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por
John R. de Witt
Os cristãos, em todas as partes do mundo, estão celebrando este ano [1995] o 350º
aniversário da convocação do Sínodo de Dort. Para a maioria das pessoas o nome
nem é mesmo familiar, talvez por ter alguma relação com o rio Maas e a
provinciana cidade holandesa de Dort. Na mente daqueles que já o ouviram,
muito freqüentemente o que restou é algo do ódio há tanto relacionado com o
Sínodo, em razão das calúnias de seus inimigos. Não obstante, quando a Reforma
era ainda jovem e os homens amavam ardentemente as doutrinas da graça, o
nome de Dort era famoso em todo o mundo protestante. William Cunningham
vai longe em dizer: “O Sínodo de Dort, representando quase todas as igrejas
reformadas, e contendo uma grande proporção dos teólogos do mais alto nível,
erudição e caráter, tem direito a maior medida de respeito e deferência do que
qualquer outro concílio registrado na história da Igreja” [Os Reformadores e a
Teologia da Reforma, p. 367]. Isto é de fato um grande elogio! Mas há muitos
grandes nomes na história que em algum tempo significaram muito, mas que
agora não têm nenhum significado prático. Então, alguém poderia perguntar por
que deveríamos estar preocupados com uma assembléia eclesiástica esquecida
pela maioria dos homens há tanto tempo, e que, à primeira vista, parece não ter
qualquer significado contemporâneo?
Arminius morreu em 1609 em meio à controvérsia, mas seu manto logo foi
tomado por Johannes Uytenbogaert, o pregador da corte, e Simon Episcopus, seu
sucessor na universidade. Sob a liderança deles os arminianos, em 1610,
prepararam uma representação (Remonstrance) [desde então passaram a ser
chamados de os remonstrantes] na qual em princípio rejeitavam certas posições
defendidas pelos calvinistas. Esta representação era formulada de tal maneira
que oferecia mais uma caricatura do que uma representação correta da doutrina
reformada; e prosseguiam asseverando em cinco posições [os cinco artigos do
arminianismo] seus próprios pontos de vista; i.é, eleição condicional à presciência
da fé; expiação universal [que Cristo “morreu por todos e por cada um, de forma
que ele concedeu reconciliação e perdão de pecados a todos através da morte na
cruz”]; a necessidade de regeneração para que o homem seja salvo [mas, como
apareceu mais tarde, entendido de tal maneira que subestimava seriamente a
depravação da natureza humana]; a resistibilidade da graça [“mas quanto ao
modo desta graça, ela não é irresistível”]; e a incerteza da perseverança dos
crentes. Os calvinistas responderam com a contra-remonstrance [desde então o
nome contra-remonstrantes] com sete artigos reafirmando o ensinamento das
confissões reformadas com respeito à doutrina da graça. A conferência teve lugar
em Hague em 1611, mas não chegou a nenhuma acordo.
Quanto à perseguição, deveria ser lembrado que a Igreja Holandesa estava sujeita
a duas ordens confessionais: a Confissão Belga e o Catecismo de Heidelberg. Os
arminianos, dessa forma, enquanto que sujeitos aos votos destas declarações da
fé reformada, estavam advogando a subversão delas. E foram eles, nota bene, nos
anos anteriores ao Sínodo provaram ser intolerantes com os homens, com
respeito ao apoio às doutrinas da Igreja. Em muitas ocasiões ministros depostos
pela Igreja por heresia eram mantidos no cargo pelos magistrados; e os ministros
fiéis apoiados pela Igreja eram depostos por eles. Na verdade, os calvinistas eram
privados do uso de edifícios, postos à parte, como seu próprio local de culto, e
forçados a se reunirem onde quer que pudessem, e nem assim eram deixados em
paz. Destarte a acusação de perseguição pôde escassamente ser feita, com justiça,
pelos remonstrantes pois eles mesmos, quando podiam, se favoreciam dela. O
resultado de Dort não foi a supressão de todas as religiões com exceção da
reformada. Diferentemente de outros países da Europa, a Holanda já era o lar de
pessoas oprimidas. Em 1609, os Pais Peregrinos tomaram o rumo de Leiden, e
luteranos, anabatistas e mesmo católicos romanos eram tolerados, embora que
confinados a locais privativos a seu próprio culto. É verdade que, após o Sínodo
ter-se reunido, muitos pregadores que não se adequaram foram depostos. É
verdade também que mesmo no Sínodo os arminianos eram tratados não como
iguais – se bem que tivessem a pretensão de serem uma espécie de contra-sínodo
– mas como aqueles que foram convocados para prestarem contas de si mesmos
e para serem julgados. Mas isso nada tem a ver com a questão da tolerância como
tal; é antes a questão de se a Igreja tem ou não o direito de obrigar sua própria
confissão de fé e insistir em sua prerrogativa de privar de seus cargos os que se
desviram daquela confissão e ensinavam o erro e não a verdade. A ação do
Sínodo era disciplinar, voltada para membros e oficiais da Igreja que se tinham
envolvido em heresias e tentaram mudar a confissão da Igreja, para ajustá-la às
suas próprias opiniões. Apenas aqueles que são por si mesmos cautelosos quanto
a adesão de estatutos confessionais, ou que já viveram sob perjúrio, havendo
prometido uma coisa apenas para crer em outra, questionaram o direito do
Sínodo de uma igreja de agir resolutamente em tais casos.
Qual é então a importância atual de Dort? É tão somente esta: o erro arminiano,
embora travestido sob um nome do século dezesseis, é tão antigo quanto o
homem e ressurge sempre e sempre, freqüentemente sob novas formas, até
mesmo com vestes evangélicas [como mesmo no caso de Arminius]. Encontra-se
agora entre aqueles que, embora professem doutrina bíblica, ainda insistem na
capacidade do homem de escolher a Deus por si mesmos. É também corrente, em
forma muito mais radical, entre um grande número de teólogos não-ortodoxos e
liberais que concentram seu raciocínio na antropologia e substituem a busca da
Reforma por um Deus gracioso, pela busca de um próximo gracioso. Encontra-
se onde quer que os homens não se sujeitem com humildade, obediência e fé ao
Deus das Escrituras e não atribuem a Ele, não apenas a iniciativa, mas também
todos os meios para o cumprimento da salvação em toda parte. A verdade
fundamental que Dort levantou bem alto é a verdade na qual a Reforma na linha
de Agostinho e mesmo a Palavra de Deus permanecem firmemente: Soli Deo
gloria!
Fonte: Jornal Os Puritanos (Ano III – No. 2 – Março/Abril – 1995), pp. 27-30.