Você está na página 1de 41

CENTRO DE PREVISÃO DE TEMPO E ESTUDOS

CLIMÁTICOS

NOTA TÉCNICA

PREVISÃO DE TEMPESTADES
CONVECTIVAS SEVERAS:
TEORIA E APLICAÇÕES
BÁSICAS.
Ernani de Lima Nascimento

Cachoeira Paulista/SP
Janeiro-Fevereiro de 2007
1

PREFÁCIO
Esta Nota Técnica (NT) tem por finalidade fornecer uma revisão de conceitos
básicos úteis para a previsão de tempestades convectivas locais, em particular as
tempestades severas. Por “tempestades convectivas locais” entenda-se células de
convecção úmida profunda (essencialmente, nuvens cumulonimbus) isoladas ou
organizadas em sistemas lineares ou não-lineares, mas excluindo-se os ciclones
tropicais.

O público alvo deste texto inclui meteorologistas que trabalham em ambiente


operacional nos centros de previsão de tempo  principalmente aqueles centros
que possuem responsabilidade de monitoramento e previsão regional/local — e
estudantes de disciplinas mais avançadas de graduação em meteorologia.
Estudantes de pós-graduação em ciências atmosféricas com interesse na área de
convecção profunda também podem achar esta NT interessante. Acredito que
este texto pode ser facilmente inserido em um curso avançado de Meteorologia
Sinótica (tipicamente, “Meteorologia Sinótica II”) ou em um curso de Meteorologia
de Mesoescala mais aplicado, ou ainda em um curso de treinamento de
previsores em mesoescala. Um conhecimento prévio de cálculo vetorial básico,
dinâmica e termodinâmica da atmosfera  incluindo análise de diagramas
termodinâmicos  é recomendável para se explorar ao máximo este texto. Todos
estes requisitos são fornecidos pelos cursos de graduação em meteorologia.

Muitas das figuras aqui mostradas (especialmente do Capítulo 3 em diante)


foram extraídas do “curso digital” sobre tempo convectivo do programa norte-
americano Meteorology Education and Training da University Corporation for
Atmospheric Research. Recomendo ao leitor familiarizado com língua inglesa que
também explore o programa de treinamento online citado acima, encontrado em
http://www.meted.ucar.edu/topics_convective.php

É importante frisar que esta NT não foi submetida a um processo de revisão


técnica formal, e representa a apresentação de conceitos físicos básicos que julgo
relevantes para a previsão convectiva. Correções, recomendações e sugestões que
ajudem a melhorar esta NT serão bem-vindas. Este trabalho ainda está aberto,
e novos capítulos serão adicionados com o tempo.

Esta NT foi elaborada durante o período em que estive vinculado ao Instituto


Tecnológico SIMEPAR e, depois, ao Centro de Previsão e Estudos Climáticos do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Agradeço o apoio recebido destas
instituições para a elaboração deste texto, assim como os recursos financeiros do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para a
execução de pesquisa na área de previsão tempestades severas (Projeto
DETECTE – Detecção e Previsão de Condições Atmosféricas Favoráveis a
Tempestades Severas no Brasil) que motivou a confecção desta NT.

Ernani de Lima Nascimento


Março de 2007.
2

ÍNDICE

1. Definição de tempestades severas e implicações para a realidade


brasileira............................................................................................. 3
1.1. Definição............................................................................................. 3
1.2. Implicação operacional........................................................................ 4

2. Previsão de tempestades: teoria fundamental....................................... 6


2.1. Processos básicos que modulam a aceleração vertical na
atmosfera............................................................................................ 6

3. O conceito de flutuabilidade aplicado à caracterização e previsão de


tempestades......................................................................................... 10
3.1. Flutuabilidade e a umidade absoluta.................................................... 10
3.2. Alguns conceitos básicos de termodinâmica da atmosfera aplicada à
previsão convectiva.............................................................................. 12
3.2.1. Breve revisão do diagrama skew-T como ferramenta de análise
termodinâmica..................................................................................... 13
3.2.2. Definições básicas importantes............................................................ 14
3.2.2.1. O nível de condensação por levantamento (NCL)................................... 14
3.2.2.2. A instabilidade condicional no diagrama skew-T................................... 14
3.2.2.3. O nível de convecção espontânea (NCE)................................................ 16
3.2.2.4. O nível de equilíbrio (NEQ)................................................................... 16
3.2.3. Resumo............................................................................................... 17
3.3 Revisão de alguns parâmetros termodinâmicos para análise e previsão
convectiva............................................................................................ 19
3.3.1. O índice de instabilidade por levantamento (lifted index) (ILEV)............ 19
3.3.2. Energia potencial convectiva disponível (convective available potential
energy) (CAPE)..................................................................................... 21
3.3.3. Inibição convectiva (CIN)...................................................................... 25
3.3.4. Outros parâmetros convectivos............................................................ 27
3.4. O conceito de “sondagem de proximidade”............................................ 27

4. A relevância do cisalhamento vertical do vento para a previsão de


tempestades......................................................................................... 29
4.1. Cisalhamento vertical do vento............................................................. 29
4.2. Influência do cisalhamento vertical do vento na longevidade das
tempestades......................................................................................... 29
4.3. O mecanismo básico de formação de tempestades rotativas.................. 31
4.4. Rotação em tempestades: implicação para a severidade da convecção.. 35
4.4.1. Influência do cisalhamento direcional do vento.................................... 37
4.5. Considerações finais............................................................................ 38

5. Referências.......................................................................................... 39
3

1. DEFINIÇÃO
DE TEMPESTADES
SEVERAS E IMPLICAÇÕES PARA A
REALIDADE BRASILEIRA.
1.1. DEFINIÇÃO:

A Organização Meteorológica Mundial (OMM) ainda não possui uma


definição formal para tempestades severas locais, apesar de existirem iniciativas
neste sentido (ver, por exemplo, http://www.wmo.ch/web/www/DPFS/Meetings
/SG-SWFDP_Geneva2005/INF.3.pdf). Contudo, existem definições para
tempestades severas empregadas oficialmente pelos serviços nacionais de
meteorologia dos Estados Unidos da América (EUA) (National Weather Service) e
da Austrália (Australian Bureau of Meteorology) que serão exploradas nesta seção.

A definição norte-americana para tempestade convectiva severa (p.ex.,


JOHNS e DOSWELL 1992, MOLLER 2001) é:

Tempestade severa é uma tempestade capaz de gerar pelo menos 1 (um) dos
seguintes fenômenos:
(i) tornado(s);
(ii) ventos intensos em superfície com velocidade igual ou maior que
50 kt (ou 26 m s-1, ou 94 km h-1);
(iii) granizo chegando à superfície com tamanho igual ou maior que ¾
de polegada (ou 1,9 cm).

Observe que na definição acima não há nenhuma menção a taxas de


precipitação e de descargas atmosféricas produzidas pela tempestade.

A definição australiana para tempestade convectiva severa (p.ex., MILLS e


COLQUHOUN 1998) é:

Tempestade severa é uma tempestade capaz de gerar pelo menos 1 (um) dos
seguintes fenômenos:
(i) tornado(s);
(ii) ventos intensos em superfície com velocidade igual ou maior que
48 kt (ou 25 m s-1, ou 90 km h-1);
(iii) granizo chegando à superfície com tamanho igual ou maior que 2
cm;
(iv) taxas muito altas de precipitação, causando inundações.

Existe uma grande semelhança com a definição norte-americana, exceto


pela adição de um critério associado à taxa de precipitação. A Tabela 1.1
discrimina quantitativamente, para dois territórios da Austrália, as taxas de
precipitação para que (a partir das quais) uma tempestade seja considerada como
severa.
4

Tabela 1.1: Limiares de taxas de precipitação convectiva (para dois territórios


selecionados) a partir dos quais uma tempestade é considerada como severa pelo
Australian Bureau of Meteorology (www.bom.gov.au).
Território \ Duração 30 min 1 hora 2 horas 3 horas 6 horas
Nova Gales do Sul 31 mm 41 mm 52 mm 59 mm 73 mm
Território da Capital 24,4 mm 32,2 mm 40,7 mm 46,6 mm ------
(bacia urbana)

Note a coerência na definição de taxas de precipitação mais baixas para a


bacia urbana do Distrito Federal da Austrália (Australian Capital Territory).

Não existe formalmente uma “definição brasileira” para tempo convectivo


severo, mas parece evidente que nossa forma de tempo severo mais comum é
aquela associada a inundações repentinas causadas por altas taxas de
precipitação. Portanto, a definição australiana é a que mais se aproxima da
realidade brasileira, exceto talvez pelo fato de ser provável que ventos abaixo de
90 km h-1 já sejam capazes de causar estragos consideráveis em construções
mais pobres no interior do Brasil e nas periferias/favelas das grandes cidades
brasileiras.

Na ausência de uma definição de tempestade severa específica para o


Brasil (ou adotada globalmente), nesta Nota Técnica adotaremos de forma
provisória a definição australiana de tempo convectivo severo.

Observação: As definições de tempestades severas adotadas até hoje são


puramente fenomenológicas, baseadas em observações in loco, e envolvem
razoável arbitrariedade na definição dos limiares (de velocidade do vento,
tamanho de granizo, etc...). Isto ocorre porque a observação da estrutura interna
das tempestades convectivas, teoricamente necessária para discriminar objetiva e
conclusivamente uma tempestade severa de uma não severa, é muito difícil de
ser realizada operacionalmente. Cabe aqui o comentário de que as observações
realizadas com o radar meteorológico podem identificar tempestades capazes de
produzir tempo severo, mas não garantem com certeza a ocorrência do episódio
severo (daí a existência de alarmes falsos). Portanto, as definições adotadas
requerem uma boa documentação dos fenômenos observados ao nível do solo
associados à passagem da tempestade (p.ex., NASCIMENTO e DOSWELL 2006).

Para o previsor a implicação mais importante das definições de


tempestades severas é discutida abaixo.

1.2. IMPLICAÇÃO OPERACIONAL:

Os ambientes atmosféricos que favorecem a ocorrência das tempestades


severas definidas pelos norte-americanos (que excluem altas taxas de chuva) são
relativamente parecidos, no sentido em que as tempestades que geram rajadas
destrutivas, granizos grandes e tornados tendem, todas, a ocorrer em regimes
com considerável cisalhamento vertical do vento. Em outras palavras, as
tempestades severas, como definidas nos EUA, ocorrem sob regimes atmosféricos
5

presentes dentro de um espaço relativamente comum de parâmetros


meteorológicos. A Figura 1.1 ilustra isto em um diagrama de dispersão que
mostra a ocorrência de tempo convectivo severo  a la definição norte-americana
 como função de uma medida de flutuabilidade (CAPE; a ser definida no
Capítulo 3) e de uma medida de cisalhamento vertical do vento (módulo do vetor
diferença entre o vento em superfície e o vento em 6 km de altura).

Figura 1.1: Diagrama de dispersão mostrando a ocorrência de tempestades


convectivas (desde marginalmente severas até significativamente severas) nos EUA
entre 1997 e 1999 em função da CAPE (uma medida de flutuabilidade; abscissa) e
da magnitude do vetor diferença entre o vento em superfície e o vento na altura de
6km (uma medida de cisalhamento vertical do vento; ordenada). (Adaptado de
BROOKS et al 2003).

Note a tendência acentuada na ocorrência das tempestades mais severas


na presença de cisalhamento vertical do vento de moderado a alto (magnitude do
vetor diferença acima de 10 m s-1).

Já os ambientes atmosféricos que favorecem tempestades com altas taxas


de precipitação podem ser bem diferentes, com pouco ou nenhum cisalhamento
vertical do vento (isto será visto com mais detalhes nesta Nota Técnica). Ou seja,
quando se fala em tempo convectivo severo, o meteorologista americano tende a
procurar situações atmosféricas onde existe cisalhamento vertical do vento,
enquanto o meteorologista australiano não se restringirá a este tipo de regime.
De forma semelhante, o meteorologista brasileiro também não poderá se
restringir às situações atmosféricas com intenso cisalhamento vertical do
vento quando estiver focando sua atenção sobre potencial de tempo severo.
6

2. PREVISÃO DE TEMPESTADES: TEORIA


FUNDAMENTAL.
Tempestades convectivas são a manifestação de células locais de convecção
(úmida) profunda na atmosfera. Portanto, para entendermos a teoria
fundamental por trás das técnicas de previsão de tempestades, precisamos
conhecer os mecanismos básicos que modulam as acelerações verticais na
atmosfera.

Observação: Como as acelerações verticais dentro das tempestades são


acentuadas a aproximação hidrostática, largamente empregada em meteorologia
de grande escala, é inapropriada para descrever fenômenos de escala convectiva.
Assim sendo, na discussão abaixo partimos da forma não-hidrostática da
equação vertical do movimento.

2.1. PROCESSOS BÁSICOS QUE MODULAM A ACELERAÇÃO VERTICAL NA


ATMOSFERA:

Considere a equação do movimento vertical desprezando-se o atrito:

Dw ∂p
ρ = − − ρg (2.1)
Dt ∂z
, onde w é a velocidade vertical, Dw/Dt é a aceleração vertical acompanhando
uma parcela de ar, ρ é a densidade do ar, p é a pressão atmosférica e g é a
aceleração da gravidade.

Podemos decompor a pressão e a densidade em:

p = p ( z ) + p ' ( x , y, z , t )
ρ = ρ (z) + ρ' ( x , y, z, t ) (2.2)

, onde a barra indica o estado básico da variável (dependente apenas da altura), e


o apóstrofo indica a perturbação  ou desvio, ou anomalia  da variável em
torno deste estado básico. Para nossos fins, o estado básico refere-se ao
ambiente atmosférico externo à célula convectiva (isto é, são as variáveis
atmosféricas na escala sinótica) e a perturbação refere-se à diferença entre
as propriedades da parcela de ar dentro da célula convectiva e o ambiente
externo, como indicado na Figura 2.1. (Existem algumas limitações com este tipo
de abordagem (DOSWELL e MARKOWSKI 2004), mas esta Nota Técnica não
entra neste mérito).
7

Figura 2.1: Esquema idealizado de


(ambiente
externo) uma térmica, representando as
parcelas de ar (região sombreada
na figura) dentro de uma célula
convectiva. (Adaptado de BLYTH et
al 1988).

Consideramos que o estado básico (i.e., o escoamento na escala sinótica!)


satisfaz o equilíbrio hidrostático, assim:

dp
= −ρg (2.3)
dz
O balanço hidrostático simplesmente impõe, na atmosfera em repouso, um
equilíbrio entre a força vertical do gradiente de pressão, que aponta para cima
(pois a pressão cai com a altura), e a força da gravidade, que aponta para baixo.

Substituindo (2.2) em (2.1) obtemos:

Dw ∂ ( p + p' )
( ρ + ρ' ) =− − ( ρ + ρ' )g ∴
Dt ∂z
Dw dp ∂p'
( ρ + ρ' ) =− − − ρ g − ρ' g ∴
Dt dz ∂z

cancelam-se pelo equilíbrio


hidrostático (eq. 2.3).

Dw ∂p'
( ρ + ρ' ) =− − ρ' g ∴ (÷ ρ) obtemos:
Dt ∂z
Dw 1 ∂p' ρ'
=− − g
Dt ρ ∂z ρ
Mas como ρ' é muito menor do que ρ , podemos aproximar ρ por ρ acima
sem cometer um erro grande, obtendo-se:
Dw 1 ∂p' ρ'
=− − g (2.4)
Dt ρ ∂z ρ
(I) (II) (III)

A equação (2.4) indica que a aceleração vertical acompanhando a parcela


de ar (termo I) é modulada pelo gradiente vertical da perturbação de pressão
(termo II) e pela flutuabilidade (termo III). Este é um dos conceitos teóricos
fundamentais na previsão de tempestades (severas). A Figura 2.2 esquematiza
8

Figura 2.2: Esquema do papel desempenhado pelos termos forçantes da equação


(2.4) na indução de acelerações verticais. (a) [(b)] Aceleração descendente
[ascendente] induzida pelo gradiente vertical da perturbação de pressão. (c) [(d)]
Aceleração ascendente [descendente] induzida por flutuabilidade positiva
[negativa].
9

acelerações verticais induzidas pelos dois termos do lado direito de (2.4). Por
exemplo, quando o gradiente vertical da perturbação de pressão é negativo ( p'1 <
p'2 ; Fig.2.2b) a aceleração vertical induzida é ascendente. Este será o caso
também quando a densidade da parcela de ar for menor do que a do ambiente ao
seu redor (ρ’ < 0, Fig. 2.2c).

Evidentemente, a aceleração vertical positiva favorece a


manutenção/intensificação de correntes ascendentes necessárias para sustentar
convecção profunda e tempestades. Por outro lado, aceleração vertical negativa
está presente no desenvolvimento de correntes descendentes nas tempestades.
Na previsão de tempestades estamos, de certa forma, interessados em realizar a
previsão (estimativa) para Dw/Dt esperada dentro das células convectivas,
partindo da análise da flutuabilidade (instabilidade) e do gradiente vertical da
perturbação de pressão esperados para um determinado ambiente sinótico pré-
convectivo. Observações e previsões nesta escala fornecerão subsídios
importantes neste sentido. Os capítulos seguintes explorarão estes conceitos.

A flutuabilidade é o termo forçante mais importante da equação (2.4) pois


será relevante para praticamente todo evento convectivo  situações em que a
flutuabilidade é pouco importante no desenvolvimento/manutenção de
tempestades (p.ex., MARKOWSKI e STRAKA 2000) são bem mais raras e não
serão tratadas aqui. Quando a parcela de ar for menos densa [mais densa] que o
ambiente à sua volta, uma aceleração ascendente [descendente] será induzida
(Fig. 2.2c) [(Fig. 2.2d)]. A aplicação da noção de flutuabilidade na previsão de
tempestades será discutida no Capítulo 3.

Observação: É comum referir-se ao termo de flutuabilidade pela letra B (do


inglês buoyancy). Assim:
ρ' Dw 1 ∂p'
B=− g ∴ =− +B
ρ Dt ρ ∂z

Já o termo do gradiente vertical da perturbação de pressão só se tornará


importante no desenvolvimento e manutenção das correntes
ascendentes/descendentes quando um considerável cisalhamento vertical do
vento estiver presente. Este será o assunto do Capítulo 4.

O importante neste ponto é ter em mente que a equação (2.4) é uma “espinha
dorsal” da previsão convectiva, apesar disto ficar pouco explícito no dia-a-dia
da previsão.
10

3. O CONCEITO DE FLUTUABILIDADE
APLICADO À CARACTERIZAÇÃO E
PREVISÃO DE TEMPESTADES.
Neste capítulo exploramos o conceito da flutuabilidade (o termo III da
equação (2.4)), o qual dá origem aos parâmetros de instabilidade (termodinâmica)
empregados na previsão de tempestades.

3.1. FLUTUABILIDADE E A UMIDADE ABSOLUTA:

Por uma questão de conveniência observacional, é comum simplificar-se a


expressão para a flutuabilidade. A forma mais simples de se expressar a
flutuabilidade é substituindo-se a expressão original
ρ'
B=− g
ρ
, por:
T'
B≈ g (3.1)
T
, onde T' é a diferença entre a temperatura da parcela de ar (T) e a temperatura
do ar circundante ( T ). Neste caso mais simples estamos supondo que a
densidade da parcela de ar pode ser bem estimada pela sua temperatura apenas.
Se T > T a parcela de ar é flutuante, e tende a ascender no ambiente. Se T = T
então a parcela é neutra, e tende a permanecer no nível onde está. Se T < T a
parcela possui flutuabilidade negativa, e tende a descender no ambiente.

A simplificação acima é útil no diagnóstico de estabilidade atmosférica,


mas não leva em consideração a presença de vapor d’água influenciando na
densidade da parcela de ar. Assim, uma simplificação melhor é a que substitui a
expressão original para B por:
θ'v
B≈ g (3.2)
θv
, onde θv é a temperatura potencial virtual, dada por: θv ≈ θ (1+0,61wv), com θ
sendo a temperatura potencial (em K) e wv a razão de mistura de vapor d’água
(em kg/kg). (O apóstrofo e a barra em (3.2) têm o mesmo significado das
expressões anteriores). A temperatura potencial virtual é a temperatura potencial
de uma parcela de ar seco hipotética que tem a mesma densidade da parcela de
ar úmido à mesma pressão. Logo, para uma mesma pressão, um aumento de θv
pode significar um aumento de temperatura e/ou no conteúdo de vapor d’água.

A flutuabilidade aproximada por (3.2) combina os conceitos de que o ar


quente é mais leve (menos denso) que o ar frio com o mesmo teor de vapor
d’água, e que o ar seco é mais pesado (mais denso) que o ar úmido à mesma
11

temperatura. Assim, o ar frio e seco será o mais “pesado”, e o ar quente e úmido


o mais “leve”. Para enfatizar a importância destes conceitos na dinâmica da
convecção profunda considere os ambientes pré- e pós-convectivos
esquematizados na Figura 3.1.

(a) (b)

Figura 3.1: Diagrama esquemático da distribuição vertical das camadas de ar


quente e úmido e ar frio e seco em: (a) um ambiente pré-convectivo típico
(principalmente nos subtrópicos e latitudes médias); (b) um ambiente pós-
convectivo. No lado direito de cada painel temos um diagrama mostrando, de
forma qualitativa, a altura do centro de gravidade da coluna de ar correspondente à
cada situação. (Figura parcialmente adaptada do MetEd Program,
www.meted.ucar.edu).

No ambiente sinótico pré-convectivo é comum, especialmente em latitudes


médias a subtropicais, observarmos uma camada de ar frio e seco na baixa-à-
média troposfera (entre 700hPa e 400hPa) sobrepondo uma camada de ar quente
e úmido em baixos níveis (camada limite planetária, CLP), caracterizando uma
coluna de ar com alto centro de gravidade, em equilíbrio instável (atmosfera
instável) (Fig. 3.1a). Na ocorrência de convecção profunda (Fig. 3.1b), a célula
convectiva transporta, pelas correntes ascendentes, o ar úmido da CLP para
níveis mais altos da atmosfera. À medida que a condensação é realizada, ocorre
aquecimento latente (mudança de fase vapor → líquido, ou, se acima da isoterma
de 0°C, vapor → sólido, ou líquido → sólido), cujo máximo se dará entre a média
e a alta troposfera.

Por outro lado, as correntes descendentes da célula transportarão o ar


mais frio e seco da média troposfera para a CLP. Além disto, à medida que a
precipitação se faz presente, ocorre evaporação das gotas de chuva na CLP 
particularmente, na camada sub-nuvem  promovendo resfriamento latente em
baixos níveis, gerando a piscina de ar frio da tempestade. O efeito combinado de
todos este processos é, portanto, resfriar e secar a CLP e umedecer e aquecer a
média troposfera, baixando o centro de gravidade da coluna de ar sob influência
da atividade convectiva (Fig. 3.1b). Isto caracteriza um ambiente estável.
Basicamente, este é o “papel termodinâmico” da convecção na atmosfera:
estabilizar o ambiente localmente.

Uma vez que o teor de umidade na atmosfera é muito relevante para


avaliarmos o potencial de atividade convectiva, é importante chamar atenção
para a noção de que a quantidade (ou concentração) de vapor d’água suspenso
12

na atmosfera deve ser avaliada de forma absoluta, e não relativa. Algumas


medidas absolutas de umidade muito comuns e úteis são a temperatura do ponto
de orvalho (Td) (°C), a razão de mistura de vapor d’água 1 (wv) (kg/kg, ou g/kg) e a
umidade específica 2 (qv) (kg/kg, ou g/kg). Apesar das definições diferentes (vide
as notas de rodapé nesta página), wv e qv possuem valores numéricos muito
parecidos e, operacionalmente, costumam se expressos em g/kg. Valores de Td à
superfície a partir de ~18°C já indicam um alto teor de umidade. Valores de Td
acima de 20°C são comuns na região equatorial. Valores de wv em superfície a
partir de ~12 g/kg já indicam teor de umidade capaz de alimentar convecção
profunda, mas, tipicamente, é a partir de ~16 g/kg que temos altos valores de
umidade. Na região equatorial, valores acima de 20 g/kg não são raros.

Observação: Por que a umidade relativa (UR) não é uma boa medida de
quantidade de vapor d’água na atmosfera? Porque a UR é uma medida de
saturação do ar, e não de quantidade absoluta de vapor d’água suspenso. Por
exemplo, o ar com 100% de UR à 5ºC e à 1000 hPa possui uma wv de cerca de
5,4 g/kg, enquanto que o ar com 60% de UR à 30°C na mesma pressão
apresenta uma wv de aproximadamente 15,8 g/kg. Portanto, a disponibilidade
de vapor d’água no ar à temperatura de 5°°C com 100% de UR é menor do
que aquela observada no ar à 30ºC com 60% de UR.

Ainda assim, a UR será útil na previsão convectiva, mas nas situações em que
precisarmos saber se o ar está próximo ou não da saturação.

3.2. ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS DE TERMODINÂMICA DA ATMOSFERA


APLICADA À PREVISÃO CONVECTIVA:

Sondagens atmosféricas, assim como perfis verticais obtidos de modelos


numéricos, são uma peça fundamental no diagnóstico e prognóstico do potencial
de atividade convectiva. Apesar de existirem mais de uma ferramenta gráfica para
a representação e análise de tais perfis atmosféricos, aqui exploraremos o
diagrama termodinâmico skew-T-log-P. Esta Nota Técnica não se propõe a
realizar uma revisão profunda do diagrama skew-T (existem boas fontes que se
propõem a isto; HENRY 1987, www.master.iag.usp.br/ensino/sinotica/aula05/
AULA05.htm, www.meted.ucar.edu/mesoprim/skewt). Apenas revisaremos
alguns conceitos básicos. Vale ressaltar que neste capítulo examinamos apenas a
componente termodinâmica da previsão convectiva, com a componente
cinemático-dinâmica sendo estudada nos Capítulos 4 e 5.

3.2.1. Breve revisão do diagrama skew-T como ferramenta de análise


termodinâmica:

A Figura 3.2 mostra, como exemplo, uma sondagem da estação de


Fernando de Noronha/PE (SBFN 82400) para as 12Z do dia 18/05/2006 plotada
no diagrama skew-T.

1 É a massa de vapor d’água por unidade de massa de ar seco.


2 É a massa de vapor d’água por unidade de massa de ar úmido.
13

Figura 3.2: Diagrama skew-T com


a radiossondagem das 12 Z do dia
18/05/2006 para Fernando de
Noronha/PE (SBFN). (Obtido de
www.weather.uwyo.edu/upperair).

As curvas de T e Td da sondagem informam a distribuição vertical de


temperatura e umidade. Em cima deste perfil, podemos, com o diagrama
termodinâmico, ascender uma determinada parcela de ar neste ambiente e
verificar se a parcela será flutuante ou não (isto é, podemos realizar uma análise
de estabilidade atmosférica utilizando teoria da parcela 3; p.ex., HOUZE 1993).
Isto é possível pois a curva de T dada pela sondagem nos informa como que a
temperatura na atmosfera em um dado dia, horário e local varia com a altura (ou
seja, a sondagem fornece o valor de T ). Já as curvas adiabática seca e pseudo-
adiabática (“adiabática” úmida) no diagrama termodinâmico nos informam como
que a temperatura de uma parcela de ar hipotética ascendendo naquele ambiente
da sondagem variará com a altura (ou seja, fornecem o valor de T). Podemos
então, para cada nível vertical, estimar B pela expressão (3.1)  ou (3.2), se
optarmos por calcular os valores de θv e θ v dada a sondagem.

A Figura 3.3 indica, para uma sondagem hipotética, a ascenção (seta


vermelha na figura) de uma parcela de ar sub-saturada seguindo uma curva
adiabática seca partindo da superfície até atingir seu ponto de saturação
(extremidade da seta vermelha; é o nível de condensação por levantamento, NCL;
ver item 3.2.2.1). Naquele mesmo nível, a temperatura do ambiente externo à
parcela (ponto verde) está mais alta que a temperatura da parcela (ponto
vermelho), significando que esta é mais densa e portanto não-flutuante (B < 0),
favorecendo uma aceleração descendente e o retorno da parcela de ar ao seu
nível original, caracterizando um ambiente estável (estaticamente estável, para
ser mais preciso). Se a temperatura da parcela de ar após a ascenção estivesse à
direita da curva de temperatura da sondagem, teríamos então a situação oposta,
com B > 0, e a parcela de ar afastando-se de seu nível original, caracterizando
um ambiente estaticamente instável (reveremos depois a noção de instabilidade
condicional). Diversas aplicações do diagrama skew-T serão examinadas nesta
Nota Técnica.

3 Como mencionado antes, existem algumas limitações importantes para a teoria da parcela
(EMANUEL 1994, ROGERS e YAU 1996, DOSWELL e MARKOWSKI 2004). Contudo, ela é útil em
fornecer um “limite superior” para a energia potencial disponível para convecção, representando
uma ferramenta operacional relevante.
14

Figura 3.3: Exemplo do levantamento


(seta vermelha) de uma parcela de
superfície até seu nível de
condensação por levantamento (NCL)
para uma sondagem hipotética. Ver
texto para discussão. (Adaptado de
HENRY 1987).

3.2.2. Definições básicas importantes:

3.2.2.1. O nível de condensação por levantamento (NCL):


É o nível a partir do qual uma parcela de ar úmido sendo elevada
adiabaticamente (isto é, expandindo-se seguindo uma curva adiabática seca4,
com resfriamento à taxa de ~ 9,8°C/km) torna-se saturada, iniciando o processo
de condensação e a formação da nuvem. A Figura 3.3 exemplifica a determinação
gráfica do NCL utilizando-se o diagrama skew-T. A base de uma nuvem
convectiva formada por processo de levantamento é dada pelo NCL.

3.2.2.2. A instabilidade condicional no diagrama skew-T:


Se a ascenção da parcela de ar continuar após atingir seu NCL, esta
seguirá a curva pseudo-adiabática com sua temperatura caindo com a altura a
uma taxa menor (que depende do conteúdo de vapor d’água) (seta azul na Fig.
3.4). Isto aumenta a chance da parcela de ar ascendente tornar-se mais quente
que o ar ambiente. Por exemplo, se a parcela de ar da Figura 3.3 já se
encontrasse saturada desde a superfície, sua ascenção seria via a curva pseudo-
adiabática (seta marrom na figura) que passa pela temperatura de superfície. No
topo da camada indicada pela seta azul, a parcela de ar estaria mais quente que
o ar ambiente, indicando que aceleração ascendente seria induzida afastando a
parcela de ar de sua posição original. Neste caso, teríamos uma situação instável;
condicionalmente instável, para ser mais preciso. “Condicionalmente” pois, neste
caso, a estabilidade na camada dependeu da curva sendo seguida pela parcela de
ar: se adiabática seca, estável; se pseudo-adiabática, instável.

Note também que quanto mais inclinada para a esquerda estiver a curva de
temperatura na sondagem, mais instável está o ambiente. No caso (muito)

4Rigorosamente falando, uma parcela de ar úmido sub-saturada sendo levantada não se expande
seguindo exatamente uma curva adiabática seca. Só uma parcela de ar seco (i.e., literalmente
desprovida de vapor d’água) expandiria exatamente seguindo uma adiabática seca. Mas o erro
cometido por se desprezar o efeito do vapor d’água na taxa de resfriamento ou aquecimento de
uma parcela úmida sub-saturada sendo deslocada verticalmente na atmosfera é desprezível para
a maioria dos fins práticos, incluindo previsão do tempo (ver, p.ex., a discussão na Seção 4.2 de
EMANUEL (1994)).
15

Figura 3.4: Exemplo da ascenção de


uma parcela de ar desde a
superfície até o nível de 500 hPa,
Área
passando pelo seu nível de
positiva condensação por levantamento
(NCL), nível de convecção
espontânea (NCE), e caracterizando
seu nível de equilíbrio (NEQ). A seta
vermelha [azul] indica o
Área
negativa
levantamento da parcela sub-
saturada [saturada] pela curva
adiabática seca [curva pseudo-
adiabática]. Ver texto para
discussão. (Adaptado de HENRY
1987).

extremo da curva de temperatura apresentar uma inclinação mais à esquerda do


que a curva adiabática seca, então a camada é dita estar incondicionalmente
instável, pois neste caso não importa qual caminho tomado pela parcela de ar,
ela terminará sua ascenção mais aquecida do que o ar ambiente. Portanto,
camadas atmosféricas com grande inclinação (para a esquerda) na curva de
temperatura no diagrama skew-T denotam acentuada instabilidade na camada. A
Figura 3.5 resume isto graficamente. Estes conceitos serão particularmente
relevantes quando examinarmos o parâmetro convective available potential
energy (CAPE; item 3.3.2).
Figura 3.5: Exemplos de perfis
de temperatura ambiente para
camadas atmosféricas
apresentando diferentes
padrões de estabilidade. A
camada AB é mais estável que
a camada EF,que por sua vez é
mais estável que a camada CD.
A camada EF é
condicionalmente estável pois
uma parcela de ar ascendendo
nesta camada a partir de, por
exemplo, 600 hPa terá
flutuabilidade positiva (B > 0)
caso seja elevada por uma
curva pseudo-adiabática, e
flutuabilidade negativa (B < 0)
caso ascenda por um curva
adiabática seca. (Adaptado de
HENRY 1987).
16

3.2.2.3. O nível de convecção espontânea (NCE):


É a altura a partir da qual uma parcela de ar sendo elevada torna-se mais
quente (portanto, mais leve) do que o ar circundante. Note, pela Fig. 3.4, que a
partir do NCE a curva de temperatura da parcela de ar ascendente passa para o
lado direito da curva de temperatura ambiente. Assim, uma vez que uma parcela
de ar é elevada até seu NCE, ela continuará a subir “espontaneamente” enquanto
estiver mais leve que o ar à sua volta, sem a necessidade de uma forçante
ascensional externa. Voltaremos a falar sobre forçantes de baixos níveis
necessárias para o levantamento de parcelas de ar não flutuantes quando
definirmos a inibição convectiva no item 3.3.3.

3.2.2.4. O nível de equilíbrio (NEQ):


Acima do NCE a parcela de ar ascenderá espontaneamente, mas é evidente
que esta ascenção não durará indefinidamente. Quando a temperatura da
parcela ficar igual à do ambiente à sua volta ela perderá flutuabilidade (B = 0), e
sua ascenção não mais será favorecida. Este será o nível de equilíbrio (NEQ) da
parcela de ar (Fig. 3.4).

Se a ascenção da parcela continuar acima do NEQ (por efeito de inércia,


por exemplo), esta se tornará mais fria e pesada do que as vizinhanças  a
temperatura da parcela passa para o lado esquerdo da curva de temperatura da
sondagem; Fig. 3.4  e será submetida a uma aceleração descendente devido à
flutuabilidade negativa adquirida (B < 0), e tenderá eventualmente a retornar à
sua posição no NEQ. Assim, o NEQ indica aproximadamente o topo da nuvem
convectiva e o nível de divergência da bigorna (ver Fig. 3.6a). Tempestades
convectivas com intensas correntes ascendentes podem apresentar overshooting
tops (topos penetrantes) associados às parcelas de ar que, por inércia,
ultrapassam rapidamente seu NEQ e atingem alturas maiores do que o nível de
divergência da bigorna, antes de subsidirem no ambiente estável. A Figura 3.6b
mostra um exemplo de um overshooting top em uma tempestade severa.

(a) (b)

Figura 3.6: (a) Diagrama esquemático de uma célula de convecção profunda,


indicando o NCL, NCE e NEQ (adaptado do MetEd Program, www.meted.ucar.edu);
(b) supercélula com um topo penetrante bem proeminente, na tarde do dia
20/05/2001, no Oklahoma/EUA. Fotografia olhando para leste-sudeste.
17

3.2.3. Resumo:

A seqüência de painéis na Figura 3.7 permite a visualização do


desenvolvimento completo da convecção profunda (tempestade) com o auxílio do
diagrama skew-T:

(a) (b)

(c) (d)

(e) (f)

Figura 3.7: Seqüência completa de desenvolvimento de uma célula de convecção


profunda com o auxílio do diagrama skew-T. O círculo preto na parte direita de
cada painel denota a parcela de ar cuja ascenção é representada no diagrama skew-
T. No painel (d), Tpar denota a temperatura da parcela de ar. Ver texto para
descrição. (Figuras parcialmente adaptadas do MetEd Program,
www.meted.ucar.edu).
18

(a) Uma parcela de ar sub-saturado inicia sua ascenção a partir da


superfície pela razão adiabática seca (Fig. 3.7(a));
(b) Ao atingir o NCL, a condensação inicia-se e a parcela passa a ascender
pela curva pseudo-adiabática. Neste exemplo o NCL e o NCE coincidem-se, e
portanto a parcela de ar ascende espontaneamente já a partir do NCL (Fig.
3.7(b));
(c) A nuvem convectiva desenvolve-se acompanhando a ascenção das
parcelas de ar no ambiente instável (i.e., neste estágio a curva de temperatura da
parcela mantém-se à direita da curva de temperatura do ambiente) (Figs. 3.7(c)
até 3.7(e));
(d) A ascenção convectiva é interrompida quando a parcela de ar atinge seu
NEQ. A partir deste nível a parcela de ar torna-se mais densa que o ar ambiente
(i.e., curva de temperatura da parcela mantém-se à esquerda da curva de
temperatura do ambiente), caracterizando o topo da nuvem convectiva (Fig.
3.7(f)).

Assim, na previsão convectiva, o que fazemos com o auxílio do diagrama


skew-T é basicamente “simular” graficamente a convecção. Fazemos isto
avaliando-se a flutuabilidade da parcela de ar pela sua temperatura em cada
nível da atmosfera, e nos perguntando: “a temperatura da parcela é mais alta do
que a temperatura ambiente?”. Caso sim, o ambiente é instável, a parcela
permanece flutuante, e a convecção continua espontaneamente. Caso não, o
ambiente é estável e a convecção é interrompida, ou forçada em baixos níveis por
um mecanismo externo (falaremos de convecção forçada na definição de inibição
convectiva).

Evidentemente, nem sempre o ambiente termodinâmico será favorável ao


desenvolvimento de convecção profunda. A Figura 3.8 mostra um exemplo de
uma sondagem real de um ambiente desfavorável à convecção profunda
(tempestades).

Figura 3.8: Diagrama skew-T com


a radiossondagem das 12Z do dia
05/08/2006 para a Ilha de
Trindade. A linha tracejada indica
a curva pseudo-adiabática
percorrida pela parcela
ascendente, caracterizando um
ambiente desfavorável à atividade
convectiva. (Adaptado de
www.weather.uwyo.edu/upperair).
19

3.3. REVISÃO DE ALGUNS PARÂMETROS TERMODINÂMICOS PARA


ANÁLISE E PREVISÃO CONVECTIVA:

Alguns parâmetros termodinâmicos que auxiliam a previsão convectiva são


definidos e discutidos abaixo. Todos estes parâmetros são calculados a partir de
perfis verticais termodinâmicos da atmosfera e exploram os conceitos físicos
descritos até agora neste capítulo. Estes, entretanto, não são os únicos
parâmetros termodinâmicos existentes. Uma revisão mais extensa (porém, menos
detalhada) destes parâmetros pode ser encontrada, por exemplo, em
NASCIMENTO (2005).

Além disto, é importante enfatizar que os parâmetros convectivos


representam apenas 1 (uma) ferramenta na previsão de tempestades. Portanto
devem ser empregados de forma integrada em uma rotina de previsão que deve
incluir outros subsídios, como a identificação de padrões sinóticos favoráveis ao
disparo de convecção, conhecimento climatológico do comportamento das
tempestades, e o monitoramento da evolução da atmosfera pré-convectiva em
tempo real.

3.3.1. O índice de instabilidade por levantamento (lifted index) (ILEV):

Por definição, o ILEV é dado por (GALWAY 1956):


ILEV = T500 – Tpar_500 [ºC] (3.3)
, onde T500 é a temperatura do ar (em Celsius) ambiente em 500hPa, e Tpar_500 é a
temperatura (em Celsius) de uma parcela de ar em 500hPa após sua ascenção
desde a superfície  ou de um nível próximo à superfície representativo do
disparo convectivo; isto será discutido mais adiante.

A Figura 3.9 mostra um exemplo gráfico do cálculo do ILEV para uma


parcela ascendida desde a superfície. Neste exemplo a temperatura da parcela ao
atingir os 500hPa é de -1ºC enquanto que a do ambiente em 500hPa é de -7ºC,
resultando em um ILEV de -6ºC. Fica evidente pela definição e pela Fig. 3.9 que
um valor negativo de ILEV indica uma condição instável. De forma resumida:

Figura 3.9: Determinação do índice


de instabilidade por levantamento
(ILEV) para uma sondagem
hipotética. Ver texto para detalhes.
(Adaptado do MetEd Program,
www.meted.ucar.edu).
20

ILEV > 0ºC indica condição estável;


ILEV < 0ºC indica condição instável;
ILEV < -5ºC indica condição muito instável;
ILEV < -10ºC indica condição extremamente instável.

Uma nota de cuidado importante é que o ILEV deixa de ser um bom


indicador de instabilidade quando a temperatura em 500hPa (reportada pela
sondagem) for representativa apenas de uma camada muito rasa, desviando
significativamente do comportamento do perfil de temperatura no restante da
troposfera. Isto é ilustrado com o auxílio da Figura 3.10. A Figura 3.10a mostra a
mesma sondagem da Fig.3.2, com uma linha tracejada vermelha destacando a
curva pseudo-adiabática da parcela ascendente (de superfície). A sondagem como
um todo mostra um ambiente predominantemente estável-a-neutro, e apenas
marginalmente instável em algumas poucas camadas atmosféricas rasas. O ILEV
para esta sondagem é próximo de 0ºC (mais exatamente, -0,35ºC), sendo,
portanto, representativo do grau de instabilidade para a troposfera como um todo
naquele dia e horário.

Em contrapartida, a Figura 3.10b mostra a mesma sondagem mas com a


curva de temperatura modificada (intencionalmente) pra mostrar o impacto,
sobre o cálculo do ILEV, de uma camada rasa e muito instável  pouco
representativa do perfil térmico predominante na troposfera naquele dia e horário
 em 500hPa (indicada pela uma seta na Fig.3.10b). Por causa desta camada, o
ILEV nesta sondagem é de cerca de -5ºC, o que indicaria uma condição de
instabilidade que não é bem representativa da sondagem como um todo.
Portanto, além de analisar o valor numérico do ILEV, é importante examinar
também a estrutura da sondagem para avaliar a representatividade do ILEV.

(a) (b)

Figura 3.10: (a) mesma sondagem da Fig.3.2, mas com a linha tracejada vermelha
ressaltando a curva pseudo-adiabática da parcela ascendente de superfície; (b)
mesma sondagem da Fig.3.2, mas com a curva de temperatura do ar modificada em
500hPa. Ver texto para detalhes. (Adaptado de www.weather.uwyo.edu/upperair).
21

3.3.2. Energia potencial convectiva disponível (convective available


potential energy) (CAPE):

A CAPE pode ser definida como (p.ex., HOUZE 1993):


NEQ
θ v ( z) − θ v ( z)
CAPE = g ∫ dz [J kg-1 ou m2s-2] (3.4)
NCE θ v ( z )

, onde NCE é o nível de convecção espontânea (item 3.2.2.3) e NEQ é o nível de


equilíbrio (item 3.2.2.4) para uma determinada parcela de ar ascendente, θv é a
temperatura potencial virtual desta parcela de ar, e θ v é a temperatura potencial
virtual do ambiente.

Observe que a fração dentro da integral em (3.4) é a mesma fração da


expressão (3.2) para a flutuabilidade. Assim, a CAPE é uma medida (integral!) da
flutuabilidade para uma determinada parcela de ar ascendendo em um dado
ambiente sinótico. Outras definições equivalentes para a CAPE podem envolver
as demais aproximações para flutuabilidade (p.ex., a expressão (3.1)).
Graficamente, a CAPE é proporcional à área (positiva) descrita no diagrama
termodinâmico entre a temperatura da parcela ascendente e a temperatura do ar
ambiente entre o NCE e o NEQ  é a área formada no diagrama skew-T na
seqüência da Fig. 3.7. A Figura 3.11 ilustra a área positiva, em laranja, associada
à CAPE. Quanto maior esta área, maior é a CAPE.

Figura 3.11: A CAPE é proporcional


à área positiva formada entre a
curva pseudo-adiabática da parcela
de ar ascendente e a curva de
temperatura da sondagem (área
laranja na figura). Por “área
positiva” entenda-se a área
descrita apenas quando a
temperatura da parcela de ar é
mais alta do que a temperatura
ambiente. (Adaptado do MetEd
Program, www.meted.ucar.edu).

Em uma primeira análise, é possível associar os valores de CAPE às


seguintes condições de instabilidade (termodinâmica) no ambiente:
0 < CAPE < 1000 J kg-1 (marginalmente instável);
1000 J kg-1 ≤ CAPE < 2500 J kg-1 (moderadamente instável);
2500 J kg-1 ≤ CAPE < 4000 J kg-1 (acentuadamente instável);
CAPE ≥ 4000 J kg-1 (extremamente instável).
22

Contudo, extremo cuidado é necessário na análise da CAPE. Deve-se


lembrar que a CAPE fornece uma medida de flutuabilidade integrada na
vertical, e não uma medida pontual de flutuabilidade. Então, um ambiente
com altos valores de CAPE não implica necessariamente em um ambiente
favorável a correntes ascendentes intensas. Para apreciarmos isto, considere a
Figura 3.12 que mostra duas sondagens (hipotéticas) com exatamente o mesmo
valor de CAPE.

Figura 3.12: Comparação


entre duas sondagens com o
mesmo valor de CAPE. Na
sondagem A a CAPE está
concentrada em uma camada
CAPE
mais rasa do que na
sondagem B. A sondagem A
favorece a acelerações
CAPE verticais mais intensas do
que a sondagem B. Ver texto
para discussão. (Adaptado do
MetEd Program,
www.meted.ucar.edu).

Na sondagem A a CAPE está concentrada em uma camada mais rasa. Ou


seja, na sondagem A a área da CAPE é mais “larga”, denotando uma situação em
que a temperatura da parcela de ar ascendente é muito mais alta do que a
temperatura do ar ambiente. Neste caso temos um ambiente de CAPE alta e
flutuabilidade alta, conducente a acelerações verticais efetivamente intensas. Na
sondagem B a área da CAPE é “estreita”, com pequena diferença entre a
temperatura ambiente e a temperatura da parcela de ar. Este é o caso de uma
CAPE alta e flutuabilidade relativamente baixa, denotando um ambiente que
favorecerá acelerações ascendentes menos acentuadas.

Na sondagem A a CAPE é alta por causa da grande diferença (positiva) de


temperatura entre a parcela e o ar externo, que é uma situação mais típica de
latitudes médias e, ocasionalmente, de latitudes subtropicais. Na sondagem B a
CAPE é alta por causa da grande profundidade da camada entre o NCE e o NEQ,
que é uma situação mais comum nas latitudes tropicais e equatoriais. O
ambiente da sondagem A é efetivamente mais instável do aquele da
sondagem B apesar do mesmo valor de CAPE.

Neste ponto é importante enfatizar que a inclinação da curva de


temperatura da sondagem (i.e., temperatura ambiente) modula a “largura” da
área da CAPE. Como discutido no item 3.2.2.2 e Fig. 3.5, quanto mais a curva de
temperatura da sondagem inclina-se para a esquerda no diagrama
termodinâmico, mais rapidamente a temperatura do ar no ambiente cai com a
altura (i.e., maior é o lapse rate), caracterizando um ambiente mais instável  o
que é graficamente representado pelo aumento da “largura” da CAPE.
23

A Figura 3.12 ressalta este conceito comparando a inclinação do perfil da


temperatura ambiente abaixo dos 700hPa nas sondagens hipotéticas
consideradas. Na sondagem A a inclinação, para a esquerda, da curva de
temperatura (ressaltada pela elipse branca pontilhada) é mais acentuada do que
na sondagem B, aumentando substancialmente, na sondagem A, a flutuabilidade
da parcela de ar considerada.

Exemplos reais de sondagens com altos valores de CAPE mas condições de


instabilidade diferentes são mostrados na Figura 3.13. A CAPE na sondagem das
00Z do dia 09/10/2003 em Foz do Iguaçu (SBFI) (Fig. 3.13a) para uma parcela
da superfície era de 2978 J kg-1, enquanto que na sondagem de Manaus (SBMN)
às 00Z do dia 11/10/2003 (Fig. 3.13b) era de cerca de 2000 J kg-1. Ambos os
valores de CAPE são altos, mas na sondagem de SBFI a taxa de queda de
temperatura com a altura entre 600hPa e 500hPa é mais acentuada do que
aquela observada na sondagem de SBMN (elipses vermelhas nas figuras), de
modo que a área da CAPE na Fig. 3.13a é mais “larga” e concentrada em uma
camada mais rasa do que a área correspondente na Fig. 3.13b. Assim, a
sondagem de SBFI é a mais instável das duas.

(a) SBFI (b) SBMN

Figura 3.13: Diagramas skew-T de sondagens das 00Z de: (a) 09/10/2003 em Foz
do Iguaçu/PR, (b) 11/10/2003 em Manaus/AM. As linhas tracejadas mostram as
curvas pseudo-adiabáticas das parcelas de ar ascendentes de superfície, e os
respectivos NCE e NEQ também são destacados. As elipses vermelhas ressaltam a
inclinação da curva de temperatura da sondagem entre 600hPa e 500hPa.
(Diagramas adaptados de www.weather.uwyo.edu/upperair).

Portanto, analisar o valor da CAPE isoladamente não é recomendado para


se identificar condições termodinâmicas favoráveis a correntes ascendentes
intensas nas tempestades. A análise deve ser feita levando-se em consideração a
“largura” da área positiva, ou, equivalentemente, a profundidade da camada
entre o NCE e o NEQ. Isto pode ser avaliado, por exemplo, pela análise conjunta
da CAPE com o ILEV. Valores altos de CAPE com ILEV pouco [muito] negativo
sugerem um ambiente conducente a acelerações verticais fracas [intensas]. O
ILEV na sondagem de SBFI na Fig. 3.13a é de -6,8ºC e para SBMN (Fig. 3.13b) é
de -4,3ºC, sendo este um resultado coerente com a discussão anterior em torno
da Fig. 3.13.
24

Outra alternativa é calcular a CAPE normalizada (NCAPE) pela


profundidade da camada entre o NCE e o NEQ (BLANCHARD 1998). De uma
forma geral, valores de NCAPE em torno de 0,1 [entre 0,3 e 0,4] indicam uma
CAPE associada a uma parcela de ar pouco [muito] flutuante.

Um outro “tendão de Aquiles” no cálculo da CAPE é que trata-se de uma


grandeza altamente sensível à temperatura e umidade em superfície. Pequenos
erros nos valores de T e wv (Td) em superfície, ou em baixos níveis, podem
acarretar em erros grandes no valor da CAPE. Por exemplo, um aumento de
apenas 1 g kg-1 em wv em superfície pode gerar um aumento de até 20% na CAPE
(BLUESTEIN 1993). Neste sentido, vale frisar que modelos de previsão numérica
do tempo tipicamente têm dificuldade em representar bem a temperatura e
umidade em superfície, e portanto o uso da CAPE calculada a partir de modelos
numéricos, apesar de desejável, deve ser feita de forma bastante criteriosa.

A escolha da parcela de ar a ser ascendida para a determinação da CAPE


também é crucial. Nos exemplos vistos até agora, a parcela ascendida sempre foi
a de superfície (p.ex., Fig. 3.7). Contudo, a convecção nem sempre será iniciada
por parcelas de ar de superfície (JOHNSON e MAPES 2001). Então qual parcela
de ar é a mais representativa do disparo convectivo? A parcela de superfície? A
parcela do topo da CLP? Outra parcela? A Figura 3.14 mostra, para uma
sondagem hipotética, exemplos de parcelas de ar de baixos níveis que podem ser
selecionadas para realizarmos a ascenção para o cálculo da CAPE (e de outros
parâmetros termodinâmicos).

Por este motivo, para fins de previsão convectiva é desejável determinar-se


a CAPE para mais de uma parcela de ar. Além da CAPE da parcela de superfície ,

Figura 3.14: Diagrama skew-T mostrando os níveis inferiores de uma sondagem


hipotética. As T e Td de três parcelas de ar distintas são grifadas: a parcela de
superfície, indicada pelos losangos, e outras duas parcelas, indicadas pelos
triângulos e quadrados. Qualquer uma pode ser representativa do disparo
convectivo, mas as três parcelas possuem CAPEs diferentes entre si. (A figura do
diagrama foi adaptada de HENRY 1987).
25

duas escolhas comuns são (CRAVEN et al. 2002): CAPE de uma parcela com
características médias (de temperatura e umidade) dos primeiros 50hPa, 75hPa
ou 100hPa da atmosfera (ou CAPE da camada de mistura; mixed layer CAPE;
CAPE_ME), e CAPE da parcela mais instável nos primeiros 300hPa da atmosfera
(most unstable CAPE; CAPE_MI)  em outras palavras, identifica-se qual parcela
nos primeiros 300hPa gera a maior CAPE.

Tipicamente, a CAPE_MI é mais representativa para a convecção elevada


(i.e., quando o disparo convectivo não é realizado por parcelas de superfície),
sendo útil, por exemplo, para condições entre a madrugada e as primeiras
poucas horas da manhã, quando as parcelas de ar de superfície tendem a ser
muito estáveis, e a convecção mais elevada é favorecida. A CAPE_ME, por sua
vez, tende a ser mais representativa do desenvolvimento convectivo diurno (final
da manhã em diante) e de início de noite, quando a camada de mistura encontra-
se melhor desenvolvida. A CAPE de superfície é mais representativa no caso da
sondagem ser realizada em torno do horário da temperatura máxima  neste
caso a CAPE_MI e a CAPE de superfície tendem a ser iguais  ou quando a
forçante em nível de superfície está bem definida (aproximação de uma frente
fria, por exemplo). Sempre que possível, deve-se fornecer os três valores de CAPE
para o meteorologista.

Em resumo, o meteorologista deve manter em mente que a CAPE


representa a energia potencial disponível para ser transformada em energia
cinética (na vertical) se atividade convectiva ocorrer naquele ambiente. Uma vez
tendo ocorrido a convecção profunda, a CAPE será consumida (a atmosfera será
estabilizada). Contudo, a CAPE não é um parâmetro indicativo de disparo
convectivo, e portanto não diz muito sobre a probabilidade da convecção ser
iniciada. Isto é, altos valores de CAPE não indicam necessariamente alta
probabilidade de tempestades ocorrerem, assim como baixos valores de CAPE
não necessariamente apontam para a não ocorrência de tempestades. A questão
da iniciação convectiva é melhor examinada pelo conceito de inibição convectiva,
discutido abaixo.

3.3.3. Inibição convectiva (CIN):

A inibição convectiva (CIN) representa o trabalho necessário para se elevar


uma parcela de ar desde seu nível original (ORI) até o seu NCE (HOUZE 1993),
sendo matematicamente dada por:
NCE θ (z) − θ (z)
CIN = −g v v dz
∫ [J kg-1 ou m2s-2] (3.5)
ORI θ v (z)

Observe que a definição é igual à da CAPE, exceto pelos limites de


integração e pelo sinal negativo multiplicando a expressão. Graficamente, a CIN é
proporcional à área descrita no diagrama termodinâmico entre a temperatura da
parcela de ar e a temperatura ambiente enquanto a parcela é forçada a ascender
desde seu nível inicial até o NCE (“área negativa” na Fig. 3.4). Note que por
“forçada a ascender” entenda-se que nesta ascenção a densidade da parcela de
26

ar é maior que a do ar ambiente, de modo que a parcela precisa ser levantada


por uma forçante externa até atingir seu NCE  isto fica subentendido pelo fato
do limite superior da integração em (3.5) ser o NCE, nível a partir do qual a
forçante externa não é mais necessária.

Alguns exemplos de forçantes para o levantamento das parcelas de ar (para


vencer a CIN) incluem frentes frias e quentes, ascenção forçada por topografia,
frentes de brisa, piscinas de ar frio (ou frentes de rajada) de sistemas convectivos
anteriores, ondas de gravidade, regiões de convergência na CLP, etc... Além disto,
em uma tempestade severa já em estágio avançado de desenvolvimento, a
aceleração vertical necessária para elevar as parcelas entre o NCL e o NCE é
geralmente promovida pelo gradiente vertical da perturbação de pressão induzida
pela própria tempestade (p.ex., DAS 1979)  examinaremos a origem desta força
no Capítulo 4.

A Figura 3.15 mostra a fotografia de uma supercélula em um ambiente


com CIN. A camada estável, entre o NCL e o NCE, é caracterizada pela aparência
mais laminar da base da nuvem (incluindo a presença de estriamentos) em
comparação com a estrutura mais turbulenta da tempestade acima do NCE.

Figure 3.15: Fotografia de uma


tempestade tipo supercélula no
estado de Oklahoma/EUA no dia
3 de maio de 1999, em um
ambiente com CIN. A camada da
nuvem entre o NCL e o NCE
NCE apresenta uma aparência mais
laminar (e “estratiforme”) que a
camada visivelmente turbulenta
acima do NCE. (Fotografia de
NCL Carson Eads e exemplo adaptado
de J. Evans do Storm Prediction
Center/EUA).

Evidentemente, quanto maior a CIN mais difícil é a iniciação convectiva a


partir do nível considerado. Valores típicos de CIN variam entre 0 J kg-1 
nenhuma inibição convectiva  e cerca de 100 J kg-1. Valores a partir de 150
J kg-1 são bem altos. Para levantar uma parcela de ar desde seu nível original até
seu NCE em um ambiente com CIN de 30 J kg-1 [200 J kg-1] é necessária uma
velocidade vertical inicial de 8 m s-1 [20 m s-1]. Note também que quanto mais
baixo estiver o NCE mais provável será a iniciação convectiva. NCEs abaixo de
2000m já indicam ambientes mais favoráveis à iniciação convectiva, merecendo
atenção especial regiões onde o NCE estiver abaixo de 1000m.

É importante mencionar que os ambientes favoráveis a tempestades


severas mais típicos de latitudes médias e subtropicais costumam apresentar CIN
nas horas que antecedem a atividade convectiva. A presença de CIN horas antes
do disparo convectivo permite que a CAPE seja “acumulada” sem ser consumida
27

muito cedo no período de destabilização da atmosfera. Isto permite que situações


de alta instabilidade sejam atingidas antes do disparo convectivo, de forma que
quando finalmente a iniciação convectiva ocorre ela será explosiva  esta é a
situação da chamada “convecção tipo I” de EMANUEL (1994), definida como
sendo aquela em o período de destabilização da atmosfera é longo comparado
com o período de consumo da CAPE. Já em ambientes sem nenhuma CIN o
disparo da convecção provavelmente ocorrerá logo no inicio do estágio de
destabilização atmosférica, de modo que a CAPE será rapidamente consumida
pela convecção antes de atingir valores muito altos.

3.3.4. Outros parâmetros convectivos:

Além dos discutidos acima, existem outros parâmetros termodinâmicos


importantes para a análise e previsão convectiva, como por exemplo o índice K, a
CAPE da corrente descendente (DCAPE), entre outros. NASCIMENTO (2005)
conduz uma revisão de vários deste parâmetros.

3.4. O CONCEITO DE “SONDAGEM DE PROXIMIDADE”:

Tão importante quanto saber usar o conceito de flutuabilidade para a


análise e previsão convectiva é saber avaliar a representatividade das
observações/dados disponíveis. Perfis atmosféricos são uma das ferramentas
necessárias para o diagnóstico e prognóstico do potencial convectivo. Estes perfis
podem advir de radiossondagens, sondagens via satélite, e mesmo de modelos
numéricos. Mas quais perfis são representativos do ambiente em que as
tempestades se formaram (ou se formarão)? Como discutido em BROOKS et al
(1994), o conceito de “sondagem de proximidade” se baseia na idéia de que
desejamos amostrar o ambiente atmosférico dentro do qual as tempestades se
formam; ou seja, o ambiente que efetivamente alimenta as correntes ascendentes
das tempestades.

Uma sondagem muito distante da região de ocorrência das tempestades


e/ou conduzida muitas horas antes do evento convectivo será pouco
representativa do ambiente atmosférico pré-convectivo pois este pode variar
significativamente no tempo e no espaço (principalmente em baixos níveis). Já
uma sondagem muito próxima da tempestade estará contaminada pela atividade
convectiva  p.ex., aquecimento latente e umidificação dos níveis médios;
consumo da CAPE; piscina de ar frio; etc...  e será apenas representativa do ar
já modificado pela tempestade e não do ar que deu origem à mesma. Perfis
contaminados por nuvens rasas pré-convectivas também terão sua
representatividade reduzida. Portanto, ao realizarmos a análise de perfis
atmosféricos pré-convectivos é muito importante termos em mente a
questão da representatividade destes perfis no que diz respeito ao ambiente
em que as tempestades se formaram ou estão (estarão) se formando.

Um passo nesta avaliação é considerar, em pesquisas pré-operacionais e


avaliações pós-eventos, critérios parecidos com os citados abaixo e que devem ser
satisfeitos pelo perfil atmosférico para que seja considerado uma “sondagem de
proximidade” (DARKOW 1968, BROOKS et al 1994):
28

(i) o ponto de lançamento da sondagem (ou de obtenção do perfil) deve


estar dentro de um raio de 160 km do evento convectivo de interesse;
(ii) o evento convectivo deve ocorrer entre 45min antes e 60min depois do
lançamento da sondagem (ou obtenção do perfil);
(iii) o perfil atmosférico deve amostrar a mesma massa de ar que deu
origem e sustentou a tempestade.

A condição (ii) é a que parece ser mais rigorosa, mas pode ser flexibilizada
de forma criteriosa (NASCIMENTO 2004). Já a condição (iii) não pode deixar de
ser satisfeita nunca, por isto sendo grifada. Na essência, é a condição (iii) que
define uma “sondagem de proximidade” para a previsão convectiva. O conceito de
“sondagem de proximidade” é válido não apenas para a análise termodinâmica do
ambiente pré-convectivo, mas também para a análise dinâmico-cinemática
(campo de vento). Esta é abordada no capítulo a seguir.
29

4. A RELEVÂNCIA DO CISALHAMENTO
VERTICAL DO VENTO PARA A
PREVISÃO DE TEMPESTADES.

4.1. CISALHAMENTO VERTICAL DO VENTO:

O cisalhamento vertical do vento (ou cortante do vento) é simplesmente a


variação do vetor vento com a altura, como mostrado na Figura 4.1.

Figura 4.1: Diagrama esquemático


da variação do vento com a altura
(cisalhamento vertical do vento).
(Figura adaptada do MetEd Program,
www.meted.ucar.edu)

De uma forma mais rigorosa, o cisalhamento vertical


r do vento (CIS) é dado
pela razão entre a variação vertical do vetor vento (∆ VH ) e a espessura ∆z da
r r
camada considerada ( CIS = ∆VH ∆z , ou na forma de derivada: CIS = ∂VH ∂z ).
Assim, CIS tem dimensão de s-1. Na meteorologia operacional, entretanto, é
comum (apesar de não rigorosamente correto!) referir-se ao CIS como sendo
simplesmente a diferença do vetor vento entre duas alturas, neste caso tendo
dimensão de velocidade (m s-1).

Vamos entender como que tempestades formando-se em ambientes


atmosféricos com intenso CIS podem se tornar mais duradouras e intensas do
que em ambientes desprovidos de CIS. (Entretanto, deve-se sempre manter em
mente que, seguindo a definição de tempo severo adotada aqui (vide item 1.1), a
presença de CIS não é condição necessária para a formação de todos os tipos de
tempestades severas, já que tempestades que geram altas taxas de precipitação
não requerem ambientes com valores acentuados de CIS).

4.2. INFLUÊNCIA DO CISALHAMENTO VERTICAL DO VENTO NA


LONGEVIDADE DAS TEMPESTADES:

Considere uma nuvem cumulonimbus desenvolvendo-se em um ambiente


sem CIS, como indicado de forma idealizada na Figura 4.2.
30

(a)
Tempo (min)

(b)

(c)

Figura 4.2: Diagrama esquemático da evolução de uma nuvem cumulonimbus


(idealizada) representando o desenvolvimento típico de uma célula de convecção
profunda em um ambiente sem cisalhamento vertical do vento. (a) Corte vertical
através do centro da nuvem; (b) corte horizontal em z = 6 km; (c) corte horizontal
em z = 500 m. O sombreado colorido indica os hidrometeoros que gerariam o
campo de refletividade mais intenso em um monitoramento via radar. As setas em
(a) denotam a evolução das correntes ascendentes e descendentes na nuvem.
(Adaptado do MetEd Program, www.meted.ucar.edu; baseado na figura original de
WILK et al 1979).

Durante todo o desenvolvimento da célula convectiva a corrente ascendente


e a região de maior “refletividade” permanecem eretas (Fig. 4.2a). Nesta
configuração, quando a precipitação começa a se desenvolver  após cerca de
20min — a água de chuva cai sobre a própria corrente ascendente, promovendo
seu enfraquecimento (i.e., corrente descendente substitui a corrente ascendente).
Na fase mais avançada de evolução a ocorrência de chuva promove a formação de
uma piscina fria e de uma frente de rajada (Fig. 4.2c) que tenderão a cortar a
alimentação de ar quente e úmido para a célula convectiva. Estes processos
combinados levam à dissipação do cumulonimbus em um período tipicamente
menor que 60min.

Por outro lado, em um ambiente com CIS as correntes ascendentes


inclinam-se com a altura, como indicado na Figura 4.3. Naturalmente, quanto
mais intenso for o CIS no ambiente, maior será a inclinação das correntes
ascendentes. Da mesma forma, para uma mesma magnitude de CIS, quanto mais
intensa for a corrente ascendente menor será a inclinação da mesma (Fig. 4.3a).
Nesta configuração, quando a precipitação se desenvolve, a corrente descendente
associada à precipitação não se sobrepõe à corrente ascendente que sustenta a
convecção (Fig. 4.3b). Então, as duas correntes verticais de sinais contrários
coexistem sem comprometer a atividade convectiva.
31

z
(a) (b)
Figura 4.3: Inclinação das correntes ascendentes na presença de cisalhamento
vertical do vento: (a) inclinação como função da intensidade do movimento
vertical; (b) diagrama mostrando a coexistência das correntes ascendente e
descendente sem implicação destrutiva para a convecção. (Adaptado do MetEd
Program, www.meted.ucar.edu).

Deste modo, é possível manter a célula convectiva por um período mais


longo do que no caso do ambiente desprovido de CIS. De fato, tempestades
severas locais de latitudes médias (e, ocasionalmente, latitudes subtropicais)
caracterizam-se também por sua longevidade — tipicamente acima de 90min —
justamente pelo fato de desenvolverem-se em situações de alto CIS. O papel do
CIS, contudo, não se limita a influenciar a duração da convecção, mas também a
gerar um ambiente favorável a tempestades rotativas, que são as mais severas.

4.3. O MECANISMO BÁSICO DE FORMAÇÃO DE TEMPESTADES ROTATIVAS:

Considere a seguinte forma das equações do movimento desprezando-se a


força de Coriolis e o atrito (sistema Boussinesq invíscido; EMANUEL 1994):
r
DV 1
= − ∇p' + Bk̂ (4.1)
Dt ρ
r r
, onde V é o vetor velocidade tridimensional ( V = u î + v ˆj + w k̂ ), p e ρ foram
expandidos em estado básico e perturbação (de forma semelhante àquela
realizada em (2.2) exceto que agora com ρ constante até mesmo na vertical), B é
o termo de flutuabilidade (isto é, B = − ρ' ρ ), e k̂ é o vetor unitário na direção
vertical. Note que a equação (2.4) nada mais é do que a componente vertical da
equação (4.1).

Tomando o rotacional de (4.1) (isto é, tirando ∇ × (4.1)) obtemos a equação


da vorticidade correspondente, com sua componente vertical sendo dada por:
Dζ r ∂w
= ωH ⋅ ∇ H w + ζ (4.2)
Dt ∂z
(I) (II)
32

, onde ζ é a vorticidade vertical (observe que estamos desprezando os efeitos de


força de Coriolis, e portanto ζ é a vorticidade vertical relativa, não a absoluta):
ζ = (∂v / ∂x − ∂u / ∂y) (4.3)
r
, e ωH é a vorticidade horizontal:
r
ωH = (∂w / ∂y − ∂v / ∂z)î + (∂u / ∂z − ∂w / ∂x )ˆj (4.4)
A equação (4.2) “diz” que a vorticidade vertical acompanhando uma parcela
de ar (Dζ/Dt) só pode ser modificada pela inclinação de vórtices (termo I) e pelo
estiramento de vórtices verticais (termo II). Antes de conduzirmos uma
interpretação física do termo I, simplificaremos sua expressão matemática.
r
Vamos primeiro expandir o campo de velocidade tridimensional V em estado
básico (representando o escoamento na escala sinótica) e perturbação
(representando o escoamento dentro da célula convectiva), da seguinte forma:

u = u (z) + u ' ( x , y, z, t )
v = v' ( x , y, z, t ) (4.5)
w = w ' ( x , y, z, t )
Deste modo o estado básico (a escala sinótica) contém vento apenas na
direção zonal  esta escolha é apenas uma conveniência para simplificar a
interpretação física! Note também que estamos impondo um cisalhamento
vertical do vento zonal na escala sinótica ( u ( z ) ,como ilustrado na Fig. 4.4), de
modo que du / dz ≠ 0 . Assim, podemos inferir que alguma vorticidade horizontal
será gerada nesta escala, por causa do termo ∂u/∂z em (4.4). Isto fica melhor
representado na Fig. 4.5, que mostra como a presença de CIS pode gerar
vorticidade horizontal.
Com a expansão indicada em (4.5) o termo de inclinação de vórtices (termo
I em (4.2)) pode ser escrito como:
r du ∂w '
ωH ⋅ ∇ H w ≈ (4.6)
dz ∂y
O termo ∂w'/∂y acima representa, fisicamente, uma corrente vertical
inserida no ambiente sinótico, e (4.6) torna-se uma forma mais simples de se
entender o processo de inclinação de vórtices.

Vento na escala sinótica

Figura 4.4: Um exemplo hipotético do


vento zonal aumentando com a altura
(cisalhamento vertical) no ambiente
externo à tempestade, isto é, na escala
sinótica.
33

Figura 4.5: Diagramas esquemáticos mostrando a formação de vorticidade


horizontal devido à presença de cisalhamento vertical do vento. (Adaptado do
MetEd Program, www.meted.ucar.edu)

A Figura 4.6 ilustra graficamente este processo. Vórtices originalmente


horizontais, induzidos na escala sinótica, são inclinados na vertical ao
encontrarem uma corrente ascendente (uma tempestade). Este mecanismo
transforma vorticidade horizontal em vorticidade vertical dentro da
tempestade, permitindo a geração de tempestades rotativas. A Figura 4.7,
adaptada de KLEMP (1987), mostra a formação de rotação dentro de tempestades
pelo processo descrito acima.

Por hora, o termo II da equação (4.2) (referente ao estiramento de vórtices)


terá uma importância secundária. É bastante dizer que este termo representa a
intensificação [enfraquecimento] de um centro de vorticidade vertical pelo efeito
de convergência [divergência] horizontal em torno deste centro. Este é, por
exemplo, um processo crucial na formação de tornados (DAVIES-JONES et al
2001), mas para os objetivos deste capítulo é suficiente nos determos no termo I.

Figura 4.6: Diagrama


esquemático mostrando o
processo de geração de
Vetor CIS vorticidade vertical a partir da
inclinação de um vórtice
horizontal na presença de uma
corrente ascendente. (Adaptado
do MetEd Program,
www.meted.ucar.edu)
34

1 2
Vetor CIS

3 4

Figura 4.7: Esquema de uma tempestade


hipotética desenvolvendo-se em um
5 ambiente sinótico com cisalhamento
vertical do vento, com a formação de um
par de vórtices em torno da corrente
ascendente original (setas alongadas em
2, 3, e 4). Novas correntes ascendentes
podem se formar logo embaixo dos
vórtices (setas curtas em 4 e 5). As
letras L representam centros de baixa
pressão, como explicado no item 4.4.
(Adaptado do MetEd Program,
www.meted.ucar.edu; baseado no
original de KLEMP 1987).

Resumindo, na presença de moderado a acentuado cisalhamento vertical


do vento na escala sinótica, tempestades rotativas, conhecidas como
supercélulas, podem se formar. Os vórtices convectivos formados dentro da
tempestade são chamados de mesociclones, ou mesoanticiclones dependendo
do sentido de rotação dos mesmos (painel 5 da Fig. 4.7). Supercélulas
necessariamente apresentam mesociclones ou mesoanticiclones (mesociclones
sendo bem mais comuns por motivos que veremos mais adiante). A Figura 4.8
mostra um exemplo de uma tempestade tipo supercélula no hemisfério norte,
com seu mesociclone bem definido. É importante atentar para o fato de que, ao
35

SUPERCÉLULA
Figura 4.8: Uma
Mesociclone supercélula de baixa
precipitação nas planícies
centrais dos EUA. (Foto
de Howard H. Bluestein,
1990).

contrário de furacões, a geração de rotação nas tempestades convectivas


locais não envolve a força de Coriolis! No próximo item veremos como que a
presença de rotação pode intensificar a severidade de uma tempestade.

4.4. ROTAÇÃO EM TEMPESTADES: IMPLICAÇÃO PARA A SEVERIDADE DA


CONVECÇÃO.

r Primeiramente re-escrevemos a equação (4.1) decompondo a derivada total


( DV / Dt ) em derivada local e advecção, ficando:
r
∂V 1 r r
= − ∇p' + Bk̂ − V ⋅ ∇V (4.7)
∂t ρ
Multiplicando (4.7) por ρ e aplicando o operador divergente (∇⋅), obtemos:
∂ r ∂ r r
∂t
( )
∇ ⋅ ρ V = −∇ 2p' + ( ρ B) − ∇ ⋅ ( ρ V ⋅ ∇V)
∂z
(4.8)

Mas pela equação da continuidade para o fluido incompressível (p.ex., eq. (2.55)
de HOUZE (1993)), o termo do lado esquerdo de (4.8) é zero. Portanto (4.8) reduz-
se a:
∂ r r
∇ 2 p' = ( ρ B) − ∇ ⋅ ( ρ V ⋅ ∇V) (4.9)
∂z
A equação (4.9) descreve a distribuição do campo de perturbação de
pressão  ou seja, do campo de pressão dentro da célula convectiva  em
função da distribuição vertical do campo de flutuabilidade (primeiro termo no
lado direito de (4.9)) e do divergente do campo de advecção (segundo termo no
lado direito de (4.9)). Podemos então separar estas duas contribuições para o
campo de p’ da seguinte forma:

(∇2p')B = ∂∂z (ρB) (4.10a)


36

(∇2p')Din = -∇ ⋅ ( ρ Vr ⋅ ∇Vr ) (4.10b)

Na maioria das vezes o termo (4.10a) será o dominante na geração de


perturbações de pressão em tempestades, mas nas situações onde existe CIS o
termo (4.10b) passa a ganhar importância, podendo até tornar-se o mecanismo
dominante para a modulação da pressão em alguns setores da tempestade (por
exemplo, na camada entre o NCL e o NCE na Fig. 3.15). Este segundo termo é
chamado de fonte dinâmica para o campo de pressão (HOUZE 1993), pois está
associado a perturbações de pressão induzidas pelo escoamento. Este é o termo
que mais nos interessa neste momento.

Abrindo a expressão (4.10b) (lembrando que ρ = constante) obtemos:

 ∂u 2  ∂v  2  ∂w  2   ∂v ∂u ∂w ∂u ∂w ∂v 
(∇ p')Din
2
= − ρ   +   +    − 2 ρ
 ∂x   ∂y   ∂z   ∂x ∂y
+
∂x ∂z
+
∂y ∂z
 (4.11)
 

Termos de extensão Termos de cisalhamento

Da expressão acima, é o primeiro termo de cisalhamento (∂v/∂x⋅∂u/∂y) que


nos interessa agora. Este termo pode ser escrito da seguinte forma:
2 2
∂v ∂u 1  ∂v ∂u   ∂v ∂u  
=  +  −  −  
∂x ∂y 4  ∂x ∂y   ∂x ∂y   (4.12)
 
Se o escoamento horizontal for puramente rotacional (isto é, totalmente
desprovido de divergência e deformação), então o termo de deformação (∂v/∂x +
∂u/∂y) é igual a zero e (4.12) se simplifica:
2
∂v ∂u 1  ∂v ∂u 
= −  − 
∂x ∂y 4  ∂x ∂y 
, donde, de (4.3), temos:
∂v ∂u 1
= − ζ2 (4.13)
∂x ∂y 4
Neste caso, examinando-se conjuntamente a expressão (4.13) e a equação
(4.11), percebemos que:

(∇2p')Din ∝ ζ2 (4.14)

Mas, no interior do escoamento, o valor do Laplaciano de uma variável


2
será proporcional ao valor negativo da variável (isto é, ∇ A ∝ −A ), de modo que
(4.14) implica em:
p ' ∝ −ζ 2
Din
(4.15)

Isto significa que, independentemente do sinal da vorticidade vertical (seja


ciclônica ou anticiclônica), uma perturbação de pressão negativa (ou
37

mesobaixa) se formará no centro do vórtice. Na Figura 4.7 estes centros de


baixa pressão são indicados pelas letras L.

Em se tratando de um centro de baixa pressão posicionado em níveis


médios na troposfera, o mesociclone induz, em baixos níveis, uma força vertical
de gradiente de pressão apontando para cima (vetor curto no painel 5 da Fig.
4.7). Esta aceleração, combinada com a da flutuabilidade, favorecerá a formação
de novas correntes ascendentes que serão mais fortes do que no caso onde
apenas aceleração devido à flutuabilidade está presente. Isto explica porque
tempestades rotativas apresentam correntes verticais mais intensas do que
as tempestades desprovidas de mesociclones. (Da mesma forma, tempestades
com mesoanticiclones também poderão ser mais intensas; entretanto os
mesoanticiclones são menos comuns do que os mesociclones por motivos que
veremos abaixo). E, em última análise, explica também porque tempestades
formando-se em ambientes com CIS tendem a ser mais intensas.

4.4.1. Influência do cisalhamento direcional do vento.

Nos exemplos acima o vetor cisalhamento vertical do vento era


unidirecional (p.ex., Figs. 4.6 e 4.7). Porém, em muitas ocasiões o vetor CIS
mudará de direção com a altura. Em um ambiente com advecção quente — que é
o favorável ao disparo de convecção — o vetor vento gira no sentido anti-horário
com a altura no hemisfério sul; em algumas destas situações o vetor CIS
também girará no sentido anti-horário com a altura. Quando o vetor CIS
também gira com a altura, o desenvolvimento mostrado na Fig. 4.7 é modificado,
com o mesociclone sendo favorecido e o mesoanticiclone sendo enfraquecido. Isto
é mostrado esquematicamente na Fig. 4.9.

Figura 4.9:
Esquema de uma
tempestade
hipotética
desenvolvendo-
se em um
meso ambiente
anticiclone sinótico onde o
vetor
cisalhamento
vertical do vento
gira com a
meso altura. (Original
ciclone por KLEMP
1987, adaptado
para o hemisfério
sul pelo presente
autor).
HEMISFÉRIO SUL
38

Na presença de CIS girando com a altura, é observada uma mudança no


posicionamento dos centros de alta e baixa pressão dentro da tempestade (Fig.
4.9). No lado do mesoanticiclone a força do gradiente de pressão induzida é
descendente, enquanto é ascendente no lado do mesociclone (comparar as setas
pontilhadas na Fig. 4.9). Assim, a aceleração ascendente no lado
mesoanticiclônico tende a enfraquecer-se, dificultando a manutenção da célula
convectiva. Já no lado mesociclônico a aceleração ascendente tende a
intensificar-se. Este é o motivo porque mesociclones são mais comuns dos que
mesoanticiclones.

4.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Dada a importância do CIS na caracterização de ambientes pré-


convectivos, ferramentas foram concebidas para auxiliar o meteorologista na
avaliação da presença e distribuição de CIS na atmosfera. A mais importante
destas ferramentas é a hodógrafa, que é alvo de um dos seminários de
treinamento.
39

5. REFERÊNCIAS.
BLANCHARD, D. O.: Assessing the vertical distribution of convective available
potential energy. Wea. Forecasting, v. 13, p. 870-877, 1998.

BLUESTEIN, H.: Synoptic-Dynamic Meteorology in Midlatitudes. Oxford University


Press, 594 pp., 1993.

BLYTH, A. M.; COOPER, W. A.; JENSEN, J. B.: A study of the source of entrained
air in Montana cumuli. J. Atmos. Sci., v. 45, p. 3944–3964, 1988.

BROOKS H. E.; DOSWELL, C. A.; COPPER, J.: On the environments of tornadic


and nontornadic mesocyclones. Wea. Forecasting., v. 9, p. 606-618, 1994.

BROOKS, H. E.; LEE, J. W.; CRAVEN, J. P.: The spatial distribution of severe
thunderstorm and tornado environments from global reanalysis data. Atmos.
Research, v. 67-68, p. 73-94, 2003.

DARKOW, G. L.: The total energy environment of severe storms. J. Appl.


Meteor., v. 7, p. 199–205, 1968.

DAS, P.: A non-Archimedian approach to the equations of convection dynamics.


J. Atmos. Sci., v. 36, p. 2183–2190, 1979.

DAVIES-JONES, R.; TRAPP, R. J.; BLUESTEIN, H. B.: Tornadoes and tornadic


storms. In: Severe Convective Storms, C. A. Doswell III (Ed.), Amer. Meteor.
Soc. Monograph v. 28, n. 50, p. 167-221, 2001.

DOSWELL, C. A.; MARKOWSKI, P. M.: Is buoyancy a relative quantity? Mon.


Wea. Rev., v. 132, p. 853–863, 2004.

EMANUEL, K.: Atmospheric Convection. Oxford University Press, 580 pp., 1994.

JOHNS, R. H.; DOSWELL, C. A.: Severe local storms forecasting. Wea.


Forecasting, v. 7, p. 588-612, 1992.

KLEMP, J. B.: Dynamics of tornadic thunderstorms. Annu. Rev. Fluid. Mech., v.


19, p. 369-402, 1987.

HENRY, W.: The Skew-T, Log P Diagram. National Weather Service Training
Center, EUA, 68 pp.,1987.

HOUZE, R. A.: Cloud Dynamics. Academic Press, 573 pp.,1993.


40

JOHNSON, R. H.; MAPES, B. E. Mesoscale processes and severe convective


weather. In: Severe Convective Storms, C. A. Doswell III (Ed.), Amer. Meteor.
Soc. Monograph v. 28, n. 50, p. 71-122, 2001.

MARKOWSKI, P. M.; STRAKA, J. M.: Some observations of rotating updrafts in a


low-buoyancy, highly sheared environment. Mon. Wea. Rev., v. 128, p. 449–
461, 2000.

MILLS, G. A., COLQUHOUN, J. R.: Objective prediction of severe thunderstorm


environments: preliminary results linking a decision tree with an operational
regional NWP model. Wea. Forecasting, v. 13, p.1078-1092, 1998.

MOLLER, A. R.: Severe local storms forecasting. In: Severe Convective Storms,
C. A. Doswell III (Ed.), Amer. Meteor. Soc. Monograph v. 28, n. 50, p. 433-480,
2001.

NASCIMENTO, E. L.: Identifying severe thunderstorm environments in southern


Brazil: analysis of severe weather parameters. In: Preprints, 22nd Conf.
Severe Local Storms, Hyannis, EUA, Amer. Met. Soc., em mídia digital, 2004.
(http://ams.confex.com/ams/11aram22sls/techprogram/paper_81745.htm).

NASCIMENTO, E. L.: Previsão de tempestades severas utilizando-se parâmetros


convectivos e modelos de mesoescala: uma estratégia operacional adotável
no Brasil? Rev. Bras. Meteor., v. 20, p. 121-140, 2005.

NASCIMENTO, E. L.; DOSWELL, C. A.: The need for an improved documentation


of severe thunderstorms and tornadoes in South America. Symposium on the
Challenges of Severe Convective Storms, American Meteorological Society,
Atlanta, EUA, em CD-ROM, 2006. (Disponível em:
http://ams.confex.com/ams/pdfpapers/102247.pdf)

Você também pode gostar