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Um artigo analítico
por
Iago Filipi Maia Silva
Dramaturgia
O filme Terra em Transe tem uma linha narrativa que divaga bastante da forma
clássica de fazer cinema, mas que conversa diretamente com o movimento artístico
e literário da época. O apelo aos textos poéticos talvez seja a maior característica
da impressão desse movimento na forma de fazer cinema. No filme, não se busca o
realismo da cena e sim sua dramaticidade. Isso é notado em diversos aspectos da
produção, como a fotografia que tem uma liberdade enorme para construir a cena e
acaba optando por usar pontos de visão não convencionais; a falta de elementos
sonoros para tornar a cena mais real; a interação do corpo dos personagens; a
escolha das locações; a música presente; a ausência de ambientação e a duração
dos planos. Tudo é construído para mostrar outra forma de fazer cinema e como os
recursos, ou a falta deles, podem ser úteis para o entendimento do espectador.
A construção dos personagens é feita a partir do ponto de vista de um escritor
e a história é feita através de flashbacks. É clara a identidade que o diretor Glauber
Rocha imprime no filme na construção dos personagens e da narrativa. Nas suas
histórias, ele sempre se utiliza de algum tipo de luta e quebra com os padrões e,
também, revela a sua inquietude e interesse em relação à política do Brasil.
No filme, o personagem principal Paulo Martins é um jornalista ligado ao
partido conservador e poeta do país fictício Eldorado e após uma desilusão política,
ele viaja até a província de Alecrim e passa a apoiar o vereador Vieira na sua
candidatura a governador. Vieira é um personagem que, embora oposicionista do
regime vigente, não se encaixava em nenhum lugar do espectro político. Após
eleito, ele trai sua agenda e descumpre suas promessas de campanha, visando ficar
do lado dos poderosos proprietários de terra. As atitudes de seu regime estavam
indo de total conflito com os interesses da população e isso fez Paulo se revoltar
contra ele, que volta para a capital de Eldorado para se utilizar da mídia contra os
políticos corruptos, plano que também não funciona tão bem, despertando mais
ainda a vontade de revolução do protagonista. Esse apreço por representar um
personagem com sede de mudança e revolta social em plena década de 60, com a
ditadura iniciando no Brasil, mostra a característica do diretor em relação às
ideologias abordadas.
O filme não se preocupa tanto com a cronologia em que as coisas acontecem e
nem em quanto tempo e espaço cada cena pode existir. Esse detalhe imprime a
estética escolhida para o filme, visto o diretor queria passar a idéia de transe com
uma história que é bem mais literária que cinematográfica, deixando a lógica um
pouco de lado. A organização não-linear da história implica em uma outra maneira
de se entender o cinema. Como o filme é narrado pelo próprio Paulo, a sequência
dos fatos se preocupa mais em mostrar o seu estado emocional diante das
situações que aconteceram. Isso guia a continuidade das cenas, visto que as vezes
os personagens mudam até de locação de um corte para outro. Tudo serve para
representar esse fluxo de pensamentos do escritor. O diretor não estava
preocupado em imprimir uma continuidade perfeita e invisível, mas sim algo mais
confuso e complexo, como a mente de um poeta.
A existência de um triângulo amoroso na vida de Paulo também revela pontos
fortes de sua personalidade e mostra duas personagens muito influentes na sua
vida, mas que seguem um modelo moralista cristão da diferença entre a santa e a
promíscua. Entretanto, somente uma delas, Sara, é capaz de guiá-lo por ser uma
mulher engajada e devido sua integridade ética, mas ela não é capaz de conter os
instintos de Paulo, pois seu estilo de vida o leva a diferentes caminhos onde ele não
pode ficar preso a um objetivo só, pois sua vida se baseia em uma aventura
constante e um desejo de transformação da realidade. Isso faz com que ele recuse
a orientação de Sara. A outra mulher da vida do protagonista, Sílvia, é o oposto de
Sara. É representada como objeto no filme, como uma mulher sem voz.
A morte de Paulo mostra seu trágico final sozinho em meio a tiros e sirenes,
em uma paisagem árida, meio como a representação do fim do mundo. A
localização fictícia da história contribui para a dramaticidade da mesma, visto o caos
e o lamento que estava sempre presente na vida daqueles que viviam ali e o drama
se encerra com a tragédia e a denúncia daquela realidade distópica, mas que
apresenta diversos traços da realidade da época nas entrelinhas da história,
Opacidade e Transparência
“Terra em Transe” também merece ser pensado pelo ponto de vista moral. A
escolha da fotografia, dos movimentos de câmera dentro de uma cena, do tema, da
exposição da vida de várias pessoas, inclusive da comunidade pobre que estava
sendo expulsa das próprias terras, a revolta do povo e a retaliação por parte dos
militares e políticos são assuntos que falam bastante sobre a questão moral de se
fazer cinema. Perguntas como “o que se deve passar na tela para contar uma
história?” são cruciais para o levantamento moral do filme. A escolha por uma
estética não convencional faz com que as possibilidades cinematográficas se
alterem e passem a cruzar ou não a linha moral do que se abordar ou não.
Glauber Rocha tem por característica própria fazer filmes que se aproximam
dessa linha, por se tratar de temas, geralmente, de cunho social e político. A forma
como ele dirige o filme e transmite uma história faz com que ele seja alvo de críticas
por todo mundo. Não é a toa que o filme foi censurado e foi impedido de representar
o Brasil no Festival de Cannes, embora ele tenha sido indicado e premiado pelo
próprio festival mais tarde. A história conta uma realidade distópica, mas em meio
ao “transe”, ele acaba por alfinetar várias camadas da sociedade, tanto o governo e
as elites, como a oposição e as classes mais pobres.
A ultra exposição da pobreza e dos problemas sociais traz à tona a discussão
sobre a moral passada pela história. A quantidade de pontos de visão, por parte da
fotografia, de determinadas cenas fazem com que cineastas, estudiosos e o próprio
público se pergunte se é realmente necessária aquela estilização para contar algo
ou se é uma decisão puramente estética. De qualquer modo, o filme apela para uma
fotografia e um fluxo de imagens bem intimistas, que por hora adentram a fundo a
sensibilidade e os sentimentos dos personagens e, em outra hora, se mostra bem
distante, mostrando o lugar e a realidade plástica de lá.
Bibliografia
https://www.rottentomatoes.com/m/entranced_earth
https://www.academia.edu/36818118/Entranced_Earth_1967_and_Glauber_Rocha_
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https://www.academia.edu/39118499/O_DISCURSO_CINEMATOGR%C3%81FICO
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https://docplayer.com.br/85929536-Travelling-e-uma-questao-moral-a-filosofia-do-ci
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https://revistacult.uol.com.br/home/analise-terra-em-transe/