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FOOTING

A paquera, como a gente conhece hoje, despreocupada, direta,


muito mais aberta, caminhou bastante para chegar onde está. E
caminhou literalmente. Lá pelos anos 1920 - e até talvez os anos
1960 - paquerar era sinônimo de caminhar pelas ruas e, claro,
flertar quando pudesse. O "footing", que vem do inglês ‘ir a pé’,
acontecia principalmente nas cidades pequenas. As moças
colocavam o melhor vestido e saíam para caminhar com um
objetivo claro: ser observada pelos rapazes, igualmente bem
arrumados.

O costume, que acabou dando nome aos lugares, ruas e praças


onde acontecia, é explicado no livro "Carta a Uma Paixão
Definitiva" (Nova Alexandria, 2007), de Moacir Japiassu. Aos 65
anos, ele lembra que as meninas passeavam de braços dados e os
meninos olhavam. "Risadas, pequenas sem-vergonhices.
Passavam-se semanas até que o rapaz dirigisse o primeiro olá à
sua eleita", escreveu.

O paraibano Loêncio Ramos lembra com saudade do footing na


Rua Maciel Pinheiro, em João Pessoa, no fim da tarde. "Lá eram
dadas as primeiras investidas, junto às garotas, preparando o
campo para um avanço mais ousado, no domingo à noite, após o
término da missa na Catedral", relata. Ele conta ainda que essa
paquera se estendia até, no máximo, às dez horas da noite. "O
‘footing’ era o lugar do primeiro encontro, dos olhares
apaixonados, do bate-papo descontraído". Ele se recorda ainda
que essa mistura de espreitada, esperança e encantamento, às
vezes, levava à frustração, quando a pessoa amada não enxergava
quem tanto a admirava.

E a prática não tinha nada de comercial - como pode rolar hoje


com os adolescentes que se encontram em shopping centers, por
exemplo - e nem era tão independente. "Os rapazes faziam uma
parede para apreciar o passeio das meninas. Ninguém comprava
nada na feira, era só o passeio", lembra Bentina Silva, de 71 anos.
"Além da paquera entre os jovens, era comum a presença das
famílias também".

Naquela época, esse era o jeito mais fácil de rapazes e moças se


encontrarem. Os homens andavam dando voltas e as moças
faziam o caminho contrário - e assim muitos se apaixonavam.
"Conheci meu falecido marido assim", lembra Bentina.

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Em Joinville, Santa Catarina, Ingrid Helga Koster lembra que o


melhor lugar para o footing era a famosa "Rua do Príncipe",
cartão postal da cidade. "Era o palco do flerte, do footing, da
paquera. Ali ficavam as lojas, as confeitarias e o correio. Em
frente a ele abria-se uma singela praça, como devia ocorrer em
toda cidade brasileira, onde se perfilavam rapazes de um lado e
moças de outro", contou no livro "Ingrid, uma História de
Exílios" (Sagui, 2010). Na obra, relata ainda que, lá pela década
de 40, se cruzavam naquela rua olhares inocentes e sorrisos cheios
de futuro. "Propostas que hoje não soariam tão indecorosas
quanto as que algumas vezes fizeram acelerar nossos
coraçõezinhos de príncipes e princesas".

Sabrina Passos (MB Press)

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