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PERSPECTIVA DECOLONIAL
RESUMO:
Propõe-se no presente estudo uma reflexão sobre o campo jurídico, com enfoque na sua base
epistêmica. O objetivo da reflexão é identificar os limites epistemológicos do campo,
adotando-se como marco teórico o pensamento decolonial. Como meio de concretizar o
objetivo proposto, adotou-se a metodologia da pesquisa bibliográfica. Inicialmente, foi
apresentada a relação existente entre o processo de colonização e a base epistemológica
adotada no campo jurídico, evidenciando-se a hegemonia da episteme eurocêntrica no
campo. Após, foram apontados os limites dessa episteme, dentre os quais constatou-se a
subalternização dos saberes locais e o isolamento do Direito com relação aos demais campos
do conhecimento. Concluiu-se que, para romper com os limites epistemológicos existentes
no campo, é necessário promover o diálogo interdisciplinar, bem como realizar uma abertura
do processo de produção do conhecimento jurídico para outras bases epistêmicas, em
especial para os saberes locais.
1 INTRODUÇÃO
1
Mestranda em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA.
Bacharel em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco – UCDB (2016).
2
Pesquisador e Docente no Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário
Curitiba – UNICURITIBA. Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Federal do
Paraná – UFPR (2005).
2
Foi estipulado como marco teórico o pensamento decolonial, o qual propõe reflexões
epistêmicas a partir das margens do conhecimento e dos saberes periféricos. Para a coleta de
dados, adotou-se a estratégia metodológica da pesquisa bibliográfica e da análise qualitativa.
Na primeira parte do estudo serão abordadas as heranças epistemológicas da
colonização latino-americana, em especial no campo jurídico. Já na segunda parte serão
evidenciados os limites da episteme predominantemente adotada no campo. Ao final, serão
feitas considerações sobre a necessidade de romper com esses limites e indicados alguns
caminhos que podem ser adotados para tanto.
A pesquisa justifica-se pela constante necessidade de tensionar os limites que existem
nos campos do conhecimento, especialmente com relação à eficácia social dos saberes que
são produzidos.
3
Para Boaventura de Sousa Santos (2008, p. 37), o colonialismo consiste no “conjunto de trocas extremamente
desiguais que assentam na privação da humanidade da parte mais fraca como condição para sobreexplorar ou
para a excluir como descartável.”
4
Para Henning, Mattos e Colaço (2017, p. 46), a colonialidade “designa as diferentes maneiras pelas quais a
mentalidade do povo colonizado constrói a imagem do povo conquistador em detrimento da sua própria”.
3
O saber “universal” deveria ocupar o lugar do saber local, não sendo permitida a
coexistência de formas diferentes de se produzir o conhecimento. A universalidade do
discurso se legitimava exatamente pela erradicação da variedade de discursos locais.
Portanto, para concretizar a missão “civilizatória”, o projeto colonizatório utilizou-se da
violência, da limitação da liberdade e do tolhimento da diversidade humana nas formas de
criar, questionar, sentir, produzir e viver.
Durante os últimos 500 anos (pelo menos) apenas uma forma de conhecer o
mundo, a epistemologia ocidental, postulou-se como válida, quer dizer a única
capaz de propiciar conhecimentos verdadeiros sobre o direito, a natureza, a
economia, a sociedade, a moral e a felicidade das pessoas. Todas as demais formas
de conhecer o mundo foram relegadas ao âmbito da doxa, como se fossem o
passado da ciência moderna, e consideradas, inclusive, como um obstáculo
epistemológico para alcançar a certeza do conhecimento. (COLAÇO, 2012, p. 16)
5
Dentro da concepção decolonial, a natureza, por exemplo, não é tratada como um objeto ou como uma
entidade separada dos seres humanos. Nesta concepção existe uma continuidade entre os mundos naturais,
humanos e sobrenaturais (COLAÇO, 2012, p. 177).
6
Tomando por base a proposta do giro decolonial, nesta seção objetivamos tensionar
os fundamentos epistêmicos do campo jurídico6, verificando o local de sua enunciação e os
seus limites. Nesse sentido, depreende-se que a episteme eurocêntrica produz um Direito
dissociado da realidade social em que ele será aplicado.
Como vimos, ainda que se auto intitule como neutro e universal, o conhecimento
produzido por essa episteme é influenciado pela realidade social europeia e marcado pela
perpetuação das relações de saber e poder. Assim, do mesmo modo que o projeto
colonizatório teve efeitos diversos para o colonizador e para o colonizado 7, teorias jurídicas
transplantadas do país colonizador para a realidade social e cultural da colônia será ali
experenciado de forma diversa.
Isso porque existem diferenças sociais (povos, culturas, línguas, religião, moeda,
clima, etc.) gritantes entre Europa e América Latina, de modo que a aplicação do
conhecimento jurídico eurocêntrico não condiz com a experiência social latino-americana.
Portanto, por que razão devemos importar teorias jurídicas estrangeiras para o
contexto social local se eles são tão diferentes? Por que motivo enaltecemos aportes teóricos
que não abarcam a diversidade cultural, social, ambiental e econômica existente no nosso
território?
Ao colocarmos a episteme europeia no centro de produção de conhecimento,
condenamos os saberes produzidos dentro da realidade local ao esquecimento, à repressão,
invisibilidade e inexistência, sendo que o único caminho possível para elas é o da sua
erradicação. Assim, as formas de conceber o Direito que não se adequam aos ideais
6
Consideramos aqui as epistemes racionalista e positivista como fundamentos do campo jurídico.
7
Para o sujeito colonizador o projeto colonizatório era uma missão heróica de salvação, o triunfo da
racionaldiade e do progresso. Por outro lado, para os povos colonizados a colonização trazia o genocídio, a
violência, a condenação ao esquecimento.
7
propagados pela episteme hegemônica são destinados a desaparecer, ficando de fora daquilo
que se considera como progresso, moderno (MORENO, 2005, p. 192).
Ressalte-se, contudo, que não pretendemos afirmar que as teorias estrangeiras não
devem ser objeto de estudo e que não possuem contribuições para o conhecimento jurídico
local, mas somente questionar os limites verificados na sua hegemonia em detrimento dos
saberes e conhecimentos jurídicos locais. Quando nos deslocamos até os limites desse centro
de conhecimento hegemônico encontramos os saberes locais, nos quais é possível cultivar
outras formas de conceber e compreender o direito que dialogam entre si e, assim, melhor
se adequam à nossa realidade social.
Por fim, outra limitação existente na episteme eurocêntrica é que ela conduz o Direito
como um campo de monocultura do conhecimento (SOUZA-LIMA, 2014, p. 20),
construindo o saber jurídico a partir de uma visão fragmentada e completamente distante dos
demais campos disciplinares8. Como resultado disso, propaga-se a ideia de que o Direito só
pode ser estudado e compreendido de forma isolada.
Contudo, essa concepção fragmentada do Direito se mostra insuficiente, uma vez que
a ciência jurídica é uma produção social, diretamente relacionada com os aspectos culturais,
políticos, morais e também com as relações de poder existentes na sociedade. O fenômeno
jurídico, portanto, consiste em:
8
Nesse sentido, o Direito tem por base o método cartesiano de produção do conhecimento, o qual é pautado
na ideia de unidisciplinariedade e “consubstanciado no projeto de investigação que compartimentaliza as fases,
em prol do maior grau de esclarecimento e pureza do conhecimento adquirido e despendido” (KOSOP;
SOUZA-LIMA, 2017a, p. 907).
8
Tais reconhecimentos normativos nada mais são do que frutos das lutas desses grupos
marginalizados pela ocupação de um espaço onde até então eles não eram reconhecidos.
Depreende-se, portanto, que apesar de não serem compreendidos como válidos dentro da
visão hegemônica, os saberes periféricos continuam a existir dentro dessas sociedades e
reivindicam cada vez mais o reconhecimento da sua existência e validade no âmbito local.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse sentido, constatou-se que a imposição de uma única forma de pensar e produzir
o conhecimento jurídico perpetua as relações de poder e, dentro da perspectiva das relações
10
5 REFERÊNCIAS
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11
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