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O SINFONISMO SOVIÉTICO

O que na Alemanha era considerado degenerado, na União Soviética recebeu o nome de


formalista: em ambos os casos o termo referia-se a uma música em que o caráter mais
abstrato da composição primava sobre a qualidade para transmitir conteúdos
programáticos de índole ideológica e propagandística. Se na Alemanha o modelo seguido
era a grande tradição alemã, aqui era a grande tradição russa (os Cinco) e as diversas
tradições folclóricas das várias repúblicas. Qualquer sintoma de vanguardismo era
considerado como uma manifestação de degeneração burguesa, um cosmopolitismo
antipopular, que devia ser combatido.
Deste modo, todo o debate cultural que dominou a vida russa a partir do triunfo da
Revolução de 1917 desapareceu de maneira traumática a partir da década de 1930, com
a subida de Estaline ao poder.
Em seu lugar instaurou-se o princípio regente do realismo socialista, pelo qual se
recomendavam as composições que exaltassem a luta revolucionária e o socialismo e que
fossem construídas a partir de uma linguagem realista, inteligível e baseada em canções
populares, harmonizadas com o máximo respeito.
Uma grande meta da propaganda totalitária, na qual foi muitas vezes bem-sucedida, era
transmitir ao povo a ideia da omnipresença do grande líder. Ele estaria presente em todos
os lugares, desta forma sabendo de tudo. Sabendo tudo que ocorria no país, teria o poder
de tomar todas as providências necessárias. Dessa forma, era preciso temê-lo.
SELO: sendo necessário fazer a propaganda revolucionária, num país com uma população
maioritariamente analfabeta ou de baixo nível de escolaridade em 1917, aliada a
deficiências materiais no campo das gráficas disponíveis, optou-se por cartazes com
poucas palavras, poucas cores (basicamente, preto, branco e vermelho), elementos
geométricos simples e uma linguagem icónica.

Apesar do controlo rigoroso que o Estado exercia sobre os compositores, a criação


musical na União Soviética viveu uma extraordinária época de ouro durante o período
estalinista. Autores como Nikolai Miaskovsky (1881-1950), Vissarion Chebaline
(1902-1963), Aram Kachaturian (1903-1978), Gavriil Popov (1904-1972), ou Dmitri
Kabalevsky (1904-1987), alguns dos quais pouco conhecidos no Ocidente, tiveram uma
importância especial nesta fase brilhante da música soviética. Mas os dois nomes mais
destacados são, sem dúvida, SERGEI PROKOFIEV (1891-1953) e DMITRI SHOSTAKOVICH
(1906-1975).

MIASKOVSKY é considerado o «pai da sinfonia soviética»; ganhou o Prémio Estaline


(honra do Estado da União Soviética) por 5 vezes, mais do que qualquer outro compositor.
CHEBALINE é visto como um dos compositores mais eruditos da sua geração. O seu
estilo sério e intelectual, as abordagens marcadamente académicas das suas composições
aproximam-no esteticamente de Miaskovsky.
KACHATURIAN nasceu na Geórgia, mudando-se mais tarde para Moscovo. As suas
origens proletárias e étnicas, juntamente com uma formação soviética fizeram dele um
poderoso símbolo na cultura musical deste Estado, promovendo um ideal de
interculturalidade.
POPOV foi um dos compositores também oprimidos pelo regime soviético. Após a
estreia da sua 1ª Sinfonia, impressionantemente poderosa e vanguardista, foi severamente
repreendido pelas autoridades estaduais, pelo que, após 1936, passou a recorrer a um
idioma mais conservador, a fim de evitar acusações de formalismos.
KABALEVSKY desempenhou um papel fundamental na pedagogia musical. Para além
de criar obras que constituíam uma ponte entre as habilidades técnicas das crianças e os
princípios estéticos dos adultos, lançou também um programa estandarte de educação
musical em 25 escolas soviéticas. Apesar de algumas críticas do regime soviético, o seu
estilo adaptou-se, no essencial, às diretrizes de inteligibilidade impostas pelo regime
socialista. Compôs para praticamente todos os estilos.

Sergei Prokofiev
Prokofiev tinha sido durante a juventude o enfant térrible da música russa devido à sua
reputação como pianista defensor das novas correntes e à autoria de obras
deliberadamente escandalosas, como a Suite cita (1914), qualificada como «bárbara» no
seu tempo. Bem considerado pelos bolcheviques, Prokofiev optou, no entanto, por se
exilar após o triunfo da Revolução. Estabeleceu-se nos Estados Unidos, onde o
modernismo das suas obras não foi compreendido, e mais tarde em França, onde veio a
estrear algumas das suas peças mais importantes. Por fim, em 1933, decidiu regressar ao
seu país. Ali, o seu estilo teve de se adaptar às diretivas do Partido, orientando-se para um
certo classicismo. Por esse motivo, a sua música perdeu agressividade, mas ganhou em
qualidade melódica, sem deixar nunca uma certa tendência para o grotesco. Os ballets
Romeu e Julieta (1938) e Cinderela (1945), a sua monumental Sinfonia nº5 (1945) e a
enigmática nº6 (1947), o conto Pedro e o lobo (1936) e a ópera Guerra e paz (1941-52)
são algumas das obras mais importantes desta última fase.

Dmitri Shostakovich
Apesar do seu relacionamento nem sempre ter sido cordial, Dmitri Shostakovich
admirava a inesgotável veia melódica de Prokofiev. Este, por sua vez, invejava de
Shostakovich a sua mestria na orquestração. Durante muito tempo, Shostakovich foi
considerado no Ocidente o compositor oficial soviético, embora na verdade a sua relação
com o regime estivesse longe de ser tranquila: a períodos em que era considerado o
melhor músico do seu país, sucediam-se outros em que as suas composições eram
reprovadas e proibidas, sempre com a acusação de formalismo. Precisamente uma sua
obra, Lady Macbeth do distrito de Mtsensk (1934), provocou no dia 9 de janeiro de 1936
a publicação no Pravda do artigo Caos em vez de música, origem do realismo socialista.
«A 26 de Janeiro de 1936, Stalin, acompanhado por três figuras gradas do aparelho
soviético – Molotov, Zhdanov e Mikoyan – deslocou-se ao Teatro Bolshoi, em Moscovo,
para assistir à ópera Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk, de Dmitri Shostakovich. O
compositor foi convidado para a récita, mas não para o camarote de Stalin, como seria de
esperar. Esta circunstância causou-lhe alguma apreensão, que terá aumentado ao
aperceber-se de que Stalin e os seus camaradas tinham saído antes do último ato.
Dois dias depois, o Pravda publicava um artigo que mostrava que a apreensão do
compositor era justificada: intitulava-se “Caos em vez de música” e desferia um feroz
ataque contra Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk. Foi o primeiro passo de uma
campanha implacável contra Shostakovich e toda a música que não se conformava ao
modelo do realismo socialista.»
Com receio de eventuais represálias por parte do regime, Shostakovich fez diversas
adaptações desta obra. No entanto, após a sua morte, a versão mais interpretada é a
original.
Face a todas estas críticas, Shostakovich passou a temer a sua liberdade artística e até pela
sua própria vida. Assim, no ano seguinte, em 1937, compôs a célebre 5ª sinfonia, num
tom muito mais convencional, mas poderosamente expressivo, e descrita pelo próprio
compositor como "a resposta de um artista soviético à crítica justa". Trata-se, no fundo,
de uma oferta de paz a Estaline.
Contudo, infeliz por ter sido forçado, Schostakovich também começou a incluir na sua
música protestos secretos contra a tirania de Estaline. A sua sinfonia nº7 era
ostensivamente um protesto patriótico contra o cerco alemão a Leninegrado, embora o
compositor tenha admitido em privado que também estava preocupado com o modo de
como Estaline destruíra essa mesma cidade.
Schostakovich descreveu o dia da morte de Estaline como o dia mais feliz da sua vida.
Finalmente livre de desencadear a sua raiva anteriormente reprimida contra o ditador,
criou um vívido retrato da brutalidade homicida de Estaline no segundo andamento da
sua 10ª sinfonia, composta nesse mesmo ano.

Depois de um ataque cardíaco, em 1969, Shostakovich começou a preocupar-se com a


mortalidade: a sua penúltima sinfonia, a 14ª, composta no mesmo ano, é um ciclo de
canções com poemas sobre a morte. É uma das suas obras mais profundas e comoventes,
e o compositor dedicou-a a B. Britten. Após um segundo ataque cardíaco em 1971, o seu
ritmo de trabalho abrandou consideravelmente, tendo escrito poucas obras antes de
morrer, em 1976.

Nos seus últimos anos, o humor das suas primeiras composições deu lugar à zombaria,
ao sarcasmo e ao desespero. Pouco a pouco, Shostakovich foi-se fechando em si mesmo
e a sua música foi adquirindo um tom cada vez mais sombrio, indelevelmente marcado
pela presença da morte. Isto acontece na sua impressionante série de quartetos de corda
ou nas três últimas das suas quinze sinfonias.

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