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DirEiTo PENAL
2015
ISBN 978-85-02-63541-8
Rua Henrique Schaumann, 270, Cerqueira César – São Paulo – SP
CEP 05413-909
PABX: (11) 3613 3000
SAC: 0800 011 7875
De 2ª a 6ª, das 8:30 às 19:30 Direito penal : parte geral / obra coletiva de autoria
www.editorasaraiva.com.br/contato da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia
e Thaís de Camargo Rodrigues. – São Paulo : Saraiva,
2015.
Direção editorial Luiz Roberto Curia
Gerência editorial Thaís de Camargo Rodrigues 1. Direito penal 2. Direito penal - Brasil I. Curia, Luiz
Roberto. II. Rodrigues, Thaís de Camargo. III. Título.
Coordenação geral Clarissa Boraschi Maria
Preparação de originais Maria Izabel Barreiros Bitencourt Bressan e CDU-343 (81)
Ana Cristina Garcia (coords.)
Willians Calazans de Vasconcelos de Melo Índice para catálogo sistemático:
Projeto gráfico Isabela Agrela Teles Veras 1. Brasil: Direito penal 343 (81)
Arte e diagramação Isabela Agrela Teles Veras
Claudirene de Moura Santos Silva
Revisão de provas Amélia Kassis Ward e Data de fechamento da edição: 7-7-2015
Ana Beatriz Fraga Moreira (coords.)
Dúvidas?
Rita de Cássia Sorrocha Pereira
Acesse www.editorasaraiva.com.br/direito
Serviços editoriais Elaine Cristina da Silva
Kelli Priscila Pinto Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer
Marília Cordeiro meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n.
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Sumário
1. A CIÊNCIA PENAL
5
4.4. A lei penal no espaço, 36
4.4.1. Foro competente, 36
4.4.2. Territorialidade da lei penal (CP, art. 5º), 37
4.4.3. Extraterritorialidade da lei penal (CP, art. 7º), 37
4.4.3.1. Condições aplicáveis aos casos de extraterritorialidade
condicionada, 39
4.4.3.2. Extraterritorialidade na Lei de Tortura, 39
4.4.3.3. Princípio do non bis in idem (CP, art. 8º), 39
5. TEORIA DO DELITO
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Direito Penal
7. ILICITUDE
7
7.3.4. Classificação, 79
7.4. Legítima defesa, 80
7.4.1. Requisitos, 80
7.4.2. Commodus discessus, 83
7.4.3. Excesso, 83
7.4.4. Classificação, 83
7.4.5. Ofendículos, 84
7.4.6. Diferenças entre legítima defesa e estado de necessidade, 84
7.5. Estrito cumprimento de dever legal, 85
7.6. Exercício regular de direito, 85
8. CULPABILIDADE
9. TEORIA DO ERRO
8
Direito Penal
9
10
1 A Ciência Penal
BiBLioTECA 1.1 HiSTÓriA Do DirEiTo PENAL
Vigiar e Punir, Mi-
Desde a Antiguidade até hoje verificamos grandes mudanças nos
chel Foucault. Pu-
blicado original-
institutos criminais. Se analisarmos a pena, por exemplo, podemos tra-
mente em 1975, çar a seguinte evolução: perda da paz ou vingança indeterminada, vin-
na França, é de- gança limitada pela lei do talião, composição voluntária, composição
dicado à análise legal e pena pública (BRUNO, 1956, p. 70 e 71).
da vigilância e da Conforme ensina Aníbal Bruno, nas sociedades antigas, onde
punição, que se encontram em
ainda não havia um órgão que exercesse a autoridade coletiva, o res-
várias entidades estatais (hospitais,
peito às normas era baseado no temor religioso ou até mesmo má-
prisões e escolas). Leva à discus-
são sobre os suplícios, a tortura e
gico. E a punição, que era a vingança, visava aplacar a ira dos deuses
as formas modernas de prisão. (BRUNO, p. 66).
A religião sempre esteve muito presente no Direito Penal. Algumas
Dos delitos
normas podem servir de exemplo: Leis de Manu, Índia, sécs. 12 ou 13
e das pe-
nas, Cesare
a.C., e Pentateuco ou Torá, dos hebreus, 1250 a.C. Até hoje normas com
Beccaria. A cunho religioso são utilizadas pelo Direito Penal de inúmeros países, em
obra é um especial os orientais.
marco do Remontando às sociedades mais primitivas, a vingança privada era
Direito Penal, rompendo com a um ato de guerra entre tribos e não uma pena (BRUNO, p. 68). Entre os
arbitrariedade e a crueldade e
membros do grupo a pena era a expulsão, e essa pena equivalia à pena
abrindo as portas para o período
de morte, pois dificilmente o indivíduo conseguiria sobreviver fora dos
humanitário.
domínios de proteção e cooperação de seu clã.
Procedendo dessa maneira poderia haver a completa dizimação de
CiNEmATECA
grupos inteiros. Surge, assim, a lei do talião, visando aplicar certa pro-
o segredo dos seus porcionalidade ao Direito Penal. Como exemplo, podemos citar o Códi-
olhos, direção de go de Hamurabi, Babilônia, 2.083 a.C.
Juan José Campa-
Da vingança o Direito Penal evoluiu para a composição. Por esse
nella, 2009. O filme
método o autor do delito “comprava” a sua liberdade. Em vez da vin-
trata de um crime
bárbaro, levando
gança de sangue era oferecido um valor suficiente para “cobrir” os danos
à reflexão sobre sofridos pela vítima.
punição estatal, proporcionalida-
de e vingança privada.
CurioSiDADE
12
Direito Penal
13
O Livro V das Ordenações Filipinas, de 1603, foi a legislação
CurioSiDADE
penal utilizada no Brasil durante o período colonial. Essa legislação
Vejam alguns exemplos de refletia o espírito dominante à época, que não distinguia o direito da
crimes previstos nas Ordenações moral e da religião.
Filipinas, da forte influência da re-
Outra característica das Ordenações é a extrema crueldade das pe-
ligião e da intromissão do Estado
na vida privada: nas, que também eram um reflexo da época, duramente combatida por
▪ Título I – Dos hereges e após- Beccaria e outros iluministas.
tatas (as penas – corporais e de Como se viu acima, a pena para sodomia, por exemplo, era extre-
confisco – eram determinadas pe- mamente desumana. O texto original dizia: “Toda a pessoa, de qualquer
los juízes eclesiásticos e executa-
das pelo governo civil).
qualidade que seja, que peccado de sodomia per qualquer maneira comet-
▪ Título III – Dos feiticeiros
ter, seja queimado, e feito per fogo em pó, para que nunca de seu corpo e
(pena de morte). sepultura possa haver memória”.
▪ Título XIII – Dos que come- No Brasil temos o exemplo de Tiradentes, que foi condenado à
tem pecado de sodomia e com morte pelo crime de lesa-majestade, e, após ser enforcado, teve seu cor-
alimárias (pena de morte na fo-
po esquartejado e seus membros fincados em postes e colocados à beira
gueira, confisco de bens, e filhos e
netos considerados infames). das estradas como “exemplo” para os demais súditos da coroa. Era a in-
▪ Título XXV – Do que dorme timidação pelo terror.
com mulher casada (pena de O Direito Penal desse período era visto como primeira ou única
morte). opção. As condutas hoje abarcadas por outras áreas do direito, como o
▪ Título XCIV – Dos mouros e ju- administrativo ou civil, recebiam tratamento penal. Ex. Título LXXXI –
deus que andam sem sinal (pena
Dos que dão música de noite (pena de prisão por 30 dias, multa e perda
pecuniária).
dos instrumentos musicais e armas).
CiNEmATECA Outra característica que merece ser comentada é a interferência da
qualidade do autor na definição da pena. Ex. Título XXXIII – Dos ru-
milk, direção
de Gus Van fiões e mulheres solteiras. A pena era de açoite, multa e degredo para
Sant, 2008. É a África. Porém, se o homem fosse escudeiro, a pena seria de multa e
baseado na degredo para fora da vila. Resta assim evidente o total desrespeito ao
vida do polí- princípio da igualdade.
tico e ativista
gay Harvey Com a proclamação da independência em 1822 se fez necessária a
Milk, que foi o revisão de toda a legislação vigente no país, que era de origem portugue-
primeiro ho- sa. Em 1824 foi outorgada a primeira Constituição do Brasil, e em 1830
mossexual de- foi promulgado o primeiro Código Criminal brasileiro.
clarado a ser eleito para um cargo
público na Califórnia. O filme mos- A Constituição de 1824, elaborada sob o ideário liberal e humanis-
tra a luta e o preconceito sofrido ta, trazia em seu art. 179 direitos e garantias individuais que influencia-
pelos homossexuais quatro séculos ram sobremaneira a elaboração do Código Criminal.
após as Ordenações Filipinas.
O Código de 1830 foi o primeiro código autônomo da América
VoCABuLário Latina, e de tão elogiado, serviu de modelo para outros códigos, tanto na
América quanto na Europa.
sodomia: relacionamento sexual O projeto aprovado foi de Bernardo Pereira de Vasconcelos, for-
entre pessoas do mesmo sexo ou
mado em Coimbra e atualizado com os ideais do Iluminismo e da Re-
sexos opostos, com cópula anal.
volução Francesa.
degredo: pena que consiste no
Uma questão que deu margem a dissídio no Parlamento durante
afastamento compulsório da
terra natal por tempo determi- a aprovação do projeto foi a pena de morte (na forca). Os conservado-
nado ou indeterminado. res queriam mantê-la no Código, e os liberais, extirpá-la. Venceram os
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Direito Penal
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CurioSiDADE CoNTroLE SoCiAL, CiÊNCiAS PENAiS
1.2 E ESTADo DEmoCráTiCo DE DirEiTo
Uma única conduta pode
gerar um ilícito civil e um ilícito pe-
nal. A lesão corporal, por exem-
plo, é punida criminalmente com
O controle social pode ser formal e informal. O informal é aquele
a aplicação da pena de deten- aplicado pela família, escola, igreja, partido político, opinião pública, vi-
ção ou reclusão, dependendo da zinhos, clube. Nem sempre será suficiente para solucionar conflitos mais
gravidade. Na esfera civil, a vítima complexos ou graves.
pode solicitar uma indenização Das necessidades humanas decorrentes da vida em sociedade sur-
dos valores pagos com o trata-
ge o Direito, que visa garantir condições indispensáveis à coexistência
mento médico ao autor da lesão.
pacífica.
O fato que contraria a norma legal, ofendendo ou pondo em perigo
um bem jurídico tutelado, é um ilícito jurídico e poderá ter consequên-
cias em vários ramos do Direito.
O Direito Penal constitui uma das espécies do sistema de controle
social formal. Possui regras e princípios especiais, devendo ser utilizado
apenas como ultima ratio, ou seja, para os casos de ofensas graves aos
VoCABuLário
bens jurídicos fundamentais, os mais sensíveis à sociedade.
ultima ratio: expressão latina Os princípios penais decorrem da Constituição Federal de 1988
que significa “último recurso”. que deu forma, na República Federativa do Brasil, a um tipo de estado
pena criminal: é a sanção im- designado como Estado Democrático de Direito.
posta a quem comete os crimes
A Constituição Federal estabelece como fundamento do Estado
previstos em nosso ordenamento
Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). No
jurídico. São elas: privativas de li-
berdade (reclusão e detenção), art. 5º determina que são invioláveis os direitos à liberdade, à vida, à
restritivas de direito (ex.: presta- igualdade, à segurança e à propriedade. Dessa forma, a limitação a esses
ção pecuniária, limitação de fim direitos ou garantias constitucionais somente se justifica quando a ofen-
de semana, prestação de servi- sa ou a ameaça sejam proporcionais à intervenção do Direito Penal e a
ços à comunidade) e multa. aplicação da pena ou medida de segurança.
medida de segurança: é a san-
ção imposta aos inimputáveis
(art. 26 do CP).
As medidas de segurança são
1.3 o DirEiTo PENAL
de internação em hospital de
custódia e tratamento psiqui-
átrico ou de sujeição a trata- 1.3.1 Conceito, Características e Funções
mento ambulatorial.
O Direito penal é o ramo do direito público que se encarrega de
direito público: Direito concer-
nente às relações jurídicas de
selecionar condutas atentatórias aos mais importantes bens jurídicos —
natureza pública. justamente aqueles considerados essenciais para a vida em sociedade —,
sancionando-as com uma pena criminal ou medida de segurança. Tem
por função primordial servir como modelo orientador de condutas ade-
quadas, promovendo o normal funcionamento da vida em sociedade.
1.3.2 Fontes
As fontes do direito subdividem-se em fontes materiais, substan-
ciais ou de produção e em fontes formais, de conhecimento ou de cog-
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Direito Penal
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vale dizer, uma regra jurídica que tenha sido estipulada para regular
caso análogo. Funda-se a analogia no princípio ubi eadem legis ratio,
ibi eadem dispositio (onde há a mesma razão legal, aplica-se o mesmo
dispositivo).
Em direito penal, contudo, somente se admite a analogia in bonam
partem, ou seja, aquela utilizada em benefício do sujeito ativo da in-
fração penal. Exemplo: o Código Penal somente autoriza a reação em
estado de necessidade, afastando o caráter criminoso da conduta, se o
sujeito busca afastar um perigo “atual”, nada dispondo sobre a excluden-
te de ilicitude se o agente visava escapar de um perigo “iminente”; este,
contudo, também se considera abrangido pela norma permissiva, por
analogia in bonam partem.
Proíbe-se, de outra parte, a analogia in malam partem, isto é, em
prejuízo do sujeito ativo da infração penal, justamente por importar
a criação de delitos não previstos em lei ou no agravamento da puni-
ção de fatos já disciplinados legalmente, atentando contra o princípio
da legalidade. Acompanhe os exemplos: o art. 63 do CP define como
reincidente aquele que comete crime depois de ter sido condenado
com trânsito em julgado por outro crime, no Brasil ou no estrangeiro.
O art. 7º da Lei das Contravenções Penais, por sua vez, estipula ser
reincidente o agente que pratica uma contravenção penal depois de
ter sido condenado definitivamente por outro crime, no Brasil ou no
estrangeiro, ou por outra contravenção penal no Brasil. Na combina-
ção dos dispositivos nota-se uma lacuna: não é reincidente o autor de
um crime praticado após ter sido ele irremediavelmente condenado
por uma contravenção penal. Em suma, se o agente for condenado de
modo definitivo por uma contravenção penal e, após, cometer outra
contravenção, será reincidente, mas, se praticar um crime, será pri-
mário! Tal omissão do legislador gera uma situação injusta, que não
pode ser corrigida pelo emprego da analogia, causando reincidência
em ambas as situações, sob pena de agravar a punição de um fato sem
CiNEmATECA expressa previsão legal.
Há duas espécies de analogia:
Última para- 1ª) analogia “legis”: dá-se com a aplicação de uma norma existente
da 174, dire- a um caso semelhante;
ção de Bruno
2ª) analogia “juris”: ocorre quando se baseia num conjunto de nor-
Barreto, 2008.
mas, visando retirar elementos que possibilitem sua aplicabilidade ao
Conta a histó-
ria de Sandro,
caso concreto não previsto (p. ex. trata-se do encontro e aplicação de
morto pela po- princípios gerais do direito).
lícia quando
sequestrou o 1.3.3 o Direito Penal e as demais Ciências Jurídicas
famoso ônibus 174, no Rio de Ja-
O Direito Penal é apenas um dos objetos de estudo das Ciências
neiro. Mostra a história por outro
ângulo, contando a vida de San-
Penais. Há a dogmática penal, a criminologia, a política criminal, psi-
dro desde o nascimento até o dia quiatria e psicologia forense, dentre outras.
do crime. Esse olhar é comum na Dogmática penal é a “disciplina que se ocupa da interpretação,
criminologia. sistematização e desenvolvimento (...) dos dispositivos legais e das
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Direito Penal
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20
2
Princípios Norteadores,
Garantidores e
Limitadores do
Direito Penal
BiBLioTECA PriNCíPioS CoNSTiTuCioNAiS E
2.1 iNFrACoNSTiTuCioNAiS
Princípios básicos de
Direito Penal, Francisco
de Assis Toledo, Editora Os princípios constitucionais possuem a função de orientar, orga-
Saraiva. Obra clássica, nizar e estruturar o ordenamento jurídico, especialmente quanto a apli-
discute princípios e de-
cação do direito e interpretação da norma jurídica.
mais temas relevantes
da dogmática penal. Neste sentido, aliás, já se disse que “os princípios constitucionais
(tragende Konstitutionsprizipien) e as garantias individuais devem atuar
os miseráveis, Victor
Hugo. O personagem como balizas para a correta interpretação e o justo emprego das normas
principal Jean Valjean, penais, não se podendo cogitar de uma aplicação meramente robotiza-
pretendendo saciar a da dos tipos incriminadores...” (Edilson M. Bonfim e Fernando Capez,
fome de uma criança, Direito penal: parte geral, p. 114).
furta um pedaço de pão,
e, por essa razão, passa muitos anos
Diversos são os princípios de Direito Penal que estão assegurados
preso. Após várias tentativas de fuga, na Constituição. Vejamos:
consegue a liberdade, porém passa a a) Princípio da dignidade da pessoa humana. Trata-se do mais
vida toda sendo perseguido pelo ins- importante dos princípios penais e constitui um dos fundamentos da
petor de polícia Javert. Seu crime é um
República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, III). Proíbe a incriminação
exemplo de aplicação do princípio da
insignificância, e a leitura da obra deixa de comportamentos socialmente inofensivos, isto é, que não provoquem
clara sua importância prática. dano efetivo ou lesão ao corpo social (ex.: incriminar o ato de manifes-
tar publicamente admiração por pessoas queridas). Impede, ademais,
que a aplicação das normas penais ocorra de maneira totalmente divor-
CurioSiDADE ciada da realidade.
Em agosto de 2008, o STF enfren- b) Princípio da legalidade. Não há crime sem lei anterior que o
tou um caso emblemático de afronta defina, nem pena sem prévia cominação legal (CF, art. 5º, XXXIX, e CP,
ao princípio da dignidade humana.
art. 1º).
Um pedreiro foi condenado por ho-
micídio qualificado e contestou sua c) Princípio da anterioridade da lei penal. A lei penal não retroagi-
sentença no Supremo alegando que rá, salvo para beneficiar o réu (CF, art. 5º, XL, e CP, art. 2º).
permaneceu algemado durante todo d) Princípio do ne bis in idem. Ninguém pode ser condenado pelo
o julgamento e que isso lhe causou
mesmo fato mais de uma vez; além disso, uma única e determinada cir-
constrangimento, além de ter influen-
ciado negativamente os jurados. O cunstância fática não pode ser utilizada mais de uma vez, seja para agra-
STF acolheu os argumentos e editou a var, seja para beneficiar o agente.
Súmula vinculante n. 11. e) Princípio da insignificância ou da bagatela. Foi desenvolvido
por Claus Roxin. Para o autor, a finalidade do Direito Penal consiste na
proteção subsidiária de bens jurídicos. Logo, comportamentos que pro-
CiNEmATECA
duzam lesões insignificantes aos objetos jurídicos tutelados pela norma
o Julgamento de Nu- penal devem ser considerados penalmente irrelevantes. A aplicação do
remberg, direção de
princípio produz fatos penalmente atípicos.
Stanley Kramer, 1961. O
Tribunal de Nuremberg Na atualidade, a aceitação deste princípio é praticamente unânime.
foi o Tribunal Militar In- A divergência consiste, no mais das vezes, em definir, no caso concreto,
ternacional criado com se a lesão ao bem jurídico foi diminuta (e, portanto, penalmente rele-
a finalidade de julgar vante) ou insignificante (logo, atípica).
prisioneiros de guerra nazistas. O fil-
me leva à reflexão sobre a violação Ninguém dirá que a subtração de uma folha de papel ou de um
de princípios penais, especialmente o dente de alho deve ser considerada como crime de furto. Outros pode-
princípio da legalidade. rão afirmar, ainda, que a subtração de um objeto avaliado em um quarto
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Direito Penal
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bem jurídico claramente definido e dotado de um mínimo de relevância
CiNEmATECA social será considerada nula e materialmente inconstitucional. (...). Sem
os miseráveis,
bem jurídico não existe infração penal” (Edilson M. Bonfim e Fernando
direção de Tom Capez, Direito penal: parte geral, p. 133).
Hooper, 2012. i) Princípio da intervenção mínima. Somente se deve recorrer à
O filme faz uma intervenção do direito penal em situações extremas, como a última saída
adaptação da (ultima ratio). A princípio, portanto, deve-se deixar aos demais ramos
obra escrita do direito a disciplina das relações jurídicas. A subtração de um pacote
pelo francês de balas em um supermercado, já punida com a expulsão do cliente do
Victor Hugo, estabelecimento e com a cobrança do valor do produto ou sua devo-
publicada em
lução, já foi resolvida por outros ramos do direito, de modo que não
1862. Trata-se
necessitaria da interferência do direito penal.
da história de um homem do século
XIX, que foi condenado injustamen- j) Princípio da fragmentariedade. Trata-se, na verdade, de uma
te por ter roubado um pedaço de característica do direito penal, mencionada por alguns autores também
pão, ficando em clausura por 20 sob a forma de princípio, estabelecendo que as normas penais somente
anos. Passado o tempo de reclu- se devem ocupar de punir uma pequena parcela, um pequeno fragmen-
são, o personagem Jean Valjean to dos atos ilícitos, justamente aquelas condutas que violem de forma
(Hugh Jackman) sai em liberdade mais grave os bens jurídicos mais importantes.
condicional, tornando-se um ho- k) Princípio da adequação social. O fato deixará de ser típico
mem honrado e honesto, porém
quando aceito socialmente. Acompanhe esse exemplo extraído da juris-
continua sofrendo os reflexos das
prudência: “Contravenção Penal — ‘jogo do bicho’ — Perda do mono-
injustiças sofridas no passado, sen-
pólio do Estado às empresas de comunicações na exploração de jogos e
do perseguido pelo inspetor Javert
(Russell Crowe), que não acredita loterias aliada a ausência de reprovabilidade na consciência da absoluta
em sua reabilitação. No decorrer maioria dos cidadãos — Punição afastada pela aplicação do princípio
da trama, vemos lacunas do siste- da adequação social — Inaplicabilidade do art. 58 do Dec.-Lei 6.259/44.
ma penal e a violação de princípios Convence que a adequação social supera contravenção denunciada. Em
como o da intervenção mínima, vez de punir um fato por ser típico, devemos adequá-lo à realidade vi-
humanidade, fragmentariedade, gente, aos costumes sociais, enfim, à consciência coletiva. A lei deveria
proporcionalidade e da bagatela. ser interpretada pro societate, e, ao que tudo indica, a coletividade não se
interessa pela punição dos ‘bicheiros’. Ao contrário, já inseriu o jogo do
Papillon, dire- bicho em seu dia a dia” (TARS, RT, 753/699).
ção de Franklin
Tal princípio não tem merecido acolhida da maioria da jurispru-
J. Schaffner,
dência, uma vez que sua aceitação implicaria a conclusão de que os cos-
1973. Trata-se
tumes teriam força para revogar lei penal, o que é inadmissível em face
da história de
do art. 22, I, da CF, e art. 2º, § 1º, da LINDB.
Henri Charrière
(Papillon), que l) Princípio da humanidade. As normas penais devem sempre dis-
viveu nos anos pensar tratamento humanizado aos sujeitos ativos de infrações penais,
de 1930, con- vedando-se a tortura, o tratamento desumano ou degradante (CF, art.
denado a prisão perpétua, fican- 5º, III), penas de morte, de caráter perpétuo, cruéis, de banimento ou de
do recluso na Guiana Francesa, trabalhos forçados (CF, art. 5º, XLVII).
Ilha do Diabo, sob um sistema m) Princípio da proporcionalidade. “Quando a criação do tipo
extremamente rigoroso e cruel. O penal não se revelar proveitosa para a sociedade, estará ferido o prin-
filme retrata os abusos do sistema
cípio da proporcionalidade, devendo a descrição legal ser expurgada de
carcerário por meio de penas de-
nosso ordenamento jurídico por vício de inconstitucionalidade. Além
sumanas e humilhantes.
disso, a pena, isto é, a resposta punitiva estatal ao crime, deve guardar
proporção com o mal infligido ao corpo social” (Edilson M. Bonfim e
Fernando Capez, Direito penal: parte geral, p. 130).
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Direito Penal
CURIOSIDADE
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26
3 Teoria da Norma
Jurídico-Penal
TEoriA DA NormA. A NormA
3.1 JuríDiCo-PENAL
3.2 CLASSiFiCAÇÃo
28
Direito Penal
29
idem). Portanto, se aparentemente ocorrer a incidência de mais de um
VoCABuLário tipo penal a um mesmo fato, caberá ao intérprete, socorrendo-se dos
puerperal: relacionado ao par- princípios da especialidade, consunção, subsidiariedade ou alternativi-
to; período que ocorre seguido dade, resolver o conflito, apontando o correto enquadramento.
ao parto. Muito embora não exista dispositivo legal tratando do tema ou
consenso doutrinário acerca do assunto (salvo no tocante ao princípio
da especialidade), admitem-se comumente os princípios acima mencio-
nados.
Importante acentuar que só haverá conflito aparente de normas se
houver um só fato ao qual aparentemente se apliquem várias normas
penais incriminadoras (todas vigentes). Na hipótese de serem vários os
fatos, ter-se-á concurso de crimes (arts. 69 a 71 do CP). Além disso, to-
dos os dispositivos penais aparentemente aplicáveis devem estar simul-
taneamente em vigor, caso contrário surgirá um conflito de leis penais
no tempo.
30
Direito Penal
3.4.2. P
rincípio da subsidiariedade (lex primaria
VOCABULÁRIO
derogat legi subsidiariae)
A relação de subsidiariedade pressupõe que haja entre as normas consuntiva: ato ou efeito de
aparentemente aplicáveis uma relação de conteúdo a continente. Há consumir, absorver.
uma norma mais ampla (norma primária), porque descreve um grau
maior de violação ao bem jurídico, e uma norma menos ampla (norma
subsidiária), pois descreve um grau inferior de violação a esse mesmo
bem. Ensinava Hungria que “a diferença que existe entre especialidade
e subsidiariedade é que, nesta, ao contrário do que ocorre naquela, os
fatos previstos em uma e outra norma não estão em relação de espécie
e gênero, e se a pena do tipo principal (sempre mais grave que a do tipo
subsidiário) é excluída por qualquer causa, a pena do tipo subsidiário
pode apresentar-se como ‘soldado de reserva’ e aplicar-se pelo residuum”
(Comentários ao Código Penal, v. 1, t. 1, arts. 1º a 10, p. 147).
A norma aplicável será sempre a que previr o maior grau de viola-
ção (lei primária). Assim, por exemplo, o crime de estupro (art. 213 do
CP) contém o de constrangimento ilegal (art. 146 do CP). Se alguém
constrange mulher à conjunção carnal, haverá estupro.
Há duas espécies de subsidiariedade:
1ª) expressa: se a norma expressamente declarar que só terá aplica-
ção “se o fato não constituir crime mais grave” (a norma se autoprocla-
ma “soldado de reserva”) — ex.: art. 132 do CP;
2ª) tácita: verifica-se quando o crime definido por uma norma é
elemento ou circunstância legal de outro crime — ex.: art. 304 do CTB
(omissão de socorro em acidente de trânsito) em relação ao homicídio
culposo na direção de veículo automotor, qualificado pela omissão de
socorro (art. 302 c/c o art. 303, parágrafo único, do CTB).
3.4.3. P
rincípio da consunção ou da absorção
(lex consumens derogat legi consumptae)
“Ocorre a relação consuntiva, ou de absorção, quando um fato de-
finido por uma norma incriminadora é meio necessário ou normal fase
de preparação ou execução de outro crime, bem como quando constitui
conduta anterior ou posterior do agente, cometida com a mesma finali-
dade prática atinente àquele crime (...). Os fatos não se apresentam em
relação de espécie e gênero, mas de minus a plus, de conteúdo a conti-
nente, de parte a todo, de meio a fim, de fração a meio” (Damásio de
Jesus, Direito penal: parte geral, v. 1, p. 114). Na síntese de Jiménez de
Asúa, citado por Damásio (idem, ibidem), a consunção se dá:
“a) quando as disposições se relacionam de imperfeição a perfeição
(atos preparatórios puníveis, tentativa — consumação);
b) de auxílio a conduta direta (partícipe — autor);
c) de minus a plus (crimes progressivos);
d) de meio a fim (crimes complexos); e
e) de parte a todo (consunção de fatos anteriores e posteriores) —
antefato e post factum impuníveis”.
31
Convém deter-se na letra e, em que ocorre a relação de parte a todo,
VoCABuLário ou a chamada “progressão criminosa”. Em sentido lato, a progressão cri-
iter criminis: expressão latina minosa inclui:
que significa “caminho do cri- a) Progressão criminosa em sentido estrito: o agente inicia o iter
me”. criminis com o objetivo de provocar determinada lesão a um bem jurí-
dico; após conseguir seu intento, muda de ideia e busca provocar um
grau maior de violação ao mesmo bem jurídico. Exemplo: o sujeito pre-
tendia lesionar seu desafeto, mas, em meio aos socos e pontapés, decide
tirar-lhe a vida e leva-o a óbito. Só responde pelo homicídio, ficando as
lesões corporais por ele consumidas.
b) Antefactum impunível: quando um fato anterior menos grave é
praticado como meio necessário para a realização de outro (ex.: o porte
de arma em relação ao homicídio cometido com tal instrumento; o cri-
me de falsidade exclusivamente utilizado com o fim de cometer estelio-
nato, nos termos da Súmula 17 do STJ).
c) Post factum impunível: quando o agente, após praticar o fato,
provoca nova violação ao mesmo bem jurídico, pertencente ao mesmo
sujeito passivo (ex.: furto e posterior danificação ou venda do objeto).
32
4
Validade e Eficácia
da Lei Penal no Tempo
e no Espaço
ATENÇÃo 4.1 CoNFLiTo DE LEiS PENAiS No TEmPo
A súmula 711 do STF diz: “a
lei penal mais grave aplica-se ao
Quando várias leis penais que tratam do mesmo assunto de modo
crime continuado ou ao crime distinto se sucedem no tempo, deve o intérprete definir qual delas será
permanente, se a sua vigência é aplicada ao fato. A regra é que a lei que deve ser aplicada é a vigente
anterior à cessação da continui- ao tempo da prática do fato criminoso, de acordo com o princípio do
dade ou da permanência”. Ou tempus regit actum. Contudo, existem exceções e elas se dividem em re-
seja, se crime cometido na vigên- troatividade (aplicação da lei a fatos cometidos antes da sua vigência
cia da lei menos grave, mas cuja quando for mais benéfica) e ultra-atividade (a lei penal revogada pode
execução se prolongue até a en- ser aplicada após sua revogação, quando o ilícito praticado durante a sua
trada em vigor da lei mais grave, vigência for sucedido por lei mais severa).
poderá ser aplicada esta última. Confira abaixo as hipóteses de conflito da lei penal no tempo:
Não há nisso nenhuma violação
ao princípio basilar da absoluta
Hipótese prática Significado Solução
irretroatividade gravosa. De fato,
a lei mais grave está sendo apli- Novatio legis Lei posterior incrimina conduta Irretroatividade
cada simplesmente porque o cri- incriminadora que era lícita (cria um novo crime)
me ocorreu durante sua vigência.
Abolitio criminis Lei posterior descriminaliza con- Retroatividade
Embora parte da doutrina discor- dutas, tornando-as atípicas
de da súmula, ela atualmente é
posição majoritária. Novatio legis in Lei posterior, mantendo a incri- Irretroatividade
pejus minação do fato, torna mais grave
a situação do réu (ex.: aumenta a
pena cominada ao crime)
CurioSiDADE Novatio legis in Lei posterior, sem suprimir a in- Retroatividade
mellius criminação do fato, beneficia de
Recentemente foi sancio- algum modo o agente (ex.: diminui
nada a Lei n. 12.663, de 5 de ju- a pena cominada ao crime)
nho de 2012, conhecida como
Lei Geral da Copa. Foi definida Em suma, a lei penal mais benéfica retroage para atingir os fatos
como temporária porque os tipos passados (retroatividade) e a lei revogada será aplicada aos fatos cometi-
penais por ela criados tinham um dos durante a sua vigência mesmo quando não estiver mais em vigor e a
prazo certo de vigência (até 31- conduta for regulamentada por lei mais severa (ultra-atividade).
12-2014).
34
Direito Penal
35
completado 18 anos de idade (o que ocorre no primeiro minuto de seu
ComENTário
18º aniversário).
Em se tratando de crime per- b) Delimitação da lei penal aplicável: nos crimes materiais ou de
manente (aquele cuja consuma- resultado, a conduta pode ocorrer num momento, e o resultado, depois.
ção se prolonga no tempo, como Exemplo: o agente, pretendendo matar seu desafeto, arquiteta uma em-
ocorre com o delito de extorsão boscada e, colhendo-o de surpresa, descarrega os projéteis do tambor do
mediante sequestro — art. 159 revólver, atingindo gravemente a vítima, a qual passa dois meses inter-
do CP), deve-se fazer uma ob- nada em hospital, vindo a falecer (consumando o crime de homicídio
servação: mesmo tendo a ação qualificado). Imagine que o ofendido tenha sido hospitalizado durante
ou omissão se iniciado antes da a entrada em vigor da Lei n. 8.930/94 (que transformou o crime de ho-
maioridade penal, se o agente a
micídio qualificado em hediondo). Seria, então, de perguntar: o agente
prolongou conscientemente ao
responderá pelo homicídio qualificado como crime hediondo ou não?
período de sua imputabilidade
penal, terá aplicação o CP.
Observe que no momento da ação (disparos) o delito não era hediondo,
mas ao tempo do resultado (morte), sim. Qual a solução? Por força do
art. 4º do CP, deve-se considerar o momento da conduta; logo, o agente
não terá de sofrer os efeitos penais gravosos da Lei n. 8.072/90 com a
CiNEmATECA
alteração da Lei n. 8.930/94 (crimes hediondos).
Juízo, Direção
de maria Au- 4.3.1. A questão do crime continuado
gusta ramos,
2007. Da mes- O agente pratica dois fatos quando menor de 18 anos e um terceiro
ma diretora do quando maior, todos em continuidade delitiva. Aos dois primeiros fatos
documentário aplicar-se-á o ECA, e ao último, o CP.
Justiça, Juízo
retrata o julga-
mento de ado-
lescentes em conflito com a lei.
4.4 A LEi PENAL No ESPAÇo
36
Direito Penal
37
autarquias, das empresas públicas, das sociedades de economia mista ou
das fundações instituídas pelo Poder Público;
c) crime contra a administração pública brasileira por quem está a
seu serviço;
d) crime de genocídio, se o agente for brasileiro ou domiciliado
no Brasil.
A extraterritorialidade condicionada ocorre em relação às seguin-
tes infrações:
a) crimes previstos em tratado ou convenção internacional que o
Brasil se obrigou a reprimir;
b) crimes praticados por estrangeiro contra brasileiro, fora do nos-
so território (se não foi pedida ou se foi negada a extradição e se houve
requisição do Ministro da Justiça);
c) crimes praticados por brasileiro;
d) crimes praticados a bordo de navio ou aeronave brasileiros pri-
vados, quando praticados no exterior e ali não forem julgados.
A doutrina costuma apontar uma série de princípios que inspira-
ram o legislador a eleger os casos em que a lei de um país deve ser apli-
cada a fatos que se deram no estrangeiro:
a) Princípio da justiça penal universal ou cosmopolita: refere-se a
hipóteses em que a gravidade do crime ou a importância do bem jurídi-
co violado justificam a punição do fato, independentemente do local em
que praticado e da nacionalidade do agente. Foi adotado nas letras d da
extraterritorialidade incondicionada e a, da condicionada.
b) Princípio real, da proteção ou da defesa: justifica a aplicação
da lei penal brasileira sempre que no exterior se der a ofensa a um bem
jurídico nacional de origem pública. Foi adotado nas letras a até c da
extraterritorialidade incondicionada.
c) Princípio da personalidade ou nacionalidade ativa: como cada
país tem interesse em punir seus nacionais, a lei pátria se aplica aos bra-
sileiros, em qualquer lugar que o crime tenha sido praticado. Foi adota-
do na letra b da extraterritorialidade condicionada.
d) Princípio da personalidade ou nacionalidade passiva: se a víti-
ma for brasileira, nosso país terá interesse em punir o autor do crime. Foi
adotado na letra b da extraterritorialidade condicionada (v. CP, art. 7º).
Obs.: ao contrário do que sustentam alguns autores, esse princípio
não se confunde com o princípio da proteção, que se refere a bens pú-
blicos, o que não ocorre aqui.
e) Princípio da representação ou da bandeira: a lei brasileira se
aplica às embarcações ou aeronaves que carreguem nossa bandeira. Foi
adotado na letra d da extraterritorialidade condicionada.
38
Direito Penal
4.4.3.1 C
ondições aplicáveis aos casos de
CURIOSIDADE
extraterritorialidade condicionada
São as seguintes: Recentemente há casos cé-
a) entrada do agente no território nacional (condição de procedi- lebres de discussão de extradição
bilidade); no Brasil. Em 2015, foi aplicada a
pena de morte a dois brasileiros
b) ser o fato punível também no país em que cometido;
condenados por tráfico de dro-
c) estar o crime entre aqueles a que a lei brasileira admite a extra- gas na Indonésia, Rodrigo Gularte,
dição; de 42 anos, e Marco Moreira, 53
d) não ter sido o agente absolvido ou não ter cumprido pena no anos. O país negou a extradição.
estrangeiro; O Brasil também negou a extra-
e) não ter sido perdoado e não se tiver extinguido sua punibilidade, dição de Cesare Battisti, que foi
condenado na Itália à prisão per-
segundo a lei mais favorável (condições objetivas de punibilidade).
pétua por homicídio, quando in-
tegrava o grupo Proletariados Ar-
4.4.3.2 Extraterritorialidade na Lei de Tortura mados pelo Comunismo. Em 2004,
A Lei n. 9.455, de 1997, que tipifica o delito de tortura (“constranger fugiu para o Brasil. Foi preso em
alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofri- 2007. A Itália pediu a extradição,
e o STF concordou, mas destacou
mento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração
que extradição é competência
ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou
do presidente da República. Em
omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou
2010, o então presidente Luiz Iná-
religiosa”), estabelece que seus dispositivos se aplicam “ainda quando o cio Lula da Silva considerou Bat-
crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima tisti alvo de perseguição e negou
brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira” a extradição. O Supremo voltou
(art. 2º). Cuida-se, portanto, de situação de extraterritorialidade prevista a discutir o caso, mas considerou
em lei especial. que a decisão do presidente tinha
que ser respeitada. (Fonte: G1)
4.4.3.3 Princípio do non bis in idem (CP, art. 8º)
Nas hipóteses de extraterritorialidade incondicionada é possível,
em tese, que o agente responda por dois processos pelo mesmo fato, um
no exterior, outro no Brasil, sobrevindo duas condenações. Se isso ocor-
rer, aplicar-se-á o art. 8º, que se funda no princípio do non bis in idem
(o qual proíbe seja alguém condenado duas vezes pelo mesmo fato).
Sendo assim, a pena cumprida no estrangeiro: a) atenua a pena imposta
no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas; ou b) nela é computada,
quando idênticas (detração).
39
40
5 Teoria do Delito
BiBLioTECA o CAráTEr FrAGmENTário Do
5.1 DirEiTo PENAL
Para entender a teoria do deli-
to, é importante estudar a sua
evolução ao longo dos anos. Se Uma das principais características do direito penal reside em sua
for o seu primeiro contato com o fragmentariedade. Apesar da multiplicidade de atos ilícitos existentes,
assunto, recomendamos a leitu- apenas uma pequena parcela interessa a esse ramo do direito; tal parcela
ra do capítulo 5 compreende os atos que ofendem de modo mais grave os bens jurídi-
da obra manual
cos considerados essenciais para o convívio em sociedade. As infrações
de Direito Penal:
penais, portanto, correspondem a um pequeno fragmento extraído da
Parte Geral, Gus-
vasta gama de atos ilícitos.
tavo Junqueira e
Patricia Vanzolini
ou, para um es-
tudo mais apro- 5.2 CoNCEiTo DE CrimE
fundado, a par-
tir do capítulo
Nossa legislação não apresenta, atualmente, um conceito de crime,
12 da obra Tra-
tado de Direito como ocorria nos Códigos anteriores (1830 e 1890). Há tempos o legis-
Penal, volume 1, lador se deu conta de que a tarefa de definir esse importante instituto
de Cezar Rober- jurídico cabe à doutrina. Os penalistas, então, na tentativa de cumprir
to Bitencourt. essa árdua missão, apresentam uma série de conceitos, ora enfatizando
o aspecto puramente legislativo (conceitos formais), ora procurando in-
vestigar a essência do instituto (conceitos materiais), ora verificando os
elementos constitutivos do crime (conceitos analíticos).
ATENÇÃo Tradicionalmente, os conceitos analíticos têm sido o foco central da
preocupação dos juristas brasileiros.
CrimE = FATO TÍPICO + ANTIJURÍDICO
42
Direito Penal
43
AuTor SiSTEmAS PENAiS E oS ELEmENToS
5.3 CoNSTiTuTiVoS Do CrimE
Franz ritter von
Liszt (1851-1919) ju-
rista alemão, crimi- A expressão “sistemas penais” é pouco utilizada pela doutrina bra-
nologista e reforma- sileira. Muitos preferem referir-se a “teorias penais”. Assim, por exemplo,
dor do direito inter- diz-se com mais frequência “teoria clássica” do que “sistema clássico”. A
nacional, foi o pro-
terminologia “sistema”, entretanto, afigura-se mais adequada. Na defi-
ponente da escola
nição de Kant, sistema é a “unidade dos múltiplos conhecimentos sobre
jurídica sociológica e histórica. De
1898 até 1917, foi professor de Di-
uma ideia” ou “uma totalidade de conhecimentos ordenada sob princí-
reito Penal e Internacional da Uni- pios”. Sistema penal, portanto, indica um conjunto de teorias intrinse-
versidade de Berlim. camente relacionadas, desenvolvidas durante determinado período da
evolução da dogmática penal.
Atualmente, apontam-se os seguintes sistemas penais:
a) sistema clássico (ou sistema “Liszt/Beling/Radbruch”), que re-
monta ao início do século XX;
b) sistema neoclássico (conhecido também como normativista.
Corresponde ao anterior, acrescido da teoria de Reinhard Frank), sur-
gido em 1907;
c) sistema finalista (ôntico-fenomenológico), difundido a partir
da década de 1930;
d) sistema funcionalista (teleológico-racional), que se divide em:
funcionalismo sistêmico (Jakobs) e teleológico (Roxin), dentro dos
quais se desenvolveu a (moderna) teoria da imputação objetiva.
44
Direito Penal
dolo ou
5.4.1. Críticas ao sistema clássico culpa
Muitas das ideias elaboradas pelos clássicos ainda são defendidas
nos dias de hoje, dentre elas a negação da responsabilidade penal obje-
tiva. Outras, no entanto, foram alvo de críticas e acabaram sendo aper-
feiçoadas. Vejamos:
45
a) Os autores clássicos entendiam que a ação, em sentido amplo,
subdividia-se em ação em sentido estrito (ex., um fazer) e omissão (não
fazer). Ambas eram consideradas causais (teoria causal ou naturalista da
ação), ou seja, tanto a ação propriamente dita (fazer) quanto a omissão
(não fazer) geravam relações de causa e efeito. A omissão, contudo, não
dá ensejo a relações de causalidade. Trata-se de um nada, e do nada,
nada vem (ex nihilo, nihil). Não se pode dizer que o não agir é causa real
e efetiva de algum evento. Quem não age, quando muito, deixa de inter-
ferir numa relação de causalidade preexistente, mas não cria uma por si
só. A pessoa que assiste a um homicídio praticado por desconhecido e
nada faz, seja por medo, seja por indiferença, não pode ser considerada
responsável pela morte da vítima, a não ser que possua algum dever ju-
rídico de impedir esse resultado (como o policial). Essa pessoa não cria
a relação de causalidade que leva ao óbito, embora possa nela intervir
de algum modo (ex.: gritando por socorro, empurrando o atirador para
que erre o alvo etc.). Ao policial, entretanto, será imputada a responsabi-
lidade criminal pela morte no momento de sua omissão. O que diferen-
cia a pessoa comum do policial nessa situação não é o comportamento,
pois ambos podiam agir e se omitiram, mas o fato de o agente da lei,
diferentemente das demais pessoas, ter o dever jurídico de agir e de evi-
tar o resultado. A omissão penalmente relevante, portanto, não é causal,
mas normativa, é dizer, funda-se na existência de um dever jurídico (ou
normativo) de agir visando afastar o resultado.
b) Os clássicos somente examinam a intenção (dolo) do agente no
âmbito da culpabilidade, ignorando-a quando da verificação da ação.
Ocorre que, ao separarem a intenção da conduta, estão separando, na
teoria, algo indissociável na prática. Todas as pessoas, em função de seus
conhecimentos prévios sobre as relações de causa e efeito, podem ante-
ver, dentro de certos limites, as consequências possíveis de seus atos, diri-
gindo-os a uma finalidade que pretendam atingir. Sabemos que ninguém
age sem ter, por detrás, alguma intenção, por mais singela que seja. O
fato de alguém estar lendo esse texto demonstra que toda ação humana
é dirigida a uma finalidade. Quem pretende a aprovação num exame ou
concurso público (finalidade) sabe que somente com estudo (conduta)
se atinge a meta escolhida. Diante disso, dirige sua ação (estudando) para
alcançar o objetivo a que se propôs (passar no exame). Sendo assim, não
se concebe como a conduta humana penalmente relevante possa ser ana-
lisada sem a intenção que a moveu. Os clássicos incorriam nesse equívo-
co quando reservavam o exame do dolo para a culpabilidade.
c) Como consequência da crítica anterior, essa teoria encontra di-
ficuldades para explicar o crime tentado. Se uma pessoa é flagrada pu-
lando o muro de uma residência, nela adentrando e pondo suas mãos
sobre um objeto, como é possível enquadrar sua ação num tipo penal
sem saber qual sua intenção? Se o fato é típico, independentemente do
exame do dolo (da maneira como sustentam os clássicos), como saber
qual o fato típico praticado? Violação de domicílio ou tentativa de furto?
Será impossível determinar sem perquirir o propósito do agente. Será
46
Direito Penal
que ele pretendia subtrair aquele objeto que tocou ou somente o admi-
rava para, em seguida, devolvê-lo? Essas considerações são fundamentais
para sabermos qual o fato típico. Sem o exame da intenção, portanto,
não há como descobrir que fato típico houve, e, por vezes, nem sequer
é possível determinar se ocorreu ou não fato típico (como se verá na
próxima crítica).
d) Os elementos subjetivos do injusto. A doutrina havia-se aper-
cebido do fato de que, em determinadas situações, era absolutamente
indispensável examinar a intenção do sujeito (o elemento subjetivo do
injusto) para descobrir se houve crime. Assim, quando um médico passa
suas mãos nas partes pudendas de uma mulher, não temos como saber
se ocorreu algum delito se não analisarmos sua intenção. Se o profissio-
nal estiver realizando um exame ginecológico de rotina, não há ilícito
penal algum, mas se estiver aproveitando-se para dar vazão à sua lascí-
via, ocorre violação sexual mediante fraude (CP, art. 215, com a redação
dada pela Lei n. 12.015, de 2009). O que separa as duas condutas, uma
lícita e outra criminosa, é, tão só, a intenção do sujeito.
e) Para os clássicos, a culpa tem natureza psicológica, quando, na
verdade, tem caráter normativo, já que seu exame demanda um juízo
de valor, por meio da comparação a ser feita pelo juiz entre a conduta
do agente e a de uma pessoa de mediana prudência e discernimento, na
situação em que ele se encontrava.
f) Essa teoria não explica os casos de coação moral irresistível e
obediência hierárquica (em nosso CP, v. art. 22). Se uma pessoa é obri-
gada a produzir um documento falso, sob a mira de uma arma de fogo
municiada, não deve ser condenada pelo crime de falsificação de do-
cumento (não teria cabimento a lei preferir que alguém cedesse a sua
vida a que fabricasse um documento falso). Dessa conclusão ninguém
diverge. Ocorre que, aplicando as teorias sustentadas pelos clássicos, não
há como fundamentar uma decisão absolutória.
47
AuTor SiSTEmA NEoCLáSSiCo
5.5 (FrANK/mEZGEr)
reinhard Frank
(1960-1934), pro-
fessor alemão Muitos dos equívocos acima destacados foram desde logo percebi-
de direito penal dos pela doutrina alemã, que procurou reelaborar alguns conceitos com
e direito interna- vistas a aperfeiçoar a teoria do crime. Nesse sentido, Reinhard Frank re-
cional, foi um dos
formulou a noção de culpabilidade, visando melhor adequá-la aos pro-
principais respon-
blemas concretos, notadamente às situações de coação moral irresistível
sáveis pela refor-
e obediência hierárquica. Esse autor vinculou a culpabilidade à ideia de
ma do Código Penal alemão.
reprovabilidade, defendendo que só se pode considerar culpável a con-
duta reprovável socialmente, ou seja, digna de censura. A pessoa que
BiBLioTECA falsifica um documento sob ameaça de morte exercida com emprego de
arma de fogo, embora cometa um crime e aja dolosamente (de modo
Edmund mezger consciente e voluntário), não tem escolha na situação concreta, pois, se
e o Direito Penal não agir dessa forma, morrerá. Em função disso, não se pode exigir do
de seu tempo, de agente comportamento distinto. Como poderíamos condenar alguém
Francisco Muñoz que agiu exatamente como qualquer um agiria em determinada situa-
Conde. A obra ção? Não podemos exigir do réu um comportamento diferente (ou seja,
trata da relação
que não cometa o crime), quando, na situação em que ele se encontrava,
de Mezger com
teríamos agido do mesmo modo. Nessas situações excepcionais, o réu
a questão políti-
deve ser absolvido, entendendo-se que sua conduta não foi censurável.
co-criminal nacional-socialista.
Estruturalmente, a teoria desenvolvida por Frank resultou na com-
preensão de que a culpabilidade deveria ser composta por um novo ele-
ATENÇÃo mento: a exigibilidade de conduta diversa (só age culpavelmente quem,
na situação concreta, poderia ter-se comportado de outro modo).
Elementos da Culpabilidade Ao lado do novo elemento, havia outros dois conhecidos: dolo ou
no sistema neoclássico: culpa e imputabilidade (antes vista como pressuposto da culpabilidade,
• imputabilidade passa agora a ser considerada seu elemento).
• dolo ou culpa Em resumo, de acordo com a teoria de Frank, denominada “psi-
• exigibilidade de conduta cológico-normativa da culpabilidade” ou “normativa da culpabilidade”,
diversa uma das bases do sistema neoclássico, a culpabilidade tem os seguintes
elementos: a) imputabilidade; b) dolo ou culpa; c) exigibilidade de con-
duta diversa.
Note-se que o sistema neoclássico tem como pilares, além da nova
teoria da culpabilidade citada, a teoria causal ou naturalista da ação
(oriunda do sistema clássico, até então inalterada).
Com isso percebe-se que Frank solucionou apenas um dos proble-
mas encontrados no sistema clássico, justamente a necessidade de ex-
plicar lógica e juridicamente a absolvição nos casos de coação moral
irresistível e obediência hierárquica; as demais críticas, no entanto, sub-
sistiam.
Procurou-se, ainda, resolver a questão do erro de proibição (o qual
ocorre quando uma pessoa pratica um ato desconhecendo totalmente
que a lei o proíbe; p. ex., alguém se apodera de um relógio perdido na
rua acreditando ter o direito de se apropriar do bem, com base no dito
48
Direito Penal
popular “achado não é roubado”, desconhecendo que a lei pune esse ato,
que configura o crime de apropriação de coisa achada — art. 169, pará-
grafo único, II, do CP). No sistema anterior não havia solução satisfató-
ria para tal situação. Com o escopo de dar uma resposta a esse proble-
ma, alguns autores integrantes do sistema neoclássico “ressuscitaram”
a teoria do dolus malus e, com uma roupagem atualizada para a época,
criaram o chamado “dolo híbrido ou normativo”. Trata-se do dolo que
exige a presença de três elementos: consciência, vontade e consciência da
ilicitude do comportamento. Assim, aquele que age sem ter consciência
da ilicitude de sua conduta não age dolosamente. No exemplo acima
proposto, o agente seria absolvido por falta de dolo. Tal solução, todavia,
não ficou isenta de questionamentos.
Ao afirmar que o dolo contém a consciência da ilicitude, corre-se
o sério risco de tornar impunes criminosos habituais e demais delin-
quentes profissionais. Imagine uma pessoa criada numa grande favela,
que não teve acesso à educação e viveu no meio da violência e da mar-
ginalidade como se isso fosse o normal. É possível que ela não veja mal
algum na venda de certa quantidade de droga para se sustentar. Pode
até considerar esse comportamento correto, segundo seus padrões in-
dividuais. Esse sujeito, então, nunca seria punido criminalmente pelo
tráfico de drogas que cometesse, pois a falta de consciência individual
da ilicitude conduziria, consoante a teoria acima exposta, à ausência de
dolo em suas condutas.
SISTEMA NEOCLÁSSICO
Aspecto objetivo do crime Aspecto subjetivo do
crime
Fato típico (elementos Ilicitude ou Culpabilidade (elemen-
que o compõem) antijuridicidade tos que a compõem)
1) Conduta Estará sempre presente, 1) Imputabilidade
2) Resultado salvo quando o fato 2) Dolo ou culpa
3) Nexo causal típico for praticado 3) Exigibilidade de
sob o abrigo de alguma conduta diversa
4) Tipicidade
excludente de ilicitude
(legítima defesa, estado
de necessidade etc.)
49
traída de lições da psicologia, Welzel percebe que a finalidade constitui a
ATENÇÃo espinha dorsal da conduta humana.
A teoria finalista de Welzer Como já se destacou acima, as pessoas, em função de seus conheci-
“retira” dolo e culpa da culpabi- mentos prévios sobre as relações de causa e efeito, podem antever, dentro
lidade e a torna componente do de certos limites, as consequências possíveis de seus atos, dirigindo-os a
fato típico. uma finalidade que pretendam atingir. Ninguém age sem ter, por detrás,
alguma intenção, por mais singela que seja. Sendo assim, não se concebe
como a conduta humana penalmente relevante possa ser analisada sem
a intenção que a moveu (esse o fundamento da teoria finalista da ação).
Os clássicos incorriam nesse equívoco quando reservavam o exame do
dolo para a culpabilidade, e foi justamente isso que Welzel corrigiu.
O dolo, elemento indicativo da intenção perseguida pelo agente,
não pode ser analisado somente no âmbito da culpabilidade, de modo
destacado da ação ou omissão a que se vinculou. Se a finalidade é a
alma da conduta humana, ele deve ser analisado em conjunto na teoria
do crime.
Como consequência, o penalista mencionado passou a sustentar
que o dolo e a culpa deveriam fazer parte do fato típico, e não da culpa-
bilidade. Assim, graficamente:
SISTEMA FINALISTA
Fato típico (elementos Ilicitude ou Culpabilidade (elemen-
que o compõem) antijuridicidade tos que a compõem)
1) Conduta DOLOSA (...) 1) Imputabilidade
OU CULPOSA 2) (...)
2) Resultado 3) Exigibilidade de con-
3) Nexo causal duta diversa
4) Tipicidade
Hans Welzel notou, também, que o dolo deve possuir apenas dois
elementos: consciência e vontade (“dolo natural” ou “dolo neutro”). A
consciência da ilicitude deve ser retirada do dolo e mantida na culpabi-
lidade, mas não como consciência atual (individual), e sim como cons-
ciência potencial da ilicitude, como se explicará mais adiante.
Dolo e culpa, como se observa, deslocaram-se para o fato típico, o
que motivou o surgimento de um fato típico de crime doloso e outro de
crime culposo.
Interessante notar que o próprio Welzel afirmava não ter trazido
nenhum elemento novo à estrutura do crime, apenas os teria distribuí-
do corretamente.
As ideias desse autor resultaram em duas novas teorias: teoria fi-
nalista da ação e teoria normativa pura da culpabilidade, os pilares do
sistema finalista.
Antes de prosseguir, convém uma última e breve advertência: rotu-
lar alguém de “clássico” ou “finalista”, portanto, equivale a identificá-lo
como seguidor da teoria causal da ação e psicológica da culpabilidade
ou da teoria finalista da ação e normativa pura da culpabilidade.
50
Direito Penal
FATO TÍPICO
Crime doloso Crime culposo
Conduta dolosa Conduta voluntária
Resultado voluntário (nos crimes Resultado involuntário
materiais)
Nexo de causalidade (entre conduta Nexo de causalidade (entre conduta
e resultado, nos crimes materiais) e resultado)
Tipicidade Tipicidade
Quebra do dever de cuidado obje-
tivo (imprudência, negligência ou
imperícia)
Previsibilidade objetiva do resultado
51
5.6.2.2. Ilicitude
ATENÇÃo
No âmbito da ilicitude, destaca-se a seguinte inovação: com a im-
Conteúdo da Culpabilidade portância conferida à finalidade da conduta, passou-se a sustentar que
no Finalismo: todas as causas excludentes de ilicitude possuem um elemento subjeti-
• imputabilidade vo, ao lado dos requisitos objetivos exigidos por lei. Assim, na legítima
• exigibilidade de conduta defesa, além da existência de uma agressão injusta, atual ou iminente, a
diversa direito próprio ou alheio, que se refute moderadamente com os meios
• potencial consciência da necessários (CP, art. 25), é preciso que a pessoa aja com a intenção de
ilicitude defender-se ou de defender terceiro.
52
Direito Penal
5.7.1. Introdução
No direito penal moderno tem-se travado um debate ainda sem so-
lução definitiva: deve a dogmática penal ser entendida à luz da função
(missão) do direito penal (funcionalismo) ou deveria ela ser estruturada
a partir de dados empíricos (causalismo e finalismo)?
A última opção, além de ser aquela tradicionalmente aceita, tem a
seu favor a segurança jurídica que advém de seus critérios bem definidos
(ação, nexo causal, dolo e culpa). Contra ela se aduz a injustiça de algu-
mas de suas soluções (ex.: regressus ad infinitum), adotadas em nome da
“harmonia do sistema”.
A primeira revoluciona o direito penal e propõe que mais impor-
tante que a “beleza estética” do sistema é a busca de soluções justas.
É a mais aceita na Europa e tem ganhado corpo na América Latina.
Pesa contra ela a crítica de que se apoia em critérios fluidos, por vezes
não delimitados completamente (ex.: risco permitido). Essa concepção
é denominada funcionalismo, isto é, a tese segundo a qual a dogmática
deve ser interpretada à luz da função do direito penal. No seu contexto
é que se deu o desenvolvimento da teoria da imputação objetiva: “A im-
putação objetiva, ao considerar a ação típica uma realização de um ris-
co permitido dentro do alcance do tipo, estrutura o ilícito à luz da fun-
ção do direito penal. Esta teoria utiliza-se de valorações constitutivas da
ação típica (risco não permitido, alcance do tipo), abstraindo de suas
variadas manifestações ônticas” (Claus Roxin, Sobre a fundamentação
político-criminal do sistema penal, in Estudos de direito penal, trad. Luís
Greco, p. 79-80).
Seus principais seguidores são Claus Roxin (funcionalismo racional-
-teleológico) e Günther Jakobs (funcionalismo sistêmico). Esses penalis-
tas divergem, entretanto, quanto à função do direito penal, o que reflete
decisivamente em seu modo de pensar a dogmática penal (embora sejam
ambos adeptos da teoria da imputação objetiva, com pequenas variações).
A grande distinção entre as teorias de Roxin e Jakobs funda-se no
fato de que aquele propõe limitações expressas ao direito de punir esta-
tal, o que não se vê neste.
53
Comparem-se, abaixo, as palavras de cada um dos citados autores:
AuTor
Roxin: “Os limites da faculdade estatal de punir só podem resultar da
Claus roxin, nasci- finalidade que tem o direito penal no âmbito do ordenamento estatal.
do em 15-5-1931, (...). Penso que o direito penal deve garantir os pressupostos de uma
em Hamburgo, é convivência pacífica, livre e igualitária entre os homens, na medida
um dos mais influ- em que isso não seja possível através de outras medidas de controle
entes dogmáticos sociopolíticas menos gravosas” (Claus Roxin, Que comportamentos
do direito penal pode o Estado proibir sob ameaça de pena? Sobre a legitimação das
alemão, tendo proibições penais, in Estudos de direito penal, trad. Luís Greco, p. 32).
conquistado reputação nacio- Complementa o autor: “... a finalidade do direito penal (...) é carac-
nal e internacional nesse ramo. terizada como ‘proteção subsidiária de bens jurídicos’. São chamados
É detentor de inúmeros doutora- bens jurídicos todos os dados que são pressupostos de um convívio
dos honorários e já proferiu pa- pacífico entre os homens, fundado na liberdade e na igualdade; e sub-
lestras no Brasil. sidiariedade significa a preferência de medidas sociopolíticas menos
Günther Jakobs, gravosas” (p. 35).
nascido em Mön-
chengladbach, Jakobs: “... a garantia jurídico-penal da norma deve garantir a segu-
em 26-7-1937, rança de expectativas”. Nesse sentido, “a pena deve reagir mediante
é catedrático um comportamento que não possa ser interpretado como compatível
emérito de Direi- com um modelo de mundo esboçado pela norma” (Günther Jakobs,
to Penal e Filosofia do Direito pela A proibição de regresso nos delitos de resultado, in Fundamentos do
Universidade de Bonn, Alemanha. direito penal, trad. André Luís Callegari, p. 93). Em outras palavras, “a
É autor do polêmico livro Direito finalidade da pena é a manutenção estabilizada das expectativas so-
Penal do Inimigo (Feindstrafrecht). ciais dos cidadãos. Essas expectativas são o fundamento das normas,
ou seja, dos modelos de conta orientadores do contato social. A pena,
consequentemente, tem a função de contradizer e desautorizar a deso-
bediência da norma. O direito penal, portanto, protege a validade das
normas e essa validade é o ‘bem jurídico do direito penal’” (Enrique
Bacigalupo, Direito penal: parte geral, trad. André Estefam, p. 184).
Sobre a impu-
5.7.2.1. Conceito
tação objetiva A imputação objetiva constitui uma teoria, fundada em sua con-
recomendamos:
cepção moderna por Claus Roxin, por meio da qual se sustenta que um
Tratado de Direito
resultado só pode ser atribuído a quem realizou um comportamento ge-
Penal, vol. 1, de
Cezar Roberto Bi- rador de um risco relevante e proibido, que se produziu neste resultado.
tencourt, Editora Luís Greco a define como “o conjunto de pressupostos que fazem
Saraiva. de uma causação uma causação típica, a saber, a criação e realização
de um risco não permitido em um resultado” (A teoria da imputação
um Panorama da objetiva — uma introdução, in Claus Roxin, Funcionalismo e imputação
Teoria da imputa- objetiva no direito penal, p. 15).
ção objetiva, de
Luís Greco.
5.7.2.2. Origem
Há uma “genealogia oficial” da imputação objetiva, construída por
seu criador (Claus Roxin), que assim se segue:
54
Direito Penal
5.7.2.3. S
ubstituição da relação de causalidade
material
Claus Roxin procura elaborar uma teoria geral da imputação obje-
tiva, aplicável aos crimes materiais. Para o autor, a imputação objetiva
deve substituir a relação de causalidade, abandonando-se o “dogma da
causalidade”. No Brasil, Damásio de Jesus segue a mesma orientação.
Para Günther Jakobs, contudo, não há como abrir mão de um míni-
mo de causalidade material na aferição da responsabilidade penal. A im-
putação objetiva serviria, então, para restringir o alcance do nexo causal
fundado na teoria da equivalência. É a opinião, entre outros, de Enrique
Bacigalupo e Juarez Tavares.
Vê-se, portanto, que, enquanto Roxin propõe a substituição da re-
lação de causalidade material pela imputação objetiva, Jakobs assevera
que não se deve abrir mão da relação de causalidade física, servindo a
imputação objetiva como uma espécie de freio.
55
Parece-nos que, em face de nosso ordenamento jurídico, notada-
mente por conta do art. 13, caput, do CP, deve-se preferir a concepção
de Jakobs.
“A sequência da comprovação da imputação objetiva exige que, de
início, se estabeleça uma relação de causalidade entre o resultado tí-
pico (por exemplo, interrupção do estado de gravidez, no crime de
aborto) e uma determinada ação. Em seguida, deve-se verificar: 1º)
se essa ação no momento de sua execução constituía um perigo ju-
ridicamente proibido (se era socialmente inadequada); e 2º) se esse
perigo é o que se realizou no resultado típico produzido” (v. Enrique
Bacigalupo, Direito penal: parte geral, trad. André Estefam, p. 248).
56
Direito Penal
57
crimes materiais ou de resultado); c) nexo de causalidade (nos crimes
materiais ou de resultado); d) tipicidade; e) imputação objetiva (ele-
mento normativo implícito), o qual se desdobra no exame da criação de
um risco proibido e na realização do risco no resultado.
A ilicitude e a culpabilidade não são afetadas dentro do novo sis-
tema. É certo, porém, que muitos problemas penais que antes eram so-
lucionados sob o prisma da licitude passam a ser tratados, com a apli-
cação da teoria da imputação objetiva, como fatos atípicos (é o caso da
violência desportiva, das intervenções cirúrgicas e do consentimento do
ofendido).
58
Direito Penal
5.7.3.2. R
ealização do risco proibido e relevante
no resultado
Quando houver a criação de um risco relevante e proibido, será pre-
ciso verificar se ele efetivamente se produziu no resultado, a fim de que
este possa ser imputável objetivamente ao autor.
a) Causas imprevisíveis (cursos causais extraordinários) Não se
pode imputar a alguém um resultado quando o agente não tinha con-
trole sobre o desenrolar causal dos acontecimentos. O responsável pelo
atropelamento de um pedestre não responde pela morte deste se ela se
deu por conta de um incêndio no hospital. Esta hipótese é expressamen-
te solucionada em nosso CP, no art. 13, § 1º.
b) Riscos que não tiveram nenhuma influência no resultado (que
teriam ocorrido de qualquer maneira)
Quando se verifica que o resultado teria ocorrido de qualquer
modo, ainda que o agente empregasse a diligência recomendada, não
se pode imputar a este objetivamente o resultado produzido. Exemplo:
o fabricante de um pincel com pelo de cabra deixa de fornecer equipa-
mentos adequados de proteção individual a seus funcionários que vêm a
contrair uma infecção letal; comprova-se, posteriormente, que se tratava
de um bacilo até então desconhecido, cujo contágio seria inevitável, ain-
da que todos os equipamentos e normas técnicas de segurança fossem
observados.
c) Resultados não compreendidos no fim de proteção da norma
É preciso verificar qual a finalidade da norma de cuidado, vale dizer,
o que ela visava proteger. Para que haja imputação objetiva, será preciso
que o agente tenha produzido um resultado compreendido dentro do
fim de proteção da norma. Exemplo: há uma norma que exige dos ciclis-
tas, durante à noite, que se utilizem de um farol. Essa norma tem como
finalidade evitar acidentes pessoais. Se dois ciclistas andam com farol
apagado, e o que vai à frente é abalroado por um caminhão, não se pode
imputar esse resultado ao outro ciclista, ainda que se demonstrasse que
o fato de ele ter utilizado o farol evitaria a morte do ciclista que seguia
à frente. A norma de proteção visa evitar acidentes pessoais, e não de
terceiros.
59
5.7.3.3. Risco compreendido no alcance do
tipo
Há casos em que, mesmo tendo-se verificado a realização de um
risco proibido no resultado, constata-se que, no caso concreto, “o al-
cance do tipo, o fim de proteção da norma inscrita no tipo (ou seja, da
proibição de matar, ferir, danificar etc.) não compreende resultados da
espécie do ocorrido, isto é, quando o tipo não for determinado a im-
pedir acontecimentos de tal ordem. Esta problemática é relevante em
especial nos delitos culposos” (Claus Roxin, Funcionalismo e imputação
objetiva no direito penal, trad. Luís Greco, p. 352). Em termos de crimes
dolosos, há três hipóteses em que se aplica o critério ora exposto: a)
autocolocação dolosa em perigo; b) heterocolocação consentida em pe-
rigo; c) âmbito de responsabilidade de terceiros.
a) Autocolocação dolosa em perigo
A vítima que se coloca dolosamente numa situação de perigo ex-
clui, com essa atitude, a responsabilidade de terceiros pelas lesões que
vier a sofrer. Exemplo: a pessoa que pratica contato sexual desprotegida
com um portador do vírus HIV, ciente dessa circunstância, afasta a res-
ponsabilidade do parceiro decorrente do contágio venéreo.
b) Heterocolocação consentida em perigo
A mesma solução se aplica quando a vítima consente em que ou-
trem a coloque numa situação de perigo, como no caso de quem pede
carona a um motorista visivelmente embriagado, vindo a ferir-se num
acidente automobilístico.
c) Responsabilidade de terceiros
A responsabilidade de terceiros no resultado afasta a imputação ob-
jetiva de quem deu início ao processo causal. É o caso do erro médico.
Para Roxin, quando o erro substitui o perigo gerado, só o médico res-
ponde pelo resultado (ex.: a morte do paciente por choque anafilático
afasta a responsabilidade pelo óbito de quem havia lesionado o falecido).
Quando, por outro lado, o erro não impede a realização do resultado, é
preciso distinguir se o médico agiu com culpa leve (hipótese em que
haverá responsabilidade do médico e da pessoa que havia provocado as
lesões no falecido) ou culpa grave (só o médico responde).
60
Direito Penal
5.7.4.3. A
imputação objetiva enfoca
apenas comportamentos que violam
determinado papel social
Não se pode exigir de um mecânico que, mesmo sabendo que o
dono do automóvel costuma andar em alta velocidade, deixe de con-
sertá-lo. Seu papel social consiste em arrumar os defeitos dos veículos,
mantendo-os dentro de suas especificações regulares, nada mais que
isso. Não se pode atribuir a esse mecânico, que se limitou a exercer seu
papel social, a responsabilidade pela morte do proprietário do veículo
num acidente de trânsito.
Um barman que serve bebida alcoólica a um motorista não pode ser
responsabilizado pelo acidente automobilístico posteriormente causado,
já que se limitou a cumprir seu papel social.
61
1ª) Criação de um risco permitido
Aquele que realiza um risco permitido não pode responder juridi-
camente pelo resultado produzido.
O risco permitido dá-se nas seguintes situações:
a) normas jurídicas que autorizam comportamentos perigosos (ex.:
regras de trânsito, práticas desportivas autorizadas, normas técni-
cas de atividades industriais);
b) fatos socialmente adequados (ex.: um passeio de automóvel
com amigos, o ato de levar um adolescente a um passeio numa
montanha);
c) lex artis: a observação das regras técnicas de determinada ativi-
dade, como a Medicina ou a Engenharia;
d) autorizações contidas em normas extrapenais. Jakobs desenvolve,
ainda, conceitos de compensação do risco e de variabilidade do risco.
A compensação de um risco pode ser levada em conta quando a
lei não estabelece determinado padrão (porque, se o faz, é justamente
por não admitir nenhum tipo de compensação). Assim, se um motorista
conduz seu automóvel sob efeito de álcool acima do limite permitido,
não pode compensar essa atitude por sua experiência ao volante.
A variabilidade do risco significa que o mesmo comportamento
produtor de risco pode variar conforme o papel social do agente. Uma
mãe que trata a ferida do filho com um pano não esterilizado não come-
te delito, ainda que isso resulte num agravamento da lesão. Um médico,
contudo, não pode agir da mesma maneira, sob pena de responder pe-
nalmente por sua conduta.
2ª) Princípio da confiança
Na vida em sociedade, as pessoas não podem ser obrigadas a des-
confiar das demais, supondo constantemente que os outros não cumpri-
rão seu papel. Daí a exclusão da responsabilidade penal quando alguém
agiu na confiança de que o outro o cumpriu (ou cumpriria).
O princípio da confiança (que para Roxin faz parte do conceito de
risco permitido) também se projeta de duas formas, como visto acima.
3ª) Proibição do regresso
Por este princípio, uma conduta lícita não gera responsabilidade
por atos ilícitos praticados posteriormente por terceiros. O motorista
de táxi que conduz um passageiro até o seu destino não pode ser res-
ponsabilizado pelas atitudes deste (ex.: matar alguém), ainda que tenha
conhecimento delas no trajeto.
4ª) Capacidade da vítima
O consentimento do ofendido a agressões a bens jurídicos a ele per-
tencentes deve excluir a responsabilidade penal, quando a vítima tinha
capacidade para entender e anuir com a lesão. Assim, por exemplo, aque-
le que realiza um contato sexual voluntário com uma pessoa portadora
do vírus HIV, ciente dessa circunstância, e, conscientemente, não toma
62
Direito Penal
Imputação obje-
5.7.5. D
iferenças entre Roxin e Jakobs no tiva, de Damásio
contexto da teoria da imputação objetiva de Jesus, Editora
Diversas diferenças poderiam ser apontadas entre as teorias da im- Saraiva.
putação objetiva sustentadas por Claus Roxin e Gunther Jakobs; duas
delas, entretanto, merecem destaque:
a) A missão da causalidade material
Roxin constrói uma teoria geral da imputação objetiva para os cri-
mes materiais, de modo a substituir a relação de causalidade, abando-
nando-se o que ele denomina “dogma da causalidade”.
Jakobs, por sua vez, sustenta que não há como abandonar um míni-
mo de causalidade na aferição da responsabilidade penal, de modo que
a imputação objetiva serviria para restringir o alcance do nexo causal.
b) Os níveis de imputação objetiva
A “principal peculiaridade do sistema de Roxin em face da doutrina
dominante” é a “existência de um terceiro nível de imputação, a saber,
o alcance do tipo” (Luís Greco, A teoria da imputação objetiva — uma
introdução, in Claus Roxin, Funcionalismo e imputação objetiva no di-
reito penal, p. 116).
A maioria dos autores define a imputação objetiva em dois níveis:
a criação de um risco proibido e relevante e sua realização no resultado.
Jakobs, de sua parte, estrutura o risco juridicamente relevante e
proibido em quatro subníveis: risco permitido, princípio da confiança,
proibição do regresso e capacidade da vítima.
63
5.7.6.1. Princípios auxiliares
A teoria da imputação objetiva enseja a admissão de uma série de
princípios:
a) Princípio da confiança: uma pessoa não pode ser punida quan-
do, agindo corretamente e na confiança de que o outro também assim
se comportará (i. e., cumprirá o seu papel), dá causa a um resultado
não desejado (ex.: o médico que confia em sua equipe não pode ser res-
ponsabilizado pela utilização de uma substância em dose equivocada,
se para isso não concorreu; o motorista que conduz seu automóvel cui-
dadosamente confia que os pedestres se manterão na calçada e somente
atravessarão a rua quando não houver movimento de veículos, motivo
pelo qual não comete crime se atropela um transeunte que se precipita
repentinamente para a via trafegável).
b) Princípio da insignificância: quando a conduta do agente pro-
duzir lesões insignificantes aos bens jurídicos, o fato será penalmente
atípico (ex.: furto de uma caixa de fósforos).
c) Princípio da proibição do regresso: uma conduta inicialmente
lícita não pode conduzir à responsabilização do agente por resultados
ilícitos posteriores cometidos por terceiros (ex.: venda de um veículo
automotor posteriormente utilizado em atropelamento).
d) Princípio da autorresponsabilidade ou das “ações a próprio
risco”: aquele que, de modo livre e consciente, e sendo inteiramente res-
ponsável por seus atos, realiza comportamentos perigosos e produz re-
sultados lesivos a si mesmo arcará totalmente com as consequências de
seus atos, não se admitindo qualquer tipo de imputação a pessoas que o
tenham eventualmente motivado a praticar tais condutas perigosas (ex.:
agente que incentiva desafeto a praticar “esportes radicais”).
64
6 Do Fato Típico e
seus Elementos
SAiBA mAiS 6.1 FATo TíPiCo
Aprofunde seus conhecimen-
tos com a leitura do artigo “O Fato típico é o fato humano que se adequa perfeitamente ao tipo
que é a tipicidade penal hoje”, penal. O fato típico consubstancia o primeiro dos elementos estruturais
de Paulo Queiroz, disponível em: do delito e sua composição varia em função da espécie de crime.
http://emporiododireito.com.br/ Nos dolosos são: a) conduta dolosa; b) resultado (nos crimes ma-
o-que-e-tipicidade-penal-hoje/ teriais); c) nexo causal (nos crimes materiais); d) tipicidade; e) relação
de imputação objetiva (elemento normativo implícito do fato típico).
Nos culposos, por outro lado: a) conduta voluntária; b) resultado
involuntário; c) nexo causal; d) tipicidade; e) relação de imputação ob-
jetiva (elemento normativo implícito do fato típico); f) quebra do dever
de cuidado objetivo; g) previsibilidade objetiva.
6.2 CoNDuTA
6.3 rESuLTADo
66
Direito Penal
67
de defesa do bem jurídico contra agressões em seu estado embrionário,
VoCABuLário
reprimindo-se a conduta antes que ela venha a produzir um perigo con-
conditio sine qua non: é uma creto ou dano efetivo”. Afirma o autor que se trata de “cautela reveladora
expressão latina que significa de zelo do Estado em proteger adequadamente certos interesses” (Con-
“sem a qual não”. sentimento do ofendido e violência desportiva: reflexos à luz da teoria da
imputação objetiva, p. 87). Na jurisprudência predomina amplamente o
entendimento no sentido da constitucionalidade de tais delitos (v. STJ,
HC 23.969/RJ, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 9-9-2003, Informativo
STJ, n. 183).
Dispõe o art. 13, caput, parte inicial, do CP: “O resultado, de que de-
pende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa”.
O resultado a que alude o dispositivo é o naturalístico ou material, isto é,
a modificação no mundo exterior provocada pela conduta.
A grande maioria dos tipos penais não se limita a descrever uma
ação ou omissão, exigindo também, para fins de consumação, que ocor-
ra um resultado material. Nesses casos, o art. 13 condiciona a existência
do crime à constatação de um liame causal entre a conduta e o resultado
por ela supostamente produzido.
Nexo de causalidade consiste justamente nesse vínculo ou liame
que une a conduta ao resultado nos crimes materiais.
Várias teorias se preocupam em definir o critério para constatar o
nexo causal:
a) teoria da equivalência dos antecedentes ou da conditio sine qua
non: sustenta que todo fator que de forma direta ou indireta exerceu
alguma influência no resultado deve ser considerado como sua causa;
b) teoria da causalidade adequada: apenas se reputa causa do
resultado a circunstância mais adequada a produzi-lo, segundo um
juízo de probabilidade (ou “prognose póstuma-objetiva”: verifica-se
se um homem dotado de conhecimentos medianos poderia antever o
resultado como provável ou possível na situação em que o agente se
encontrava);
c) teoria da imputação objetiva do resultado: defende que a cau-
salidade natural, fundada na teoria da equivalência dos antecedentes,
leva a exageros que devem ser limitados pela verificação da existência
de relação de imputação objetiva entre a conduta e o resultado. Além da
causalidade material, portanto, é preciso que a atitude do agente tenha
produzido um risco juridicamente relevante e proibido ao bem jurídico.
Nosso CP adotou expressamente a teoria da equivalência dos ante-
cedentes (art. 13, caput, parte final), ao estabelecer: “Considera-se causa
a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. Tudo
o que contribuir para o resultado, portanto, deve ser considerado sua
68
Direito Penal
69
decorrências corriqueiras da conduta (ex.: a morte por choque hemor-
ATENÇÃo rágico subsequente a um ferimento perfuroinciso profundo configura
evento esperado; para a jurisprudência, a morte em virtude de infecção
a) as causas absolutamente
independentes sempre rompem
hospitalar é considerada decorrência esperada de uma internação). As
o nexo causal, de modo que o independentes, de sua parte, são as que, originando-se ou não da condu-
agente nunca responderá pelo ta, produzem por si sós o resultado e configuram algo que normalmente
resultado; somente pelos atos não acontece. São eventos inusitados, inesperados (ex.: uma pequena
praticados; b) as causas relativa- ferida incisa, normalmente, não é capaz de levar à morte, mas isso pode
mente independentes não rom- ocorrer se a vítima for hemofílica).
pem o nexo causal, motivo por Em se tratando de causas dependentes, o agente responderá por
que o agente, se a conhecia ou todos os seus desdobramentos.
se, embora não a conhecendo,
Quanto às causas independentes, é preciso distinguir entre as cau-
podia prevê-la, responde pelo
resultado (salvo na causa super-
sas absoluta e as relativamente independentes da conduta do agente.
veniente). 1) Causas absolutamente independentes: são as que produzem por
si sós o resultado e não têm qualquer origem ou relação com a conduta
praticada pelo sujeito. Como nesse caso o resultado ocorreria de qual-
quer maneira, com ou sem o comportamento realizado, fica totalmente
afastado o nexo de causalidade, motivo por que o agente não responderá
pelo resultado.
Subdividem-se em preexistentes (se anteriores à conduta do agen-
te), concomitantes (quando ocorrem ao mesmo tempo) ou superve-
nientes (se posteriores).
Exemplos:
a) efetuar disparos de arma de fogo, com intenção homicida, em
pessoa que falecera minutos antes (causa preexistente);
b) atirar em pessoa que, no exato momento do tiro, sofre ataque
cardíaco fulminante que não guarda relação alguma com o disparo
(causa concomitante);
c) ministrar veneno na comida da vítima, que, antes que a peçonha
faça efeito, vem a ser atropelada (causa superveniente; nesse caso, o agen-
te só responde pelos atos praticados, ou seja, por tentativa de homicídio).
Lembre-se de que em todas as causas absolutamente independentes
ficará afastada a relação de causalidade entre a conduta do sujeito e o
resultado produzido, razão pela qual o sujeito apenas responderá pelos
atos praticados, não sendo possível imputar-lhe o resultado final (nos
exemplos acima: a morte da vítima).
2) Causas relativamente independentes: são as que, somadas à con-
duta do agente, produzem o resultado. De regra, não se exclui o nexo de
causalidade, de forma que o resultado poderá ser atribuído ao agente,
que por ele responderá.
Também se subdividem em preexistentes, concomitantes ou super-
venientes.
Exemplos de causas relativamente independentes: a) Efetuar feri-
mento leve, com instrumento cortante, num hemofílico, que sangra até
a morte (a hemofilia é a causa preexistente que, somada à conduta do
agente, produziu a morte). Note que nesse exemplo se pressupõe que o
70
Direito Penal
6.5.1. Conceito
Tipicidade é a relação de subsunção entre um fato concreto e um
VOCABULÁRIO
tipo penal previsto abstratamente na lei. Trata-se de uma relação de en-
caixe, de enquadramento. É o adjetivo que pode ou não ser dado a um subsunção: é a ação ou efeito
fato, conforme ele se enquadre ou não na lei penal. de subsumir, isto é, incluir (al-
guma coisa) em algo maior.
O conceito de tipicidade, como se concebe modernamente, pas-
Como definição jurídica, confi-
sou a ser estruturado a partir das lições de Beling (1906), cujo maior gura-se a subsunção quando o
mérito foi distingui-la da antijuridicidade e da culpabilidade. Seus caso concreto se enquadra à
ensinamentos, entretanto, foram aperfeiçoados até que se chegasse à norma legal em abstrato.
concepção vigente.
Jiménez de Asúa sistematizou essa evolução, dividindo-a em três
fases:
1ª) Fase da independência (Beling — 1906): a tipicidade possuía
função meramente descritiva, completamente separada da ilicitude e da
culpabilidade (entre elas não haveria nenhuma relação). Trata-se de ele-
mento valorativamente neutro. Sua concepção não admitia o reconheci-
mento de elementos normativos ou subjetivos do tipo.
71
2ª) Fase do caráter indiciário da ilicitude ou da ratio cognoscendi
ATENÇÃo
(Mayer — 1915): a tipicidade deixa de ter função meramente descriti-
va, representando um indício da antijuridicidade. Embora se mantenha,
FATo TíPiCo
admite-se ser uma indício da outra. Pela teoria de Mayer, praticando-se
um fato típico, ele se presume ilícito. Essa presunção, contudo, é relativa,
conduta Resul- Tipici-
tado dade
pois admite prova em contrário. Além disso, a tipicidade não é valorati-
(ação ou
omissão) Nexo vamente neutra ou descritiva, de modo que se torna admissível o reco-
causal nhecimento de elementos normativos e subjetivos do tipo penal.
3ª) Fase da ratio essendi da ilicitude (Mezger — 1931): Mezger atri-
bui ao tipo função constitutiva da ilicitude, de tal forma que, se o fato
for lícito, será atípico. A ilicitude faz parte da tipicidade. O tipo penal do
homicídio não seria matar alguém, mas matar alguém fora das hipóteses
de legítima defesa, estado de necessidade etc.
Concepção dominante: a de Mayer.
72
Direito Penal
6.6 dolo
Dolo é a vontade de concretizar as características objetivas do tipo
(Damásio de Jesus). Trata-se de elemento subjetivo implícito da conduta.
O dolo possui elementos, quais sejam:
a) Cognitivo ou intelectual, que é a representação, a consciência da
conduta, do resultado e do nexo causal entre eles;
b) Volitivo, que é a vontade de realizar a conduta e produzir o re-
sultado.
73
ATENÇÃo 6.7 CuLPA
imprudência O crime culposo está previsto no artigo 18, II, do Código Penal
moDALiDADES
DE CrimE negligência Brasileiro com a seguinte redação:
CuLPoSo imperícia
Art. 18 — Diz-se o crime:
(...)
II — culposo, quando o agente deu causa ao resultado por impru-
dência, negligência ou imperícia.
74
7 Ilicitude
atENÇÃo 7.1 coNcEIto, tEoRIas
NÃo HÁ cRImE quando o fato é
praticado em: Trata-se da contrariedade do fato com o ordenamento jurídico (en-
• estado de necessidade; foque puramente formal ou “ilicitude formal”), por meio da exposição
• legítima defesa; a perigo de dano ou da lesão a um bem jurídico tutelado (enfoque ma-
• exercício regular de um direito; terial ou “ilicitude material”).
• estrito cumprimento de um de- A antijuridicidade da conduta deve ser apreciada objetivamente,
ver legal.
vale dizer, sem se questionar se o sujeito tinha consciência de que agia
de forma ilícita. Por essa razão, pode perfeitamente ser considerada ilí-
cita eventual conduta de um inimputável, ainda que ele não tenha ca-
pacidade de avaliar a antijuridicidade de seu comportamento. Ele pode
cometer, portanto, um fato típico e antijurídico (mas não receberá pena
por ausência de culpabilidade).
A doutrina classifica a ilicitude em genérica e específica. Aquela
corresponde à contradição do fato com a norma abstrata, por meio da
afetação a algum bem jurídico. Esta consiste na ilicitude presente em
determinados tipos penais, os quais empregam termos como “sem justa
causa”, “indevidamente”, “sem autorização ou em desacordo com deter-
minação legal ou regulamentar”. Na verdade, dessas, só a primeira real-
mente trata-se de ilicitude. A chamada antijuridicidade específica nada
mais é do que uma designação equivocada para determinados elemen-
tos normativos de alguns tipos penais.
causas dE JustIFIcaÇÃo.
7.2 dEscRImINaNtEs LEgaIs,
supRaLEgaIs E putatIvas
76
Direito Penal
Crime e casti-
Diz o CP no art. 24: “Considera-se em estado de necessidade quem
go, de Fiodor
pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua von- M. Dostoievski.
tade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo Um dos maio-
sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”. res romances
A situação de necessidade pressupõe, antes de tudo, a existência de de todos os
um perigo (atual) que ponha em conflito dois ou mais interesses legíti- tempos, nar-
mos, que, pelas circunstâncias, não podem ser todos salvos (na legítima ra a história
defesa, como se verá adiante, só existe um interesse legítimo). Um deles, do estudante
Raskôlnikov, que, vendo-se na mi-
pelo menos, terá de perecer em favor dos demais. O exemplo caracterís-
séria, assassina uma velha usurária
tico é o da “tábua de salvação”: após um naufrágio, duas pessoas se veem
e não consegue livrar-se do peso
obrigadas a dividir uma mesma tábua, que somente suporta o peso de
do remorso. Para refletir: Raskôlni-
uma delas. Nesse contexto, o direito autoriza um deles a matar o outro, kov agiu acobertado pelo estado
se isso for preciso para salvar sua própria vida. de necessidade?
7.3.3 Requisitos
Há requisitos vinculados à situação de necessidade, que justificam
a excludente, e outros ligados à reação do agente. Entre os primeiros
77
temos: a) existência de um perigo atual; b) perigo que ameace direi-
atENÇÃo
to próprio ou alheio; c) conhecimento da situação justificante; d) não
Sobre o estado de necessidade, provocação voluntária da situação de perigo. Com relação à reação do
em síntese, temos: agente, temos: a) inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado (pro-
Requisitos: porcionalidade dos bens em confronto); b) inevitabilidade do perigo; c)
a) Perigo atual. inexistência do dever legal de enfrentar o perigo.
b) Ameaça a direito próprio a) Perigo atual
ou alheio. Perigo é a probabilidade de dano. Embora a lei só se refira ao perigo
c) Conhecimento da situa- atual, deve-se admitir o estado de necessidade quando iminente o peri-
ção justificante. go (analogia in bonam partem). Não se admite a excludente, entretanto,
d) Perigo não provocado vo- quando passado o perigo ou quando este ainda está por vir.
luntariamente pelo sujeito.
b) Ameaça a direito próprio ou alheio
e) Inexigibilidade do sacrifício
do bem ameaçado (prin- Age em estado de necessidade não somente quem salva direito pró-
cípio da ponderação de prio (ex.: a “tábua de salvação”) mas também quem defende direito de
bens). terceiro (ex.: médico que quebra sigilo profissional revelando que um
f) Inevitabilidade do perigo. paciente é portador do vírus HIV para salvar terceira pessoa que seria
g) Inexistência de dever legal contaminada). A excludente, ademais, aplica-se quaisquer que sejam os
de arrostar o perigo (art. direitos em jogo. Se o interesse for tutelado pelo ordenamento jurídico,
24, § 1º). poderá ser protegido diante de uma situação de necessidade.
Classificação: c) Conhecimento da situação justificante
• Estado de necessidade de-
É fundamental que o sujeito tenha plena consciência da existência
fensivo.
do perigo e atue com o fim de salvar direito próprio ou alheio. Por essa
• Estado de necessidade
razão, o médico que realiza aborto por dinheiro não age em estado de
agressivo.
necessidade, mesmo se constatando, após, a existência de risco atual à
• Estado de necessidade jus-
tificante.
vida da gestante.
• Estado de necessidade ex- d) Perigo não provocado voluntariamente pelo sujeito
culpante. O provocador do perigo não pode beneficiar-se da excludente, a não
• Estado de necessidade pró- ser que o tenha gerado involuntariamente. Em outras palavras, aque-
prio. le que por sua vontade produz o perigo não poderá agir em estado de
• Estado de necessidade de necessidade. Provocar voluntariamente significa provocar dolosamen-
terceiro. te. Dessa forma, se o agente provocou culposamente o perigo, poderá
• Estado de necessidade ser beneficiado pela excludente. Há quem entenda de maneira diversa,
real.
equiparando a provocação voluntária tanto à dolosa como à culposa.
• Estado de necessidade pu- Argumenta-se que o provocador do risco teria sempre o dever jurídico
tativo.
de impedir o resultado (i. e., salvar o bem alheio em detrimento do seu),
independentemente de dolo ou culpa, com base no art. 13, § 2º, c, do CP.
Esse dispositivo, contudo, não se aplica ao estado de necessidade, pelo
princípio da especialidade; isso porque o art. 24, § 1º, do CP estipula que
só não pode alegar estado de necessidade quem tem o dever legal de en-
frentar o perigo (situação retratada no art. 13, § 2º, a, do CP). Portanto,
das pessoas arroladas no art. 13, § 2º, somente aquela da alínea a não
pode agir amparada pela excludente; já as demais (letras b e c) podem.
e) Inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado (princípio da
ponderação de bens)
78
Direito Penal
7.3.4 Classificação
a) Estado de necessidade defensivo: a conduta do sujeito que age
em necessidade se volta contra a coisa de que provém o perigo — se o
perigo foi causado por alguém, contra este é que se dirige a conduta, le-
sionando um bem de sua titularidade (ex.: um náufrago disputa a tábua
de salvação com outro, que é o responsável pelo afundamento do navio).
b) Estado de necessidade agressivo: a conduta do sujeito que age
em necessidade se volta contra outra coisa, diversa daquela que originou
o perigo, ou contra terceiro inocente (ex.: um náufrago disputa a tábua
de salvação com outro, sendo que ambos não tiveram nenhuma respon-
sabilidade no tocante ao afundamento do navio).
A distinção acima não tem relevância para o direito penal (ambos
excluem a ilicitude), mas repercute na órbita cível. O sujeito que age em
estado de necessidade agressivo deverá reparar o dano causado ao ter-
ceiro inocente pela sua conduta, tendo direito de regresso contra o cau-
sador do perigo. O reconhecimento do estado de necessidade defensivo,
por outro lado, afasta até mesmo a obrigação de reparar o dano causado
pelo crime (a sentença penal que o reconhecer impedirá eventual ação
civil ex delicto).
79
c) Estado de necessidade justificante: afasta a ilicitude da conduta.
cINEmatEca
d) Estado de necessidade exculpante: exclui a culpabilidade do
tempo de ma- agente (não foi adotado pelo CP).
tar, direção e) Estado de necessidade próprio: salva-se bem próprio.
de Joel schu- f) Estado de necessidade de terceiro: salva-se bem alheio.
macher, 1996.
g) Estado de necessidade real: é aquele definido no art. 24 do CP.
Em Canton,
no Mississipi,
h) Estado de necessidade putativo: trata-se do estado de necessida-
dois brancos de imaginário (afasta o dolo — art. 20, § 1º, do CP, ou a culpabilidade
espancam e — art. 21 do CP, conforme o caso).
estupram uma
menina negra de dez anos. Eles
são presos, mas, quando estão 7.4 LEgítIma dEFEsa
sendo levados ao tribunal para ter
o valor da sua fiança decretada,
o pai da garota (Samuel L. Jack- Diz o CP, no art. 25: “Entende-se em legítima defesa quem, usando
son) decide fazer justiça com as moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou
próprias mãos e mata os dois na iminente, a direito seu ou de outrem”.
frente de diversas testemunhas, Trata-se de um dos mais bem desenvolvidos e elaborados institutos
além de acidentalmente ferir se- do direito penal. Sua construção teórica surgiu vinculada ao instinto de
riamente um policial. Para refletir: sobrevivência (“matar para não morrer”) e, por via de consequência,
seria o caso de legítima defesa da atrelada ao crime de homicídio. Atualmente, permite-se seu reconheci-
honra? mento como meio de tutelar qualquer direito, não somente a vida ou a
integridade física.
7.4.1 Requisitos
São os seguintes: a) existência de uma agressão; b) atualidade ou
iminência da agressão; c) injustiça dessa agressão; d) agressão contra
direito próprio ou alheio; e) conhecimento da situação justificante (ani-
mus defendendi); f) uso dos meios necessários para repeli-la; g) uso mo-
derado desses meios. Vejamos abaixo:
a) Agressão
É sinônimo de ataque, ou seja, a conduta humana que lesa ou expõe
a perigo bens jurídicos tutelados. A mera provocação não dá ensejo à
defesa legítima. Ao reagir a uma provocação por parte da vítima, o agen-
te responderá pelo crime, podendo ser reconhecida em seu favor uma
atenuante genérica (CP, art. 65, III, b) ou um privilégio, como no crime
de homicídio (CP, art. 121, § 1º).
A agressão deve ser humana. Contra agressão de animal cabe esta-
do de necessidade (a não ser que alguém provoque deliberadamente o
animal, de modo que ele sirva como instrumento do ataque de um ser
humano).
b) Atualidade ou iminência
Atual é a agressão presente, que está em progressão, que está acon-
tecendo. Iminente, quando está prestes a se concretizar. “A legítima de-
fesa não se funda no temor de ser agredido nem no revide de quem já o
foi” (Noronha). Reação contra agressão passada é vingança; em vez de
80
Direito Penal
81
aquele que defende direito próprio (legítima defesa própria) ou alheio
(legítima defesa de terceiro).
e) Elemento subjetivo — conhecimento da situação justificante
Constitui requisito fundamental para a existência da excludente. O
agente deve ter total conhecimento da existência da situação justificante
para que seja por ela beneficiado. “A legítima defesa deve ser objetiva-
mente necessária e subjetivamente orientada pela vontade de defender-
-se” (Cezar Roberto Bitencourt, Manual de direito penal, v. 1, p. 264).
Imagine a seguinte situação e questione se houve ou não legítima defesa:
A pretende vingar-se de seu inimigo B e passa a andar armado. Certo
dia, avista-o. Ocorre que somente enxerga sua cabeça, pois B se encon-
tra atrás de um muro alto. A não sabe o que está acontecendo do outro
lado do muro. Como tencionava matar seu desafeto, saca sua arma e
efetua um disparo letal na cabeça de B. Posteriormente, apura-se que,
do outro lado do muro, B também estava com uma arma em punho,
prestes a matar injustamente C. Constata-se, ainda, que o tiro disparado
por A salvou a vida de C. Enfim, A deve ou não ser condenado? Agiu em
legítima defesa de terceiro? Não, uma vez que só age em legítima defesa
(e isso vale para as demais excludentes de antijuridicidade) quem tem
conhecimento da situação justificante e atua com a finalidade/intenção
de defender-se ou defender terceiro.
Presentes os requisitos vistos até então, tem-se uma situação de le-
gítima defesa, de modo que a repulsa contra a agressão será lícita. No
entanto, a reação deve pautar-se pelo necessário e suficiente para salvar
o direito ameaçado ou lesionado. Excedendo-se, extrapola o agente os
limites da defesa, acarretando excesso, pelo qual o sujeito responderá,
se no tocante a ele atuar dolosa ou culposamente (CP, art. 23, parágrafo
único).
f) Meios necessários
É o meio menos lesivo que se encontra à disposição do agente, po-
rém hábil a repelir a agressão. Havendo mais de um meio capaz de evi-
tar o ataque ao alcance do sujeito, deve ele optar pelo menos agressivo.
Evidentemente essa ponderação, fácil de ser feita com espírito calmo e
refletido, pode ficar comprometida no caso concreto, quando o ânimo
daquele que se defende encontra-se totalmente envolvido com a situa-
ção. Por isso que se diz, de forma uníssona, que a necessidade dos meios
(bem como a moderação, que se verá em seguida) não pode ser aferida
segundo um critério milimétrico, mas sim tendo em vista o calor dos
acontecimentos. Assim, exemplificativamente, a diferença de porte físico
legitima, conforme o caso, agressão com arma.
g) Moderação
Não basta a utilização do meio necessário, é preciso que esse meio
seja utilizado moderadamente. Trata-se da proporcionalidade da reação,
a qual deve dar-se na medida do necessário e suficiente para repelir o
ataque. Como já lembrado, a moderação no uso dos meios necessários
deverá ser avaliada levando-se em conta o caso concreto.
82
Direito Penal
7.4.3. Excesso
Trata-se da desnecessária intensificação de uma conduta inicial-
mente legítima. Predomina na doutrina o entendimento de que o ex-
cesso decorre tanto do emprego do meio desnecessário como da falta
de moderação (nesse sentido, entre outros, Julio F. Mirabete, Manual de
direito penal: parte geral, v. 1, p. 183; Fernando Capez, Curso de direito
penal: parte geral, v. 1, p. 237).
Há duas formas de excesso:
a) intencional ou voluntário, quando o agente tem plena consciên-
cia de que a agressão cessou e, mesmo assim, prossegue reagindo visando
lesar o bem do agressor; nesse caso, o agente responderá pelo resultado
excessivo a título de dolo (é o chamado “excesso doloso”);
b) não intencional ou involuntário, o qual se dá quando o sujeito,
por erro na apreciação da situação fática, supõe que a agressão ainda
persiste e, por conta disso, continua reagindo sem perceber o excesso
que comete. Se o erro no qual incorreu for evitável (i. e., uma pessoa de
mediana prudência e discernimento não cometeria o mesmo equívoco
no caso concreto), o agente responderá pelo resultado a título de culpa,
se a lei previr a forma culposa (“excesso culposo”). Caso, contudo, o erro
seja inevitável (qualquer um o cometeria na mesma situação), o sujeito
não responderá pelo resultado excessivo, afastando-se o dolo e a culpa
(“excesso exculpante” ou “legítima defesa subjetiva”).
7.4.4. Classificação
a) Legítima defesa recíproca: é a legítima defesa contra legítima de-
fesa (inadmissível, salvo se uma delas ou todas forem putativas);
b) legítima defesa sucessiva: é a reação contra o excesso;
c) legítima defesa real: é a que exclui a ilicitude;
d) legítima defesa putativa: é a imaginária, trata-se de modalidade
de erro (CP, arts. 20, § 1º, ou 21);
e) legítima defesa própria: quando o agente salva direito próprio;
f) legítima defesa de terceiro: quando o sujeito defende direito
alheio;
83
g) legítima defesa subjetiva: dá-se quando há excesso exculpante
(decorrente de erro inevitável);
h) legítima defesa com aberratio ictus: o sujeito, ao repelir a agressão
injusta, por erro na execução, atinge bem de pessoa diversa da que o agredia.
Exemplo: A, para salvar sua vida, saca uma arma de fogo e atira em direção
ao seu algoz, B; no entanto, erra o alvo e acerta C, que apenas passava pelo
local. A agiu sob o abrigo da excludente e deverá ser absolvido criminalmen-
te; na esfera cível, contudo, deverá responder pelos danos decorrentes de sua
conduta contra C, tendo direito de regresso contra B, seu agressor.
7.4.5. ofendículos
Compreendem todos os instrumentos empregados regularmente, de
maneira predisposta (previamente instalada), na defesa de algum bem ju-
rídico, geralmente posse ou propriedade. Há autores que distinguem os
ofendículos da defesa mecânica predisposta. Os primeiros seriam apara-
tos visíveis (cacos de vidro nos muros, pontas de lança etc.); os segundos,
ocultos (cercas eletrificadas, armadilhas etc.). De qualquer modo, a juris-
prudência recomenda que o aparato seja sempre visível e inacessível a ter-
ceiros inocentes (em se tratando de defesa mecânica predisposta, é preciso
a existência de alguma advertência visível, p. ex., “cuidado, cão bravo” ou
“atenção, cerca eletrificada”, além da inacessibilidade a terceiros inocen-
tes). Presentes esses requisitos, o titular do bem protegido não responderá
criminalmente pelos resultados lesivos dele decorrentes. Quando atingir
o agressor, terá agido em legítima defesa (preordenada); se atingir terceiro
inocente, será absolvido com base na legítima defesa putativa.
Embora haja dissenso doutrinário a respeito da natureza jurídica
dos ofendículos (legítima defesa ou exercício regular de um direito),
prevalece o entendimento de que sua preparação configura exercício re-
gular de um direito, e sua efetiva utilização diante de um caso concreto,
legítima defesa preordenada. Pela teoria da imputação objetiva, no en-
tanto, a instalação dos ofendículos constitui fato atípico, pois se trata de
exposição de bens jurídicos a riscos permitidos.
84
Direito Penal
Todo aquele que exerce um direito assegurado por lei não prati-
ca ato ilícito. Quando o ordenamento jurídico, por meio de qualquer
de seus ramos, autoriza determinada conduta, sua licitude reflete-se na
85
seara penal, configurando excludente de ilicitude: exercício regular de
um direito (CP, art. 23, III). A esfera de licitude penal, obviamente, só
alcança os atos exercidos dentro do estritamente permitido. O agente
que inicialmente exerce um direito, mas o faz de modo irregular, trans-
bordando os limites do permitido, comete abuso de direito e responde
pelo excesso, doloso ou culposo (não se podendo excluir a possibilidade
do excesso exculpante).
Interessante assinalar que a excludente pode fundar-se não só em
normas jurídicas mas também nos costumes, como ocorre no caso dos
conhecidos trotes acadêmicos. É certo, por óbvio, que os trotes, se exces-
sivos, constituirão crime.
Os exemplos mais comuns de incidência da excludente em apreço
são:
a) intervenção médico-cirúrgica (a intervenção cirúrgica não prati-
cada por profissional habilitado apenas será autorizada em casos de es-
tado de necessidade); note que o médico deverá colher o consentimento
do paciente, ou de seu representante, se menor, somente se podendo
cogitar de cirurgia independentemente de autorização do paciente nos
casos de estado de necessidade;
b) violência desportiva, desde que o esporte seja regulamentado
oficialmente e a lesão ocorra de acordo com as respectivas regras;
c) desforço imediato na defesa da posse;
d) flagrante facultativo (CPP, art. 301), que constitui a faculdade
conferida por lei a qualquer do povo de prender quem esteja em situa-
ção de flagrante delito.
Imputação objetiva
Cabe enfatizar que, segundo a teoria da imputação objetiva, o exer-
cício regular de um direito deixa de existir como excludente de ilicitude,
sendo suas hipóteses tratadas no âmbito do fato típico, como afastado-
ras da relação de imputação objetiva, tendo em vista que o risco criado
pelo agente nesses casos seria um risco permitido.
86
8 Culpabilidade
CiNeMaTeCa CoNCeiTo, NaTuReZa e FuNdaMeNTo
8.1 JuRÍdiCo
Os dois filmes abaixo mostram as
mazelas do sistema carcerário bra-
sileiro destinado Trata-se do pressuposto necessário para a aplicação de uma pena ao
aos considerados agente que cometeu um crime (fato típico e antijurídico). Dá-se quando
inimputáveis, tra-
o sujeito for imputável, detiver possibilidade de compreensão da ilici-
çando um para-
tude de sua conduta e se puder dele exigir comportamento diferente na
lelo com o mundo
das drogas.
situação em que se encontrava. Embora haja autores que sustentem ser
a culpabilidade requisito do crime, não é essa a conclusão que decorre
bicho de sete Ca
beças, direção do exame de nossa legislação, a qual afirma, nas hipóteses de falta de
de laís bodanzky, culpabilidade, ser o agente isento de pena (v. CP, arts. 21, 22, 26 e 28),
2005. em vez de declarar não haver crime, como faz no caso das excludentes
Meu nome não é de ilicitude (v. CP, art. 23).
Johnny, direção No sistema clássico, a culpabilidade era vista como mero vínculo
de Mauro lima, psicológico entre autor e fato, por meio do dolo e da culpa, que eram
2008. suas espécies (teoria psicológica da culpabilidade). No sistema neoclás-
o estranho no Ni sico, agregou-se a ela a noção de reprovabilidade, resultando no entendi-
nho, direção de
mento de que a culpabilidade somente ocorreria se o agente fosse impu-
Miloš Forman,
tável, agisse dolosa ou culposamente e se se pudesse dele exigir compor-
1975. O longa faz
uma releitura da
tamento diferente (teoria psicológico-normativa ou normativa da cul-
obra de Ken Ke- pabilidade). Já se tratava de um grande avanço, mas o aperfeiçoamento
sey, com o enfo- definitivo só veio com o sistema finalista, pelo qual ela se compunha de
que na real situ- imputabilidade, possibilidade de compreensão da ilicitude da conduta e
ação das pessoas que vivem em de exigir do agente comportamento distinto (teoria normativa pura da
um sanatório. Narra a história de culpabilidade).
um homem que comete um crime,
A teoria normativa pura, hoje prevalente, subdivide-se em: teoria
mas devido a seu comportamen-
limitada e teoria extremada da culpabilidade, as quais são absolutamen-
to, passa o período de reclusão
em um sanatório. No decorrer do te coincidentes em todos os seus postulados, salvo no tocante à natureza
filme, é abordada a rígida rotina a das descriminantes putativas.
que os pacientes são submetidos,
com intenso uso de medicamen-
tos e humilhações, o que reforça
eleMeNTos da Culpabilidade Na
a necessidade de repensarmos a 8.2 CoNCepÇão FiNalisTa
forma correta de tratamento para
pessoas nessa situação.
88
Direito Penal
89
ação de inimputabilidade para cometer o crime, considerando que, no
momento da conduta, terá afastada a capacidade de autodeterminar-se?
É o caso do sujeito que voluntariamente se deixa hipnotizar para o fim
de cometer o crime, ou se embriaga com esse mesmo propósito. Aplica-
se a teoria da actio libera in causa (ação livre na causa), pela qual o agente
responde pelo resultado produzido, uma vez que, ao se autocolocar no
estado de inimputabilidade, tinha plena consciência do que fazia. Im-
portante advertir que o sujeito só responderá pelo crime se na causa
(ação livre) estiver presente o dolo ou a culpa ligados ao resultado. Em
outras palavras, o resultado posterior que se pretende imputar ao agente
deve ter sido, ao menos, previsível quando da ação livre (hipnose ou
embriaguez, p. ex.).
Como ensina Damásio de Jesus: “A moderna doutrina penal não
aceita a aplicação da teoria da actio libera in causa à embriaguez comple-
ta, voluntária ou culposa e não preordenada, em que o sujeito não pos-
sui previsão, no momento em que se embriaga, da prática do crime. Se o
sujeito se embriaga prevendo a possibilidade de praticar o crime e acei-
tando a produção do resultado, responde pelo delito a título de dolo. Se
ele se embriaga prevendo a possibilidade do resultado e esperando que
ele não se produza, ou não o prevendo, mas devendo prevê-lo, responde
pelo delito a título de culpa. Nos dois últimos casos, é aceita a aplicação
da teoria da actio libera in causa. Diferente é o primeiro caso, em que o
sujeito não desejou, não previu, nem havia elementos de previsão da
ocorrência do resultado” (Direito penal: parte geral, v. 1, p. 513).
a) Doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou re-
tardado (CP, art. 26)
A doença mental, ou desenvolvimento mental incompleto ou re-
tardado, se aliada à falta de capacidade de compreender o caráter ilícito
do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento, produz a
inimputabilidade.
Três são os requisitos: biológico (a causa, ou seja, a doença mental
etc.); psicológico (o efeito, ex., a supressão das capacidades de entendi-
mento ou autodeterminação); temporal (ocorrência dos requisitos an-
teriores no exato momento da conduta).
O sujeito que, nessa hipótese, praticar um crime será absolvido.
Trata-se de absolvição imprópria, pois a ele se aplicará uma medida de
segurança.
Se, por outro lado, presente a causa, o agente não tiver suprimida
mas simplesmente diminuída a capacidade de entender o caráter ilícito
do fato ou de autodeterminar-se, aplica-se o parágrafo único do art. 26
(“semi-imputável”). A ele poderá ser imposta a pena pelo crime pratica-
do, diminuída de 1 a 2/3, ou uma medida de segurança (art. 98), confor-
me se afigure mais adequado ao juiz, em função da necessidade ou não
VoCabulÁRio de especial tratamento curativo.
O silvícola inadaptado ao convívio com a civilização, assim como o
silvícola é que ou quem nasce
surdo-mudo alijado da cultura, pode enquadrar-se no art. 26, caput ou
ou vive na selva, selvagem.
parágrafo único, de acordo com o caso concreto.
90
Direito Penal
91
O adolescente (pessoa com mais de 12 e menos de 18 anos comple-
tos) que pratica um fato definido como crime ou contravenção penal
incorre, nos termos do ECA, em ato infracional, sujeito às chamadas
medidas socioeducativas (internação, semiliberdade etc.).
“O limite de idade deve ser fixado de acordo com a regra do art. 10,
1ª parte: ‘O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo’. Se o fato
é cometido no dia em que o sujeito comemora 18 anos, responde por
crime, pois não se indaga a que hora completa a maioridade penal. A
partir do primeiro instante do dia do aniversário surge a maioridade”
(Damásio de Jesus, Direito penal: parte geral, v. 1, p. 506).
a iNexiGibilidade de CoNduTa
8.4 diVeRsa CoMo Causa supRaleGal
de exClusão da Culpabilidade
92
Direito Penal
93
94
9 Teoria do Erro
biblioTEca concEiTo DE Erro. DisTinÇÃo EnTrE
9.1 Erro DE Tipo E Erro DE proibiÇÃo:
Para aprofundar o conhecimento
naTurEZa JurÍDica E EFEiTos
sobre o tema, su-
gerimos a leitura
da obra clássica:
Erro, em direito penal, corresponde a uma falsa percepção da rea-
Erro de Tipo & Erro
de proibição, de lidade, que tanto pode incidir sobre situação fática prevista como ele-
Cezar Roberto Bi- mentar ou circunstância do crime (erro de tipo) como sobre a ilicitude
tencourt, Editora da conduta (erro de proibição). Conforme lição clássica de Hans Welzel,
Saraiva. a pessoa que subtrai coisa de outra, acreditando ser sua, encontra-se em
erro de tipo (não sabe que subtrai coisa alheia); contudo, se acredita ter
aTEnÇÃo o direito de subtrair coisa alheia, como o caso do credor em relação ao
devedor inadimplente, há erro de proibição; ou, ainda, na lição de Da-
Espécies de erro de tipo másio de Jesus, quando alguém tem cocaína em casa, na crença de que
• Essencial: subdivide-se em erro constitui outra substância, inócua (ex.: talco), comete erro de tipo (art.
de tipo incriminador e permissivo. 20); mas se souber da natureza da substância, a qual mantém por supor
a) Erro de tipo incriminador (art. equivocadamente que o depósito não é proibido, incide no erro de proi-
20, caput): Exemplos: contrair bição (art. 21).
casamento com pessoa casa-
O erro de tipo dá-se quando o equívoco recai sobre situação fática
da, desconhecendo comple-
tamente o matrimônio anterior
prevista como elemento constitutivo do tipo legal de crime (art. 20 do CP).
válido (o agente não será con- Nele, o agente realiza concretamente todos os elementos de um tipo
siderado bígamo — art. 235 do penal incriminador, sem, contudo, o perceber. Ele até sabe que uma atitu-
CP); subtrair coisa alheia, supon- de como a que pratica configura, em tese, ilícito penal, porém não percebe
do-a própria (não ocorre o cri- o que está fazendo, pois algum dado da realidade (que constitui elemento
me de furto — art. 155 do CP). do tipo) refoge à sua percepção. Exemplo: um aluno, ao final da aula, inad-
b) Erro de tipo permissivo (art. 20, vertidamente, coloca em sua pasta um livro de um colega, pensando ser o
§ 1º): Exemplo: numa comarca seu. Esse aluno tem plena noção de que a subtração de coisa alheia móvel
do interior, uma pessoa é con-
é crime; acredita equivocadamente, todavia, que o bem lhe pertence.
denada e promete ao juiz que,
quando cumprir a pena, irá Além da estudada acima, há outras modalidades de delito putativo
matá-lo. Passado certo tempo, ou crime imaginário, que são:
o escrivão alerta o magistrado a) Delito putativo por erro de proibição: o sujeito realiza um fato
de que aquele réu está prestes que, na sua mente, é proibido pela lei criminal, quando, na verdade, sua
a ser solto. No dia seguinte, o juiz ação não caracteriza ilícito penal algum. Exemplo: incesto.
caminha por uma rua escura e
b) Delito putativo por obra do agente provocador: dá-se quando o
se encontra com seu algoz, que
leva a mão aos bolsos de ma-
agente pratica uma conduta delituosa induzido por terceiro, o qual assegura
neira repentina. O juiz, supondo a impossibilidade fática de o crime se consumar. Exemplo: policial à paisa-
que está prestes a ser alvejado, na finge-se embriagado para chamar a atenção de um ladrão, que decide
saca de uma arma, matando- roubá-lo; ao fazê-lo, contudo, é preso em flagrante (v. Súmula 145 do STF).
-o; apura-se, em seguida, que o
morto tinha nos bolsos apenas
um bilhete de desculpas (legíti-
ma defesa putativa).
9.2 Erro DE Tipo EssEncial E aciDEnTal
• Acidental: compreende o erro
sobre o objeto material, o erro O erro de tipo pode ser: a) essencial, que se subdivide em erro de
na execução e o erro sobre o tipo incriminador e permissivo; b) acidental, compreendendo o erro so-
nexo causal. bre o objeto material, o erro na execução e o erro sobre o nexo causal.
96
Direito Penal
9.2.2. E
rro de tipo incriminador (art. 20, caput) e
permissivo (art. 20, § 1º). Diferença
O erro de tipo essencial subdivide-se, ainda, em erro de tipo incri-
minador e erro de tipo permissivo:
a) erro de tipo incriminador: a falsa percepção da realidade incide
sobre situação fática prevista como elementar ou circunstância de tipo
penal incriminador (daí o nome);
b) erro de tipo permissivo: o erro recai sobre os pressupostos fáticos
de uma causa de justificação (ex., excludente de ilicitude, que se encon-
tra em tipos penais permissivos).
descriminantes putativas e as
9.3 teorias extremada e limitada da
culpabilidade
97
duas espécies de descriminantes putativas: por erro de tipo e por erro
aTEnÇÃo de proibição:
Descriminantes putativas
a) por erro de tipo: dá-se quando o equívoco incide sobre os pres-
supostos de fato da excludente;
• Espécies
b) por erro de proibição: verifica-se quando a falsa percepção da
a) por erro de tipo: dá-se quan-
do o equívoco incide sobre os
realidade incide sobre os limites legais (normativos) da causa de justifi-
pressupostos de fato da exclu-
cação. O agente sabe exatamente o que está fazendo, percebe toda a si-
dente. tuação; desconhece, no entanto, que a lei proíbe sua conduta. Pensa que
age de forma correta, quando, na verdade, sua conduta é errada, proibi-
b) por erro de proibição: verifica-
-se quando a falsa percepção
da, censurada pelo ordenamento penal. É o chamado erro de proibição
da realidade incide sobre os
indireto, que será estudado dentro da culpabilidade. Exemplo: “Um ofi-
limites legais (normativos) da cial de justiça realiza uma penhora. O executado, por erro, supõe que a
causa de justificação. Exemplo: diligência é injusta e reage em imaginária legítima defesa. O erro deriva
um executado reage à penho- não da má apreciação das circunstâncias do fato, mas de incorreta con-
ra feita por um oficial de justiça, sideração da qualidade da agressão. Esta existe, mas é justa. O executado
por entendê-la, equivocada- a supõe injusta. Aplica-se o art. 21: se o erro é invencível, há exclusão da
mente, injusta. culpabilidade, se vencível, não há exclusão da culpabilidade e sim dimi-
• Natureza jurídica nuição de pena” (Damásio de Jesus, Novas questões criminais, p. 136).
1) Para a teoria extremada da A natureza jurídica das descriminantes putativas varia de acordo
culpabilidade, ambas consti- com a teoria da culpabilidade adotada (extremada ou limitada, que são
tuem erro de proibição. variações da teoria normativa pura da culpabilidade). São teorias que
2) Para a teoria limitada da culpa- coincidem em praticamente todos os pontos, exceto em um: justamente
bilidade, a descriminante puta- sobre a natureza das descriminantes putativas.
tiva por erro de tipo configura Para a teoria extremada, todas as descriminantes putativas, seja as
erro de tipo, e a outra, erro de que incidam sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação,
proibição. seja as que recaiam sobre os limites autorizadores de uma excludente de
ilicitude, são tratadas como erro de proibição (só haveria, portanto, des-
Teoria adotada pelo CP: limi- criminantes putativas por erro de proibição). Já para a teoria limitada da
tada da culpabilidade (item culpabilidade, quando o erro do agente recai sobre os pressupostos fáticos,
17 da Exposição de Motivos da
há erro de tipo (erro de tipo permissivo), ao passo que, se incidir sobre os
Parte Geral do CP).
limites autorizadores, há erro de proibição (erro de proibição indireto).
Nosso CP adotou a teoria limitada da culpabilidade (v. item 17 da
Exposição de Motivos da Parte Geral do CP).
Em resumo: a) teoria extremada da culpabilidade — as descrimi-
nantes putativas sempre têm natureza de erro de proibição; b) teoria
limitada da culpabilidade — se o equívoco reside na má apreciação de
circunstância fática, há erro de tipo; se incidir nos requisitos normativos
da causa de justificação, erro de proibição.
98
Direito Penal
99
Diferença entre o erro sobre a pessoa e a aberratio ictus (erro na
aTEnÇÃo
execução): “O erro sobre a pessoa surge no momento da formação
Se o resultado diverso do pre- da vontade e nisso se distingue da aberratio ictus, que surge no mo-
tendido não for previsto em lei mento da execução da vontade” (Paulo José da Costa Júnior, Comen-
como crime culposo ou for me- tários ao Código Penal, p. 380-382, apud Luiz Flávio Gomes, Erro de
nos grave que a conduta em si, tipo e erro de proibição, p. 126). Além disso, no erro sobre a pessoa,
não se aplica a regra do art. 74. a vítima visada nem sequer chega a ser ameaçada com a conduta do
Exemplo: o agente atira na vítima agente.
e não a acerta, atingindo apenas
uma vidraça. Aplicando-se a re-
2ª) Aberratio criminis (resultado diverso do pretendido) — art. 74
gra do art. 74, deveria responder do CP
somente pelo resultado, se previs- Pressuposto: o erro do agente também está nos meios executórios.
ta a forma culposa. Ocorre que No entanto, em vez de atingir pessoa diversa da pretendida, acaba por
não há crime de dano culposo no
atingir bem jurídico diverso do pretendido (daí o nomen iuris: resultado
CP, de modo que isso implicaria a
não responsabilização do agen-
diverso do pretendido).
te. Nesse caso, a ele deve ser im- Exemplo: o agente atira uma pedra contra uma vidraça e acerta
putada uma tentativa branca de uma pessoa (só responde por lesão corporal culposa, ficando absorvida
homicídio. Se assim não fosse, um a tentativa de dano).
fato atípico (dano culposo) ab-
sorveria um fato típico (tentativa
Espécies:
de homicídio). a) com unidade simples ou resultado único: só atinge o bem jurídi-
co diverso do pretendido; para falar em aberratio criminis pressupõe-se
que o bem jurídico diverso tenha sido atingido por erro (leia-se: culpa),
pois, se houve dolo, ainda que eventual, deve o agente responder pelo
crime na forma dolosa, não se aplicando o art. 74;
— consequência: só responde pelo resultado produzido e, mesmo
assim, se previsto como crime culposo;
b) com unidade complexa ou resultado duplo: atinge o bem jurí-
dico que almejava e outro, diverso do pretendido, por erro na execução;
— consequência: concurso formal.
100
Direito Penal
-lhe que não realize ato de ofício; amedrontado, omite-se; depois, per-
cebe que a carta era endereçada a outro funcionário com atribuição
semelhante à sua. Responde o agente por prevaricação? A resposta é
negativa, devendo aplicar-se os princípios relativos ao erro de proibição
(CP, art. 21).
O agente, supondo existente uma ordem, não manifestamente ile-
gal, de superior hierárquico, pratica uma conduta. Na verdade, contu-
do, a ordem não foi dada. Responde pelo crime cometido? Não pode
ser aplicado o art. 22 porque não havia ordem. É o caso de aplicar o art.
21: erro de proibição. O agente supôs que sua conduta era lícita porque
agiu na crença de que havia uma ordem de autoridade superior, a qual
lhe pareceu legal (e cuja ilegalidade, à vista do homem médio, não era
manifesta).
101
102
10 Concurso de Pessoas
CURIOSIDaDE 10.1 CONCEITO E NOMENCLaTURa
Não confundir bigamia (con
trair alguém, sendo casado, novo Uma infração penal, na grande maioria das vezes, é obra de uma
casamento) com adultério. O cri só pessoa. Casos há, entretanto, em que várias pessoas reúnem esforços,
me de adultério (art. 240 do CP) foi materiais ou intelectuais, com o fim de cooperar para o mesmo delito.
revogado em 2005, ficando a sua
Como regra, os crimes podem ser praticados por uma só pessoa
disciplina apenas no âmbito civil.
ou por várias, em coautoria ou participação (v. item 10.4, abaixo). Tais
delitos denominam-se unissubjetivos, monossubjetivos ou de concurso
aTENçãO
eventual.
Ressaltese que, no crime de Outros, contudo, apenas podem ser cometidos por várias pessoas
rixa, em que pese o fato de os reunidas; são casos em que a pluralidade de sujeitos ativos aparece como
contendores serem sujeitos ativos e
condição para a existência do ilícito penal. Esses crimes chamam-se plu-
passivos a um só tempo, não há vio
rissubjetivos ou de concurso necessário. Neles, não se fala em coautoria
lação ao princípio da alteridade,
pois o delito pressupõe agressões
ou participação, pois todos os concorrentes são considerados autores do
recíprocas dos rixosos, e, portanto, crime. A doutrina subdivide-os em: a) crimes plurissubjetivos de con-
ocorrem lesões a bens alheios. dutas paralelas (ex.: CP, art. 288 — associação criminosa); b) de condu-
tas convergentes (ex.: CP, art. 235 — bigamia); e c) de condutas contra-
CURIOSIDaDE postas (ex.: CP, art. 137 — rixa ).
A teoria unitária (CP, art. 29, De qualquer modo, quando mais de uma pessoa concorre para a
caput) guarda profunda relação mesma infração penal, fala-se em codelinquência, concurso de agentes
com a teoria da equivalência dos ou concurso de pessoas.
antecedentes (CP, art. 13, caput),
segundo a qual se considera cau
sa do resultado todo e qualquer
TEORIaS E REQUISITOS DO CONCURSO
fator que para ele tenha contri 10.2 DE PESSOaS
buído, ainda que minimamente.
De modo semelhante, a infração
considerase produto da conduta
de cada um, independentemen
Há três teorias a respeito do tema: 1ª) monista, monística ou unitá-
te do ato praticado, desde que ria; 2ª) dualista ou dualística; e 3ª) pluralista ou pluralística.
ele tenha tido alguma relevância A primeira, adotada como regra em nossa legislação (CP, art. 29,
causal para o resultado. caput), determina que todo aquele que concorre para o crime responde
pelas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. Assim,
BIBLIOTECa exemplificativamente, respondem pelo crime de latrocínio (CP, art. 157,
Comentários à Lei § 3º, última figura) tanto o agente que empunha a arma e efetua o dis-
de Organização paro quanto o que, ciente de tudo, limita-se a dar-lhe cobertura (v. TJSP,
Criminosa: Lei n. RT, 776/576).
12.850/ 2013, de Já para a teoria dualista, os coautores incorrem em determinado
Cezar Roberto Bi crime, e os partícipes, em outro.
tencourt e Paulo
Não foi adotada em nossa legislação, embora se possa afirmar que
César Busato, Edi
o art. 29, § 1º, que trata da participação de menor importância, pos-
tora Saraiva. De maneira didáti
ca a obra traz comentários à Lei,
sui solução assemelhada à proposta pela presente teoria (o autor será
abordando os pontos de maior enquadrado diretamente no tipo penal incriminador, p. ex., art. 121, e
relevância, contribuindo para es aquele que contribuiu de modo reduzido, no 121 c/c o art. 29, § 1º, im-
clarecer as alterações normativas pondo-se-lhe pena menor).
sobre o tema. Na visão da última delas, ou seja, da pluralista, para cada agente,
104
Direito Penal
105
Dessas, o CP adotou a teoria restritiva: autor, portanto, será aquele
aTENçãO que praticar a ação nuclear; coautores, os que cooperarem na execução
do delito; partícipes, por fim, todas as pessoas que prestarem auxílio
Veja exemplo de participa
ção no crime de latrocínio: Recur- moral (induzimento ou instigação) ou material. A doutrina, porém, sus-
so em Habeas Corpus n. 58.328, tenta deva ser aceita no Brasil a teoria do domínio do fato como solução
STJ, Relator Ministro Leopoldo de aos casos de autoria mediata.
Arruda Raposo (Desembargador
convocado do TJPE). “2 (dois) cor
réus, que findaram apenados por
latrocínio, tudo com o auxílio de
10.4 PaRTICIPaçãO
um terceiro réu, condenado como
incurso nas sanções do art. 348 do Todo aquele que, mesmo não praticando a conduta descrita no tipo
CP, (...) agindo como motorista do penal, coopera com o crime responde pelas penas a este cominadas, sen-
bando”. Trecho da Ementa. do considerado seu partícipe.
Na participação, o procedimento de adequação típica não se dá di-
CINEMaTECa retamente, ou seja, o ato do partícipe não se enquadra no tipo incrimi-
nador. O art. 121 do CP, isoladamente considerado, pune quem mata al-
Laranja Mecâ guém, mas não aquele que, por exemplo, lhe empresta a arma do crime.
nica, dirigido Essa ação, entretanto, também é penalmente relevante por força do art.
por Stanley Ku 29 do CP (norma de extensão pessoal da figura típica).
brick, 1978. O Discute-se a natureza jurídica da participação. A conduta nela
filme trata da
substanciada, inequivocamente, é acessória em relação à do autor, de tal
história de Alex,
forma que o partícipe só será punido se o autor também o for (v. art. 31
líder de uma
do CP). O nível dessa acessoriedade, entretanto, é controverso:
gangue de de
linquentes que matam, roubam a) teoria da acessoriedade mínima: a conduta do autor precisa ser,
e estupram até serem presos. O pelo menos, típica, a fim de que se puna o partícipe (crítica: se alguém
filme é um exemplo rico de con- induzir uma pessoa à prática de um homicídio em legítima defesa, co-
curso de pessoas com a finalidade meterá crime);
de cometer crimes, além da análi b) teoria da acessoriedade limitada: exige que a conduta do autor
se de questões morais sobre os im
seja típica e ilícita (é a melhor teoria);
pulsos destrutivos do ser humano.
c) teoria da acessoriedade extrema: a conduta do autor deve ser tí-
pica, ilícita e culpável (crítica: quando se induz menor a matar, ninguém
responde pelo crime — o menor, por ser inimputável; o partícipe, por-
que auxiliou numa conduta sem culpabilidade);
d) teoria da hiperacessoriedade: sustenta que o fato deve ser típico,
ilícito e culpável, acrescentando que o partícipe responderá pelas agra-
vantes e atenuantes pessoais do autor.
106
Direito Penal
Participação de menor
10.7 importância e dolosamente
distinta
a) CP, art. 29, § 1º: ao agente que tiver participação de menor impor-
tância, a pena pode ser diminuída de 1/6 a 1/3. Advirta-se que o disposi-
tivo só se aplica aos partícipes, não aos coautores. Exemplo: o agente que,
ciente da intenção homicida de alguém, limita-se a indicar-lhe o local
para a aquisição de uma arma, pratica conduta que, embora tenha algu-
ma relevância causal, pode ser considerada como participação de me-
nor importância.
b) CP, art. 29, § 2º: se o agente quis participar de crime menos gra-
ve, ser-lhe-á aplicada a pena deste, que será aumentada da metade se o
resultado mais grave era previsível. Exemplo: duas pessoas combinam
praticar um furto e uma delas, sem o conhecimento da outra, leva con-
sigo uma arma de fogo, que vem a ser utilizada, matando o ofendido. O
atirador comete latrocínio, e o comparsa, furto qualificado pelo concur-
so de duas pessoas.
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aUTORIa COLaTERaL E aUTORIa
10.8 INCERTa
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