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Superior Tribunal de Justiça

HABEAS CORPUS Nº 405.781 - RS (2017/0155777-0)

RELATOR : MINISTRO NEFI CORDEIRO


IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL
ADVOGADOS : RAFAEL RAPHAELLI - RS032676
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL
PACIENTE : EMERSON MACHADO GARCIA

DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de
EMERSON MACHADO GARCIA em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça
do Estado do Rio Grande do Sul.
Consta do autos que o Juízo das Execuções deferiu ao paciente a progressão ao
regime semiaberto e, ante a ausência de vagas no regime intermediário, determinou que o
apenado fosse liberado da casa prisional, em permissão especial de saída, pelo prazo de 5
dias, salvo se por outro motivo não estivesse recolhido no regime fechado, período no qual
deveria se apresentar a fim de ser encaminhado pela administração penitenciária à casa
prisional compatível com o atual regime de cumprimento de pena (fl. 87). Determinou, ainda,
que persistindo a inexistência de vagas no semiaberto, deverá ser incluído no sistema de
monitoramento eletrônico, mediante o cumprimento de determinadas condições (fls. 87-89).
O Tribunal a quo deu provimento ao agravo em execução ministerial, invocando a
Súmula n.º 56/STF, para revogar a decisão que incluiu o apenado no sistema de
monitoramento eletrônico (fls. 115-126).
Sustenta a impetrante que na falta de estabelecimento adequado para o
cumprimento da sanção penal não autoriza a manutenção do preso em regime mais
gravoso, devendo-se observar os parâmetros do recurso extraordinário n.º 641.320.
Alega que, nesse sentido, na falta de vagas em local adequado, deve o apenado cumprir
provisoriamente sua pena em regime mais brando, e não no mais gravoso (fl. 5).
Consigna que não há vagas em estabelecimento adequado para o regime semiaberto
e, diante disto, o Juízo das execuções determinou a prisão domiciliar com uso de tornezeleira
eletrônica, permitindo ao paciente que cumpra a pena em condições dignas, condicionado a
concessão da benesse a eventual disponibilidade de vagas, bem como destacando a
possibilidade de retorno ao regime compatível com o semiaberto em caso de descumprimento
de quaisquer orientações.
Aduz que não se pode imputar ao paciente o ônus decorrente da inexistência de vaga

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no regime semiaberto.
Requer seja cassado o acórdão impugnado, determinando-se o restabelecimento da
decisão de 1º grau, especialmente para o fim de que o paciente seja reincluído no sistema de
monitoramento e possa cumprir a pena de acordo com as demais condições estabelecidas.
Indeferida a liminar (fls. 139-142) e prestadas as informações (fls. 145-167),
manifestou-se o Ministério Público Federal pela concessão do habeas corpus (fl. 509-512).
É o relatório.
DECIDO.
O Tribunal de origem deu provimento ao agravo em execução ministerial, cassando a
concessão de prisão domiciliar, nos seguintes termos (fls. 115-126):
[...]
Assiste razão à agente ministerial pelas razões que passo a expor.
Ao adicionar dispositivos na Lei de Execuções Penais, a Lei nº
12.258/2010 criou o sistema de monitoração eletrônica de presos, empregando a
tecnologia a serviço da fiscalização mais eficaz das condições e restrições
impostas aos apenados agraciados com os benefícios de saída temporária e de
prisão domiciliar1 .
A concretização das medidas se dá com o uso de tornozeleira
eletrônica (ou outro equipamento similar), dotado de sistema de posicionamento
global por satélite (GPS) que informa toda a movimentação do usuário a uma
central de controle. Podem ser fixados limites territoriais de deslocamento que,
caso ultrapassados, geram sinal de alerta à referida central, que acionará
equipe de apoio para reconduzir o condenado ao espaço delineado. Tal
comportamento, assim como o rompimento do dispositivo e a violação de
deveres previstos no art. 146-C da LEP2 , poderá configurar a prática de falta
grave, com a revogação da inscrição no programa e incidência dos consectários
da conduta faltosa.
O monitoramento eletrônico não foi concebido como instrumento
para resolução do quadro de superlotação que assola a maioria dos
estabelecimentos carcerários do país. Sua utilização com tal finalidade
mostra-se dissociada da intenção do legislador.
A prisão domiciliar, por sua vez, vem disposta no art. 117 da LEP
e pode contemplar condenados do regime aberto que contem com mais de
setenta anos de idade ou estejam acometidos por doença grave, e condenadas
gestantes ou que tenham filho menor ou deficiente que demande cuidados
especiais.
Em um quadro de excepcionalidade, a jurisprudência vem
concedendo tal benesse aos presos do regime aberto e do semiaberto
recolhidos a estabelecimentos diversos dos preceituados nas alíneas "b" e "c"
do §lº do art. 33 do Código Penal3 , enquanto perdurar a carência de vagas.
Contudo, até agosto de 2016, este Órgão Fracionário vinha
rechaçando peremptoriamente qualquer possibilidade de concessão do benefício
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fora das estritas hipóteses legais4 por entender que não competia ao Poder
Judiciário elaborar medidas para suprir atribuição específica do Estado na
construção de estabelecimentos compatíveis com os regimes semiaberto e
aberto.
Cabe salientar que a própria Lei de Execuções Penais fixou prazo
de seis meses a contar de sua publicação5 - ocorrida em 11-07-1984 - para que
as Unidades Federativas, em convênio com o Ministério da Justiça, projetassem
a adaptação, construção e equipamento dos estabelecimentos e serviços penais
dispostos na Lei. O problema se protrai por mais de 30 anos, sem que
Administração Pública elabore políticas públicas eficazes para suprir o déficit
de vagas que atenda aos condenados em regime semiaberto e aberto.
Desse modo, o alcance da prisão domiciliar mediante
monitoramento eletrônico embasado apenas na ausência de vaga em
estabelecimento adequado, amplia indevidamente o rol de possibilidades do
art. 117 da LEP e desvirtua a execução penal.
Porém, o quadro fático foi alterado com o advento da Súmula
Vinculante nº 56, publicada no DOU de 08-08-2016, com a seguinte redação:
A falta de estabelecimento penal adequado não
autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso,
devendo-se observar, nesta hipótese, os parâmetros fixados no Recurso
Extraordinário (RE) 641320.
No referido Recurso Extraordinário, relatado pelo Ministro
Gilmar Mendes, discorreu-se sobre o precário tratamento que vem sendo
dispensado pelo Poder Executivo ao sistema prisional em todo o país, sendo
decidido que, como regra, o apenado não pode ser mantido em regime mais
gravoso quando inexistir vaga no regime adequado.
Ao final do julgamento, por maioria, o Supremo Tribunal Federal
deu parcial provimento ao Recurso Extraordinário e, apreciando o tema 423 da
Repercussão Geral, assentou as seguintes teses:
[...]
Portanto, atualmente, o Juízo da Execução deverá realizar um
exame detalhado da situação dos apenados do regime aberto e semiaberto, não
podendo olvidar-se da natureza dos crimes que ensejaram a condenação, o
saldo de pena a cumprir e as condições subjetivas do convicto (periculosidade,
associação a facções no interior da casa prisional, procedimentos
administrativos disciplinares por faltas de _, etc.), tudo no sentido de avaliar de
forma individualizada cada conjuntura, desenvolvendo, ao mesmo tempo,
soluções que minimizem a insuficiência da execução.
Retornando ao caso dos autos, saliento que a decisão do
magistrado da Vara de Execuções Criminais - ora recorrida - foi proferida antes
do advento da referida Súmula Vinculante.
No entanto, com olhos nas disposições do referido enunciado, o
apenado EMERSON MACHADO GARCIA não pode ser mantido em prisão
domiciliar mediante monitoramento eletrônico por ausência de mérito
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subjetivo.
Em seu desfavor, consta o total de 02 condenações definitivas
por crimes graves - roubos majorados.
A guia de execução penal acostada aos autos, além de não
conter informações sobre eventual exercício de atividade laborativa no
cárcere, revela que o atual saldo a cumprir é de 10 anos de reclusão, com
término previsto apenas para 17-06-2027.
Estas peculiaridades, examinadas em conjunto, demonstram a
inadequação das medidas adotadas pelo juízo a quo, pois se trata de condenado
por múltiplos crimes praticados com violência e grave ameaça e que ostenta
elevadíssimo saldo de pena a cumprir.
Portanto, na esteira do preconizado no Recurso Extraordinário nº
641320 - item I da alínea "c" das respectivas proposições persistindo a ausência
de local adequado,
[...]
Por tais fundamentos, dou provimento ao agravo em execução
para, com base no disposto na Súmula Vinculante n8 56, revogar a decisão que
incluiu o apenado no sistema de monitoramento eletrônico, nas condições de
prisão domiciliar, determinando seu imediato recolhimento a estabelecimento
compatível com o regime semiaberto, cabendo ao Juízo da Execução, caso
necessário, promover a saída antecipada de outro reeducando que esteja
ocupando vaga junto ao referido regime e que reúna melhores condições.

Acerca do tema, a jurisprudência desta Corte entende que, inexistindo vagas em


estabelecimento prisional adequado ao regime intermediário, deve ser deferido ao apenado,
excepcionalmente, o cumprimento da pena em regime menos gravoso – aberto –, ou, ainda,
persistindo a falta de vaga, deve lhe ser concedida prisão domiciliar, até o surgimento de vagas
no regime prisional apropriado (HC 318.765/AC, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK,
QUINTA TURMA, julgado em 02/08/2016, DJe 10/08/2016; AgRg no HC 354.712/AP,
Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 19/5/2016, DJe
07/6/2016).
Ocorre que, no caso vertente, consoante assentado, a Corte de origem entendeu que
o paciente não pode ser mantido em prisão domiciliar mediante monitoramento
eletrônico por ausência de mérito subjetivo. Em seu desfavor, consta o total de 02
condenações definitivas por crimes graves - roubos majorados. A guia de execução
penal acostada aos autos, além de não conter informações sobre eventual exercício de
atividade laborativa no cárcere, revela que o atual saldo a cumprir é de 10 anos de
reclusão, com término previsto apenas para 17-06-2027.
Enfatizou, ainda, que estas peculiaridades, examinadas em conjunto, demonstram
a inadequação das medidas adotadas pelo juízo a quo, pois se trata de condenado por
múltiplos crimes praticados com violência e grave ameaça e que ostenta elevadíssimo
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saldo de pena a cumprir.
Assim, em decisão devidamente fundamentada, o Tribunal estadual concluiu que o
paciente não faz jus à prisão domiciliar e que deve ser inserido em estabelecimento adequado
ao regime a que foi promovido, semiaberto, cabendo ao Juízo da Execução, caso
necessário, promover a saída antecipada de outro reeducando que esteja ocupando vaga
junto ao referido regime e que reúna melhores condições (fl. 124).
Ante o exposto, denego o habeas corpus.
Publique-se.
Intimem-se.
Brasília, 1º de agosto de 2018.

Ministro NEFI CORDEIRO


Relator

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