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À Tetê Espíndola.
Rasgando a cena, um típico Ser Humano rasga a cena. Traja roupas de trabalhos de
cidade, que o sufoca. Debate-se desesperadamente contra sua vestimenta que o
enforca, livrando-se duramente delas. Livre de panos, procura misturar-se a natureza
arrancando as raízes do chão e cobrindo-se de terra. Acalma-se durante o processo,
tornando-se pouco a pouco parte do ambiente. Após a transformação, caminha para
sua mala de trabalho e a abre, tirando uma saia, flores, galhos, folhas e outros órgãos
verdes. Constrói-se a partir disso, aos olhos do público, em Kaipora. Durante esse
processo, seu corpo adquire cada vez mais a figura do Ser Bicho. Cantos de pássaros
lhe saltam da garganta, completando o nascimento da Kaipora.
KAIPORA
Volta a saltitar como pássaro pelo espaço, fazendo ruídos. O movimento de cena
encera com um silvo estridente.
KAIPORA
Eu gosto das histórias de gente que é mais bicho do que gente. Os bichos-gentes nascem
com os ouvidos atentos aos gritos das matas. Ignoram buzinas e ouvem em meio à selva
de pedras, os pios dos pássaros.
Essa é a história de um homem que virou passarinho.
KAIPORA
(com a voz grave)
Cansado do fardo de ser homem
nasceram-me, a duras penas,
um par de asas.
Não demorou para que eu estivesse
dentro de uma gaiola,
os olhos furados
para cantar a dor.
Não experimentei nem sequer a liberdade do vôo.
O HOMEM PÁSSARO
Fim da cena. Aguarda um tempo em silêncio. Se não houver aplausos, levanta-se ator,
despojando-se de qualquer personagem e agradece o público. Sai de cena.