Você está na página 1de 65
ae eRe ee Ee SC) 4 ey Cis ey Consultor de literatura: Jodo Dionisio Consultor de linguistica: Luis Prista ay ae Indice FICHAS INFORMATIVAS (conteddos recuperados do 10.° ano) FICHA1 — Histéria da lingua portuguesa FICHA2 — Processos fonolégicos FICHA3 —Etimologia e étimo; palavras convergentes e divergentes, FICHA4 — Geografia da lingua portuguesa FICHAS — Arcaismos e neologismos FICHA6 — Processos irregulares de formacdo de palavras FICHA7 — Géneros textuais: ‘* Reportage +» Documentario ‘* Antincio publictario ‘* Relato de viagem * Sintese FICHA8 — Regras e organizagao de um trabalho escolar FICHA9 —Bibliografia € indicagées bibliograticas FICHA10 Pontuacao 12 13 4 4 15 16 7 18 22 CONTEUDOS LITERARIOS (obras de Educagao Literaria do 11.° ano) UNIDADE 1 ‘Serméo de Santo Antonio [1654), do Padre Anténio Vieira a + 0s sermaes e a mensagem catdlica no século x™ + 0s objetivos da eloquéncia + Intengao persuasiva e exemplaridade + Critica sociale alegoria * Linguagem, estilo e estrutura UNIDADE 2 Frei Luis de Sousa, de Almeida Garrett 30 ‘A dimensdo patritica e a sua expressao simbdlica + 0 Sebastianismo: historia e fiogao ‘© Recorte das personagens principals = O espago eo tempo A dimensio tragica + Linguagem, estilo e estrutura UNIDADE 3 Amor de perdicéo, de Camilo Castelo Branco 4 ‘+ Sugestio biogréfica (Simao e natrador) ‘+ Relagdes entre personagens += 0 amor-paixao + Construgéo do her6i romaintico ‘© A obra como crénica da mudanga social + Linguagem, estilo e estrutura UNIDADE 4 (Os Maias, de Ega de Queirés v7 Os temas d'Os Maias ‘* A representagao de espagos sociais e acritica de costumes ‘0s espagos e 0 seu valor simbético e emotive ‘A descrigéo do real e o papel das sensagdes ‘+ Representagées do sentimento e da paixéio + Caractersticas trégicas dos protagonistas * Linguagem, estilo e estrutura UNIDADE 5 Sonetos completos, de Antero de Quental 62 * A angdstia existencial + Configuragies do ideal + Linguagem, estilo e estrutura UNIDADE 6 Cénticos do Realismo. O livro de Cesdrio Verde 65 ‘= A representagao da cidade e dos tipos socials ‘* Deambulagao e imaginagéo: 0 observador acidental ++ Percegao sensorial ¢ transfiguragao poética do real ‘ O imaginéro épico (em «0 sentimento dum ocidental») + Linguagem, estilo e estrutura ea tS PROCESSOS FONOLOGICOS Na sua evolugao ao longo dos tempos, as palavras podem sofrer diferentes tipos de alteracao a nivel fonico, ou seja, no dominio das unidades sonoras. 1. Processos de insergao (adigao) de segmentos a) Prétese — inserco de um segmento sonoro em inicio de palavra Ex. sPIRITU- > espirito; r@ > arrd (arcaico e popular); ScALA- > escala b) Epéntese — insercao de um segmento sonaro no meio de palavra Ex.: UMERU: > ombro; avea (port. antigo) > aveia, _cranguejo > caranguejo ) Paragoge — inser¢do de um segmento sonoro em fim de palavra. Ex.: ANTE > antes; amor > amori (dialetos meridionais: Alentejo e Algarve) 2. Processos de supressdo (queda) de segmentos a) Aférese — supressdo de um segmento sonoro em inicio de palavra. Ex.: EPISCOPU- > bispo; APOTHECA- > bodega; (e)std > td (informal) b) Sincope — supressao de um segmento sonoro no meio de palavra: Ex.: RIVU-> rio; PEDE- > pee > pé; SOLERE > soer ©) Apécope — supressao de um segmento sonoro em fim de palavra Ex: ROSAM > rosa; MARE-> mar, CASTIGAT > castiga 3. Principais processos de alteragdo (qualitativa ou posicional) de segmentos a) Metitese — processo que consiste na alteragao da posi¢ao de um ou mais segmen- tos na palavra, Ex.: FLORE- > frof (port. antigo); SEMPER > sempre; INTER > entre b) Assimilaggo — processo pelo qual uma unidade fénica (ou sonora) se toma igual @ uma outa, vizinha ou préxima, ou dela se aproxima. Ex.: PERSONA- > pessoa; NOSTRU- > Nosso; amaram-lo > amaram-no ) Dissimilacao — processo pelo qual uma unidade fonica (ou sonora) se toma dife- rente de uma outra, vizinha ou proxima. Ex.: LIU > rio, ROTUNDU- > rodondo > redondo d) Sonorizagao — processo pelo qual uma consoante surda se torna sonora. Ex: FOcU- > fogo; ToTu- > todo; uPu- > lobo e) Vocalizagao — processo pelo qual uma consoante se transforma em vogal (fre- quentemente realizada como semivogal) Ex: ACTU-> auto, CONCEPTU- > conceito; pessoal > pessoa(w/ (portugués do Brasil) ) Palatalizagao — proceso pelo qual se desenvolve uma unidade palatal, normal- mente por influéncia de um som palatal vizinho, Ex: FILIU- > filho; SENIORE- > senhor; CLAMARE > chamar g) Redugao vocdlica — enfraquecimento de uma vogal em posicao atona. Ex.: blojlo/ blullinho; fleJsta/ flilstejar; clalsa/ cleJsamento h) Crase — contracao ou fusdo de dois segmentos vocdlicos iguais num s6. Ex: seer(port. antigo) > ser; door (port. antigo) > dor; a (prep) + a (det) > a i) Sinérese — contrago de duas vogais num ditongo (duas vogais em hiato dao lugar a um ditongo, por semivocalizacao de uma delas). Ex: £60 > @0> eu; LEGE-> lee > lel; WALU- > mao> mau ETIMOLOGIA E ETIMO; PALAVRAS CONVERGENTES E DIVERGENTES wy ETIMO E ETIMOLOGIA 0 étimo de uma dada palavra é a sua ascendente na lingua de origem (em geral, © latim, no caso do portugués). Por exemplo, tisruM é 0 vocdbulo do latim que esté na origem (é 0 étimo) de «livro». Por seu lado, a etimologia é o estudo da origem e da evo- lucao das palavras. Devido ao facto de varias linguas terem contribuldo para o léxico do portugues, além de palavras com étimo latino, encontramos na nossa lingua palavras cujos étimos sao vocabulos: * germanicos (werra > guerra; l6fa > luva); ** arabes (al-khass > alface; xarab > xarope); * castelhanos (guerrilla > guerrilha; moreno > moreno); * italianos (sbazzo > esbogo; piano > piano); * franceses (blouse > blusa; bidet > bidé); * ingleses (football > futebol; sandwich > sanduiche), etc. Hé étimos que podem originar diretamente uma nova palavra numa outra lingua, como sucede com al-gazéra (érabe) > algazarra. Por outro lado, uma palavra pode entrar indiretamente numa nova lingua: a transmissao ¢ indireta quando se opera atra- vés de uma lingua intermedidria: um termo grego pode ter chegado ao portugués por via do latim: kuklos (gr.) > cvc.u(s) (lat.) > ciclo. Quanto ao significado, existem palavras que mantém na lingua de chegada um sentido idéntico ou muito préximo do seu étimo: LEoNE- > /edo (mesmo significado). Por outro lado, o sentido de certas palavras pode alterar-se na passagem de uma lingua para @ outa: 0 vocabulo PARVULUS, que significava «pequeno» ou «insignificante» em latim, passa a ser sinénimo de «tonto», «idiota», em portugués. wy PALAVRAS CONVERGENTES E DIVERGENTES As palavras convergentes sao aquelas que, partindo de étimos diferentes, a certa altura da sua evolugao assumem formas coincidentes. Ex: vADUNT > vdo (forma verbal) ‘quomopo > como adv.) VANU- > vo (adj.) coMeDo > como (forma verbal) Por seu lado, as palavras divergentes sao aquelas que, apesar de diferenciadas, tém na origem um mesmo étimo, sujeito a diferentes percursos e evolucoes. Ex. chao olho rae cone plano culo Como se depreende dos exemplos anteriores, a diferenga pode decorrer do facto de uma das palavras ter um percurso verdadeiramente popular (chéo, olho) e de a outra se ter implantado pelo uso cutto (erudito: plano, éculo).. ARCAISMOS E NEOLOGISMOS my ARCAISMOS Os areaismos so palavras ou express6es que deixaram de ser usadas numa dada fase da evolugao de uma lingua E a comunidade linguistica a entidade responsavel por considerar esses termos antiquados. As palavras «asinha» (depressa), «Coita» (sofrimento), «ca» (porque), «agu- {c080» (diligente), «fiacre» (tipo de carruagem) so hoje sentidas como arcaismos porque deixaram de ser usadas pelos falantes. Mas os arcafsmos nao sao apenas formas lexicais. Além de palavras, ha construgdes sintaticas que deixaram de ser usadas numa dada época e que jd estao obsoletas (ultra- passadas). Dois exemplos de arcaismos sintaticos sao «Nenhum nao veio.» e «Este 6 0 melhor prato que nunca comi.» (mas a expressao «que jamais comi» ainda é hoje usada). Nas duas primeiras estrofes do soneto «Lingua Mater Dolorosa», de Natalia Correia, encontramos arcaismos que a poetisa usa deliberadamente: /eda (v. 2), joalhada (coberta de joias) (v. 4), s6bolos (v. 6): Tu que foste do Lacio a flor do pinho dos trovadores a leda a bem-talhada de ito séculos a cal o pao eo vinho de Luis Vaz a chama joathada stu 0 casulo 0 vaso 0 ventre o ninho e que sbolos rios pendurada foste a harpa lunar do peregrino tu que depois de ti ndo hd mais nada, eis-e bobo da corja coribantica: wa canalha apedreja-te a semantica € 05 teus verbos feridos vao de maca. Ja na glote és cascalho és malho és mingua, de brisa barco e bronze foste a lingua; lingua serés ainda... mas de vaca. mw» NEOLOGISMOS Os neologismos consistem na criag¢ao de novas palavras ou expressdes numa lingua ou na atribuigdo de novos significados a vocdbulos ja existentes. Um exemplo do primeiro caso & o termo «eurodeputado»; do segundo, «rato» (dis- positivo informatico). Assim, so exemplos de neologismos atuais da lingua portuguesa: blogue, ciberespaco, hemodidlise, software, infoexcluido, pluriemprego. Como pode veri- ficar, os neologismos sao frequentemente gerados por processos de formagéio de novas palavras, nomeadamente os cirregulares», como o empréstimo de linguas estrangeiras (blogue, software), a amalgama (borbotixa: borboleta + lagartixa; portunhol: portugues + espanhol), a truncagae (metro por metropoltano, foto por fotografia), a extenso seman- tia (rato do computador), 0 acrénimo (OTAN: Organizacao do Tratado do Atlantico Norte (ou NATO: North Atlantic Treaty Organisation); PALOP: Paises Africanos de Lingua Oficial Portuguesa; FENPROF: Federagao Nacional de Professores] e mesmo a sigla (CGTP: Contederagao Geral dos Trabalhadores Portugueses; SLB: Sport Lisboa e Benfica) PROCESSOS IRREGULARES DE FORMAGAO DE PALAVRAS Alem da derivagao e da composigao (processos regulares), 0 portugués dispée de processos irregulares de formacao de palavras. Sao eles a extensdo semantica, os empréstimos, 2 amdlgama, as siglas, a acronimia © a truncacao. Extensdo semantica — Consiste na atribuiggo a uma palavra de um novo sentido ou de uma acegao que anteriormente ndo tinha. Exs.: A designagao «rato», que se atribuia inicialmente ao animal roedor, refere-se hoje também a uma ferramenta do computador. A palavra «chave» que se referia originalmente ao utensilio que aciona a fechadura de uma porta, passou também a significar «solugdo», «senha». Empréstimo — so palavras de outras linguas que entraram numa dada lingua e que sdo comummente usadas pelos seus falantes. 0 portugués conta com variadissimos empréstimos, que foram ou no adaptados a indole da lingua. Exs.: xeque, alface, acticar (de origem arabe); realpolitik, leitmotiv, volframio (de origem alema); harakiri, biombo, sushi (de origem japonesa). Amalgama — é 0 processo de criagéo de uma nova palavra que resulta do cruzamento ou da fusdo de dois vocdbulos existentes na lingua. No processo da sua construco, um ou ambos os termos sofrem amputagdes na sua forma. Exs.: informatica = informagao + automética burética = bureau (escrit6rio) + informatica franglés = francés + inglés — € um vocdbulo que resulta da reducdo das palavras de uma expressao as suas iniciais, Exs.: OMS (Organizacao Mundial de Satide) PJ (Policia Judiciaria) TSF (telefonia sem fios) Acronimia — forma-se como a sigla: a partir da redugao das palavras de uma expresso as suas iniciais. No entanto, ao contrério da sigla, que se lé soletrando, ‘© acrénimo pronuncia-se como uma palavra. Exs.: SIDA (sindroma de imunodeficiéncia adquirida) TAC (tomografia axial computorizada) UNICEF (United Nations Children's Fund) Truncagao — consiste na redugao de uma palavra, suprimindo-se geralmente as silabas finais. Exs.: moto (< motocicleta) quilo (< quilograma) otorrino (< otorrinolaringologista) ha 7 GENEROS TEXTUAIS' my REPORTAGEM (de radio e televisdo) A reportagem é um género jornalistico nobre, que tem como finalidade informar © puiblico sobre um acontecimento da atualidade com interesse mediético. Contrasta com ‘ noticia por aprofundar mais a informacao, por eobrir 0 evento no local e recorrer a depoi- mentos de varios intervenientes. Centramo-nos aqui na reportagem de radio e televiséo. Caracteristicas | * A reportagem televisiva recorre a imagem, ao som e a palavra dita, enquanto a reportagem de radio utiliza apenas as linguagens sonora e verbal e tem de prescindir da imagem. * Ao deslocar-se ao local, 0 repérter relata os acontecimentos e recolhe depoimen- tos de varios intervenientes que presenciaram os factos ou os seus efeitos Da participagao de testemunhas resultam diferentes pontos de vista: o discurso alterna assim entre a terceira pessoa do repérter e a primeira pessoa dos que testemunharam os acontecimentos. * 0 reporter organiza a informagao de forma estruturada e progressiva, selecio- nando 0 essencial e integrando os testemunhos no seu discurso para obter uma relagdo entre 0 todo e as partes. ‘* Como na noticia, uma reportagem deve comegar por dar conta do acontecimento (0 qué?), dos seus intervenientes (quem?), do local e do momento em que ocorreu (onde? e quando?). Depois, deve esclarecer os motivos e as circunstancias em que a ocorréncia se deu (porqué? e como?) * Gracas & presenca do reporter no terreno, a reportagem pode oferecer pormeno- res sobre 0 acontecimento (até porque envolve investigacdo) e dar conta, em estilo vivo, das emogdes de quem o viveu de perto. A objetividade da reportagem fica naturalmente salpicada de subjetividade. tagem televsiva my DOCUMENTARIO Reportagem de radio, O documentério ¢ um género cinematografico e televisivo nao ficcional, na medida em que se caracteriza pelo compromisso de retratar um dado aspeto da realidade e nao deers see de imaginar uma historia ficticia; como num filme de ficgdo. cecubrcs aurora Caracteristicas ‘rats ou escrl © Trata-se de um género que permite a cobertura de um vasto leque de temas. Ha documentarios historicos, politicos, literarios, sobre temas da atualidade, sobre a natureza, etc 4 * 0 documentério apresenta sempre uma visdo parcial e subjetiva do tema e da realidade que esta a tratar. Nao ha objetividade porque o realizador e a sua equipa escolhem a parte do real que se vai apresentar e o modo como se aborda o assunto. * Quanto as linguagens usadas, os documentarios recorrem a imagem, a0 som (incluindo a musica) e & palavra dita para tratar os terias em questo. Se a lingua- ‘gem verbal assegura o essencial da informagao e o desenvolvimento das ideias, as imagens e 0 som ilustram expressivamente e complementam os dados apre- sentados, + 0 modo discursive dominante é o expositivo, na medida em que é necessario dar a0s espetadores informagao sobre o tema. No entanto, o modo argumentativo marca presenca (mais em alguns documentarios do que noutros) porque o reali zador e os intervenientes acabam por defender um ponto de vista sobre o assun- to tratado; por exemplo, a poluicao, os regimes ditatorias, etc. * De uma forma geral, existe um narrador/locutor que funciona como fio condutor do documentario na apresentagao dos factos e na organizagao da informagao. Mas surgem também intervenientes que apresentam o seu testemunho ou 0 seu ponto de vista sobre 0 assunto em causa. A narragao assume um estilo e urn tom que se adequa ao tema; mas so os participantes que recorrem a registos subje- tivos — cuidado, corrente, popular, coloquial, etc. —, que estéo relacionados com a sua formacao, emotividade, proximidade ao tema, etc. my ANUNCIO PUBLICITARIO O andncio publicitario ¢ um modelo de texto que tem por finalidade vender um. produto ou um servigo (publicidade comercial) ou encorajar um comportamento (publi- cidade nao comercial). Caracterizam-se aqui os antincios para radio, televisdo, etc. Caracteristicas * A fungao do antincio publicitario é persua- siva, na medida em que procura convencer © publica a fazer algo (comprar um produto, deixar de fumar, etc.). Para alcangar este fim, a publicidade tem de ter um caracter apelativo * Os antincios publicitarios séo difundidos nos meios de comunicagao social (mas nao s6) e fazem-se valer de diferentes linguagens —a imagem, a palavra, o som —, que sem- pre surgem de forma conjugada. Esta mul modalidade de meios usados é fundamental para a eficdcia comunicativa, pois apela a diferentes sentidos dos destinatarios e cativa-os pela emocao e pelo intelecto. © Considera-se que um antincio deve reger-se por cinco princfpios que se traduzem na sigla AIDMA: 0 texto publicitario deve captar a Atencao e o Interesse do puiblico, desper- tar 0 Desejo (de adquirir um produto, etc.), ficar retido na Meméria e desencadear uma ‘Acao (comprar algo, fazer turismo em Portu- gal, etc.) * A linguagem verbal também tem de contribuir para 0 cardcter apelativo do anuin- cio publicitério, Daf que este tire partido dos tempos e modos verbais (por exem- plo, do imperativo), de neologismos e de recursos expressivos, como 0 trocadilho, a metafora, a adjetivacao, etc. O slogan é a frase central, curta e apelativa, onde esses recursos devem ser mais explorados. * A diccdo, o tom e a expresso corporal (quando ha imagem) do locutor e/ou de outros intervenientes sao também estratégias exploradas. Assim se conclui que um anuncio publicitario tira partido da linguagem verbal e de linguagens nao verbais. wy RELATO DE VIAGEM O relato de viagem é um texto literdrio ou nao literdrio que narra a deslocagao de alguém a algum lugar. A narrativa reveste-se de um interesse especial se der conta de uma viagem a um lugar distante, exético ou menos conhecido do piiblico-alvo. Mas © texto pode valer ndo pela estranheza do lugar visitado, mas pela forma especial como a viagem € contada e/ou como o lugar e as suas gentes s4o descritos. Devemos também ter em atengdo que hd relatos de viagens que sao puramente ficcionais. Caracteristicas * O discurso de um relato de viagens resulta num texto pessoal porque est4 mar- cado pela subjetividade de quem tem a experiéncia e escreve 0 texto. O discurso € dominado pela primeira pessoa do narrador que, em principio, teve a experién- cia daquela viagem: ha um eu que vive e observa e uma mao que escreve sobre 0 que aconteceu. * Os temas de um relato de viagem sao variados porque o olhar do viajante vai incidindo em diferentes aspetos do lugar que visita e da cultura com que con- tacta: abordam-se questdes sociais, politicas, comportamentais, artisticas, religio- sas, et. * O modo discursivo narrativo alterna com o descritivo: relatam-se as peripécias da viagem e descrevem-se espacos e pessoas. Os dois modos discursivos surgem interligados. © 0 relato de viagens expressa-se em *- % diversos formatos e linguagens, 0 que LEO eL Get tn T Ihe confere um cardcter multimodal: AA em. em livro, em imagem em movimento: {televisdo, cinema), em registo oral (para a radio), em suporte virtual (na Internet), etc. Salvo raras excecées, a linguagem verbal estard presente e tira partido de recursos expressivos (pagi- nas 344-346 do manual) mas pode ser acompanhada pela imagem ou pelo som, dependendo do formato escolhido. 7 ay 16 my SINTESE A sintese é um tipo de texto em que se apresenta a informagao essencial de outro texto, expondo-a de forma clara e concisa. 1. Sintese escrita * A sintese escrita deve corresponder a cerca de um quarto do texto de partida (caso nao haja outras indicacées).. ** Deve ser fiel na reconstituicao da informacao do texto de partida. No entanto, nao deve incluir citagées do texto original. E também aconselhavel que 0 discurso direto seja omitido ou transformado em discurso indireto. * Como se reproduz a informagao essencial de um outro texto, € necessério supri- mir as ideias secundérias, os pormenores, alguns exemplos e outros elementos acessorios. A sintese também nao deve incluir comentérios ou opinides pessoais. * Ao preparar uma sintese, gozamos de alguma liberdade na ordem e na organiza- ‘¢40 das ideias. No entanto, é bom seguir a sequéncia de informago do texto de Partida. Além disso, 0 discurso deve ser apresentado na terceira pessoa, identifi- cando o(s) autor(es) do texto e as suas intengdes. * E recomendavel que a linguagem seja cuidada, objetiva e rigorosa, e as frases, concisas e claras. 2. Sintese oral © A sintese oral — de um texto, das ideias ou enredo de um livro, da ago de um filme ou de uma pega de teatro — deve ser apresentada no periodo de um a trés minutos.' Portanto, tem, forgosamente, de ser concisa. * Como a sintese escrita, deve reproduzir as ideias ou os factos principais do texto de partida e dispensar os pormenores. A linguagem tem de ser cuidada e clara, as frases devem ser simples. 3. Elaboracao A sintese escrita deve ser elaborada em trés fases: * Fase de preparacao; © Fase de redacao do texto; * Fase de revisao. Para a sintese oral apenas se contemplam dois momentos: preparagao e apre- sentacao oral. Contudo, a preparagao é mais exigente, pois, além da leitura do texto (do visionamento do filme, etc.), deve haver um ensaio da apresentagao, Em ambos 0s casos, a fase de preparagao deverd seguir os seguintes passos: 1.2 Leitura (ou visionamento) global, destinada a aprender o sentido geral e os aspetos mais relevantes do texto, filme, etc. 2.2 Registo por topicos, em linguagem pessoal, simples e cuidada, das ideias essenciais do texto, do filme ou da pega de teatro. A redacao/apresentacao oral da sintese deve basear-se nas frases com as ideias essenciais registadas na fase da preparagao. No caso da sintese oral, cf. a ficha 15 sobre «apresentagdo oral», na pagina 350 do manual. Na sintese escrita, a fase de revisdo ¢ essencial: € necessério reler 0 texto produ- Zido por forma a melhoré-lo: retirar repetigdes ou informagao acesséria e corrigir erros e imprecisoes. (1) Indleagtes 60 Programa e Metas Curiculares de Pertugus — Ensino Secunia REGRAS E ORGANIZACGAO DE UM TRABALHO ESCOLAR my CONCEITO DE TRABALHO ESCOLAR E ESCOLHA DO TEMA Um trabalho escolar é uma tarefa de investiga- 40 € reflexao sobre um tema ou um problema e tem como produto um texto escrito com a apresentacao da analise realizada e das conclusdes a que se che- gou. 0 texto escrito pode ser acompanhado por outros elementos: um péster, um CD com power- points ¢ filmagens, um protétipo, etc. A escolha do tema ou problema a tratar deve estar relacionada com a disciplina em que o trabalho se realiza e deve ser sempre acompanhada pelo pro- fessor (ou proposta por este). Quanto mais pertinente original for o tema, mais 0 trabalho é valorizado. Carl Spitzweg, 0 Rato de Biblioteca (1850), my METODOLOGIA DE INVESTIGAGAO Consoante a disciplina em que o trabalho escolar se inscreve, assim seré o método de investigago (o caminho) a seguir. Alguns trabalhos exigem a realizagao de expe- riéncias, de trabalho de campo, de inquéritos (etc.), outros ndo. No entanto, todos requerem uma investigagao que passa pela leitura de textos escritos sobre o assunto a tratar (artigos, livros, entradas de enciclopédias), pela andlise da informacao recolhida € por uma proposta de resolugao do problema (as conclusdes) 0 trabalho de selegao, recolha e tratamento de informagao ¢ muito importante. Os alunos devem colher a informagao de fontes seguras e com autoridade (muitas paginas da Internet nao o so) e trabalhar os dados de forma a apresenté-los por pala~ vras suas e a incorporé-los no seu trabalho de modo pertinent. my A REPRODUCAO DE TEXTOS E IDEIAS DE OUTROS: ACITAGAO E 0 PLAGIO Alguns breves excertos de livros podem ser transcritos nos textos dos trabalhos escolares como citagées, devendo o aluno inscrever as palavras do texto de partida entre aspas e identificar a fonte donde retirou a transcriggo, Reproduzir textos ou idelas, de outros autores sem identificar a obra de origem resulta numa pratica denominada plagio, que ¢ absolutamente inaceitavel num trabalho escolar e punida pelo professor. Para evitar incorrer em plagio, o aluno pode também resumir as ideias de outros textos, pelas suas palavras, identificando o(s) autor(es). Assim, as citagdes so sobretudo usadas com os seguintes objetivos: a) reproduzir informagao e procurar autoridade para as ideias que o aluno afirma i no seu texto; b) reproduzir as posigdes de outro autor para as rebater. Uma parte do trabalho escolar teré sempre de ser constituida pelas anélises, refle- xes e conclusées do aluno. mm PARTES DO TEXTO DE APRESENTAGAO DO TRABALHO DE INVESTIGAGAO Cada tipo de trabalho exige o seu proprio método de investigacao e 0 seu modelo de apresentagao. Sugere-se aqui um modelo de apresentagao do texto escrito que é indicativo e que deve ser adaptado as caracteristicas de cada trabalho: 1, Capa 2. Indice 3. Texto do trabalho a) Introdugao b) Objetivos ©) Método d) Desenvolvimento: andlise e discussao dos dados e) Conclusao 4. Bibliografia 1. Capa A capa deve conter os elementos de identificagao do aluno, endo s6: — Nome da escola e nome da disciplina; —Titulo do trabalho; — Nome do aluno (acompanhado pelo ano, turma e numero); — Nome do professor que orientou o trabalho; — Data de entrega do trabalho. NOTA: Se usar cores e imagens, faga-o com sobriedade e pertinéncia. 2. indice O indice € 0 elenco dos varios capitulos e partes do livro. Pode surgir no inicio ou no fim do trabalho ¢ indica o titulo de cada capitulo e a pagina em que este se inicia Veja-se 0 exemplo: — Introdugao — Objetivos — Método — Desenvolvimento —Concluséo L Baosw 3. Texto O texto do trabalho poderd ter as seguintes partes: '* Introdugao: apresentacao do tema e do problema a tratar. '* Objetivos: finalidades do trabalho (investigar, descobrir, estudar...) ‘* Método: caminho seguido para realizar a investigagao (descrever a experiéncia, o trabalho de campo, o material usado, a forma de andlise, as obras lidas, etc.). ‘* Desenvolvimento: apresentacao dos dados; discussio dos dados. * Conclusao: ponto de chegada do trabalho — ideias que se apuraram, solugdes para o problema, etc. 4. Bibliografia A bibliografia é uma lista das fontes consultadas (livros, artigos, paginas da Internet, etc.), que devem ser devidamente identificadas. BIBLIOGRAFIA E INDICAGOES BIBLIOGRAFICAS my CONCEITO E MODELO Uma bibliografia é uma lista das fontes consultadas (livros, artigos, paginas da Inter- net, etc.), devidamente identificadas. Existem varios modelos de bibliografias. Propde-se aqui um modelo simples de seguir. wy REFERENCIA BIBLIOGRAFICA NO INTERIOR DO TEXTO Uma bibliografia no fim de um trabalho escolar ou académico serve precisamente para o autor de um trabalho ndo estar a identificar por extenso um livro ou um artigo cada vez que 0 cite ou evoque. Como a referéncia completa se encontra na lista biblio- Brafica no fim do livro, apenas seré necessério, ao longo do texto do trabalho, referir © Ultimo apelido do autor, o ano de publicagao ¢ a(s) pagina(s) onde se encontra um dado segmento de texto ou uma ideia, para o leitor poder localizar facilmente a informa- cdo. Atente no exemplo, que simula uma frase do texto de um trabalho escolar: Ex. Vitor Aguiar e Silva observa: «O romance € uma forma literdria relativamente moderna.» (Silva, 2000: 672). Tal significa que a citagao foi retirada da pagina 672 do livro do autor cujo Ultimo apelido é Silva e que foi publicado em 2000. Na bibliografia deve constar a entrada Ex.: Sitva, Vitor M. de Aguiar e (2000) ~ Teoria da Literatura, 8.* ed. Coimbra: Almedina. wy COMO SE FAZ UMA ENTRADA BIBLIOGRAFICA? Vejamos agora 0 que deve constar numa entrada bibliografica segundo a modelo que aqui se segue. Cada formato/suporte de texto (livro, artigo de revista, pagina da Internet, CD-ROM, etc.) exige 0 seu proprio tipo de registo. 1. Livros Ultimo apelido do autor, restantes nomes, ano de publicagao (entre parénteses), titulo (e subtitulo) do livro (em itdlico ou sublinhado), local de publicagao, nome da editora. Ex: MiRANDA, Filipa (2004) - Educagdo Intercultural e Formagao de Professores. Porto: Porto Editora: Camoes, Luis Vaz de (1992) - Os Lusiadas. Edigdo de Alvaro Julio da Costa Pimpéo. 5.” ed. Lisboa: Ministério dos Negécios Estrangeiros/Instituto Camées. NOTA: Poder referir-se na entrada o ndmero da edigso e o nome do editor do text. 2. Artigos de periddicos (revistas, jornais) Ultimo apelido do autor, restantes nomes, ano de publicacao, titulo do artigo (entre spas), titulo do periédico (em italico), numero da publicacao (e outras referéncias) e as paginas. Ex.: Lourengo, Manuel dos Santos (2006) ~ «Um Filésofo da Evidéncia», in Bole- tim da Sociedade Portuguesa de Matematica, n.° 55, outubro, pp. 91-103. Lopes, Joaquim (2003) - «Consumo de calorias», in Diario de Noticias, n.° 2389, 15 de abril, pp. 34-35. 3. Texto em obras coletivas Ultimo apelido do autor do texto, restantes nomes, ano de publicacao, titulo do texto (entre aspas), nome do organizador do volume, referéncia @ fungo desempenhada (org., dir., coord.), titulo do livro (em italico), local de publicagzo, nome da editora, paginas. Ex: CRANMER, David (1995) — «O Ensino do Inglés através da Musica e da Pintura», in Laura Pires Bettencourt (dir.), Novas Metodologias no Ensino do Inglés. Lis- boa: Universidade Aberta, pp. 69-86. Funai, Pedro Paulo (2008) ~ «Roma: Cidadania entre os Romanos», in Jaime Pinsky e Carla B. Pinsky (orgs.), Historia da Cidadania, 2.° ed. S40 Paulo: Con- texto, pp. 49-79. 4. Texto publicado na Internet Ultimo apelido do autor, restantes nomes, ano de publicagao, titulo do texto (entre aspas), nome do sitio da Internet, enderego eletrénico, data da consulta. Ex:Rels, Fernando (2003) ~ «Sociedade Portuguesa de Matematica», in Centro Virtual Camées, http://cvc.instituto-camoes.pUciencia/e21.htm (consultado em 10 de agosto de 2014). Pina, Alvaro (s.d.)' ~ «Comunidade Conhecivel», in Carlos Ceia (dir.), E-Dicio- nario de Termos Literérios, http:lwmw.edtl.com.pvindex.php?option=com_mtree &task =viewlink&link_id=679<emid=2 (consultado em 22 de novembro de 2014). 5. Filmes e documentarios Ultimo apelido do realizador, restantes nomes, ano de publicacao, titulo original, titulo da tradugao portuguesa, local, nome da produtora, tipo de obra. Ex.:INARRITU, Alejandro (2003) ~ 21 grams, 21 gramas. California: Miramax, Filme. Wooo, Jack (2004) ~ World War I, Segunda Guerra Mundial, 10 epis6dios. Londres: Canal Histéria, Documentério. 6. CD-ROM Apelido do autor, restantes nomes, ano de publicagao, titulo (e subtitulo) do livro (em italico), local de publicagao, nome da editora, CD-ROM. Ex.:Saraiva, Antonio José, e Lopes, Oscar (s.d.) - Histdria da Literatura Portuguesa. Porto: Porto Editora, CD-ROM Toto, Teresa; RaMos, Cléudia; ViLA Malor, Paulo; Lia, Sérgio (orgs.) (2006) ~ Atas do Congreso Internacional de Cidadania(s), Discursos e Prdticas. s.1°: Edigdes da Universidade Fernando Pessoa, CD-ROM. (1A siga 5 sigitica «sem datas identficad no Ino, revit, ec (2), siga 5. signica «sam ugar dentcade, PONTUAGAO Eras eC) Exemplo a) Separa 0s elementos repetidos na frase. | a) Os pais da Ana ficaram b) Separa elementos com a mesma fungo contentes com a noticia. sintatica b) O pintor trouxe tintas, pincéis, palet €) Isola 0 modificador apositivo do nome. Se um cavalete para fazer 0 seu 4) Assinala as oragdes subordinadas trabaiho, relativas explicativas. ©) Camées, f e dos poetas e) Indica a supressao de uma palavra, ortug escreveu Os Lusiadas. geralmente 0 verbo. ) 0s alunos desta turma, que forar Virgula : , . f) Separa uma orago ou uma expresséo 20 teatro, nao estiveram na escola intercalada de manha. 8) Separa a oracao subordinada adverbial | e) 0 Filipe é médico e o Mig vogado. que ocorre antes da oragao subordinante. | f) O José, no sabendo 3 hh) Destaca 0 vocativo dos demais egressado, ficou no escritério. constituintes. aa 3 pista ficou desim | oavido descoiou. | | hy Tambem ti BEI 2) Indica o fim de uma frase declaativa, a) A equipa chegou ontem ao Porto. b) Assinala as abreviaturas, | b) 0 Dr. Antunes pedi ajuda ao Sr. Pereira a) Marca uma pausa intermédia entre | a) Chovia torrencialmente: porém, Pereira | © ponto e a virgula entre oragoes. estava decidido a ndo faltar a reunigo. | i b) Separa os elementos de uma b) A secretéria tern como funcées Sale enumeracao. pete eenninairee 2) Introduz uma citagao ou o discurso direto | a) O Jodo respondeu 4 Teresa: de alguém. Jé assinaste o contrat b) Precede uma explicagao ou uma b) A arte é extraordinaria: mostra BE sequencia do que foi anteriormente dito, de mais humano ha no mundo | ) Introduz uma enumeragao de elementos. | ¢) Os desportos preferidos da Ana séo: | a) Indicam hesitagao ou duvida a) Na rotunda, vé pela primeira saida... ndo, | IReeenemee| ©) Assinalam uma frase deixada incompleta. | sala sé.na segunda €) Dao conta do prolongamento de uma b) Ele sabia que aquela era a rapariga que. ideia no fim de uma frase completa. ©) Eu percebi bem 0 que querias dizer. a) Usa-se para expressar emogdes a) Como é linda esta pintura! pm (frase exclamativa). b) Abre a janelal IeeemeR ©) Assinala as frases imperativas ©) An! Essa novidade deixou-me ) Assinala interjeigbes. contentissimo! Pontodens)| 4) Assinala as perguntas diretas. 4) Queres jantar comigo, Teresa? interrogacao _ e) Introduz o discurso direto. e) sei-me! — anunciou 0 Francisco. lfavessapigy) £) Destaca uma expresso, uma oragao f) Portugal s6 saird da crise — se é q ou uma frase intercalada. se adotar medidas responsdveis. CONTEUDOS LITERARIOS PEC SM Cea SERMAO DE SANTO ANTONIO [1654], do PADRE ANTONIO VIEIRA my OS SERMOES E A MENSAGEM CATOLICA NO SECULO XVII * Nos paises do Sul da Europa, o século xvi foi uma época de grande religiosi- dade, marcada pelo espirito da Contrarreforma. 0 Catolicismo desencadeou uma defesa dos seus principios e da sua doutrina (especialmente contra as correntes do Protestantismo cristo, que 0 questionavam) e recorreu a varias, estratégias e meios para os difundir. Numa época em que poucos liam, os ser- mes foram um poderoso veiculo de propagacao da mensagem crista e dos valores do Catolicismo. * Muitos sermées de Vieira, como 0 Serméo de Santo Antonio, de 1654, abordam assuntos sociais e politicos associados a questées religiosas, como a doutrina crrist8, a salvacdo e 0 pecado. Os temas sociais e politicos vao da injustica e dos valores humanos até ao estado do Reino. * Neste sermao de Vieira, os assuntos religiosos e sociopoliticos articulam-se para tratar os comportamentos condendveis que tanto dano causam na comu- nidade, mas também para apontar exemplos que contribuiriam para fazer um_ mundo melhor e para os crentes alcancarem a salvacao. © Amentalidade barroca caracterizava-se por uma profunda religiosidade, por uma forte ideia de pecado e por um grande receio da morte. AS artes visuais e literérias estavam imbutdas do espirito da ostentagao e do excesso. Na literatura (poesia, oratéria, etc.), essa ostentacao exibia-se através da forte carga retbrica da linguagem e do virtuosismo com que o autor cultivava a arte de falar em publica (cf. paginas 20-26 do manual) my OS OBJETIVOS DA ELOQUENCIA © Ossermées do Padre Antonio Vieira e de outros oradores eclesidsticos do século xvll viviam, por um lado, do admirével virtuosismo das palavras; e, por outro, da teatralidade do pregador quando proferia o seu discurso a partir do pulpito. © Acloquéncia é a arte de bem falar. Vieira e os oradores do seu ternpo investiam bastante nesta arte, exibindo a habilidade e o engenho com que usavam as palavras e as ideias para construir os seus argumentos. Recorriam fortemente a retorica, que € a arte do discurso ¢ os recursos expressivos que estavam a0 seu servigo. * Podemos identificar os trés grandes objetivos do sermao religioso através de trés termos latinos: docere, delectare, movere. ensinar) © Ensinar a doutrina crist. * Dar a conhecer o texto biblico. * O orador procurava agradar aos ouvintes ou mesmo deslumbré-los com as suas palavras € 0 seu raciocinio, © Persuadir os ouvintes (iis) e influenciar ‘o.seu comportamento. * O objetivo era conseguir que 0s cristéos seguissem ‘os ensinamentos de Cristo os praticassem no quotidiano. wy INTENGAO PERSUASIVA E EXEMPLARIDADE © O pregador tinha de ser visto pela comunidade como um exemplo de vivéncia cristé e de cumprimento das regras, religiosas. 0 seu cardcter ético e a sua conduta moral deviam ser uma referéncia para 0 rebanho. * No Sermao de Santo Anténio, Vieira tira partido da figura impar que foi Santo Anténio de Lisboa (ou de Pédua). 0 seu trabalho pastoral serve de inspiracao para Vieira, no s6 pelo sucesso que teve na sua pregagao e na sua atividade de mis- sionagao mas também nas adversidades e nas dificuldades que sentiu * Ant6nio Vieira sente dificuldades anélogas no seu trabalho de pastor no Brasil — num jogo de palavras, encontra mesmo uma semelhanca das situacGes ligada a identidade dos nomes. Como Santo Anténio em Arimino, o jesufta também. nao consegue fazer passar a mensagem cristé e humanista aos colonos do Maranhao, que escravizam e maltratam os Indios, Giuseppe Arcimboldo, 0 almirante (século x). © Ainda que a conduta e 0 exemplo de Vieira sejam irrepreensiveis, a sua «pes soa» @ a sua palavra ndo dao fruto entre os colonos, e 0 seu trabalho persua: nao obtém os resultados que ele espera. 0 jesuita ndo falha pelo exemplo nem pelas palavras; quem falha é o seu rebanho por insensibilidade, interesse pré- prio e afastamento da doutrina crist + Assim, trés dias ap6s ter pregado o célebre sermao, Vieira embarca para Lisboa para tentar resolver politica e diplomaticamente o que ndo conseguira resolver pela via religiosa e moral. * Aum terceiro nivel, o exemplo ver também de Cristo e das Escrituras — tanto do Velho como do Novo Testamento, Recorre-se aos ensinamentos € aos e| sédios da vida de Jesus para apontar modelos de comportamento aos ouvin- tes, mas também para dar forga e autoridade aos seus argumentos. wy CRITICA SOCIAL E ALEGORIA '* No Sermao de Santo Anténio [1654], 0 Padre Anténio Vieira recorre a alegoria, um recurso expressivo em que um conjunto de imagens concretas (termos, ages, personagens) serve ao autor para transmitir uma realidade abstrata. Neste caso, 0 pregador visa criticar os seus ouvintes, que so comparados aos habitantes da cidade de Arimino, em Italia. Com efeito, tal como 0 povo desta localidade se insurgiu contra Santo Anténio, por este denunciar os seus peca- dos nas suas pregacées, também o Padre Anténio Vieira é hostilizado pelos habitantes do Maranhdo — nao sé por criticar os seus defeitos, mas também. por defender a libertacao dos Indios da escravatura. * Assim, Vieira, no dia de Santo Ant6nio, ao invés de pregar sobre ele, propde-se a pregar como ele: j4 que o santo, perante a revolta dos seus interlocutores, decidiu ir pregar aos peixes — 0 que deu origem a um dos seus milagres, na medida em que estes vieram ouvi-lo —, também Vieira iré simular que dirige 0 seu sermao aos peixes. Através desta alegoria, iré representar metaforicamente os pecados do seu auditério, criticando-o ferozmente. Com efeito, até nos momentos em que tece louvores aos peixes denuncia os pecados dos homens Contetidos literarios Ao propor-se a pregar como Santo Anténio, o Padre Anténio Vieira coloca-se, engenhosamente, em paralelo com o santo (de notar que, inclusivamente, a coincidéncia de nomes é muitas vezes utilizada para causar este efeito de sobreposigdo, de tal forma que o pregador, embora esteja a falar de Santo Anté- nio, parece estar implicitamente a falar de si préprio). Deste modo se acentua 0 facto de que 0 Unico objetivo do Padre Anténio Vieira é, 2 semelhanga do que sucedia com Santo Antonio, libertar os seus ouvintes do pecado e reconduzi- -los ao caminho da salvagao. Assim, é sublinhada a virtude de Vieira, bem como a dimensai injusta da hostilidade demonstrada pelos habitantes do Mara- nh&o em relacdo a este pregador. * No Sermo de Santo Anténio de 1654, Vieira denuncia comportamentos con- denaveis e pouco cristéos dos colonos do Maranhao. Mas as criticas server para todos os homens. Dirigem-se acusagbes aos arrogantes, aos oportunistas, aos ambiciosos € aos traidores. * Mas Vieira aponta também a conduta virtuosa que um bom cristo deve seguir. Salientam-se entre essas virtudes a crenca em Deus, a persisténcia na fe 0 respeito pelas regras do Cristianismo. * Acritica social é representada através da alegoria, porque os peixes, as naus. e outros elementos que surgem neste Sermo vao aludir metaforicamente aos pecados mas também as virtudes dos homens (cf. «Visdo global do Sermao e estrutura argumentativa», paginas 28-29 deste livro). wy LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA 1, 0 discurso figurativo e outros recursos expressivos * estilo dos autores do perfodo barroco (de fim do século xvi a meados do xu) caracteriza-se, grosso modo, pela ousadia das associagdes de meté- fora e imagens, pela complexidade da construgao frdsica e da articulagao de ideias, pela ostentagao do vocabulério e pelo grande investimento em recur- 505 estisticos, em suma, pela pesada presenga da retorica. © Encantramos duas tendéncias no estilo dos autores barrocos que marcam também presenca nos sermées de Anténio Vieira: a) 0 concetismo, que se manifesta na construcao de associagées originais € surpreendentes entre ideias e entre conceitos ¢ a Sua traducao em linguagem. b) ocultismo, que se exprime na linguagem complexa, rebuscada, que se traduz na forte carga retérica do discurso, em que primam o gosto pelo jogo de palavras e 0 abuso das metaforas complexas, das hipérboles, das antiteses, do paralelismo frasico, etc. * Na sermonistica seiscentista, a linguagem e a teatralidade do orador encon- tram-se ao servigo da fungao persuasiva do sermao — a fungao de conven- cer os ouvintes a seguir a doutrina cristd e a por em pratica os seus ensina- mentos. 0 pregador recorre 4 argumentagao para, com virtuosismo argiicia intelectual, desenvolver as razdes que expe. Deste modo exibia a sua habilidade na forma como trabalhava uma linguagem requintada ‘isto se chamava 0 discurso engenhoso. * Consequentemente, o discurso dos pregadores utiliza recursos linguisticos endo linguisticos (gestos, tom de voz, etc.) que ajudam a sustentar a fungao apelativa da linguagem. A palavra tinha um papel fundamental nas finalida- des de um serméo: ensinar 0 ouvinte (docere), deslumbré-lo (delectare) e influenciar os seus comportamentos (movere) (cf. pagina 24 deste livro).. * Vieira socorre-se da linguagem figurativa para veicular as suas ideias, para deslumbrar os seus ouvintes e para os persuadir. A comparagao ¢ a metafora so recursos expressivos centrais no trabalho de associacao original de ideias, de conceitos e de situagdes que faz avancar o Sermo: «O polvo com aquele seu capelo na cabeca parece um monge» (comparacdo); «Esta é a lingua, peixes, do vosso grande pregador, que também foi rémora vossa» (metéfora). * Como ja foi explicado, a alegoria é a estrutura que organiza 0 Sermao de Santo Anténio. Assim, a0 usar 0s peixes, a pesca, 0 Sal com simbolos e associando-os a comparagées e metaforas, Vieira vai apresentando uma realidade figurada que, de facto, pretende aludir a ideias sociais e religiosas do seu mundo: os homens (peixes) pecam de diferentes formas porque no seguem a doutrina cristd e os bons exemplos, € 05 comportamentos sociais corrompem-se, degradam-se. Por seu lado, os pregadores (0 sal) também rndo so bem sucedidos no seu trabalho de preservar os homens do pecado. ‘+ Neste sermao fortemente retorico, outros recursos expressivos ganham especial importancia. A antitese assume-se como outra forma de associagao de ideias, desta vez pelo contraste e pela oposi¢ao e nao pelas semelhan- 28. Afirma Vieira que 0 polvo «tragou a traigao as escuras, mas executou-a Muito as claras» ou, noutro passo, surpreende-se quando conclui: «Tanto pescar e to pouco tremer!» (Muitos aproveitam-se do que no Ihes é leg timo e, ao contrario do peixe torpedo, néo receiam a perdi¢o.) © Opregador revela também o seu engenho no uso da palavras quando, para tornar o sermao mais persuasivo, procura conquistar os ouvintes nao apenas pela racionalidade dos argumentos mas também pela forte carga emocional que deles se desprende. Para o conseguir, explora frases exclamativas (€ interjeigdes) que comovem 0 auditério («Oh, maravilhas do Altissimo! Oh, poderes do que criou o mar e a terrals, «Peixes! Quanto mais longe dos homens, tanto melhor; trato e familiaridade com eles, Deus vos livre!»). Tam- bém as frases interrogativas e as apéstrofes procuram implicar 0 owvinte no que é dito e, nao raro, fazem-no sensibilizando-o de forma emotiva: «com que rosto hei de aparecer diante do Seu divino acatamento, se ndo cesso de O ofender?» ou «E possivel que os peixes ajudam a salvagao dos homens, ¢ os homens langam ao mar os ministros da salvagao?». Um exemplo de apos- trofe ¢ «dividirei, peixes, 0 vosso sermao em dois pontos» * Osafetos e as emogbes conquistam-se também neste sermao através da representagao por palavras do efeito visual das descrigdes e da narragao de episédios, do uso da ironia para criticar os pecadores, do exagero como- vente das hipérboles e nos hipérbatos (cf. paginas 344-346 do manual). + Efeito emotivo e persuasivo era também o que Vieira pretendia desencadear com as enumeragées que introduziu no Serméo. Vincava assim os seus argumentos, demonstrando as varias formas como os homens pecavam e como erravam: «também nelas [nas terras) ha falsidades, enganos, fingi- mentos, embustes, ciladas e muito maiores e mais perniciosas trai¢ées.» Algumas dessas enumeragdes transformavam-se em gradagées quando a sequéncia de elementos ia em ordem crescente e arrebatava ainda mais ‘0 embevecimento do piiblica: «fo palvo é] um monstro tao dissimulado, tao fingido, téo astuto, to enganoso e to conhecidamente traidor!» PCL LE * No plano da construgao frasica, 0 discurso de Vieira espraia-se em frases complexas, por vezes longas, noutros casos labirinticas. Destacam-se os paralelismos frdsicos, que servem frequentemente para reformular uma ideia e assim vincar mais um argument: « Deixa as pracas, vai-se as praias; deixa a terra, vai-se ao mar...». Este paralelismo associa-se frequentemente 2 andfora (paralelismo anaférico), com a repetigao enfatica de uma palavra ou expresso em inicio de oragao ou frase. * Em termos de vocabulétio, encontramos um elevado niimero de termos do ‘campo lexical da religiéo cristé mas também do mar e da pesca. No fundo, hé uma ligagdo entre as duas éreas de vocabulério pelos temas tratados, tendo em conta que os peixes, as naus, 0 naufragio, a pesca aludem, nesta alegoria, aos homens, aos seus pecados ou as virtudes cristas, & salvacao ‘ou a perdigao. * Tratando-se 0 Sermao de um texto religioso cristao, nao estranhamos encontrar intimeras referéncias e citagdes biblicas — quer do Velho quer do Novo Testamento —, muitas delas em latim. Serve esta estratégia para conferir autoridade as palavras do pregador e fornecer «verdades» que Ihe permitem chegar as suas conclusdes. Noutros casos, e com o mesmo intuito, Vieira alude a textos dos grandes tedlogos cristaos (Santo Agosti- ho, $40 Jernimo) e transcreve excertos dos seus escritos. 2. Visao global do Sermdo e estrutura argumentativa ESN aS TN nN earn) ‘ Araceae Gee eS pine * Apresentagdo do conceito predicével: «Vos ests sal tere» (primeira parte (citagao biblica que serve de ponto de partida para o Sermac) de um discurso 7 5 , Tet6reo, naqual | Captulo | | * ExBicagd0 do tulo do Sermae. no dia de Santo Antonio, em vez ae de pregar sobre o santo, pregaré como ele — isto 6, perante a recusa a do auditério em ouvi-lo, pregaré aos peixes (alegoria utlizada para tere ilicar feruemenie us habilanes do Maran). a desenvolver) Louvores das virtudes dos pees: Exposiiol — Fin gral -confirmacao — : > foram os primeiras animes a ser criados por Deus; oars Sa > foram os primeiros animais a ser nomeados; Seapresentam | Capitulos II-V 0s argum pi > so 0s animais que existem em maior quantidade e de maiores eRe aeTERONNG dimensées; os sustentam) > owviram Santo Antonio; ea > salvaram Jonas (a baleia é considerada como um peixe); > ndo se deixam domesticar nem corromper pelos homens. (continua) eee ee eee rN oy LGTY Surry 3 Niece tayo foe Sar eri = r | Em particular: > Peixe de Tobias (0 fel do peixe cura a cegueira € 0 seu corakao expulsa os deménios); °C) > Remora (apesar cp serpequens,consegue determiner t ‘orumo des naus 2) da vinganga, da cobiga e da sensualidade); > Torpedo (faz tremer 0 brago do pescador — isto é, daquele que se apropria indevidamente do que néo é seul; <2 > Quatro-olhos (tem dois pares de olhos: um olha para cima € 0 outro olha para baixo — ensina ao pregador a importancia de se lbertar da vaidade do mundo e,de pensar apenas na vida eterna — Céu e Inferno). ¢ ) pe +b enews > (ah | © Repreensdes dos defeitos dos peixes: 9 a TERED, wf Exposigao/ — Cee — Em geral: (parte em que Capitulos 1I-V > Comemi-se uns aos outros; mais especificamente, os grandes ‘se apresentam comem os pequenos (ictiofagia que representa a antropofagia 0s argumentos social, isto 6, 0 facto de os homens se explorarem uns aos, € 0s exemplos que ‘outros — sabretudo os poderosos relativamente aos mais een desfavorecidos); > Mostram ignorancia e cegueira, deixando-se pescar com um pouco de pano (a semelhanca dos homens, que se deixam iludir por honras vas ou pela sua vaidade). Em particular: } core > Roncador (apesar das suas dimensdes reduzidas, emite um som grave semelhante ao grunhido de um porco, representando a arrogancia eo orgulho); > Pegador (agarra-se aos peixes maiores, representando ‘© oportunismo, 0 parasitismo social ¢ a subserviencia); > Voador (tenta voar para fora de agua, representando a ambigo desmedida); > Polvo (aparenta ser manso, mas, na realidade, é hipécrita e traidor). .dos-da soberba, a2 * Louvor final aos peixes. {parte final Capitulo VI do discurso * Autocritica, retérico) * Critica aos homens. © Exortago aos peixes para que louvem a Deus. PMc ey FREI LUIS DE SOUSA, de ALMEIDA GARRETT my ADIMENSAO PATRIOTICA E A SUA EXPRESSAO SIMBOLICA * 0 patriotismo é um dos temas de Frei Luis de Sousa. A agao do drama 6 marcada pela situacaio do Pais em fins do século xvi, época em que se encontra sob dominacao de Espanha, e pelos sen- timentos de amor nacional que esta realidade polt- tica desperta nas personagens. * A situagao politica de Portugal tem grande im- portancia na acéo da pega, tendo em conta q D. Manuel de Sousa Coutinho, Telmo e Maria desejam a independéncia do Reino e nao aceitam a governagao espanhola; 0 protagonista recusa-se mesmo a colaborar com os governadores ao ser- vigo do rei estrangeiro e a afronta-os incendiando a sue prépria casa. Numa das linhas de acao da pega, a tensao dramatica resulta deste conflto © Aprépria ideia de Portugal é assumida como tema desta obra de Garrett, que se assume como a tra- gédia coletiva de um povo. Frei Luis de Sou: apresenta uma reflexdo sobre a nag&o portuguesa uma nagao que tinha sido grande mas que, na 6poca histérica da ago do drama, perdera a sobe- rania politica e se encontrava em estado de hibe nacdio, esperando ressurgir... caso ainda fosse possivel Miguel Lupi, 0. Jodo de Portugal, cena de Fi * A ppeca constrdi a ideia de que Portugal deixou de existir durante a Dinastia Filipina e € um mero fantasma (€ «Ninguém!») que alguns creem poder res- suscitar (Lourengo, 2013: 86): 0 Reino perdeu a sua independéncia e espera 4 iegada de D. Sebastido, que, na verdade, morreu na Batalha de Alcdcer-Quibir. * A familia de D. Manuel de Sousa Coutinho representa simbolicamente a tragé- dia coletiva de Portugal. Os protagonistas, Maria e Telmo, anseiam pela liber- dade e pelo ressurgimento da patria. O velho ai igo amo, D. Joao de Portugal — que representa simbolicamente D. Sebastido —, esteja vivo € regresse. Porém, hesita quando dé conta de que 0 seu regresso trard a ruina da familia sseja que 0 seu al © Desta forma se inculca que o velho Portugal, que morreu em Alcdcer-Quibir — 0 Portugal de D. Sebastiao e de D. Joao —, ja nao conseguiré um novo impeto e fazer ressurgir a Nagao; trata-se apenas de um fantasma sem sentido que esta preso na saudade e na ideia de passado. Por outro lado, 0 novo Portugal, representado por D. Manuel, D. Madalena e Maria, acaba por nao ser a solugo para o problema da Nag&o, pois estas personagens morrerr simbolicamente) e com eles morre a esperanga de futuro de um novo Pais my O SEBASTIANISMO: HISTORIA E FICGAO * Devemos assinalar 0 patriotismo de Garrett, que exprime nesta pega o seu sentimento nacional, 0 orgulho por temas patrios e o seu combate pela liber- dade na periodo da politica autoritéria e opressiva do governo de Costa Cabral (1842-46). 0 olhar eritico sobre uma época do passado (Dinastia Filipina) alude indireta e criticamente as circunstancias politicas da época da escrita da pega (1843-44) * Macao de Frei Luis de Sousa decorre vinte e um anos apés a histérica Batalha de Alcécer-Quibir (1578), em que morreu o rei D. Sebastiao e parte da nobreza nacional. A batalha teve consequéncias diretas na perda da soberania nacional, pois Portugal foi politicamente anexado a Espanha em 1580. +O sebastianismo consiste, inicialmente, na crenga de que o jovem rei, que morre em Alcdcer-Quibir, regressaré nao s6 para recuperar a independéncia de Portugal como também para dar um novo impulso ao Reino a fim de conse- guir que este saia do estado de ruina e marasmo em que se encontra. Nesta vertente, trata-se de uma crenga messianica pois parte do principio de que a salvagdo da patria e de um povo esté nas maos de uma figura (historica ou lendéria) e que ela fara renascer a Nago a partir das cinzas e a conduziré num caminho glorioso. * Com o passar dos tempos, 0 sebastianismo j4 nao se referira ao regresso fisico de D. Sebastido mas sim a chegada de uma personagem que assumisse esta fungdo salvadora ou a uma ideia que desempenhasse esse papel, como sucede com a mito do Quinto Império, de que Vieira e Fernando Pessoa trataram. © Em Frei Luis de Sousa, D. Joao de Portugal nao regressa de Alcacer-Quibir, & feito prisioneiro e sé voltard vinte e um anos depois 4 Patria, com D. Madalena casada em segundas nipcias, desencadeando assim as consequéncias trégicas que se conhecem. D. Jodo alude simbolicamente a D. Sebastio, eo seu regresso serve para especular sobre as consequéncias do regresso do antigo rei. ‘© Nesta pega de Garrett, o sebastianismo é perspetivado de forma critica e nega- tiva. Por um lado, porque a saudade deste velho Portugal, que Telimo protago- niza, nao traz a solugo para o problema da Patria. Por outro, porque o regresso de D. Joao (e da ideia de uma nagao decadente) impossibilita que se opere a mudanga € 0 surgimento de um novo Portugal (de Madalena, Manuel & Maria) que consiga triunfar. wy RECORTE DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS 1. D. Madalena * _D. Madalena vive numa grande instabilidade emocional: 0 terror que Ihe provoca a possibilidade de regresso de D. Jodo nunca a deixa desfrutar da felicidade de viver ao lado do homem que ama. Os seus receios sao alimentados pelas conti- nuas alusbes de Telmo a iminente vinda daquele que considerava como 0 verda- deiro amo. A tenséo nervosa em que vive mergulhada é também aumentada pelo pecado que Ihe pesa na consciéncia: 0 facto de se ter apaixonado por D. Manuel de Sousa Coutinho enquanto ainda era casada com D. Jodo. Muito embora se tenha mantido fiel ao seu marido, considera que o facto de amar secretamente D. Manuel era j4 uma traigo. O sofrimento é ainda intensificado pelo profundo amor que sente pela filha, na medida em que tem consciéncia de que o regresso de D. Jodo — ou a simples nogao da sua existéncia — a poderiam matar. Peer ay 2 A sua crenga no oculto leva-a a entrever pressigios de desgraca em varios aconte- cimentos aparentemente fortuitos. * Apesar de parecer psicologicamente mais frégil do que D. Manuel, curiosamente, 6 ela quem, no fim, se mostraré mais re- voltada por ser forgada a separar-se do marido e a ingressar no convento. * Ao contrério de D. Manuel, mantém até a0 Ultimo momento a esperanga de evitar 0 desenlace tragico. D, Manuel de Sousa Coutinho Esta personagem é, tal como D. Madalena, uma figura de grande densidade psicol6gica, o que se manifesta nos contrastes que marcam a sua personali- dade. Todo 0 seu discurso se pauta por uma racionalidade e lucidez que se traduzem na recusa dos agouros € de qualquer sentimento de culpa em relacao a0 passado, Apesar disto, até ele se mostra desagradado quando Maria Ihe fala nna possibilidade de regresso de D. Sebastido, o que demonstra que, na reali- dade, nao estava absolutamente convicto de que D. Joao tinha morrido na Batalha de Alcécer-Quibir. O ceticismo que mostra em relagao aos prességios 6 também contrariado quando recorda que o pai fora morto pela propria espada, interrogando-se sobre se também ele nao sera vitima do fogo que ateou. O heroismo que demonstra ao atrever-se a enfrentar abertamente os governa- dores portugueses ao servico de Castela parece esbater-se aquando do regresso de D. Jodo: ao contrario de D. Madalena, o seu sofrimento nao o impede de aceitar com resignacao a solucao de ingressar numa ordem religiosa, Finalmente, a cultura revelada por D. Manuel e o seu amor as letras funcionam ‘como prentincios de que se ira converter num dos maiores prosadares da lite- ratura portuguesa. Maria Maria é uma menina muito inteligente e precoce para a sua idade. Tendo sido criada por Telmo, ter-Ihe um amor profundo, partilhando da sua crenga no regresso de D. Sebastigo. Maria acredita ter a capacidade de desvendar o oculto, trago que, supostamente, & agudizado pelo aumento da sensibilidade que o facto de estar tuberculosa Ihe proporciona. A sua intuigao apurada leva-a a compreender que ha algo que toda a familia Ihe quer ocultar, no intuito de a proteger. A.coragem que demonstra quando incita o pai a queimar o palacio manifesta-se também no fim, quando enfrenta as conveng6es sociais e as préprias conven- (G6es religiosas, afirmando que nada justifica a destruigéo de uma familia. ‘Apesar da sua forga interior, a sua fragilidade fisica nao Ihe permite sobreviver a0 desgosto de descobrir que é filha ilegitima, acabando por morrer de vergonha, eee reg 4, Telmo © Qescudeiro destaca-se, numa fase inicial, pela sua severidade, que o leva a criticar D. Madalena por se ter casado segunda vez sem estar certa da morte do primeira marida e mesmo a sugerir que, em consequéncia disto, Maria poderia nao ser uma filha legitima + Noentanto, a inflexibilidade que revela (e que se manifesta, por exemplo, no facto de nunca mentir) vird a ser quebrada aquando da chegada do Romeiro, Confrontado com a necessidade de salvar Maria, apercebe-se de que jd a amava mais do que ao primeiro amo. Assim, dispde-se, pela primeira vez na vida, a mentir, em nome dos afetos. € interessante verificar que, desta forma, se humaniza, aproximando-se de D. Madalena, a quem tanto criticara anterior- mente, na medida em que se apercebe de que o amor por vezes se sobrepoe 20s princfpios morais. 5. Frei Jorge © Tal como o irmao, Frei Jorge caracteriza-se pela sensatez, procurando sempre auxiliar a familia, * A personagem tem um papel determinante na resolugao do conflito entre D. Manuel e os governadores ao servico de Castela, ‘+ No Ato Terceiro, quando D. Manuel se verga ao peso da desgraca, é Frei Jorge quem toma todas as providéncias para que o irmao e D. Madalena ingressem no convento — procurando, simultaneamente, amparar a familia e funcionar como intermediario entre as personagens. ‘+ Apesar de se comover com o sofrimento a que assiste, Frei Jorge mostra-se inflexivel na obediéncia aos seus principios, recusando qualquer solugao que passasse pela mentira, mesmo que esta Ihe permitisse impedir a catastrofe. Com efeito, considera que a entrada na vida religiosa proporcionaré a D. Manuel a D. Madalena o consolo e a redengao de que necessitavam. 6. D. Joao de Portugal ‘© Este fidalgo, apesar de ser considerado pelas autras personagens como uma figura digna de temor pela dignidade e rigidez na fidelidade aos seus principios, acaba por revelar-se muito humano. Confrontado com o facto de que D. Madalena tinha feito todos os esforcos para o procurar e de que ela tinha uma filha, mostra-se disposto a anular a sua propria existéncia para salvar toda a familia da catastrofe. my OESPAGO EO TEMPO 1. Oespago © Podemos distinguir dois tipos de espaco num texto dramatico: 0 espago énico, formado pelo paleo e pelo cenério, e 0 espago representado, o lugar a que 0 espago cénico pretende aludir («faz de conta» que estamos num palacio, no campo, etc.). A informagao sobre o espaco € dada ao leitor atra- vés das didascdlias, sobretudo as que se encontram em inicio de ato, mas também através das falas das personagens. Pe ed * Aagao de Frei Luis de Sousa desenrola-se em dois palacios de Almada. As salas dos palcios onde os acontecimentos t8m lugar constituem o espago represen- tado. As personagens fazem também referéncia a outros locais com importancia para o enredbo: este é 0 espaco aludido, mencionado por palavras. Esses lugares ‘s&0, sobretudo, Alcacer-Quibir e a Palestina, onde D. Jodo estivera aprisionado. © Em termos de macroespagos, toda a acao de Frei Luis de Sousa decorre em Almada. A cidade reveste-se de um forte valor simbélico pela oposigaio que estabelece com Lisboa: na capital estd instalada a sede do governo de Portugal, que é controlado pela coroa espanhola. A classe dominante e os governadores portugueses trairam a sua patria e colaboram com a poténcia invasora. Dai que a peste que se abateu sobre Lisboa sugira simbolicamente o estado de corrup- cdo moral e politica em que vivern aqueles que se venderam ao rei de Espanha. Por seu turno, do outro lado do Tejo, longe da corrupcao moral, Almada respira ares «saudveis». Ai se encontram as personagens patriéticas, iis a Portugal: destacam-se D. Manuel, Maria, Telmo e D. Jogo. * 0 Ato Primeiro decorre no paldcio de D, Manuel, numa sala ornamentada € luxuosa, sugerindo que este lugar é habitado por personagens nobres. Se uma casa simboliza a estabilidade de uma familia, este palécio transmite a ideia de conforto, bem-estar ea unio e 0 amor familiares. Por esse motivo, 0 inc€ndio que destr6i o solar revela-se um pressdgio da desagregacao do nucleo familiar, consumada pela catastrofe que se abateré sobre os seus membros. * Perdido 0 palacio de D. Manuel, a familia muda-se para a antiga casa de D. Jodo de Portugal (e de D. Madalena). 0 Ato Segundo decorreré numa sala austera e fria, pouco ornamentada e de «gosto melancélico e pesado». Os retra- tos de D. Sebastiéo, D. Jodo e Camdes conferem solenidade & cena e s40 uma recordagao do velho Portugal independente e grandioso que pereceu em Alcacer-Quibir. Esta sala é uma diviséo interior, sem janelas (simbolizando a prisdo e 0 afastamento do mundo), indspita, pautada pela gravidade e ilumi- nada por tchas e nao pelo Sol. As personagens perderam a nocdo de lar. D. Madalena vive em estado de receio e tensio. © Aagao do Ato Terceiro decorre na parte baixa do paladcio de D. Joao. 0 espago subterraneo é ainda mais fechado, mais escuro, quase nao tem ornamentos: trata-se de um lugar propicio a sensago de claustrofobia — ha mesmo portas que separam as personagens e que Ihes impedem a livre circulacao. A sala subterranea tem ligacdo @ «capela da Nossa Senhora da Piedades, represen- tando que o casal optou pela vida religiosa e a familia esté condenada a desa- gregacao. No fim do ato, surge, ao fundo, o interior da Igreja de Sao Paulo. © Podemos, assim, interpretar a sucessao de espacos como um percurso grada~ tivo do mundo terreno para o sagrado e espiritual. E este o caminho que a familia vai percorrer: D. Madalena e D. Manuel, porque ingressarao na vida monéstica; Maria, porque morrerd e ird para 0 «Céu» ‘© Assistimos também a um progressivo afunilamento do espago: de uma sala com grandes janelas e onde a luz natural penetra, no Ato Primeiro, passando por uma sala fechada (Ato Segundo) até chegarmos a um espago subterraneo e em que as personagens parecem ja enclausuradas (Ato Terceiro). Por um lado, este fecha- mento do espago contribui para 0 aumento da tenséo em cena; por outro, esse trajeto ilustra @ progressiva limitagdo de solugSes para o problema com que a familia de D. Manuel depara. * Oespaco psicolégico — dominio das vivéncias mentais de uma personagem: pensamentos, sonhos, sentimentos dessas — tem, no texto dramatico, o mond- logo € 0 soliléquio como modos privilegiados de expresséo (mas nao os Uinicos). * O soliléquio inicial de D. Madalena da voz as inquietagdes da personagem, ainda que de forma enigmética. Na pentiltima cena do Ato Primeiro, é D. Manuel que, s6 em palco, justifica 0 gesto de atear fogo & sua propria casa, Na Cena IX do Ato Segundo, desempenhando fungées semelhantes as do coro da tragédia grega, Frei Jorge, s6 em palco, dé conta da preocupagao que sente com a situa- ao em que aquela familia se encontra. Por fim, no importante soliléquio da Cena IV do ato final, Telmo manifesta 0 conflto interior entre a fidelidade ao seu antigo amo e um grande amor a Maria. 2. 0 tempo ‘* A pega inicia-se com a apresentagao dos antecedentes da agdo, que abarcam um longo periodo temporal. Ha referéncias a Batalha de Alcacer-Quibir, que tivera lugar vinte e um anos antes, ea momentos ainda anteriores. Depois da batalha, e durante sete anos, D. Madalena promoveu buscas para saber se D. Joao ainda estd vivo. No fim deste periodo, ¢ como a procura se revelou infrutifera, acabou por casar-se com D. Manuel. '* Em contrapartida, a ago da pega desenrola-se num breve periodo de tempo, sensivelmente uma semana. O segundo ato decorre no dia do aniversario da Batalha de Alcdcer-Quibir. Tendo em conta que esta batalha teve lugar no dia 4 de agosto de 1578, e que D. Madalena afirmara que jé haviam passado vinte e um anos desde a batalha, é possivel localizar a agdo deste ato no dia 4.de agosto de 1599. Uma vez que estes acontecimentos se desenrolam cito dias depois dos do primeira ato, podemos concluir que o primeiro ato decorre no dia 28 de julho de 1599, Quanto ao terceiro ato, passa-se durante a noite do dia 4 de agosto. © Constatamos que ha uma progressiva concentragdo temporal: da evocagao dos episédios de um longo periodo de vinte e um anos (Ato Primeiro), passamos a acontecimentos que se desenrolam em dois dias, separados entre si no periodo de uma semana, Nos Atos Segundo é Terceiro, a velocidade dos acontecimen- tos precipita-se: tudo sucede no dia do aniversério da Batalha de Alcacer- -Quibir, prolongando-se depois pela noite e pela madrugada, que anuncia jé 0 dia seguinte. ‘© Este afunilamento progressivo do tempo contribui para intensificar a tensdo dramatica, na medida em que todos os acontecimentos se sucedem de forma cada vez mais répida, até ao desenlace trégico. my ADIMENSAO TRAGICA * No que diz respeito a intriga tragica, ¢ interessante verficar que hd uma con- centracdo de personagens, de espaco e de tempo, como vimos, de modo que nada seja supérfluo e que tudo contribua para a intensificagao da tenso dra- mética © Denotar que, de acordo com os factos histéricos, D. Madalena tivera tres filhos do primeiro casamento, que sd0 aqui eliminados, para que a aniquilagao de Maria represente, de facto, 0 exterminio completo da familia © Da mesma forma, todo 0 desenrolar da acao converge para o desenlace tra- gico. Mesmo o momento em que D. Manuel parece revoltar-se contra o destino, incendiando o seu palacio, acaba por servir a fatalidade que se abate sobre as personagens, na medida em que as obriga a familia a mudar-se para 0 paldcio de D. Joao, local aonde este regressard. 1. Presenga dos elementos da tragédia classica Cece nec + Hybris — consiste num desafio feito pelas personagens a ordem insttuida {leis humanas ou divinas). eee a Coa © A hybris é perpetrada tanto por D. Madalena como por D. Manuel de Sousa Coutinho. Com efeito, no primeiro caso, ‘o desafio consistiu no facto de a personagem se ter apaixonado or D. Manuel de Sousa Coutinho quando ainda era casada com D, Joao de Portugal. Além disso, ambas as personagens poem em causa a ordem instituida ao casarem sem terem provas inrefutéveis da morte de D. Jodo de Portugal. * Peripécia — de acordo com a Pottica, de Aristételes (2000 [c. 300 a. C.)), & «a mutagdo dos sucessos no contrério», isto é, 0 momento em que se verifica uma inflexao abrupta dos acontecimentos. }* Anagnérise — palavra que significa steconhecimento»; segundo a Poética, de Aristoteles, «& a passage do ignorar ao conhecers, podendo consistir na revelacao de acontecimentos desconhecidos ou na identificagao de determinada personagem. Na Postica, Aristételes afirma que «{a] mais bela de todas as formas [de anagnérise] é a que se dé juntamente com a peripécia, [...] porque suscitaré terror e piedade [...]» © A peripécia e a anagnérise ocorrem em simulténeo: com a chegada do Romeito e 0 reconhecimento da sua identidade (anagnérise), da-se uma inversao brusca nos acontecimentos (peripécia) — 0 casamento torna-se invalido e Maria torna-se filha ilegitima * Climax — momento culminante da agao. + Oclimax ocorre na cena final do Ato Segundo, pois € neste momento que a tensao dramdtica atinge o seu auge: D. Jodo de Portugal dé a conhecer de forma inequivoca a sua identidade, demonstrando, ao mesmo tempo, de forma paradoxal, que ‘ esquecimento a que foi votado anulou a sua existéncia, = Catéstrofe — desenlace tragico. ‘= A famllia totalmente exterminada: D. Madalena e D. Manuel morrem para o mundo, ingressando na vida religiosa, ¢ Maria morte, de facto. 1» Agon — conflito vivido pelas personagens; pode designar ©.confito com outras personagens ou 0 confito interior. * As atitudes de D. Madalena ao longo da intriga so um reflexo do conflito interior que a atormenta: desde o primeiro momento que mostra senti-se grata por viver com o homem que ama, tendo, no entanto, consciéncia de que a sua felicidade é fragil, dado que a construiu com base na suposi¢ao da morte do marido. + Por seu lado, também Teimo é vitima de um contlto interior: depois de ter passado vinte e um anos a desejar 0 regresso {do antigo amo, apercebe-se de que, na verdade, o seu amor por Maria acabou por superar o que nutria por D. Joao de Portugal, mostrando-se disposto a abdicar dos seus principios éticos para a salvar. (continua) (continuacéo) Elementos da tragédia classica |+ Pathos — sofrimento crescente | das personagens au Rue) * O sofrimento das personagens vai-se intensificando, a ponto de o préprio Frei Jorge se sentir inclinado a acreditar na possibilidade de uma catdstrofe iminente. ‘+ Ananké — é 0 destino; preside & existéncia das personagens € implacdvel. ‘+ A presenca do destino ¢ visvel pelo facto de todos os, acontecimentos convergirem para o desenlace trégico e de haver um afunilamento do espago e do tempo, que mostra que as personagens S80 inexoravelmente conduzidas para a catastrofe, * Catarse — efeito purificador que a tragédia deve ter nos espectadores: 20 desencadear 0 terror e a piedade, * O terror e a piedade desencadeados nos espectadores sao adensados pelo facto de a catéstrofe se abater sobre uma familia {na qual se inclui Telmo) que se ama profundamente e de todas permiti-ihes-ia purificarem as suas emogies, as personagens serem profundamente retas e dignas. wy LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA 1. Estrutura 1.1 Estrutura externa © Aestrutura externa de uma obra diz respeito a organizagao «visivel» do texto literdrio (e traduz-se na forma como essa organizagao se apresenta grafica- mente). Fre/ Lufs de Sousa é uma obra dramatica, ou seja, um texto preparado para a representagao teatral * Como a esmagadora maioria das obras do modo dramatico, a pega de Garrett € composta por um texto principal, que consiste nas falas das personagens, € por um texto secundério, que é constituido pelas didascdlias, ou seja, pelas indicagdes cénicas sobre a ornamentagao do palco, as aderegos, a luz, a movi- mentago € os gestos das personagens, etc. © Enquanto drama romantico, Frei Luis de Sousa é um texto em prosa estruturado em trés atos: a mudanca de atos corresponde 4 mudanga do local da acao. (Note-se que as tragédias cldssicas eram compostas em verso e dividiam-se, or regra, em cinco atos.) Por sua vez, cada ato organiza-se em vdrias cenas, que terminam com a entrada ou sada de personagens do palco. CCN Sn Cae Cay 1.2 Estrutura interna * Aestrutura interna de uma obra dramatica refere-se a organizagao do enredo. Tradicionalmente, divide-se a ago dramatica em trés momentos: exposigao inicial da situagao, conflito e desenlace. * Na exposiedo inicial de Frei Luis de Sousa, que ocupa, sensivelmente, as Cenas | a IV do Ato Primeiro, s4o-nos apresentados a época e 0 contexto em que o enredo se desenrala, as personagens centrais do drama (D. Manuel é apenas referido) e 0s antecedentes da ago (0 passado das personagens) * 0 conflito vai-se adensando ao longo do texto (entre a Cena V do Ato Primeiro e a Cena IX do Ato Terceiro). As questées que animam este conflito so, essen- cialmente, os receios de D. Madalena, 0 antagonismo entre D. Manuel e os governadores do Reino e a doenga de Maria. Um primeiro momento de grande intensidade ocorre quando o Romeiro afirma que D. Joao de Portugal (ele pré- prio) esté vivo, no fim do Ato Segundo. © O desenlace (Cenas X e XII do Ato Terceiro) dé conta da resolugao do problema central da obra e do «caminho» que cada personagem toma: Maria morre, D. Madalena e D. Manuel ingressam na vida religiosa. Note-se que este desenlace tem na morte de Maria 0 segundo momento de grande intensidade da peca. © Aestrutura interna de Fre/ Luis de Sousa é pautada pelos elementos tragicos da cao (cf. paginas 35-37 deste livro). 2. Linguagem e estilo * Ao contrario da tragédia classica, por regra escrita em verso, Frei Luis de Sousa foi composto em prosa. Desta forma, 0s didlogos ganham um sabor de colo- quialidade e fluidez que dificilmente teriam com 0 verso. '* Por outro lado, seguindo as regras da tragédia cléssica, a linguagem das perso- rnagens centrais adequa-se ao estatuto social da nobreza: assim domina o nivel de linguagem elevado e, frequentemente, encontramos um Iéxico rico € até erudito («ignominia», «oprébrio», «pejo», ete.) ‘+ As falas das personagens de Frei Lufs de Sousa séio marcadas por uma grande emotividade, fruto do seu estado de espirito quando confrontadas com os acontecimentos intensos ou com os seus receios. No texto abundam marcas linguisticas que traduzem os sentimentos das personagens. as interjeigbes (e as locugées interjetivas), as frases exclamativas ¢ os atos ilocutérios expres- sivos. Os melhores exemplos esto nas falas de D. Madalena e revelam a influ€ncia dos melodramas roménticos cor uma linguagem demasiado retérica e emaotiva, ‘+ Associados aos sentimentos e ao estado de espirito das personagens esto as frases suspensas (ou seja, interrompidas), que pontuam as falas de diferentes personagens, exprimem as suas inquietacdes, perplexidades e hesitagdes. Por vezes, deixam no ar alguns subentendidos cujo significado é partilhado pelas personagens (ver 0 didlogo da Cena II do Ato Primeiro). Telmo e D. Madalena deixam por terminar as frases por néo quererem mencionar 0 que receiam (0 regresso de D. Jodo, a desonra ou a doenga de Maria) ou por hesitarem em verbalizar certos factos (a possibilidade de D. Jo80 ndo ter morrido). * As frases interrogativas, frequentes nas falas mais tensas, dao igualmente conta dos anseios e do desassossego das personagens, mas também da sua desorientagao ou da incerteza em relacao ao futuro. Por outro lado, a frase curta (por vezes constituida por uma nica palavra: «Ninguém!») confere um tom incisive aos didlogos e contribui para fazer crescer a tensao dramatica. © Por fim, ainda a nivel do vocabulério, encontramos certas personagens associa das a determinados campos lexicais. Frei Jorge ¢ 0s outros prelados glosam © campo lexical da religiio; Telmo, o aio, recorte a termos associados as ideias de honra e servidao («senhor», «amo», «servidor»). As repeti¢des de palavras séo utilizadas para exprimir a ansiedade ou a inquietago, mas frequentemente também o afeto entre 0s membros da familia. 3. O drama roméntico: caracteristicas 3.1 O género de Frei Luis de Sousa * Como introdugao a Frei Luis de Sousa, Garrett apresenta uma «Memdria a0 Conservatério Real», texto ensaistico no qual reflete sobre questdes centrais da sua obra dramdtica — sobretudo sobre o seu género, as suas fontes e 0 que o levau a escrevé-la. © Relativamente ao género da obra, ha que sublinhar o facto de Frei Luis de Sousa ter sido escrito em pleno Romantismo, um periodo literario cuja estética dominante rompia com os principios da arte do periodo anterior — o Neo- classicismo. Coloca-se ento a questao: este texto é uma tragédia classica, de matriz greco-latina, ou um drama romantico, género literdrio que nasce no Romantismo e que representa o espirito da época? Garrett defender que Frei Luis de Sousa é um drama romantico que incorpora, a nivel formal, caracteristicas da tragédia (hibridismo de género). a) Marcas da tragédia classica — Assunto digno de uma tragédia classica, pela beleza, pela simplicidade e pelo sublime (segundo Almeida Garrett, na «Memoria a0 Conservatério Real»); — Presenga dos elementos da tragédia classica (cf. paginas 36-37 deste livra); — Ambiente carregado de pressdgios e sinais; — Tom grave e estilo elevado; — Linguagem cuidada; — Personagens de condigéo elevada; — Figuras que desempenham o papel do coro ‘grego (que tem a funcao de comentar a aco): Telmo e Frei Jorge. b) Marcas do drama romantico — Texto em prosa (e ndo em verso, como deve- ria suceder na tragédia cléssica); — Nao cumprimento da lei das trés unidades (acao, espaco e tempo): na tragédia classica, todos os acontecimentos deveriam convergir para 0 desenlace trégico, desenrolar-se no mesmo espago e durar apenas vinte e quatro horas. Em Frei Luis de Sousa, nao ha, claramente, um cumpri- mento da unidade de tempo (a a¢do desenrola-se numa semana). Quanto 2 unidade de lugar, emibora toda a ado se desenrole em Almada, ha, de facto, uma mudanga de espaco. Finalmente, podemos considerar que temos unidade de acao. Apesar de alguns estudiosos afirmarem que esta unidade é quebrada pela introdu¢do do incéndio do palacio, evento que consideram que introduz uma agao secundaria, a verdade & que 0 facto de D. Manuel destruir a sua casa obriga as personagens a mudarem-se para o palacio de D. Jodo, local aonde este regressard; — 0 drama romantico dé conta frequentemente de um tema hist6rico, que trata com liberdade literaria; — Presenga de tematicas marcadamente roménticas: i, Liberdade individual — é visivel na revolta de D. Manuel de Sousa Coutinho contra um governo ao servigo de Espanha, revolta que € apoiada por Maria e por Telmo, bem como no discurso final desta ltima personagem, no qual a jovem se insurge contra as normas de uma sociedade que Ihe impSe a separagao dos pais; além disso, a propria D. Madalena afirma a sua liberdade, ao casar-se com o homem que amava sem ter provas irrefutaveis de que o seu anterior marido tinha morrido; ii. Patriotism — é evidente ndo apenas na crenga no comportamento de D. Manuel anteriormente referido, mas também na esperanca de Telmo e de Maria no regresso de D. Sebastido, que implicaria a liber- taco de Portugal do jugo estrangeiro; Cosmovisao crist’ — a religido tem um papel fundamental em Frei Luis de Sousa: gracas a ela que D. Manuel e D. Madalena conse- .guem libertar-se da desonra que se abateu sabre eles com o regresso de D. Joao de Portugal (o ingresso na vida monastica permitir-Ihes-a expiarem o seu pecado e renascerem para uma nova existéncia); iv. Importancia do oculto —a valorizac2o do inconsciente e da intuigao caracteristica do Romantismo é visivel pela referéncia 4s premoni- goes de Telmo, de D. Madalena e de Maria (que, no caso desta Ultima, se associam & crenca de que possui a capacidade de prever o futuro, através de elementos como os sonhos ou as estrelas); de notar que, & medida que a tensao dramatica se adensa, a visdo racional do mundo defendida por D. Manuel e por Frei Jorge é cada ‘vez mais posta em causa — até que, no desenlace, todos os pressé~ gios de catdstrofe se cumprem; v. Primazia dos sentimentos sobre a razdo — além de comprovavel pelo destaque conferido ao lado mais irracional do Homem (referido no tépico anterior), a valorizagdo das emogGes é também visivel na import€ncia conferida ao amor: ¢ ele que leva D. Madalena a casar ‘com 0 homem que amava sem ter a certeza plena de que o seu primeiro marido estaria morto; vi. Mitificacdo da figura de CamBes — no Romantismo, 0 poeta é, muitas vezes, configurado como uma figura incompreendida e des- prezada pela sociedade, que nao reconhece o seu génio; essa foi a imagem de Camées transmitida pelos roménticos portugueses: a de um poeta que dedicou a sua vida a patria e que, em troca, apenas. foi alvo de ingratidao. AMOR DE PERDIGAO, de CAMILO CASTELO BRANCO my SUGESTAO BIOGRAFICA (SIMAO E NARRADOR) ‘+ Anovela Amor de Perdicdo foi publicada em 1862, época em que o seu autor se encontrava preso na Cadeia da Relagao do Porto, por ter raptado Ana Placido e ter cometido adultério com ela, * Camilo Castelo Branco tem plena consciéncia do choque que estes aconteci- mentos provocaram na sociedade da época. E por este motivo que, na introdu- (40 da obra, o narrador (que, em Amor de Perdigo, se identifica como o autor) alude & dacumentagao consultada no cartério das cadeias da Relagao do Porto, da qual constava um assento referente a Simao Botelho, que, tendo sido encar- cerado no mesmo local, também por um amor considerado transgressivo, aca- bard por ser degredado para a India com apenas 18 anos. O facto de 0 prota- gonista — que, na conclusdo, é identificado como tio do autor da obra — ter Um percurso biogrdfico com pontos de contacto com o de Camilo Castelo Branco vira conferir um maior dramatismo aos eventos narrados — 0 que con- tribuird, de forma decisiva, para o enorme interesse dos leitores oitocentistas por esta obra. * No entanto, além de jogar com esta coincidéncia a nivel biogréfico, o autor procurard, acima de tudo, evidenciar a injustiga subjacente a historia tragica de Simao e de Teresa. € por esta razo que o narrador assume, desde o inicio, uma posigao subjetiva em relacao as personagens e aos eventos narrados, sublinhando o carécter heroico dos protagonistas, que, em nome do amor, ousam enfrentar os preconceitos absurdos das respetivas familias, bem como a repressdo que Ihes é imposta por uma sociedade em que nao ha lugar para a vivéncia dos sentiments sublimes, mas apenas para a mediocridade, 0 mate- rialismo e a hipocrisia. Como é evidente, desta forma, Camilo procura justificar a sua prépria transgressao das normas da sociedade, mostrando que, na rea- lidade, se tratava de uma revolta legitima contra um meio em que a liberdade ea felicidade dos individuos eram sufocadas por convengdes mesquinhas. wy RELAGOES ENTRE PERSONAGENS Tadeu de Triangulo Albuquerque Pees) (a sua mae falecera) * Como se pode verificar através do esquema, a agao da narrativa centra-se no triangulo amoroso constituido por Simao, Teresa e Mariana. PC CMe ty * Simao Botelho era filho do juiz Domingos Botelho ¢ de D. Rita Preciosa © magistrado era, no entanto, odiado por Tadeu de Albuquerque, pai de Teresa, na medida em que, num litigio, nao tomara uma decisdo favordvel aquela per- sonagem. O azedume entre as familias adensou-se pelo facto de o protagonista, num episédio em que espancou varios criados que se encontravam junto a uma fonte, ter ferido também criados de Tadeu de Albuquerque * Antes de se apaixonar por Teresa, Simao destaca-se pelo seu comportamento violento e arruaceiro, No entanto, o amor tem nele um efeito redentor: abandona a vida boémia e passa a concentrar-se exclusivamente nos estudos, com 0 obje- tivo de garantir uma carreira futura e 0 Sustento da familia com que sonhava © Contudo, 0 édio entre as familias nao permite que os jovens fiquem juntos: Tadeu de Albuquerque quer impor a sua filha o casamento com o seu primo Baltasar Coutinho. No entanto, Teresa é, tal como Simao, profundamente cora- josa e obstinada. Assim, apesar de ser uma filha afetuosa, enfrenta abertamente © pai, recusando-se terminantemente a casar com um homem que nao ama. Como represalia, Tadeu de Albuquerque decide enclausuré-la num convento. * Quando se desloca para Viseu, de modo a estar mais préximo de Teresa, 0 pro- tagonista instala-se em casa de Joao da Cruz, um ferrador @ quem o seu pai salvara de uma sentenga de morte. Esta figura do povo, de tragos marcadamente realistas (inclusivamente pelo registo popular das suas falas), funcionaré como uma figura protetora para Simao, contrastando, pela sua dimensao pragmatica, com 0 idealismo do herdi. Com efeito, ndo sé hospeda e aconselha Simao, como Ihe salva a vida aquando da emboscada que é preparada por Baltasar Coutinho. * Quanto a Mariana, filha de Jodo da Cruz, a jovem revela tragos caracteristicos da mulher-anjo do Romantismo. Com efeito, entrega-se totalmente & sua paixéio por Simao sem esperar nada em troca. 0 seu amor por Siméo leva-a a cuidar dele com desvelo maternal, chegando a entregar-Ihe, sem que ele o saiba, as suas economias. O seu espirito de sacrificio é to grande que acede a garantir a comunicacao entre 0 seu amado e Teresa. Depois de Simao ser preso, Mariana chega ao extremo de abandonar o pai, por quem nutria grande afeto, para cuidar dele. No fim, abraga-se ao cadaver do seu amado e morre com ele * Apesar de Teresa também ter caracteristicas da mulher-anjo — pela sua pureza, fragilidade e pela sua capacidade ilimitada de sofrer em nome do amor —, contrasta com Mariana, na medida em que 0 afastamento de Simao que Ine imposto a converte progressiva- mente numa figura ideal, cuja vida se pauta cada vez mais por uma resistencia pas- siva ao pai e ao primo. Em contrapartida Mariana é uma figura bem real, que tem um papel ativo na vida de Simao. Assim, a0 aperceber-se de que ela 0. ama, 0 prota gonista mostra uma intensa perturbagao, por nao Ihe ser possivel corresponder a um sentimento vivido de forma tao nobre. * Além disso, as qualidades de Mariana sao também evidenciadas pelo seu pai, que sente um enorme orgulho pela sensatez, coragem e determinagao da filha — garan- tindo a Simao que, caso casasse com ela (o que se Ihe afigura impossivel, em virtude P. Fedotov, A proposta de casamento do major (1848) das diferencas sociais), seria muito feliz. © Oateto entre Joao da Cruz e Mariana contrasta com a relacao que tanto Teresa como Simao mantém com os seus pais. * No primeiro caso, embora Tadeu de Albuquerque ame a filha (o que é percetivel pelo desgosto que evidencia no momento em que a espera a porta do convento de Viseu para a acompanhar até ao convento de Monchique, no Porto), sobrepée 0 seu ddio mesquinho ea obsoleta nogao de honra a sua felicidade. Quanto a Teresa, 0 afeto que nutre pelo pai leva-a a ser uma filha décil em tudo aquilo que 6 possivel — a excecao das imposigdes relativas ao casamento, na medida em ‘que 0 amor por Simao € tao grande que se mostra disposta a abdicar de tudo — inclusivamente da propria vida — em seu nome. Com efeito, acabaré por morrer no conwvento, no momento em que assiste & partida de Simao para o exlio. © Arelagdo de Simao com os pais nunca é pacifica. Domingos Botelho recusa-se mesmo a interceder por ele aquando da sua priséo e condena¢ao 4 forca. Ape- nas 0 faz por imposigao de um dos seus parentes. D. Rita Preciosa pede-lhe, em vo, cleméncia. No entanto, 0 natrador acrescenta que 0 faz nao tanto por amor ao filho, mas sobretudo para contrariar o marido. Posteriormente, muito embora manifeste preocupagao em relagdo a Simao, é incapaz de providenciar seu sustento, que é garantido por Mariana. A excegao do afeto que nutre pela irma mais nova, Rita, Simao parece estar assim muito isolado no contexto fami- liar. Nao 6, pois, surpreendente que 0 amor por Teresa se converta na questo mais importante da sua vida. Com efeito, também 0 protagonista, apds trés anos de uma luta ingléria em nome do amor, acabaré por morrer, na sequéncia da noticia da morte da sua amada wy 0 AMOR-PAIXAO ‘* Aapologia da liberdade individual feita pelo Romantismo, associada a valoriza- ¢40 do amor — visto como um dos sentimentos mais importantes (senao 0 mais importante) na vida do Homem — leva 0 amor-paixao a ser um dos temas centrais das obras deste movimento. * Eefetivamente isto o que sucede em Amor de perdi¢ao: como foi referido ante- riormente, 0 narrador assume uma posigao subjetiva — salientando o cardcter absurdo do édio entre as duas familias, bem como a injustica que est subja- cente as tentativas, por parte de Tadeu de Albuquerque, de impor & sua filha um casamento com um homem que ela nao amava, e que a condenaria a ser infeliz para todo o sempre. Em contrapartida, ¢ lowvado 0 carécter heroico de Teresa e de Simao, que, tendo consciéncia da dimensao sublime da sua pai- x0, esto dispostos a abdicar da liberdade e, posteriormente, até da propria vida, em seu nome. A morte nao 0s intimida, dado que ambos encaram 0 amor ‘como um sentimento ideal, que, caso ndo possa ser vivido na Terra, seré con- cretizado no Céu. Com efeito, ambos estdo seguros do cardcter eterno da sua paixdo, que nao se coaduna com a mesquinhez de uma sociedade movida por valores meramente terrenos. * O.amor-paixo 6 também vivido por Mariana, na medida em que, como foi anteriormente referido, apesar de ter consciéncia de que o seu sentimento nao € correspondido, acabar por dedicar toda a sua vida a Simao. Contudo, 0 contrério dos protagonistas, esta personagem, pelo seu cardcter prético, a0 invés de projetar na eternidade a esperanca de ser amada por Simao, tem espe- ranga de ser correspondida ao acompanhd-lo no exilio. © pragmatismo nao torna, no entanto, 0 seu amor inferior ao de Teresa: sabe que a sua vida nao faz sentido sem 0 amado e diz friamente que, caso este morra, se suicidaré — 0 que efetivamente acaba por suceder. my CONSTRUGAO DO HERO! ROMANTICO * As narrativas e os dramas escritos durante 0 Romantismo criam a figura do heréi romantico, Em tragos gerais, podemos defini-lo como uma persona- gem que acredita em valores elevados e © Overbo é outra classe de palavras trabalhada criativamente, produzindo em varios passos combinagGes sugestivas e plenas de significado: «mordia um sor- riso», «vamo-nos gouvarinhar», «Ega trovejou», etc. Por outro lado, tanto 0 pre- térito imperfeito do indicativo, que alude a ages repetidas, como o gerindio conferem dinamismo as descrigdes. As formas verbais do imperfeito e gertindio funcionam também normalmente como modos de dar conta do valor aspetual habitual ou durativo da aco: «0 tédio lento ia pesando outra vez.» * Ainda no dominio do vocabulério, o texto d’Os Maias surge polvilhado de estrangeirismos, que sao criteriosamente usados. Assim, tanto 0 «anglicismo» (vocabulo de origem inglesa) como o «galicismo» ou «francesismo» traduzem frequentemente a pretenséo das personagens em exibir um requinte, uma modernidade e um cosmopolitismo, que, contudo, acabam por ser artificiais, \Vemos aqui o jogo das aparéncias em que a sociedade burguesa tanto se com- raz. Por exemplo, no episddio das corridas de cavalos, 0 vocabuldrio deste espeléculo tdo pouco nacional é requisitado a lingua inglesa: «jockey», «sports many, handicap» ou «dead-beat». Nao raro, 0 estrangeirismo é usado de forma irénica, como o famoso «chique», de Damaso, que denuncia a sua sub- misso pacvia ao francesismo, 0 qual também marca presenga no romance para aludir a questées de moda e sociedade. * Por tiltimo, 0 diminutive pode assumir varios significados: se em alguns casos se trata de uma expresso de afeto («Carlinhos», «0 latinzinho»), mais interes- sante & a sua utilizaco irénica para depreciar ou ridicularizar alguém: «Dama- sozinho, flor, fique avisado de que, de ora em diante, cada vez que me suceder uma coisa desagradével, venho aqui e parto-Ihe uma costela (...].» O diminutivo encarrega-se de participar na atitude tracista do narrador e de algumas perso- nagens na critica de comportamentos e de costumes. PTR SONETOS COMPLETOS, de ANTERO DE QUENTAL my A ANGUSTIA EXISTENCIAL + Na obra poética de Antero, é visivel uma pro- funda angistia existencial. Com efeito, como afirma Antonio Sérgio (Sérgio: 1984), a par de uma face luminosa do eu, temos uma face noturna, sendo esta dualidade geradora de uma grande inquieta¢ao interior. ‘* Na sua vertente apolinea, a poesia anteriana 6 dominada pela racionalidade de um pensa- dor que exalta o papel revolucionério do poeta que aspira a justica social e ao Bem. * No entanto, na obra de Antero esta patente uma busca permanente da perfei¢ao, que no se compadece com a dimensao transitoria e imperfeita da realidade. Desse ponto de vista, todos os ideais estardo, & partida, condenados 20 malogro, uma vez que nunca podergo satis- fazer totalmente a ansia de Absoluto do eu. * € por este motivo que deparamos com a ver- tente mais negra da obra de Antero, marcada Inés Burguete, Retrato de Antero (2014). por um profundo desalento provocado pelo desmoronar de todos 0s seus sonhos. + No intuito de se libertar deste sentimento doloroso de derrota, 0 eu busca desesperadamente uma forma de evasao — quer através da aspiragdo a um estado de indiferenca préximo do «nirvana» budista (isto 6, uma condigo pro- xima do ndo-ser) quer através do desejo de refgio no sono no seio de uma figura protetora, que tanto pode assumir tragos maternais (sendo, por vezes, identificada com Nossa Senhora) como tragos paternais (destacando-se a figura de Deus). No entanto, este desejo de protegdo nem sempre é investido de con- tomos positives. De facto, 0 suicito postico manifesta, ao longo de toda a obra, dividas em relagdo a existéncia de Deus. Deste modo, mais do que um gesto voluntério de entrega ao divino, 0 comportamento do eu é, na verdade, uma atitude de desisténcia resultante de um sentimento de profundo desencanto em relacao a todas as esperancas. w= CONFIGURAGOES DO IDEAL * Aobra poética de Antero é marcada pela busca de um ideal, que pode assumir diferentes configuracoes. ‘© Em primeiro lugar, como foi anteriormente referido, 0 eu faz a apologia da necessidade de transformagao da sociedade — proceso em que o poeta teria um papel fundamental. Esta vertente da poesia anteriana é influenciada pelos ideais socialistas, que inspiraram as iniciativas politicas do poeta ao longo da vida. ‘* Em segundo lugar, 0 eu manifesta também a sua aspiracdo a um amor que surge, muitas vezes, com contornos idealizados (e que 6, por vezes, associado a uma figura feminina também ela ideal). * Finalmente, é de destacar a busca da perfeigao a nivel ético — que esta, obvia- mente, também associada a aspiragdo a justica social. Este processo pauta-se por uma preocupagao constante com a busca do Bem e da propria santidade. my LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA 1. 0 soneto anteriano e o discurso concetual * Na tradigao de $4 de Miranda, Camdes e outros poetas portugueses, Antero de Quental cultiva 0 soneto com grande mestria. No entanto, apropria esta tradi¢ao aos temas literérios ¢ filos6ficos que trata e a estética que adota na escrita des- tes poemas, '* Assim, apesar de ser o mentor da Questo do Bom Senso e Bom Gosto (polé- mica em que atacou a literatura do Ultrarromantismo) e correligionario dos escritores realistas, como E¢a, Antero exprime as suas ideias em sonetos marcados por uma linguagem recuperada do Romantismo, cultivando um vocabulério e motivos literarios associados & noite, & morte, as ruinas, etc. (Nada aqui ha de contraditério porque as ideias estéo em consonancia com 0 idedrrio realista e o pensamento moderno da segunda metade do século xx.) * Com os seus catorze versos decassildbicos, 0 soneto é uma forma poética que permite desenvolver uma ideia, um raciocinio, de forma sintética e concen- trada. Apés tratar um problema, normalmente de natureza filoséfica, 0 eu pos- tico dos sonetos de Antero chega a uma cancluséo no terceto final e remata © seu pensamento com a chamada «chave de ouro», com um desfecho enge- nhoso. Reconhece-se a este poeta o virtuosismo de conseguir tratar temas de natureza filoséfica, religiosa ou social na curta extensao do soneto. + Arreflexéo é desenvolvida nestes sonetos em termos poéticos e, em muitos ‘casos, em tom de monélogo interior, como se 0 eu poético discorresse mental- mente sobre o problema que esté a tratar (ver soneto «Desesperanca). Noutros casos, como em «Aparigdo», hd um esbaco de didlogo entre o eu liico e outra entidade que anima a reflexdo que estd em curso. * 0s temas filoséficos tratados nos sonetos de Antero passam pela relagdo entre ‘0 Homem e Deus («/gnoto Deo»), 0 amor («Sonho oriental»), a morte («Mors liberatrix»), a angistia existencial (« palécio da Ventura»), a configuragao do ideal («Ideal»). Mas 0 poeta revela também preocupagées sociais, civicas ¢ politicas — ou nao tivesse tido Antero uma participagao ativa na arena publica portuguesa: ver poema «Justitia mater». * Como na grande maioria dos sonetos Antero desenvolve um argument e trata questiés filos6ficas, a linguagem tende a ser abstrata («Tormento do ideal»). Daf que se afirme que o poeta cultive um discurso concetual nas suas compo- sigdes poéticas, pois com esta linguagem debate ideias e conceitos. + Noentanto, alguns poemas adotam um registo narrative e, nesse modo discur- sivo, apresentam um breve epis6dio que retrata uma questo ou um problema filoséfico: a busca da felicidade («0 palécio da ventura»), 0 papel do amor e da morte na vida dos homens («Mors-amors), entre outros. PC MCE Ly Cv 2. Recursos expressivos * Se atentarmos nos principais recursos expressivos cultivados por Antero de Quental nos seus sonetos, constatamos que a metéfora é usada para represen- tar de forma eloquente e reveladora conceitos, fenémenos e situacBes que s40 centrais no desenvolvimento do raciocinio do eu poético. Nas metéforas, 0 eu poético ganha um olhar novo e revelador sobre uma ideia ou um conceito: «Estreita é do prazer na vida a taga» (a taga do prazer); «0 célix amargoso da desgraga» © Proxima da metéfora, a imagem é um recurso expressivo que consiste numa representagdo (de natureza metaforica) com um forte apelo visual. Antero usa-a, em alguns casos, associada a alegoria: observe-se como em «0 palacio da Ventura» a busca da felicidade é representada pela demanda de um cavaleiro ou como a agaa da morte e do amor na vida dos homens ¢ figurada na imagem de um cavaleiro negro que avanga na noite escura em «Mors-amor», + Antero recorre & personificago de elementos fisicos e de conceitos abstratos, que surgem como personagens nos poemas: o meu corago, a minha alma, 0 vento, 0 sonho, mas também a Justica, a Razdo, 0 Amor («Mors-amors) e a Morte («Mors liberatrix»). Desta forma, 0 eu lirico dirige-se a estas entidades, questiona-as, lamenta-se, exige-Ihes explicagdes como se estivesse a falar com outra pessoa. Frequentemente, estes nomes surgem com inicial maidscula. ‘+ Assim, em alguns sonetos, 0 eu poético estabelece didlogo com esses elemen- tos e conceitos personificados a fim de desenvolver 0 seu raciocinio ou de expor 0 seu argumento. E nesse momento que se socorre das apéstrofes para inter- pelar estas entidades: «Razéo, [...] / Mais uma vez escuta a minha prece» («Hino & Razo>); «e tu, Morte, bern-vindal» («Em viagemo) © As interrogacées, as frases exclamativas e as reticéncias server para conferir © tom inguiridor, mas também coloquial, a discusséo de ideias que o eu lrico esté a desenvolver interiormente. + Por fim, registe-se a presenea de um vocabulério associado a escuridéo mas também um léxico relativo a luz e a claridade: estes dois campos lexicais tradu- zem a dimensdo luminosa e a negra dos sonetos de Antero. Como antes vimos, se 0 primeiro campo lexical alude racionalidade, a justiga ou a ideia de bem, 0 segundo retine palavras associadas ao pessimismo, ao desespero ou a morte. Sir Frank Dicksee, A bela dama sem piedade tc. 1902. CANTICOS DO REALISMO. O LIVRO DE CESARIO VERDE (Claude Monet, Impresséo: nnascer do So! (1873). my AREPRESENTAGAO DA CIDADE E DOS TIPOS SOCIAIS * Accidade surge como um espago que se opée ao campo. O espaco urbana é visto como opressivo e destrutivo (por exemplo, nos poemas «Num bairro moderna» e «O sentimento dum ocidental»), tanto para 0 suieito poético coma para os populares que para ai se deslocam em busca de melhores condicées de vida, na sequéncia do enorme éxodo rural que ocorreu nesta época. Em contrapartida, 0 campo é perspeti- vado como um local de liberdade — sendo que o espago rural nao é idealizado, mas descrito de forma realista e concreta ‘* Mesmo nos poemas que se concentram no espago citadino, sao feitas referéncias frequentes 20 campo — como que a lembrar que a vocagao do ser humano se orienta para uma vida harmoniosa e natural, que s6 no campo se encontra, e que a vida na cidade o desumaniza. Deste modo, no espago urbano hé sempre um desejo de eva- so para 0 campo. * A oposi¢ao cidade/campo alarga-se também ao campo amoroso: enquanto a cidade est associada a auséncia, impossibilidade ou perversao do amor, o campo representa a possibilidade de vivéncia plena dos afetos. * As proprias figures femininas da obra de Cesédrio se associam a esta dicotomia: 0 eu poético sente-se atraido por dois tipos opostos de mulher —a mulher fatal e a mulher {régil e inocente. No primeiro caso, temos figuras femininas que se enquadram perfei- tamente no espaco citadino (e que surgem, por exemplo, no poema «0 sentimento dum ocidental»). Pertencem a um estrato social superior ao do sujelto poético e osten- tam riqueza e elegancia. 0 desejo que estas mulheres suscitam no sujelto postico é investido de ambiguidade, na medida em que a sua altivez, ao mesmo tempo que 0 seduz, provoca nele um sentimento de revolta. No segundo caso, temos personagens simples, inocentes, frageis e desamparadas, que, pelas suas caracteristicas, ndo se enquadram no espago urbano, visto como um local de corrupedo (cf., por exemplo, 0 poema «A débila). Assim, ao contrério da mulher fatal, a vulnerabilidade desta figura feminina desperta no eu'9 instinto de protego, o desejo de se redimir das suas faltas e de levar com ela uma existéncia honesta e tranquil Pe ACC Ld * No que diz respeito aos tipos sociais representados na obra de Cesario, temos claramente um sentimento de empatia do sujeito poético em relacdo aos ele- mentos das classes mais baixas (cf., por exemplo, 0s poemas «O sentimento dum ocidental», «Num bairro maderno» e «Cristalizagdes»). Com efeito, é feita uma critica as condigées degradantes em que os elementos do povo viviam: as varinas de «O sentimento dum ocidental» «apinham-se num bairro aonde miam gatas / E 0 peixe podre gera os focos de infegdo» (vv. 43-44) —, bem como exploracao a que estavam sujeitos — os calceteiros so descritos, em «Cristali- zagdes», como «bestas [...] curvadas» que tém uma «vida [...] custosa» (w.. 61-62); quanto & vendedeira de «Num bairro moderno», é humilhada por um criado que Ihe «[altira um cobre igndbil, oxidado» (v. 29) e se recusa a pagar-lhe mais pela mercadori * O poema «Cristalizaces» parece, num primeiro momento, contrariar este sentimento de compaixao em relacao aos elementos mais vulneraveis da socie- dade, De facto, 0 eu mostra-se pontualmente satisfeito com a cidade mercantil — isto 6, com uma sociedade que se centra apenas no progresso a nivel econd- rico, ignorando as necessidades das classes mais desfavorecidas: «E engelhem muito embora, 0s fracos, os tolhidos, / Eu tudo encontro alegremente exato» (w. 46-47), Contudo, esta perspetiva é posteriormente contrariada pela contem- plagao mais demorada dos calceteiros e pela reflexéo sobre a dureza que marca © seu percurso existencial. Assim, o sujeito poético acaba por mostrar a sua admiragao por estes trabalhadores: «Que vida to custosal Que diabol» (v. 62). © Ainjustica social denunciada na poesia de Cesario torna-se mais gritante pelo contraste que nela se estabelece entre o labor permanente dos elementos do povo, que é visto como a forga ativa da sociedade, e 0 dcio que caracteriza as classes dominantes. Com efeito, no poema «Num bairro moderna», a azafama da vendedeira e dos trabalhadores da cidade contrasta com a «vida facil» (v. 12) dos habitantes deste luxuoso espago, que as dez da manhé ainda esta- vam a comecar a despertar. Também em «O sentimento dum ocidental» este contraste é visivel: a descricao dos trabalhadores que regressam a casa ao fim da tarde e dos que se encontram ainda no local de trabalho torna mais gritante a inatividade das classes dominantes, que jantam nos

Você também pode gostar