [...]
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por
necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante
justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos
nesta Constituição; [...]
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que
vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o
Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-
fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; [...]

§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm


aplicação imediata.

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não


excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte. [...]
(grifos nossos)

Destaca-se deste imenso rol de direitos fundamentais o caput e os incisos


XXII, XXIII, XXIV, LXXIII e o §2º, eis que, pertinentes ao Direito Urbanístico, pois,
tratam do direito à vida em seu desdobramento da dignidade, garantindo-se às
necessidades vitais básicas do ser humano, bem como, do direito à propriedade e a
sua função social, abrangendo hipótese de desapropriação do imóvel, cabendo
57

então, Ação Popular em caso de lesividade ao meio urbano, eis que, seu conceito
também foi englobado pelo conceito de meio ambiente.
No entanto, o Direito Urbanístico não se limita aos direitos fundamentais tidos
como individuais e coletivos, podendo também ser encontrado no rol dos chamados
direitos sociais, nos termos do art. 6o da CF/88.
Conforme Lenza (2010, p. 838) o capítulo quanto aos direitos sociais “trata-se
de desdobramento da perspectiva de um Estado Social de Direito [...]”, dessa forma,
estes Direitos Sociais são tidos como de 2a geração/dimensão, tendentes a
“concretizar a perspectiva de uma isonomia substancial e social na busca de
melhores e adequadas condições de vida, estando, ainda, consagrados como
fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1o, IV, da CF/88)”.
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,
a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.

Em um processo de crescimento desordenado urbano, pode-se dizer que há


também, um processo de ilegalidade urbana. É o que adverte Grupenmacher e
Busquets apud Silva e Santos (2007, p. 9):
Vislumbra-se uma inversão de valores, onde o principio da função social da
propriedade está sendo utilizado pela coletividade/sociedade por meios
antijurídicos, a exemplo das invasões, onde a população de baixo poder
aquisitivo busca através de atos alcançar a função social da propriedade,
principio constitucional amplamente conhecido e que devido ao
funcionamento anormal de instituições não se implementa.

Outra questão preocupante é a violência urbana que vem aumentando a cada


dia, que nada mais é do que uma conseqüência desse quadro caótico que se
instalou nas cidades brasileiras nas últimas décadas.
Por isso, o direito urbanístico é um importante instrumento para conter esse
descompasso verificado, para que o homem não se veja engolfado pela civilização
caótica que se aproxima e nesse sentido é que se clama por políticas públicas
urbanísticas.
Segundo Silva (2000) é por meio das políticas públicas que o direito
urbanístico se concretiza, tendo como meta e objetivo a sustentabilidade urbana,
constituindo instrumentos de ação governamental.
Conforme Bucci (2002, p. 241) ação governamental visa coordenar os meios
à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos
socialmente relevantes e politicamente determinados.
58

4 CONCLUSÃO

Com o processo maçante de urbanização que aconteceu em meados do


século XIX, em consequência da industrialização pós-guerra mundial, paralelamente
surgiram problemas sociais urbanos, já que o crescimento desordenado da cidade
fez com que ela não suportasse as demandas que a população necessitava.
Essa urbanização se deu em um processo de degradação ambiental e
aviltamento da dignidade humana, desprovido de aparato jurídico adequado e da
implementação de políticas públicas.
Habitação irregular, exclusão social, acúmulo de resíduos sólidos, enchentes,
poluição visual e sonora, engarrafamentos no trânsito, falta de acesso à bens e
serviços públicos, são exemplos de problemas urbanas recorrentes em todo o país.
É neste âmbito que arquitetos, engenheiros, sociólogos e sanitaristas são
cada vez mais solicitados a prestarem seu serviço em busca de soluções, porém, a
ciência que mais recentemente veio se preocupar da questão de ordem urbana foi a
jurídica, através do Direito Urbanístico.
Segundo José Afonso da Silva, considerado o jurista pioneiro deste ramo, o
remédio para os males da urbanização é a urbanificação, ou seja, o re-ordenamento
da cidade.
Seus princípios fundamentais, a função social da propriedade e da cidade, a
obrigatoriedade do planejamento participativo, a justa distribuição dos ônus e
benefícios decorrentes do processo de urbanização, coesão dinâmica e a
subsidiariedade, conferem aos Municípios novas possibilidades e oportunidades de
gestão e financiamento de seu desenvolvimento.
Neste sentido, a CF/88, pela primeira vez em nosso país, em consequência
da luta do Movimento Nacional da Reforma Urbana, destinou capítulo específico ao
planejamento urbano, composto pelos arts. 182 e 183, inseridos no título a respeito
da ordem econômica e financeira, com o fim de assegurar o bem-estar dos
habitantes das cidades.
Porém, além do capítulo específico há no texto constitucional outras normas
referentes ao planejamento urbano (art. 21, IX, XX, 22, II, 23, VI, IX, X, XII, 24, I, 25,
§3º, 30, I, II, IV, V, VIII, 182 e 183), a função social da propriedade imobiliária (5 o,
XXIII, 170, 182, §2o) e o reconhecimento da autonomia jurídica do Direito Urbanístico
(art. 24, I).
59

Já em âmbito infraconstitucional, destaca-se a Lei no 10.257/01, o


denominado Estatuto da Cidade, que entrou em vigor desde 10 de outubro de 2001,
e contém as diretrizes gerais de ordenamento urbano, os instrumentos da política
urbana, previsão quanto ao plano diretor e a gestão democrática da cidade e
disposições gerais.
Dessa forma, instaurou-se no Brasil uma Política Nacional de Planejamento
Urbano, integrante de um Sistema Nacional de Planejamento Urbano, juntamente
com o Ministério das Cidades.
Observa-se que, com o fim de ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182, CF/88), o
Direito Urbanístico relaciona-se intimamente com os Direitos Fundamentais,
principalmente com o da vida digna, sendo que essas funções sociais coincidem
com direitos individuais (art. 5o, CF/88) e sociais (art. 6o, CF/88).
Para ser justa a cidade deve garantir e assegurar direitos e obrigações a
todos independentemente de onde se encontrem no espaço urbano ou na estrutura
da sociedade.
Identificou-se neste estudo as funções sociais da cidade a partir das Cartas
de Atenas e do art. 39 do Estatuto da Cidade, convencionando-se que as funções
urbanísticas são habitação, trabalho, circulação, recreação, cidade para todos,
participação efetiva, contato humano, continuidade das vocações da cidade, novas
tecnologias, sustentabilidade do meio ambiente, combinação de aspectos físicos
com os sociais e econômicos, gestão do trafego de forma a garantir a mobilidade e
acessibilidade, variedade e diversidade com o abandono das grandes zonas de uso
mono funcionais e saúde e segurança, incorporando medidas de proteção contra as
catástrofes naturais, criminalidade e conflitos sociais, concluindo-se que tem-se uma
norma constitucional aberta.
Conclui-se que, através do Direito Urbanístico, tutelando-se o direito
à cidade sustentável e buscando suas funções sociais, cuida-se do direito à vida,
matriz de todos os direitos fundamentais, e ao lhe conferir efetividade resguarda-se
todo o plexo de direitos e garantias fundamentais, pois não há existência digna no
meio urbano desordenado e injusto.
60

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