Você está na página 1de 7

O Sínodo de Dort

por

John R. de Witt

Os cristãos, em todas as partes do mundo, estão celebrando este ano [1995] o 350º
aniversário da convocação do Sínodo de Dort. Para a maioria das pessoas o nome
nem é mesmo familiar, talvez por ter alguma relação com o rio Maas e a
provinciana cidade holandesa de Dort. Na mente daqueles que já o ouviram,
muito freqüentemente o que restou é algo do ódio há tanto relacionado com o
Sínodo, em razão das calúnias de seus inimigos. Não obstante, quando a Reforma
era ainda jovem e os homens amavam ardentemente as doutrinas da graça, o
nome de Dort era famoso em todo o mundo protestante. William Cunningham
vai longe em dizer: “O Sínodo de Dort, representando quase todas as igrejas
reformadas, e contendo uma grande proporção dos teólogos do mais alto nível,
erudição e caráter, tem direito a maior medida de respeito e deferência do que
qualquer outro concílio registrado na história da Igreja” [Os Reformadores e a
Teologia da Reforma, p. 367]. Isto é de fato um grande elogio! Mas há muitos
grandes nomes na história que em algum tempo significaram muito, mas que
agora não têm nenhum significado prático. Então, alguém poderia perguntar por
que deveríamos estar preocupados com uma assembléia eclesiástica esquecida
pela maioria dos homens há tanto tempo, e que, à primeira vista, parece não ter
qualquer significado contemporâneo?

Em primeiro lugar o Sínodo de Dort é de peculiar interesse histórico para a Grã-


Bretanha, pois – embora fosse principalmente um ajuntamento holandês – o rei
James I foi, na verdade, responsável em parte por sua existência! Nos anos
anteriores a 1618-19 ele somou sua forte influência a dos homens na Holanda que
clamavam pela convocação de um Sínodo nacional, para pôr fim às controvérsias
teológicas que estavam perturbando a paz, e mesmo pondo em risco a
sobrevivência dos Paises Baixos. Ainda mais, James escolheu vigorosamente os
representantes calvinistas contra os oponentes arminianos. E, quando um tal
Vortius, homem justamente suspeito como de opinião sociniana [unitarino], foi
indicado para susbstituir Arminius na Universidade de Leiden, após sua morte,
James notificou ao Estado Geral da Holanda que retiraria seu embaixador se
Vortius não fosse demitido imediatamente. O Eleitor do Palatinado era genro de
James e acrescentou sua própria influência à do rei inglês no clamor por um
Sínodo. Quando chegou o momento, James indicou cinco representantes para o
Sínodo, todos do partido episcopal, que, juntamente com outros teólogos
estrangeiros, teriam prerrogativas de participação nas deliberações do Sínodo
além do direito de voto. Eram eles George Carleton, então bispo de Llandaff e
posteriormente de Chichester; Joseph Hall, posterior e sucessivamente bispo de
Exeter e Norwich; John Davenant, depois bispo de Salisbury; Samuel Ward, o
celebrado erudito e mestre de Sidney Sussex College, Cambridge; e Walter
Balcahqual, um escocês, capelão do rei e depois deão de Rochester. Hall adoeceu
após alguns dias e ficou impossibilitado de dar continuidade às suas
responsabilidades, mas foi substituído por Thomas Goad, capelão do arcebispo
da Cantuária. É importante lembrar que estes homens não eram representantes
do partido puritano da Igreja da Inglaterra. O fato de que o bispo Carleton estar
preparado para participar como membro ordinário [embora respeita] de um
Sínodo convocado nos moldes da reforma e presidido por um mero presbítero,
diz muito sobre a posição do governo episcopal que prevalecia na Inglaterra, um
aspecto que seria em breve alterado radicalmente pela influência de homens
como William Laud com suas enfatuadas noções não-protestantes do direito
divino do episcopado. Também é significativo que todos estes ingleses, um
prelado e dois futuros prelados assinaram os Cânones do Sínodo de Dort. Era de
se esperar tal profissão de calvinismo dos herdeiros de Cartwright e Perkins;
todos sabem que eles faziam coro com seus companheiros do continente. Mas
aqueles clérigos, insuspeitos de puritanismo, são prova suficiente de que o
calvinismo continuava a ser a teologia predominante na Igreja da Inglaterra
durante o reinado de James I. Foi apenas sob o domínio de seu filho Charles I que
começou a triste decadência no fervor, e que mais tarde trouxe conseqüências
trágicas.

O Sínodo de Dort é também de grande importância por razões religiosas. “A


controvérsia arminiana”, escreveu Philip Schaff, “é a mais importante que
ocorreu dentro da Igreja Reformada”. Pode-se acrescentar que o sínodo que pôs
fim à controvérsia, definiu claramente assuntos que sempre perturbaram a Igreja
e continuam a perturbá-la ainda hoje. Para entender-se o que ocorreu nos Paises
Baixos, nas duas primeiras décadas do século dezessete, é necessário retroceder
até o próprio Arminius e à origem da luta associada ao seu nome. James
Arminius [latinizado de Jacob Hermanson] nasceu em 1560 e estudou em Leiden
e Genebra na gestão de Teodoro Beza, sucessor de Calvino. Em 1588 tornou-se
um dos ministros de Amsterdam, onde realmente começou o problema por causa
da sua pregação relacionada particularmente com a exposição de Romanos 7. Os
homens suspeitaram que ele estava saindo da confissão reformada, e houve
considerável agitação na cidade por causa disso. Em 1630 foi indicado como
professor de teologia em Leiden, em substituição ao célebre Franciscus Gomarus,
um dos grandes teólogos da época, e assim ficou claro que Arminius tinha sérias
objeções contra a doutrina da Igreja. Entretanto, agora, como antes em
Amsterdam, mesmo tendo jurado não contradizer em seus ensinamentos a
Confissão e aderir completamente a ela em suas lições públicas, dava, todavia,
instrução em particular a certos estudantes selecionados, falando mais
livremente de suas insatisfações e dúvidas. Seu sucesso em fazer prevalecer sobre
os jovens seu próprio ponto de vista cedo tornou-se evidente quando estes se
apresentaram ao exame dos Presbitérios para admissão no ministério.

Arminius morreu em 1609 em meio à controvérsia, mas seu manto logo foi
tomado por Johannes Uytenbogaert, o pregador da corte, e Simon Episcopus, seu
sucessor na universidade. Sob a liderança deles os arminianos, em 1610,
prepararam uma representação (Remonstrance) [desde então passaram a ser
chamados de os remonstrantes] na qual em princípio rejeitavam certas posições
defendidas pelos calvinistas. Esta representação era formulada de tal maneira
que oferecia mais uma caricatura do que uma representação correta da doutrina
reformada; e prosseguiam asseverando em cinco posições [os cinco artigos do
arminianismo] seus próprios pontos de vista; i.é, eleição condicional à presciência
da fé; expiação universal [que Cristo “morreu por todos e por cada um, de forma
que ele concedeu reconciliação e perdão de pecados a todos através da morte na
cruz”]; a necessidade de regeneração para que o homem seja salvo [mas, como
apareceu mais tarde, entendido de tal maneira que subestimava seriamente a
depravação da natureza humana]; a resistibilidade da graça [“mas quanto ao
modo desta graça, ela não é irresistível”]; e a incerteza da perseverança dos
crentes. Os calvinistas responderam com a contra-remonstrance [desde então o
nome contra-remonstrantes] com sete artigos reafirmando o ensinamento das
confissões reformadas com respeito à doutrina da graça. A conferência teve lugar
em Hague em 1611, mas não chegou a nenhuma acordo.

Os anos seguintes testemunharam a exacerbação da controvérsia, que agora se


espalhava velozmente pelo país e era marcada pela demanda crescente, da parte
dos calvinistas, da convocação de um sínodo geral para pôr fim à disputa.
Embora a Constituição da Igreja determinasse um Sínodo, no mínimo a cada três
anos, nenhum havia sido permitido desde 1586. John Van Olden Barneveldt,
Grande Pensionário da Holanda e o grande homem do momento, apoiava os
arminianos e era de posicionamento erastiano quanto à relação entre Igreja e o
Estado. Em seu ponto de vista e dos remonstrantes, que derivavam suas forças
de autoridades políticas, o magistrado civil exercia autoridade em assuntos
eclesiásticos. O príncipe Mauricio, filho de William, o Taciturno, e stadtholder
hereditário, permaneceu neutro até 1616, quando começou abertamente a tomar
o partido dos calvinistas e, nos idos do verão de 1617, estava participando
publicamente do culto com a congregação reformada da capital. No mesmo ano,
executou um bem sucedido golpe de estado contra Barneveldt e determinou,
finalmente, a convocação de um sínodo da igreja holandesa. Este entretanto foi
um sínodo único na história do protestantismo pois, pela pressão de James I,
teólogos estrangeiros foram convidados a participar. Convites foram enviados
para todas as igrejas reformadas da Europa, e realmente vieram delegados da
Inglaterra, do Palatinado, Hesse, Zurich, Berne, Basel, Schaffhausen, Genebra,
Bremen e Emden. A França não se fez representar. Os representantes designados,
Pierre du Moulin e André Rivet, dois dos teólogos mais célebres da época, foram
proibidos de deixar o país pelo rei da França. Mas assim mesmo, a Igreja
reformada francesa aprovou os Cânones de Dort e fê-los obrigatórios aos seus
ministros em dois sínodos gerais separados em 1620 e também em 1623. Nem a
Escócia foi incluída – muito estranho, desde que a igreja de John Knox pertencia
ao grupo reformado internacional. Mas, deve-se lembrar que o mesmo rei que
indicou os episcopais ingleses que participaram do Sínodo de Dort, estava, nestes
mesmos anos, engajado em submeter a igreja do norte, do seu reino, a um jugo
hierárquico completamente desprezível e indesejável; por isso a igreja escocesa
não ficou livre para participar.
Foi uma extraordinária assembléia. Um antigo escritor disse dela o seguinte: “os
membros deste sínodo formavam uma constelação dos melhores e mais eruditos
teólogos que já se congregaram num concílio desde a dispersão dos apóstolos;
salvo se excetuarmos a convocação imperial de Nicéia no quarto século”
[Biographia Evangélica II, p. 456]. O concílio incluía 56 ministros e presbíteros
regentes das igrejas holandesas, 5 professores de teologia e 26 teólogos
estrangeiros, além de 18 comissários políticos [não-membros do sínodo] que
iriam supervisionar o processo e dar informações ao Estado Geral. Para se avaliar
o peso da assembléia, basta citarem-se alguns nomes. Gomarus estava lá,
sucessivamente professor em Leiden, Saumur e agora em Groningen; Lubbertus,
de Franeker; Bogerman, o grande ministro de Leeuwaarden que estudou em
diversas universidades continentais e então em Oxford e Cambridge [sob
Reynolds e Perkins]; Diodati, o italiano que ensinava em Genebra; o jovem
Voetius, que não havia ainda iniciado a estupenda carreira acadêmica que o faria,
talvez, o mais influente teólogo da Europa; e Scultetus, Polyander, Lydius,
Alting, Hommius, Triglandius, Meyer. Podia-se prosseguir referindo-se mais e
mais nomes. Interessante é que o grande puritano William Ames, que por causa
de seus princípios fora constrangido a fugir da Inglaterra, foi designado por
Bogerman, presidente do sínodo, como seu secretário particular, para grande
descontentamento dos delegados ingleses. Ames exerceria considerável
influência nos bastidores.

O Sínodo começou em 13 de novembro, com culto solene em holandês na Grande


Igreja e em francês naquela que fora antes a igreja dos agostinianos. Após o que,
ocorreram as sessões, 154 ao todo, no Kloveniersdoelen, uma espécie de armazém
arsenal que era aquecido durante todo o inverno por uma grande lareira. Mas,
como proteção extra contra o frio e a umidade de que muitos se queixavam, cada
delegado recebeu um stoofje, um pequeno braseiro para ser colocado sob os pés.
O principal assunto em pauta era, é claro, a controvérsia arminiana, e treze dos
remonstrantes foram convocados diante do Sínodo para prestarem contas de
suas opiniões. Após alguma demora chegaram finalmente em 6 de dezembro, e
até 14 de janeiro o Sínodo engajou-se na vã tentativa de extrair deles uma
declaração clara de seus ensinamentos. Os arminianos – Episcopus à frente deles
como presidente de uma espécie de contra-sínodo – utilizaram de toda
engenhosidade para evitarem qualquer declaração deste tipo, exigiram que fosse
seguida sua própria pauta de assuntos em lugar da do Sínodo, praticaram
evasivas, táticas de retardamento e obstruções, caluniaram o Estado Geral
implicando até mesmo o próprio príncipe Mauricio, e rejeitaram a autoridade do
Sínodo em julgá-los; isto a despeito do fato de ser legalmente um Sínodo da Igreja
em que ocupavam cargos, à qual confessavam pertencer, e a cuja disciplina
estavam obrigados a se submeter em virtude de suas ordenanças e votos!

Após um mês de esforços infrutíferos para se prosseguir com o assunto em pauta,


tempo durante o qual Bogerman, o presidente, se conduziu com tal paciência e
calma contida, que alguns dos seus colegas a achavam excessiva, em face à
tamanha obstinação; não houve alternativa senão despedir Episcopus e seus
companheiros. Os historiadores acusam Bogerman por sua conduta no dia
fatídico de 14 de janeiro, quando por um momento pareceu ter perdido o auto-
controle, mas sua exasperação é compreensível. Referindo-se às distorções
deliberadas, e até mesmo falsidades com que os arminianos trataram o Sínodo,
ele vociferou: “Vocês estão sendo mandados embora. Vão! Começaram com
mentiras e terminaram com mentiras”. E uma vez mais gritou: “Ide! Ide!”. Após
este fato o trabalho prosseguiu, fazendo uso, agora, dos escritos e não dos
próprios remonstrantes, e o Sínodo formulou em cinco capítulos e noventa e três
artigos, os famosos Cânones de Dort, que foram assinados por todos os delegados
em 23 de abril e promulgados solenemente na Grande Igreja em 6 de maio de
1619, diante de numerosa congregação. Três dias mais tarde, após seis meses de
trabalho exaustivo, os teólogos estrangeiros partiram e os teólogos holandeses
permaneceram para 22 sessões adicionais devotadas, em sua maioria, à
preparação de uma nova liturgia e ordem eclesiásticas.

Falou-se muito sobre o “perseguidor sínodo de Dort” e houve muita distorção


propositada quanto a ele. Por isso, é que na Inglaterra uma versão dos Cânones
permaneceu amplamente em voga até 1804, versão esta que tinha o peculiar
pedigree de ter sido produzida por um tal de Daniel Tilenus, que era na verdade
um remonstrante. Esta versão que corria como uma “sinopse conveniente” era
na verdade uma corrupção deliberada dos Cânones. Afirma, por exemplo, que
Deus elegeu para salvação “um pequeno número de homens” e predestinou o
resto para condenação “sem qualquer consideração quanto à infidelidade e
impiedade deles”. Isto era simplesmente uma reprodução da caricatura
arminiana original da posição calvinista na Remonstrance de 1610. Os Cânones
não fazem na verdade tal afirmação quanto à pequenez do número dos eleitos,
exceto para rejeitar a acusação arminiana, para efeito de conclusão, e insiste em
estabelecer a conexão entre o decreto da reprovação e o fato do pecado e
desobediência do homem: quanto aos preteridos, “Deus (...) decretou deixá-los
na miséria comum na qual eles mesmos se precipitaram intencionalmente (...)
não apenas por causa de sua descrença, mas também por todos seus outros
pecados” [I.7,15].

Quanto à perseguição, deveria ser lembrado que a Igreja Holandesa estava sujeita
a duas ordens confessionais: a Confissão Belga e o Catecismo de Heidelberg. Os
arminianos, dessa forma, enquanto que sujeitos aos votos destas declarações da
fé reformada, estavam advogando a subversão delas. E foram eles, nota bene, nos
anos anteriores ao Sínodo provaram ser intolerantes com os homens, com
respeito ao apoio às doutrinas da Igreja. Em muitas ocasiões ministros depostos
pela Igreja por heresia eram mantidos no cargo pelos magistrados; e os ministros
fiéis apoiados pela Igreja eram depostos por eles. Na verdade, os calvinistas eram
privados do uso de edifícios, postos à parte, como seu próprio local de culto, e
forçados a se reunirem onde quer que pudessem, e nem assim eram deixados em
paz. Destarte a acusação de perseguição pôde escassamente ser feita, com justiça,
pelos remonstrantes pois eles mesmos, quando podiam, se favoreciam dela. O
resultado de Dort não foi a supressão de todas as religiões com exceção da
reformada. Diferentemente de outros países da Europa, a Holanda já era o lar de
pessoas oprimidas. Em 1609, os Pais Peregrinos tomaram o rumo de Leiden, e
luteranos, anabatistas e mesmo católicos romanos eram tolerados, embora que
confinados a locais privativos a seu próprio culto. É verdade que, após o Sínodo
ter-se reunido, muitos pregadores que não se adequaram foram depostos. É
verdade também que mesmo no Sínodo os arminianos eram tratados não como
iguais – se bem que tivessem a pretensão de serem uma espécie de contra-sínodo
– mas como aqueles que foram convocados para prestarem contas de si mesmos
e para serem julgados. Mas isso nada tem a ver com a questão da tolerância como
tal; é antes a questão de se a Igreja tem ou não o direito de obrigar sua própria
confissão de fé e insistir em sua prerrogativa de privar de seus cargos os que se
desviram daquela confissão e ensinavam o erro e não a verdade. A ação do
Sínodo era disciplinar, voltada para membros e oficiais da Igreja que se tinham
envolvido em heresias e tentaram mudar a confissão da Igreja, para ajustá-la às
suas próprias opiniões. Apenas aqueles que são por si mesmos cautelosos quanto
a adesão de estatutos confessionais, ou que já viveram sob perjúrio, havendo
prometido uma coisa apenas para crer em outra, questionaram o direito do
Sínodo de uma igreja de agir resolutamente em tais casos.

É impossível aqui aprofundarmo-nos nas questões teológicas inerentes à


controvérsia arminiana. Para isso os leitores devem recorrer ao volume
recentemente publicado pela Reformed Fellowship, de Grand Rapids, e editado
pelo Dr. P. Y. de Jong, sob o título Crisis in the Reformed Churches (Crise nas
Igrejas Reformadas), e também à magistral discussão de William Cunningham
no volume II de sua Historical Theology (Teologia Histórica). A comtrovérsia
dizia respeito às diferentes conceituações do homem e de Deus. Os arminianos
representavam o reavivamento das doutrinas semi-pelagianas que havia tanto
tempo flagelado a Igreja cristã. Embora o próprio Arminius não fosse um não-
evangélico, entretanto a história subseqüente do movimento demonstra
claramente que, quando a queda e suas conseqüências totais para o ser humano
como um todo não é levada suficientemente a sério, e quando a salvação não é
compreendida como total e completamente pela graça divina, então o resultado
é inevitavelmente o racionalismo e coisa pior. Os teólogos de Dort não estavam,
em primeiro lugar, preocupados com questões escolásticas não relacionadas com
a vida. Para eles a controvérsia não era acadêmica em nenhum sentido. Era
prática em último caso à vista deles, como na era de Atanásio, mil e duzentos
anos antes em sua luta contra o arianismo, o problema principal era mesmo a
salvação. Se os arminianos tivessem prevalecido e suas doutrinas introduzidas
na Igreja, o resultado final seria destrutivo para a doutrina cristã da salvação. A
partir dos Cânones – o caráter incondicional e gracioso da eleição; a expiação de
Cristo limitada em seu desígnio e amplitude; a depravação total do homem; a
graça irresistível; e a perseverança dos santos – foram todos, em resposta aos
cinco artigos da remonstrance, com a intenção de estabelecer clara e
inequivocamente o absoluto e gracioso caráter da salvação que “não depende de
quem quer, ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia” (Rm 9.16).

Qual é então a importância atual de Dort? É tão somente esta: o erro arminiano,
embora travestido sob um nome do século dezesseis, é tão antigo quanto o
homem e ressurge sempre e sempre, freqüentemente sob novas formas, até
mesmo com vestes evangélicas [como mesmo no caso de Arminius]. Encontra-se
agora entre aqueles que, embora professem doutrina bíblica, ainda insistem na
capacidade do homem de escolher a Deus por si mesmos. É também corrente, em
forma muito mais radical, entre um grande número de teólogos não-ortodoxos e
liberais que concentram seu raciocínio na antropologia e substituem a busca da
Reforma por um Deus gracioso, pela busca de um próximo gracioso. Encontra-
se onde quer que os homens não se sujeitem com humildade, obediência e fé ao
Deus das Escrituras e não atribuem a Ele, não apenas a iniciativa, mas também
todos os meios para o cumprimento da salvação em toda parte. A verdade
fundamental que Dort levantou bem alto é a verdade na qual a Reforma na linha
de Agostinho e mesmo a Palavra de Deus permanecem firmemente: Soli Deo
gloria!

Fonte: Jornal Os Puritanos (Ano III – No. 2 – Março/Abril – 1995), pp. 27-30.

Você também pode gostar