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Mo i s é s Au g u s t o G o n ç a lv e s (O r g )
Belo Horizonte
Maio de 2010
Copyrigth © 2008 · Editora BookJVRIS
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meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.
Organizadores
Moisés Augusto Gonçalves
Frederico Daia Firmiano (Org)
Editor
Marcelo José Ferreira
Revisão Final
Os autores
Capa:
Geraldo Magela de Fátima
Editoração Gráfica
Iconography
Projeto Gráfico
Luiz Felippe Nogueira
Maio de 2010
Uma publicação
Sumário
9
Apresentação
13
I- Cultura, política e transformação
em Gramsci
Silas Nogueira
51
II- Leituras críticas: considerações sobre
o Estado, a sociedade civil, a cidadania e
a luta dos povos na construção da
democracia no século XXI
Frederico Daia Firmiano
81
III- Participação Social: da luta por autonomia
à participação institucionalizada –
Cristhiane Falchetti
105
IV- O surgimento histórico e os pressupostos
teóricos do Fórum Social Mundial.
Mauricio Bernardino Gonçalves
141
V- Reconstruindo a Trajetória das
Mobilizações e Lutas pela Educação
Escolar no MST - Bahia na década de 1990
Maria Nalva R. Araújo
175
Postfácio
6 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
7
Os Organizadores
Apresentação
“Olhares sobre a luta social na contemporaneidade” é uma reivindicação
nossa, os organizadores, para que olhemos para as lutas sociais que inaugu-
ram o século XXI, reconhecendo-as no método da análise, compreensão e
reflexão das estruturas, processos e fenômenos sociais e tomando-as como
objeto de nossa atenção, nas suas expressões concretas.
Foi do nosso encontro, na universidade, no ano de 2007, que emergiu a
necessidade de confrontarmos esse horizonte teórico e metódico, nosso, com
outro que encontramos já institucionalizado pela academia e distante, por as-
sim dizer, da materialidade das relações. Em outros termos, tratava-se mesmo
de enfrentar uma perspectiva teórica sistêmica, inspirada e fomentada pela
ordem constituída e dissimuladora dos processos históricos concretos, a par-
tir de “olhares críticos”, voltados a alguns teóricos que, na contemporaneidade,
trazem referências para a reflexão da luta social na contemporaneidade; e vol-
tados para alguns sujeitos políticos, entre partidos e movimentos sociais.
Assim, organizamos a presente coletânea.
“Silas Nogueira e Frederico Daia Firmiano se voltaram se voltaram ao
pensamento social, latino-americano e europeu, tanto na configuração de pre-
missas de método para a análise e reflexão dos sujeitos políticos coletivos que
emergem no início do novo século, quanto na reflexão de conceitos, em grande
medida já abandonados pelo pensamento dominante, que estruturaram a re-
flexão crítica ao longo do século XX.
Ambos se encontram e divergem em considerações e argumentação sobre
o estado, a sociedade civil, a cidadania e a democracia. O primeiro apoiou-
se em terreno fértil: o pensamento de Antonio Gramsci, buscando “renová-
lo” à luz da história latino-americana e dos sujeitos constituídos nas últimas
décadas neste continente. Abrindo uma fecunda discussão, o sujeito grams-
ciano das profundas transformações da sociedade, o partido político, agora é
também encarnado pelos movimentos sociais populares”. Já o segundo, teceu
críticas ao pensamento pós-moderno e pós-marxista, empenhado, segundo
o autor, na “...perda [do] (...) horizonte de ruptura e emancipação...”, à me-
dida em que fomenta “...um certo tipo de produção intelectual amparada ou
no repertório do “possível” ou naquele que afirma a tarefa de reinvenção do
<<fazer político>>...”.
10 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
Silas Nogueira
Professor do Centro Universitário Moura
Lacerda e Fundação de Ensino Superior de
Passos/Universidade Estadual do Estado
de Minas Gerais; mestre em Sociologia pela
UNESP; doutor em Ciências da Comunicação
pela ECA/USP; pesquisador do CELACC-
ECA/USP e membro do C.C. Orúnmilá de
Ribeirão Preto – SP.
12 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
Silas Nogueira 13
Cultura, política e
transformação em Gramsci
Silas Nogueira
1 Essas contribuições levaram Norberto Bobbio a afirmar:”[...] (minhas intenções) eram as de mos-
trar que - no âmbito da tradição do pensamento marxista - Gramsci não fora um repetidor, mas
um interprete original”. (BOBBIO, N., O conceito de sociedade civil, Rio de Janeiro.1987, p.9)
14 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
6 “[...] o papel estruturador atribuído por Gramsci à filosofia não elimina o papel central que a
política desempenha na dinâmica social. Não apenas porque o objetivo da filosofia – o mundo
histórico presente – é político no sentido amplo, mas porque a política no sentido corrente,
entendida como um sistema de forças e lutas, faz comunicar entre si os problemas colocados
pela infra-estrutura – ou pelas contradições entre infra-estrutura em gestação e superestrutura
vigente – e a informação filosófica. (DEBRUN, M. Gramsci, filosofia política e bom senso.
Campinas: Unicamp, 2001, p. 32).
Silas Nogueira 17
8 - Para uma visão geral do pensamento e da ação política de Lênin ver: BANDEIRA, Moniz.
Lênin – vida e obra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978 e SALOMONI, Antonella. Lênin e a
revolução russa. São Paulo: Ática, 1994. De sua imensa contribuição ao pensamento moder-
no, pode-se dizer que as reflexões em torno de “teoria” e “prática” constituem aspecto de maior
valor político-filosófico.
9 Com essa preocupação Gramsci mergulha fundo na compreensão da realidade histórica da
Itália, tornando-se grande conhecedor de sua formação e da complexidade da sociedade italia-
na de seu tempo.
20 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
Hegemonia e poder
13 Vários autores usam, no lugar de “grupos sociais”, o termo “classe” mas o uso de “grupos”, in-
clusive no plural, por Gramsci, revela que o termo classe apresenta limitações diante de uma
realidade mais complexa embora, em outros textos e contextos, faça seu uso para se referir a
formações específicas.
14 “A história da América Latina é uma história de lutas sociais. Aí destaca-se primeiramente as
castas e os setores de castas durante o período colonial e entrando pelo século XIX. Depois ,
a partir da independência e abolição do trabalho compulsório, destacam-se as classes e setores
de classes”. Ianni, Octávio. O labirinto latino americano.Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes.1993,
p. 27
Silas Nogueira 31
Hegemonia e ideologia
Isso se torna mais claro com sua análise crítica das concepções
de ideologia com sentido unificado e mitificado. Ressalta como
uma das origens de erro a não distinção entre ideologias como su-
perestrutura necessária, aquelas “historicamente orgânicas”, e aque-
las “arbitrárias, racionalísticas, voluntaristas”, de caráter individual.
Reafirma o caráter de força viva e atuante da ideologia e critica a
análise mecanicista segundo a qual as ideologias estão separadas da
realidade e não transformam esta realidade:
15 Ver o ensaio crítico feito em ORTIZ, Renato. A consciência fragmentada- ensaios de cultura
e religião.Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1980.
Silas Nogueira 37
16 “(A hegemonia) (...) tende a construir um bloco histórico, sou seja, a realizar uma unidade de
forças sociais e políticas diferentes (...), a conservá-las juntas através da concepção de mundo
que a traçou e difundiu” (GRUPPI, A concepção de hegemonia em Gramsci.1978, p.78)
38 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
17 No que se refere à ampliação dos conceitos e à relação da proximidade conceitual entre cultura
e filosofia, importa ressaltar, aqui, que a citação está inserida em texto intitulado “INTRODU-
ÇÃO AO ESTUDO DA FILOSOFIA” e sub-intitulado “Apontamentos para uma introdução
e um encaminhamento ao estudo da filosofia e da história da cultura”, edição brasileira de
GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. vol. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, pp.
81 a 274.
40 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
18 COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci, um estudo do seu pensamento político, p. 111. cha-
ma a atenção para um erro comum que é o de interpretar o sentido de “intelectual orgânico”
como “revolucionário” e “intelectual tradicional” como “reacionário e conservador”. Alerta que,
por exemplo, a burguesia também tem seus intelectuais orgânicos e que intelectuais tradicio-
nais podem se vincularem às lutas transformadoras da sociedade.
Silas Nogueira 43
Referências Bibliográficas
Leituras críticas:
considerações sobre o Estado, a sociedade civil,
a cidadania e a luta dos povos na construção da
democracia no século XXI
Frederico Daia Firmiano
***
Feitas as considerações sobre o método marxiano, vejamos a
concepção pós-moderna de Estado. Augustín Cueva tratou as con-
cepções de Estado e sociedade civil correspondentes ao pensamento
“pós-marxista”. O sociólogo equatoriano é incisivo quando afirma
que no horizonte “crítico” desses teóricos os “...fortes ventos sopram
(...) [para o] lado do <<pacto social>>, da busca de uma <<go-
vernabilidade progressiva>> de nossas sociedades e do <<acordo
sobre aspectos substanciais da ordem social” (Cueva, 2008, p. 30).
A tese programática desse horizonte é o “...requerimento de uma
sociedade civil sempre vigilante, perante um Estado de que não se
pode presumir que necessariamente mantenha relações cooperativas
com ela...”. E mais: “...políticas de pactos ou de articulação da socie-
dade civil com a sociedade política e de expansão de oportunidades
de participação”. Mas as dúvidas são: “quem está incluído na órbita
dessa <<sociedade civil>> que terá de manter-se vigilante diante
dos possíveis abusos do Estado?”; ou “qual vai ser, finalmente, esse
Estado com o qual a <<sociedade civil>> vai fazer um pacto?”. Pois
no horizonte da “crítica” pós-marxista a sociedade civil identifica-
se ao que Marx chamou de <<comunidade ilusória>>, na qual os
antagonismos se resolvem pelo pensamento; igualmente, no lugar
do Estado, está uma “entidade ingrávida de suas determinações de
classe” (Cueva, 2008, p. 36).
Além disso, haveria a reivindicação, pós-marxista, de um certo
“movimentismo espontaneísta” das massas perante as formas mo-
dernas de organizações partidárias, “... apontando contra qualquer
organicidade partidária” que fundamenta-se, antes, na existência de
uma sociedade, “...constituída por seres pré-políticos, espécie de bons
saugaves alheios a toda modernidade” (Cueva, 2008, p. 37-38).
Aliás, a esse respeito, nós já escrevemos, em trabalho recente, que
num certo movimento do pensamento crítico pós-marxista, “seriam
Fr e d e r i c o D a i a Fi r m i a n o 65
***
***
2 Teriam sido Antonio Gramsci e Henri Lefebvre os autores a preencherem algumas dessas
lacunas. O primeiro, a partir da análise da questão meridional italiana, onde expõe o proble-
ma do colonialismo interno nos termos da inferioridade do sul e da superioridade do norte
como”fator determinante”, abordando a exploração regional (do norte pelo sul) e o problema
da unidade na diversidade para a formação de bloco histórico (camponeses e operários). O
segundo, tratando da ocupação do espaço, quando afirma a existência de um semicolonialismo
metropolitano que subordina grupos cuja existência está/esteve associada ao espaço rural e, no
interior do próprio centro urbano, grupos étnicos distintos, promovendo a segregação racial.
(Casanova, 2006, p. 407).
Fr e d e r i c o D a i a Fi r m i a n o 75
3 No Brasil, Maria Aparecida de Moraes Silva demonstra o fenômeno a partir do campo brasi-
leiro. Segundo a autora, são poucas empresas transnacionais que controlam o comércio nacio-
nal e internacional de cereais, sementes e agrotóxicos, quais sejam, Monsanto, Bayer, Syngenta,
Dupont, Basf e Dow (sementes), além de Cargill, ADM, ConAgra, Bunge e Dreyfus (cereais).
Com isso, ocorre um fortalecimento do modelo técnico-científico-agroindustrial-financeiro-
mediático, a partir do qual capitais financeiros, de fundos de pensões (e outros investimentos
nacionais e internacionais), passam a ser aplicados na agricultura. Ao lado disso, “...a alta do
preço da terra é uma forma de garantir grandes lucros em função da especulação”. Desse modo,
“...as fronteiras nacionais se romperam e, sucessivamente, os grandes capitais dominam grandes
áreas de vários países, confirmando-se assim o seu caráter apátrida...”. A internacionalização
da propriedade da terra, que tem como corresponde a internacionalização de sua renda, é de-
monstrada pela presença do capital internacional nas regiões do cerrado e da Amazônia. A
premissa do processo de acumulação atual, para a autora, seria, portanto, a apropriação da
terra pelo capital internacional (Silva, 2008, p. 66-67).
76 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
Referências Bibliográficas
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Fr e d e r i c o D a i a Fi r m i a n o 77
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NOGUEIRA, Silas. Movimentos Sociais, Cultura, Comunicação e Participação
78 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
Cristhiane A. Falchetti
Mestra em Sociologia pela Universidade
Estadual Paulista – UNESP/Araraquara
80 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
C r i s t h i a n e A . Fa l c h e t t i 81
Manifestações Urbanas
1 Para melhor compreensão sobre a perspectiva de análise a partir das contradições sociais ver:
Borja (1975) e Castells (1976)
C r i s t h i a n e A . Fa l c h e t t i 83
na produção propriamente dita e escamoteiam assim a
luta de classes, elas também podem constituir estopins de
conflitos sociais, temas básicos de mobilização popular
(GOHN, 1982, p. 13).
2 Sobre as formas de utilização das metrópoles pelas classes dominantes, ver Moises (1977, p. 46).
C r i s t h i a n e A . Fa l c h e t t i 85
Transições
4 Um exemplo disso é a prefeitura de São Paulo com a eleição de Luiza Erundina (PT), repre-
sentando os próprios movimentos populares. Os primeiros governos municipais de esquerda
formularam propostas críticas e alternativas aos limites da institucionalidade democrática re-
presentativa. Eram propostas alternativas de democracia que se apresentavam menos ligadas
ao regime político e mais atentas à criação e difusão de uma cultura democrática no âmbito
societário. No entanto, esse quadro foi se alterando.
96 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
5 Telles (1994, p. 91) afirma que para além da armadura institucional garantidora da cidadania e
da democracia, os direitos sociais devem ser pensados a partir do modo como as relações sociais
se estruturam. Na medida em que os direitos são reconhecidos, eles estabelecem uma forma de
sociabilidade regida pelo reconhecimento do outro como sujeito de interesses válidos.
98 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
6 Os dados estatísticos dos países da América Latina, que passaram pelas reformas neoliberais,
revelam que a distribuição de renda desses países, nas décadas seguintes às reformas, piorou
numa média de 5-10 pontos percentuais no coeficiente de Gini. As pesquisas também apon-
tam o aumento da pobreza nesse mesmo período. (PANFICHI e CHIRINOS, 2002)
C r i s t h i a n e A . Fa l c h e t t i 99
7 Essa perspectiva, também conhecida como “administração gerencial”, teve como referência o
livro Reinventando o Governo (1992) de Osborne e Gaeber.
100 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
Considerações Finais
Bibliografia
O surgimento histórico e os
pressupostos teóricos do Fórum
Social Mundial
Maurício Bernardino Gonçalves
1 Podemos entender o fordismo como “a forma pela qual a indústria e o processo de trabalho
consolidaram-se ao longo deste século, cujos elementos constitutivos básicos eram dados pela
produção em massa, através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos; através do
controle de tempos e movimentos pelo cronômetro taylorista e da produção em série fordista;
pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das funções; pela separação entre ela-
boração e execução no processo de trabalho; pela existência de unidades fabris concentradas
e verticalizadas e pela constituição/consolidação do operário-massa, do trabalhador coletivo
fabril, entre outras dimensões” (Antunes, 2005, p. 25).
2 O debate sobre o significado da globalização é bastante controverso. As controvérsias se lo-
calizam em vários pontos: na origem e duração histórica da globalização (em até que ponto
é um fenômeno recente); em que medida a globalização é ou não uma construção ideológica
utilizada para controlar os cidadãos e justificar as mudanças no regime de acumulação do capi-
talismo neoliberal transnacional; em que sentido é um fenômeno positivo e/ou negativo; se se
trata de um sinônimo eufêmico para o imperialismo em sua nova configuração, etc. A idéia que
utilizamos para globalização é a mais fortemente utilizada pelos integrantes do FSM: corres-
ponde a um momento da interligação internacional, ou global para ser mais específico, onde a
humanidade está cada vez mais interdependente, e onde o poder das empresas transnacionais
e organismos multilaterais (muitas vezes utilizados em seu nome) se exerce de forma cada vez
mais universal. As trocas, não apenas comerciais, mas também simbólicas e/ou culturais, entre
os países e entre os povos não gerariam apenas dominação de uns sobre outros. Entretanto,
este último aspecto é o dominante e também o principal impulsionador do processo de glo-
balização. As decisões que interferem nas vidas dos mais diferentes cidadãos espalhados pelo
mundo passam a depender cada vez mais de acordos e negociações internacionais, que estão
alheios ao controle desses mesmos cidadãos.
Maurício Bernardino Gonçalves 109
3 Isto não pode ser concebido em abstrato. Se é verdade que os países ficaram mais vulnerá-
veis aos acontecimentos sócio-econômicos ocorridos em outros países, alguns deles ficaram
mais do que outros. E, ainda, o poder de Estado de alguns deles não chegou a diminuir, pelo
contrário. Por outro lado, o processo de interdependência fez aparecer de forma mais clara as
relações existentes entre muitas das empresas transnacionais, os organismos multilaterais e os
aparelhos de Estado.
110 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
4 Utilizamos aqui a distinção entre proletários e assalariados. Ainda que todos os proletários
sejam assalariados, nem todos os assalariados são proletários. Esses, ainda que tenham sido
expropriados de tudo e só possuam como única fonte de sobrevivência a necessidade de vender a
sua força de trabalho, característica que define fundamentalmente os assalariados, possuem ain-
da a peculiaridade de estarem localizados no núcleo da “produção material da riqueza social”.
5 LGBT: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros.
112 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
7 Boaventura de Sousa Santos deve ser entendido como o intelectual “típico” do FSM. A idéia
de tipicidade evocada aqui leva em conta que é nele onde se localizam as elaborações mais pro-
fundas e desenvolvidas sobre o FSM, ou seja, é nele onde a realidade se manifesta e se encarna
de forma mais explicitada. Ainda que existam outros intelectuais importantes em seu seio,
nenhum deles conseguiu expressar de forma tão densa e complexa o fenômeno do FSM. Em
suma, Sousa Santos enquanto teórico e homem de ação evidencia a realidade do fenômeno do
FSM ou, em outras palavras, expressa no nível da teoria a realidade social objetiva que produ-
ziu e vem reproduzindo o FSM.
8 Utilizamos aqui a distinção entre “emancipação política” e “emancipação humana”. Enquanto a
primeira integra, inclui e garante aos seres humanos uma série de conquistas sociais (direitos
civis, políticos e sociais) imprescindíveis para a qualificação dos homens enquanto cidadãos
modernos plenos (mas sem alterar o próprio ordenamento fundamental da sociedade, ou seja,
a divisão social do trabalho e a existência das classes sociais), a segunda trabalha na perspectiva
de proporcionar a desagregação das condições sociais que mantêm as promessas da emancipa-
ção política sempre irrealizáveis, ou dito de outra forma, a superação da ordem social atual. As
categorias ligadas ao “trabalho” são fundamentais para a compreensão desta distinção.
118 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
10 Karl Marx, O 18 Brumário de Luís Bonaparte, In.: Marx-Engels, Obras Escolhidas, ed. Bra-
sileira, Rio de Janeiro, 1956, vol. 1, p. 261.
122 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
11 Utilizamos aqui a distinção efetuada por Sousa Santos, entre: uma “pós-modernidade de cele-
bração”, que com uma posição política de direita, tem uma concepção epistemológica tendente
a apagar ou realizar uma ruptura completa e total com os pressupostos categoriais da moder-
nidade, uma vez que entende que nenhum deles pode dar conta da explicação do mundo atual,
completamente fluido e efêmero; e, uma “pós-modernidade de oposição (ou contestação)”, que
possuindo uma posição política de esquerda, critica a globalização hegemônica neoliberal e
prega a necessidade de constituição de uma outra racionalidade, uma vez que a razão moderna,
ainda quando são levadas em conta as de tendências críticas, acabaram por corromper os ideais
de emancipação que as animavam.
12 As manifestações de 1968 em todo o mundo são pensadas como erupções de um período his-
tórico [compreendido de 1967 a 1975 conforme sugestão de Tariq Ali em seu livro “O poder
das barricadas” lançado no Brasil pela Boitempo Editorial], de crise estrutural do capital e de
uma luta pela conquista da hegemonia do trabalho sobre o capital. No final desse período, o
capital consegue, através da reestruturação produtiva e do neoliberalismo, introduzir elemen-
tos sociais e ideológicos que re-atualizam e re-configuram sua hegemonia. Na verdade, foi a
derrota do “movimento social do trabalho” em sua luta pelo “controle social da produção” (luta
que foi travada na França, por exemplo, com a junção das mobilizações dos trabalhadores e
suas comissões de fábrica aos estudantes e outros movimentos reivindicatórios específicos)
que fez com que a ofensiva neoliberal conseguisse se estabelecer e retirasse cada vez mais as
conquistas sociais do período imediatamente anterior (conhecido como Estado de bem-estar
Maurício Bernardino Gonçalves 123
social). Depois dessa derrota, a articulação do movimento dos trabalhadores com os “novos”
movimentos sociais não se estabeleceu de maneira robusta, ocorrendo apenas marginal, pontu-
al e excepcionalmente. Na verdade, a exclusão dos movimentos estruturados no trabalho, tanto
das questões e preocupações teóricas como das práticas, só fez aumentar.
124 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
13 Sousa Santos percebe que Trotski tentou contrapor-se aos desvios da burocracia russa e que
tentou resgatar o pensamento crítico de esquerda, em crise durante o século XX, mas tem para
Maurício Bernardino Gonçalves 125
com ele a mesma perspectiva que carrega para todo o pensamento de esquerda da modernida-
de, em especial para o marxismo. “Este tipo de crise encontra-se bem caracterizado nos escritos
de Trotski no exílio. Trotski apercebeu-se rapidamente da gravidade e ímpeto dos desvios de
Estaline à revolução [...] Mas nem por um momento duvidou que a história seguiria a revo-
lução do mesmo modo que os verdadeiros revolucionários seguiam a história” (Sousa Santos,
2008, p. 02). Neste caso, Trotski serve para mostrar que mesmo as alternativas críticas que
a “velha” esquerda tentou forjar, não eram críticas o suficiente, pois ainda estavam animadas
pelas matrizes de pensamento legadas pela razão moderna (a ideologia do progresso, neste
caso, é um belo exemplo). O FSM é, para ele, exatamente a possibilidade que o pensamento de
esquerda do século XXI possui para superar o paradigma moderno de racionalidade e recupe-
rar a dimensão utópica e crítica perdida.
14 Alguns “novos” movimentos sociais da década de 1960 estavam encontrando a chave para
essa conexão. O debate sobre a conexão entre essas dimensões, ou ainda, a luta específica dos
diversos movimentos sociais tomados em sua particularidade, mas necessariamente articula-
dos a uma luta universal, é um tema muito complexo. O exemplo da luta de Malcolm X e do
movimento negro norte-americano sob sua influência é emblemático. Em suma, o resultado
da síntese entre particularidade e universalidade, foi encontrada por ele e sua frase a expressa:
“Não há capitalismo, sem racismo”. Abaixo um diálogo entre ele e Tariq Ali, que por outras vias
serve de ilustração para o argumento.
Malcolm X: Martin Luther King faz o jogo deles – disse – A Klan lincha negros, aterroriza e mata
garotos brancos que vão para o sul registrar eleitores. A polícia faz parte do sistema da Klan.
King diz ao povo para dar a outra face. Não dá para lidar com brutamontes desse jeito...Sei que
é por isso que o establishment liberal branco adora King e me condena. Tenho de dizer a verda-
de. Digo a eles que o sistema é corrupto e baseado na opressão dos negros nos Estados Unidos
e no resto do mundo. Os negros são um barril de pólvora. King quer molhar o barril com água.
Acho que temos de acender o pavio. É o único jeito de ensiná-los a nos respeitar.
126 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
[...]
Tariq Ali: Às 2 horas da madrugada percebi que estava infringindo o regulamento proctorial e expli-
quei a Malcolm os porquês e portantos. Ele ficou espantadíssimo e riu. Enquanto me preparava
para ir embora, apertamos as mãos e declarei ter esperanças de que logo voltaríamos a nos
encontrar. Ele sorriu e, sem nenhum sinal de emoção, disse:
- Acho que não. Ano que vem, mais ou menos nessa época, vou estar morto.
Parei de repente, fitando-o incrédulo. Sentamo-nos de novo. Ele explicou que, enquanto fora um
Black Muslim, tinham-no tolerado. Mas depois que rompera com a Nação do Islã, avançara
em outra direção. Percebera que a raça sozinha nunca seria critério suficiente para se obter
mudanças sociais. (Ali, 2008, p. 116. Grifos nossos). É evidente que a citação não serve para
desqualificar ou menosprezar o líder Martin Luther King e a luta dos negros pacifistas. A
exemplo de Malcolm X, ele também lutou e tombou. A ênfase está na articulação que Malcolm
X conseguiu perceber, ou seja, entre a luta específica pelos direitos civis e políticos dos negros e
a concomitante luta contra o estado social de coisas que impossibilita que esses direitos sejam
efetivados.
Maurício Bernardino Gonçalves 127
15 Não nos referimos a uma ontologia metafísica, mas sim à ontologia materialista do ser so-
cial, tal como formulada e sistematizada pelo último Lukács. A impostação ontológica mostra
que “a razão é o reflexo na consciência (“saber”) das determinações ontológicas (“objetivas” e
“universais”) da realidade (“substância absoluta”). [...] Verifica-se uma clara subordinação da
lógica (e da epistemologia) à ontologia” (Coutinho, 1972, p. 85). “a) a análise lukacsiana tem
na categoria de totalidade a sua pedra-de-toque; b) como o exige toda reflexão centrada nas
questões ontológicas, a elaboração lukacsiana ancora-se também numa categoria de substância,
só que radicalmente histórica e criativamente redimensionadora das relações entre essência e
fenômeno; c) abordando a constituição do social como um nível específico do ser, tomado este
na sua unidade (donde a diversidade dos seus constituintes), Lukács mantém sempre firme a
determinação distintiva entre natureza e sociedade; d) o ser social, para Lukács – como para
o jovem Marx –, é um ser objetivo, isto é, um ser que se objetiva; a realidade objetiva com que
se defronta e a que ele responde, precisamente através das suas objetivações, configura-se como
o complexo em movimento das determinações naturais e sociais (exatamente as objetivações
acumuladas e em processo) que envolvem e constituem o agir social teleológico; e e) a história é
o processo de produção e reprodução daquelas objetivações – e se estas, sempre, são teleologi-
camente efetivadas, o processo histórico, em si mesmo, não dispõe de finalismo” (Netto, 2002,
p. 90).
16 Os pontos usados aqui para ilustrar o questionamento e desqualificação das conquistas do
gênero humano na longa tradição progressista, que vem do renascimento até a consolidação
do mundo moderno, passando pela ilustração, são utilizadas por Netto, de maneira específica,
para mostrar os núcleos de colisão entre a herança e o legado do pensador húngaro Georg
Lukács e a cultura de seu tempo, que é ainda, no essencial, a nossa cultura. Para nós, os pontos
assinalados por ele servem perfeitamente para indicar as repercussões teóricas da emersão e
vigência da dominação neoliberal.
∗
17 As próximas referências a Sousa Santos, presentes nas notas 19-23, são retiradas de Netto (2002).
128 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
18 “... está precludida qualquer possibilidade de demarcações rígidas entre disciplinas ou entre
gêneros, entre ciências naturais, sociais e humanidades, entre arte e literatura, entre ciência e
ficção” (Sousa SantosSOUSA SANTOS, Boaventura. Pela mão de Alice: o social e o político
na pós-modernidade. 10ª edição, São Paulo, Cortez Editora, 1995. p. 332.
19 A cultura referida é, de maneira aproximada, a cultura hegemônica desde os últimos 25 anos
do século XX, ou seja, a cultura da era neoliberal. Podemos utilizar também a expressão “cul-
tura pós-moderna”.
20 “...o novo paradigma da ciência ‘suspeita da distinção entre aparência e essência’ (SOUSA
SANTOS, Boaventura. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 10ª edi-
ção, São Paulo, Cortez Editora, 1995, p. 331).
21 “As lutas de verdade são travadas com discurso argumentativo e a verdade é o efeito de con-
vencimento dos vários discursos de verdade em presença e em conflito. A objetividade é a
propriedade do conhecimento científico que obtém consenso no auditório relevante dos cien-
tistas” (Sousa Santos, Boaventura. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro,
Graal Editora, 1989, p.149). “[...] Produto de comunidades interpretativas [...], o conhecimen-
to emancipatório pós-moderno assume a sua artefactualidade discursiva. Para essa forma de
conhecimento, a verdade é retórica, uma pausa mítica numa batalha argumentativa contínua
e interminável travada entre vários discursos de verdade” (SOUSA SANTOS, Boaventura.
Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. São
Paulo, Cortez Editora, 2000, p.96).
Maurício Bernardino Gonçalves 129
22 “A distinção natureza-sociedade faz hoje pouco sentido, uma vez que a natureza é cada vez
mais a segunda natureza da sociedade. A natureza é uma relação social que se oculta atrás de
si própria...” (SOUSA SANTOS, Boaventura. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-
modernidade. 10ª edição, São Paulo, Cortez Editora, 1995, p. 274).
130 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
23 O problema aqui está na identificação realizada por praticamente todas as correntes de pen-
samento pós-moderno (e a corrente pós-moderna de contestação não é exceção) entre as ca-
tegorias de intelecto e Razão sistematizadas por Hegel. O intelecto é um momento abstrato
e necessário do processo de racionalidade e apreensão da realidade imanente do mundo. Mas
não esgota, nem engloba a Razão. O intelecto privilegia a forma. A Razão, a articulação da
forma com um conteúdo determinado. Esta rearticula e totaliza concretamente o que o in-
telecto dividiu abstratamente, e assim consegue apreender a complexidade e a totalidade do
movimento do real. Ocorre que ao igualar intelecto e Razão, a cultura pós-moderna colabora
para o processo de empobrecimento da Razão em geral. É aqui onde se origina a desqualifica-
ção de todas as tentativas emancipatórias dos movimentos sociais da modernidade, pois esses
estavam parametrizados pela Razão manipulatória e instrumental (que aqui é tomada como
Razão moderna em geral). “[...] o problema que aqui se coloca é o da passagem do intelecto à
Razão. Deixando de lado as questões ontológicas do em-si, a práxis manipulatória pode ope-
rar eficazmente com as categorias do intelecto; como vimos, ocorre nela um processo no qual
divide-se o real em um certo número de “dados” ou elementos finitos, posteriormente combi-
nados segundo regras formais. (Os elementos sublinhados constituem precisamente categorias
intelectivas: divisão, finitude, combinatória, formalização). Por outro lado, os procedimentos
intelectivos, fixados em regras independentes do conteúdo, constituem aquilo que Horkhei-
mer chamou de “razão subjetiva” (em contraste com a “objetiva”). Embora provenham de uma
abstração realizada no objeto, a característica essencial delas não é a de constituírem reflexos da
realidade, mas a de serem procedimentos subjetivos que, formalizados e generalizados, possam
tratar o objeto como um mero material de manipulação; em outras palavras, essas categorias
ou regras refletem a própria atividade do sujeito no ato da práxis manipulatória. Por isso, não
podem estabelecer a verdade ou falsidade do pensamento; seu único critério é a “eficácia”. Ao
contrário, as categorias da Razão (ou da “razão objetiva” de Horkheimer) são um reflexo da
configuração ontológica da objetividade, uma tentativa de apreendê-la em sua verdade objetiva.
Enquanto o intelecto empobrece o real (ao dividi-lo, formalizá-lo e reduzi-lo à pura finitude),
a Razão tenta apreendê-lo em sua totalidade: como unidade na diversidade, como síntese de
conteúdo e forma, como dialética do finito e do infinito. A Razão, assim, corresponde àquele
nível da práxis que definimos como apropriação humana da objetividade” (Coutinho, 1972, p.
82-83).
Maurício Bernardino Gonçalves 131
24 Aqui ocorre uma recaída idealista por parte da pós-modernidade de contestação, com a en-
tificação da razão moderna. “Um dos traços que melhor caracterizam a ambiência cultural
pós-moderna – para além de um surpreendente banalismo nas suas formulações – reside em
que, nela, o antiontologismo associa-se a uma concepção clara e grosseiramente idealista do
mundo social. A regressão teórica contida nessa recaída idealista aparece especialmente na
entificação da razão moderna pelos pós-modernos, entificação que a torna um demiurgo oni-
potente de fazer inveja ao Espírito hegeliano: a razão é a responsável pelas “falácias” que se re-
vestiram do caráter das “promessas” da Modernidade – o controle otimizado da natureza (que,
de fato, se revelaria como destruição e vestíbulo da catástrofe ambiental) e a interação humana
emancipada (que, na verdade, se mostraria como opressão e heteronomia). Na imanência da
razão moderna, a dimensão instrumental estaria inevitavelmente vocacionada para “colonizar”
a dimensão emancipatória. É ao movimento da razão moderna que se creditam as realidades
constitutivas da sociedade urbano-industrial, com a sua coorte de seqüelas deletérias, da opres-
são generalizada a vazios mitos libertários e à destruição de ecossistemas. Nas construções
pós-modernas, a realidade da ordem burguesa contemporânea deriva do dinamismo interno
da razão incondicionada, que tudo pode.
Obviamente que esse idealismo não é inocente: ao creditar à razão a realidade histórico-social con-
temporânea, o que fica na sombra é a ordem do capital, com a dominação de classe da burguesia.
É evidente que as implicações políticas dessa regressão teórica também são regressivas: entre
os pós-modernos, as alternativas à sociedade capitalista ou não se põem ou, quando se põem,
estão no limbo das utopias. A inofensividade dessas construções em face da ordem do capital –
assim como são inofensivas ao domínio capitalista as defesas extremas do “multiculturalismo” e
do “direito à diferença” – é tão mais cristalina quanto mais “radicais” (e menos politizados) são
os “discursos” que a atualizam” (Netto, 2002, p. 97-99).
Maurício Bernardino Gonçalves 133
25 O FSM tem uma concepção de poder que o impossibilita de se constituir em um sujeito político
importante na luta política mundial efetiva contra o neoliberalismo. Essa concepção incapaci-
ta-o de constituir sujeitos políticos capazes de “ocupar e lutar pelos espaços de poder em nível
local, regional e global”. Muito dessa idéia deriva da recusa do FSM em enveredar para o que
para ele é um caminho inexorável à corrupção dos ideais: a luta pela conquista do poder polí-
tico.
134 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
26 Bello, Walden. The Forum at the crossroads [O Fórum Social Mundial na encruzilhada],
136 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
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www.forumsocialmundial.org.br/main.php?id_menu=4&cd_language=1.
29 Um teórico que Sousa Santos já havia rejeitado pelo fato de, em seu julgamento, estar apri-
sionado pela ideologia do progresso, mesmo tendo buscado romper os descaminhos da luta
emancipatória e revolucionária de sua época, numa linguagem que os pós-modernos conside-
rarão certamente ultrapassada, disse certa vez: “A IV Internacional não rejeita as reivindicações
do velho programa mínimo, à medida que elas conservam alguma força vital. Defende incan-
savelmente os direitos democráticos dos operários e suas conquistas sociais. Mas conduz este
trabalho diário ao quadro de uma perspectiva correta, real, ou seja, revolucionária. À medida
que as velhas reivindicações parciais mínimas das massas se chocam com as tendências destru-
tivas e degradantes do capitalismo decadente – e isto ocorre a cada passo –, a IV Internacional
avança um sistema de reivindicações transitórias, cujo sentido é dirigir-se, cada vez mais aberta
e resolutamente, contra as próprias bases do regime burguês. O velho programa mínimo é
contentemente ultrapassado pelo programa de transição, cuja tarefa consiste numa mobilização
sistemática das massas em direção à revolução proletária” (Trotski, 1938, p. 03).
Maurício Bernardino Gonçalves 139
Acesso em Out. de 2008.
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WHITAKER, Francisco. Sempre em busca do possível. Entrevista concedida à
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arruda.rits.org.br/rets/servlet/newstorm.notitia.apresentacao.ServletDeSecao?co
digoDaSecao=10&dataDoJornal=1160751636000. Acesso em Out. de 2008.
140 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
Maria Nalva R. Araújo 141
Reconstruindo a Trajetória
das Mobilizações e Lutas
pela Educação Escolar no MST
Bahia na década de 1990.
Maria Nalva R. Araújo
1 As referências feitas tratam das inúmeras lutas e movimentos de resistência pela posse da
terra: Canudos, Contestado, Ligas Camponesas, entre outros.
Maria Nalva R. Araújo 145
3 O levantamento e descrição das lutas por educação escolar foram elaborados tomando-se por
base documentos produzidos pelo setor de educação do MST/BA e depoimentos dos partici-
pantes.
Maria Nalva R. Araújo 153
do MST.
-Infra estrutura e construção de prédios escolares
Prado/ 1º de Abril, Riacho da Ostras, Prefeitura Passeata na - Ampliação do atendimento escola para a faixa de 11 a 14 anos e -Materiais didáticos
março /95 Guairá, Trás Irmãos, Modelo, cidade educação infantil. -Formação dos Professores e
Rosa do prado, Corumabau -Panfletagem -Infra estrutura reforma e construção de prédios escolares. participação nos eventos com direito
-equipamentos e materiais didáticos. a substituição.
-Formação dos professores, participação em eventos. direito a substitui- - Transporte escolar para alunos do
ção para realização de estudos dos professores. Ensino médio.
-Transporte escolar para alunos do Ensino médio.
Mobilizaçao estadual Todos os assentamentos e acam- INCRA e governo Ocupação da Desapropriações, Créditos para produção, postos de saúde, estradas, Créditos, postos de saúde, credito
Abrli/95 pamentos vinculados ao MST do estado. sede do INCRA crédito habitação, habitação, construção de prédios
no Estado. em Salvador -Construção de prédios escolares. escolares.
Prado Março/98 1º de Abril, Riacho da Ostras, Prefeitura Ocupação da prefeitura e Ampliação do atendimento escola para a faixa de 11 a 14 anos e edu- Ampliação do atendimento escolar
Guairá, Trás Irmãos, Modelo, da praça municipal. cação infantil para a educação infantil.
Rosa do prado, Corumabau Aula publica -equipamentos e materiais didáticos . -equipamentos e materiais didáticos
-Infra- estrutura (reformas e construção de prédios escolares.
Jucuruçu Ass. Nova Dely Prefeitura Ocupação da prefeitura e Ampliação do atendimento escolar para a faixa de 11 a 14 anos e edu- -equipamentos e materiais didáticos.
Abril /98 da praça municipal. cação infantil.
Aula publica -equipamentos e materiais didáticos.
Mucuri Asst. Paulo Freire Prefeitura Passeata Atendimento escolar para a faixa de 11 a 14 anos e educação infantil. Equipamentos e materiais didáticos;
Abril /98 Ato público na praça -Infra estrutura (reforma e construção de prédios escolares. -Transporte escolar para alunos do
-equipamentos e materiais didáticos. Ensino médio.
Contratação dos professores
-Transporte escolar para alunos do Ensino médio.
Certificação da escolaridade aos alunos que estudaram no acampamento
Mucuri Asst. Paulo Freire Prefeitura Marcha do assentamento Atendimento escolar para a faixa de 11 a 14 anos e educação infantil. - Contratação dos professores
Jun /98 à sede do município -Infra estrutura (reforma e construção de prédios escolares. - Certificação da escolaridade aos
Aula publica -equipamentos e materiais didáticos. alunos que estudaram no acampa-
Passeata na cidade Contratação e formação dos professores mento;
Certificação da escolaridade aos alunos que estudaram no acampamento - Contratação e formação dos professores
156 Alcobaça Ass. 4045 Prefeitura Boicote as aulas ministra- Troca do diretor/gestor da escola Troca do diretor/gestor da escola
Maio/98 das no prédio da escola .
Fonte - quadro construído com a consulta aos documentos como: pautas de reivindicações e atas de negociações entre o MST e os gestores municipais e estaduais.
Maria Nalva R. Araújo 157
2 Palavra de ordem foi criada pelas crianças do acampamento Florestam Fernandes, após ser
trabalhada a história do sociólogo porque o acampamento levava aquele nome
Maria Nalva R. Araújo 165
3 Essa doação aconteceu quando da visita de Prefeitos italianos ao ainda acampamento Bela
Vista. Na oportunidade foram recepcionados pelas crianças que ofereceram para comer o me-
lhor que tinham: milho cozido, aipim, café. Com bastante emoção, perguntaram quais eram os
sonhos das crianças, tinham, presentes que gostariam de ganhar e todas responderam numa só
voz: uma escola.
Quadro 02 - Escolas conquistadas e existentes nos assentamentos da Região Extremo Sul.
Início/
N.º Nº Nº
Município Assenta-mento Escolas Séries Funciona- Formas de pressão adotadas
Professores Alunos mento
Alcobaça 4045 06 12 545 Ens. Fund. I e II 1988 e 1996 Mobilização e Negociação
Mobilização na Prefeitura , cami-
Paulo Freire 02 02 75 Ens. Fund. I 1998
nhada e ocupação
Mucuri Florestan
01 01 25 Ens. Fund. I 1999 Mutirão e Trabalho voluntário
Fernandes
Bela Vista 01 06 250 Ens. Fund. I e II 1999 Doação Adm. Italiana
Corte Grande 01 05 95 Ens. Fund. I e II 1986 e 1998 Negociação e Mobil. INCRA
Itamarajú
Goiânia* 01 01 96 Ens. Fund. I 1999 Negociação e Mutirão
1º de Abril 01 01 56 Ens. Fund. I 1990 Mobilização
Riacho das Ostras 02 03 190 Ens. Fund. I 1988 Mobilização
Corumbau 02 02 108 Ens. Fund. I 1989 Mobilização
Guaíra 01 01 40 Ens. Fund. I 1986 Negociação
3 Irmãos 01 06 107 Ens.Fund. I e II 1989 Mobilização
Prado Modelo* 01 01 31 Ens. Fund. I 1990 Mutirão
Mobilização pelo Material e
Ensino Fundam.
Rosa do* Prado 03 06 296 1994 construção dos pais para cons-
I
trução
Chico Mendes 01 02 82 Ens. Fund.I 1999 Mutirão e negociação
52
Porto Seguro Terra Nova 01 02 Ens.Fund. I 1998 Negociação
Maria Nalva R. Araújo
Referências Bibliográficas
ARROYO,M.FERNANDES,M.B.Porumaeducaçãobásicanocampo.Brasília:1999.nº2.
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BRANDÃO, Carlos R. Repensando a Cultura. Revista Tempo Presente. Rio de
Janeiro: CEDI, 1987.
172 Horizontes da Luta Social – os sujeitos da política
Postfácio
Minhas Saudações
Moisés Augusto Gonçalves (Catatau)