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Brumadinho e Áquila: o problema das imputações penais ambientais - JOTA Info 22.01.

20, 14(31

TRAGÉDIA

Brumadinho e Áquila: o
problema das imputações
penais ambientais
A responsabilidade pela falha de mecanismos de alerta em grandes
desastres ambientais

RENATO DE BEATRIZ
MELLO CORRÊA
JORGE CAMARGO
SILVEIRA

21/01/2020 17:43

Brumadinho MG; (29/01/2019). Foto Ibama/ Fotos


Públicas

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Desde algum tempo, o Direito Penal


está a se mostrar em redesenho, em
boa medida, pelas novas incidências
econômicas. É, por assim dizer, tempo
de apogeu do Direito Penal Econômico.
No entanto, desde já algum tempo,
muitos penalistas passaram a imaginar
as possibilidades de incidência
evolutiva também de outras áreas, e, a
partir de então, fez-se presente o
vaticínio de qual área ocuparia o novo
locus evolutivo da seara criminal.

Muitas construções se deram. Diversos


penalistas começaram a se debruçar
sobre o tema. Muitos anteviram que o
campo penal ambiental seria o
horizonte próximo de trabalho. Isso, em
parte, se mostrou verdade,
fundamentalmente a partir dos \ns do
século passado e início do atual.
Inúmeros acidentes e desastres de
índole ambiental legitimaram o
prognóstico feito, como foram casos
do navio Prestigie, na Galícia, dos
inúmeros vazamentos de petróleo no
Mar do Norte ou no Golfo do México ou
questões ligadas a usinas nucleares,
apenas para mencionar alguns casos.

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Isso não signi\ca que desastres são


privilégio da modernidade, como nos
fazem recordar os casos de Chernobyl,
nos anos 1980, na antiga URSS, de
Tarragona (Los Alfaques), na Catalunia
dos 1970, ou de Vila Socó, em Cubatão
ainda de 1984. Mas, por óbvio, o
tratamento passou a ser diverso. O que
verdadeiramente se percebe, no
entanto, é que as alterações penais
ambientais acabam encontrando
amparo, também, em construções
dogmáticas ligadas a um Direito Penal
Empresarial, e, a parti daí, novas
dinamizações são percebidas.

O presente ensaio tem por objetivo


analisar esse estado de coisas sob o
pano de fundo de dois grandes
desastres recentes, no Brasil e na Itália,
que parecem se aproximar em

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equívocos e, quiçá, em saídas na busca


de Justiça. O caso de Brumadinho,
tragédia brasileira de proporções
colossais, é veri\cado, pois, em
consonância com um sintomático caso
italiano em que se procurou referendar,
de modo decisivo, a ideia de
causalidade probalística.

1. Falhas de segurança
no rompimento da
barragem em
Brumadinho e nas
previsões do terremoto
em Áquila

Após o trágico rompimento da


barragem na Mina Córrego do Feijão,
com 270 vítimas fatais em
Brumadinho, no Estado de Minas
Gerais, o Brasil iniciou, lentamente,
uma reiexão sobre a sua política
nacional de segurança de barragens.
Com isso, por derradeiro, sobrevieram,
também, considerações muitas sobre a
possibilidade de responsabilidade
ambiental e em sede empresarial,
principalmente quando se veri\ca o
teor das denúncias postas em janeiro

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de 2020.

O Relatório da Comissão Parlamentar


de Inquérito, publicado em julho dede
2019, revelou, todavia, uma visão ainda
bastante centrada no paradigma da
responsabilização penal individual dos
membros da empresa de mineração
responsável, a Vale S.A., e dos
engenheiros da consultora contratada,
a TÜV SÜD. Poderia, diante da
constatada “irresponsabilidade
organizada” no âmbito empresarial,
expandir a análise sobre a adequação
da legislação existente para a
responsabilização penal da própria
1
empresa, bem como averiguar as
possibilidades discutidas
internacionalmente sobre mecanismos
de governança corporativa, a \m de
integrar o Direito Penal com
instrumentos efetivos de prevenção
2
dos riscos advindos das empresas.
Além, é claro, de poder repensar a
própria lógica da política de exportação
de minérios do país.

No relatório \nal do Senado, uma das


questões abordadas foi o defeituoso
sistema de alarme, cuja importância foi

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suscitada pela mídia e considerada


como elemento para responsabilizar a
empresa e as pessoas investigadas na
3
CPI. No momento do rompimento da
barragem, as sirenes não tocaram, não
sendo claro se o problema se deveu à
ausência de acionamento, à falha
técnica dos aparelhos ou à sua
localização inadequada. Foi levantada
pela defesa a tese de impossibilidade
de acionamento das sirenes devido à
velocidade do rompimento. Mas ao
longo do percurso, a lama da barragem
tornou-se mais lenta, o que signi\ca
que ao menos parte dos atingidos
poderiam ter sido alertados. Ademais,
conforme apurou a CPI, o próprio
relatório da Vale sobre o cálculo de
riscos da barragem fazia uma
estimativa sobre o número de vítimas
que variava conforme se considerasse
o funcionamento ou não do sistema de
sirenes. Assim, o estudo feito pela
empresa estimava a morte de cerca de
300 pessoas sem o alerta das sirenes,
ao passo que o número de mortos
cairia para 200, caso as sirenes
funcionassem.

Na Itália, problema semelhante foi

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confrontado no caso do terremoto na


4
cidade de Áquila, ocorrido em 2009.

Nessa ocasião, a cidade padeceu com


um tremor de grande escala que deixou
308 mortos e aproximadamente 1.600
feridos. Após o incidente, foi iniciado
um processo criminal contra os cinco
especialistas e os dois funcionários
públicos que integravam a
“Commissione Grandi Rischi”, cuja
função era aconselhar a população em
matéria de proteção contra abalos
sísmicos. À época, a comissão ligada à
Defesa Civil italiana foi acionada no
propósito de orientar os moradores da
cidade de Áquila. A população já se
encontrava em pânico antes do
terremoto fatal, devido aos abalos
constantes, porém de pequena
magnitude. Seis dias antes do
desastre, os membros da Comissão
declararam não haver riscos de abalos
de maior escala. Pouco depois, o
Presidente do Departamento de Defesa
Civil se pronunciou em rede de
televisão nacional reproduzindo o
parecer dos especialistas e reforçando
a ideia de que, segundo os mesmos,
semelhantes abalos seriam

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inofensivos.

A sentença em
primeira
instância
condenou a
todos pelos
crimes de
homicídio e lesão
corporal
5
culposos.

O fundamento para a decisão residiu


no fato de os integrantes da Comissão
transmitirem informações incorretas
para a população, já que sequer foram
feitos estudos mais aprofundados
sobre o caso. Com isso, os réus
deixaram de fornecer os necessários
alertas para a evacuação da cidade,
tranquilizando a população ao invés de

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deixá-la em estado de alerta para


abalos mais graves. Muitas vítimas
alegaram que teriam tido a chance de
escapar ilesas se contassem com a
iminência de um terremoto mais forte.

Tanto no caso brasileiro, quanto no


caso italiano, a questão que se coloca
para a responsabilização criminal pelos
danos à vida e à integridade física das
pessoas atingidas pelos desastres diz
respeito à relevância penal dos
mecanismos de alerta para a
população quanto aos riscos iminentes
a que se encontram submetidas. Ai, de
modo mais grave, quando se imagina
certa dose de responsabilidade dolosa.

2. Relevância penal dos


mecanismos de alerta
sobre riscos iminentes

Numa inicial análise geral, pode-se


considerar que são basicamente dois
os campos de interesse penal no que
se refere aos deveres de
implementação de adequados
sistemas de alarme ou mecanismos de
alerta sobre riscos iminentes à
população. No âmbito dos crimes

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omissivos impróprios, tais deveres


correspondem a deveres de garantia
que têm por função não o salvamento
imediato das vítimas, mas, sim,
proporcionar às mesmas uma
possibilidade adicional de salvamento
– em verdade, de um auto salvamento.

Outro aspecto tangenciado pelo


problema dos sistemas de alerta e
sirenes diz respeito ao elemento
subjetivo do delito. Nesse sentido,
pode-se indagar se a transmissão
equivocada de informações sobre as
condições sísmicas pelos órgãos
competentes e a ausência de controle
sobre o funcionamento das sirenes não
constituiriam lesões dos deveres de
cuidado fundamentadores da culpa, ou
se, mais do que isso, poderiam ser
vistos como elementos indicativos para
a atuação com dolo eventual.

Seja para o
problema da
omissão, seja
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para a questão
do tipo subjetivo,
um dos principais
desaUos, no caso
brasileiro, é
deUnir quais os
agentes
responsáveis
pelo correto
funcionamento
do sistema de
alarme e sirenes.

Neste tocante, uma das conclusões a


que chegou a CPI de Brumadinho e
outras barragens foi que a ausência de
investimento em um sistema e\caz de
sirenes constituiu um dos “defeitos de
6
organização” da empresa Vale.

Estendendo um pouco a análise,


cumpriria, ainda, questionar se o

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sistema de sirenes não seria apenas


um dos mecanismos que deveriam ter
sido acionados não apenas no
momento do rompimento, mas já antes
disso, isto é, dias antes do eventual
desastre, como ocorreu, por exemplo,
em relação à evacuação de Barão de
Cocais.

3. Fundamento jurídico
dos deveres de alerta às
vítimas

Qualquer análise jurídica durante o


trâmite processual, quanto mais antes
de recebida a denúncia, é, no mínimo,
arriscada. Aqui, no entanto, pretende-
se, em termos abstratos, e com o caso
em tela servindo de ilustração, traçar
certa divagação sobre problemas
jurídicos que devem ser abordados
para a resolução futura do caso.

3.1. Incerteza epistêmica sobre o


risco e indeterminação normativa
sobre as atribuições

Comparado o caso de Brumadinho


com o caso de Áquila, na Itália, salta
aos olhos o fato de que, no caso

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italiano, era muito menor o grau de


certeza que os especialistas poderiam
obter sobre a possibilidade de
ocorrência de um terremoto de alta
magnitude. Em termos peninsulares,
havia ainda grande indeterminação
normativa quanto aos deveres de
informação que incumbiriam aos
membros da comissão encarregada de
aconselhar a população sobre os
riscos. No momento de seus
pronunciamentos, os membros da
comissão de especialistas da Defesa
Civil italiana sequer estavam cientes da
dimensão legal que suas declarações
poderiam adquirir. Tanto, que após os
processos movidos na área criminal, o
primeiro ministro italiano modi\cou as
normas que regulamentavam o
funcionamento e as atribuições da
7
“Commissione Grandi Rischi”.

Na visão de um dos semiologistas


processados, ele poderia não ser
responsabilizado pela má qualidade
dos prédios ou pela falta de
cumprimento com as leis de segurança
sísmica, pois isso seria atribuição das
8
autoridades competentes. O principal
ponto considerado nesse caso,

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contudo, foi o fato de que suas


declarações foram feitas enquanto
membro de um comitê responsável por
decisões em matéria de políticas
públicas de segurança.

Deste modo, o dever penal de


informação e assessoramento dos
membros da comissão foi derivado da
própria função legal de proteção da
população contra riscos sísmicos
desempenhada pela Comissão.

3.2. Previsão legal sobre a


obrigatoriedade de sirenes e sistemas
de alerta no Brasil

Já no caso da atividade mineradora no


Brasil, algumas legislações e
normativas sobre segurança exigem
das empresas de mineração a
instalação e o monitoramento de
sirenes e sistemas de alerta. Esse, o
tema a ser discutido no processo
futuro.

Por exemplo, no que diz respeito aos


padrões de segurança e saúde nas
minas, o Decreto nº 6.270 de 2007
incorpora ao ordenamento brasileiro as

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normativas da OIT, de\nidas em âmbito


internacional. Nos termos do art. 8 da
Convenção promulgada pelo decreto,
cabe ao empregador preparar um
plano de ação de urgência especí\ca
para cada mina. Já a Recomendação
promulgada pelo mesmo decreto
sugere em matéria de salvamento a
adoção de um sistema e\ciente de
comunicação e um sistema e\caz de
alarme para aviso em caso de perigo
(item 8, f, g). Aqui, a legislação tem em
vista sobretudo a segurança dos
trabalhadores na atividade mineradora.

Por sua vez, a Lei de Segurança nas


Barragens (Lei nº 12.334/2010) é mais
abrangente porque inclui a segurança
de toda a população afetada por esse
ramo de exploração econômica.
Conforme o art. 4º da lei, um dos
fundamentos da Política Nacional de
Segurança de Barragens consiste na
informação da população sobre as
ações preventivas e emergenciais
contra possíveis acidentes na
barragem. Ainda de acordo com o
mesmo dispositivo, a população deve
ser estimulada a participar, direta ou
indiretamente, dessas ações de

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segurança. Note-se aqui que tais


deveres se impõem tanto no que se
refere à segurança das barragens em
uso quanto para aquelas já
desativadas.

Ainda antes do rompimento da


barragem na Mina Córrego do Feijão, já
dispunha sobre a questão das sirenes
a Portaria n° 70.389/2017 do
Departamento Nacional de Produção
9
Mineral. De acordo com a Portaria,
cabe ao empreendedor da barragem de
mineração instalar um sistema de
alarme nas comunidades inseridas na
chamada “Zona de Autossalvamento”,
regiões onde a lei considera que os
avisos de alerta à população são da
responsabilidade do empreendedor, por
não haver tempo su\ciente para uma
intervenção das autoridades
competentes em situações de
emergência (art. 2°, XL). O sistema
deve contemplar sirenes e outros
mecanismos adequados a um alerta
e\ciente da população (art. 34, XXIII).

Nesse tocante, vale a pena mencionar


ainda que, segundo o art. 38 da
Portaria nº70.389/2017, o sistema para

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auto salvamento da população


compreende, mas não se limita, à
instalação de sirenes nas áreas
afetadas pela inundação, devendo o
mesmo estar integrado a uma
estrutura de monitoramento e alerta da
barragem de mineração (§1°). Em
situações de alto nível de emergência,
com iminência de ruptura, deve a
empresa sempre alertar as
comunidades em perigo, nos termos
do caput desse dispositivo.

Na situação particular de Brumadinho,


esse dever de alerta de risco previsto
no art. 38, caput, também deixou de ser
observado. Ao que se pode inferir das
investigações parlamentares e
declarações de representantes da Vale,
isso teria ocorrido porque se falhou em
reconhecer a situação de risco
iminente de ruptura.

4. Individualização e
extensão da
responsabilidade pela
falha das sirenes no caso
de Brumadinho: o
próximo momento

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Conforme mencionado, um dos


principais desa\os no caso de
Brumadinho é de\nir as
responsabilidades individuais pela
falha do funcionamento do sistema de
alarme. No caso de Áquila, a
delimitação da responsabilidade dos
especialistas no gerenciamento do
risco foi mais simples devido ao
próprio papel desempenhado pela
política de aconselhamento incumbida
à Comissão da Defesa Civil italiana.

No caso brasileiro, a responsabilidade


legal pela segurança da barragem
incumbe, primariamente, ao
empreendedor (art. 4º, III, da Lei nº
12.334/2010). Em termos práticos, o
controle sobre os riscos precisa ser
delegado aos técnicos imediatamente
responsáveis pelo funcionamento da
barragem, a \m de que o
empreendimento seja viabilizado. Sob
a óptica da de\nição dos deveres de
garantia na omissão imprópria, veri\ca-
se o fenômeno de transformação das
esferas de responsabilidade penal dos
atores empresariais, em que um sujeito
detentor de determinadas obrigações e
poderes (delegante) transfere parte

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deles a outro indivíduo que opera na


10
estrutura da empresa (delegado).

Assim, o dever de controle imediato


dos riscos pode ser delegado aos
técnicos responsáveis pela
implementação do sistema de alarme,
o que torna estes últimos diretamente
responsáveis, na esfera penal, pelas
omissões referentes à veri\cação do
adequado funcionamento das sirenes,
sem, contudo, eximir, completamente,
o diretor da empresa, que mantém o
dever de vigilância sobre a atuação dos
técnicos responsáveis pelo
monitoramento do sistema de alarme
11
implementado.

A delimitação desse grau de


responsabilidade há de ser,
provavelmente, o fator de maior
discussão penal sobre o tema.

De qualquer forma, é fundamental


compreender aqui que o adequado
funcionamento das sirenes tem como
objetivo, dentre outras, a função de
minimizar os danos de um
rompimento. Como se trata de um
curso causal salvador, basta, para a

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comprovação do nexo de causalidade


entre a omissão e o resultado, que
\que demonstrada que uma ou mais
vítimas teriam tido a chance de
12
escapar do soterramento de lama.

O início do ano
de 2020
conhecerá todo o
drama das
acusações das
mortes dadas
pelo desastre.
Incumbirá, ao
Direito Penal
brasileiro, seus
atores e
operadores, ter a
sensibilidade de
ideal
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correspondência
da dogmática
com a resposta
esperada.

Sem dúvida, inúmeros problemas


poderão ser observados no horizonte
próximo, quando da avaliação das
denúncias apresentadas. Respostas
penais devem ser dadas. Centenas de
pessoas foram fatalmente vitimadas, e,
espera-se, a Justiça não deve se
esquivar de suas responsabilidades. A
questão, no entanto, reside em que
grau de responsabilidade está a se
falar. Locuções midiáticas e que
venham a satisfazer aparentemente a
opinião pública podem se antagonizar
com uma solução condigna com o
ordenamento penal.

Nesse sentido, exemplos estrangeiros


vários, como o caso Áquila podem
servir de guia. Simples imputações de
homicídio podem não corresponder
com o que uma individualização de

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responsabilidade penal está a exigir. As


peças devem ser postas e analisadas,
a\nal, é sempre de se lembrar a velha
lição de que a dogmática tem por \m
dar uma segurança às decisões
judiciais. Deve-se saber o que delas
esperar com base no conhecimento
cientí\co penal. Não se deve aceitar,
en\m, respostas sem tal lastro, sob
pena, também, do Direito Penal
também se evidenciar como frágil ou
sobre terreno movediço.

——————————–

1 Cf., sobre a responsabilização da

pessoa jurídica no Brasil, SALVADOR


NETTO, Alamiro Velludo
. Responsabilidade penal da pessoa
jurídica. São Paulo: Thomson Reuters,
2018, p. 279 e ss.

2 Cf. p. 5 e ss.; SAAD-DINIZ, Eduardo.

Novos modelos de responsabilidade


empresarial: a agenda do direito penal
corporativo. In: SAAD-DINIZ, Eduardo;

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ADACHI, Pedro Podboi; DOMINGUES,


Juliana Oliveira (org.). Tendências em
governança corporativa e compliance.
São Paulo: LiberArs, 2016, p. 93 e ss.;
SAAD-DINIZ, Eduardo; LAURENTIZ,
Victória Vitti de; PRATA, Daniela
Arantes. Vitimização ambiental no caso
Samarco: violação de direitos humanos
e responsabilidade. Boletim IBCCRIM, v.
26, n. 304, 2018, p. 6-7.

3 BRASIL. Senado Federal. Relatório da

CPI de Brumadinho e outras barragens.


Apresentado em julho de 2019.
Disponível em:
<http://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento/download/acbe1dc
8-5656-419e-9ff5-9fcae27730e7>.
Acesso em: 22 jul. 2019.

4 Cf. La cassazione sul terremoto

dell’Aquila. Cass. Sez. IV. 19 novembre


2015, nº 12478/16, Pres. Izzo, Rel.
Dovere e Dell’Utri, P.G. in proc. Barberi e
a. Diritto Penale Contemporaneo.
Disponível em:
https://www.penalecontemporaneo.it/
d/4613-la-cassazione-sul-terremoto-
dell-aquila. Acesso em 17.02.2020. Cf.,
sobre a narrativa pormenorizada do

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caso, BENESSIA, Alice; DE MARCHI,


Bruna. When the earth shakes … and
science with it. The management and
communication of uncertainty in the
L’Aquila earthquake. Futures, Vol. 91,
2017, pp. 35-45. GALLUCCIO,
Alessandra. Terremoto Dell’Aquila e
responsabilitá penale. Nesso causale
ed addebito di colpa nelle sentenza
‘Grandi Rischi’. Tribunale dell’Aquila, 22
ottobre 2012 (dep.19.01.2013), n.380.
Dirito Penale Comtemporaneo, pp. 191
e ss. Disponível em: http://dpc-rivista-
trimestrale.criminaljusticenetwork.eu/
pdf/DPC_Trim_01_2014-195-219.pdf.
Acesso em 16.01.2020. MENDES,
Paulo de Sousa. Causalidade complexa
e prova penal. Coimbra: Almedina,
2018, pp. 344 e ss.

5 Na concepção de Sousa Mendes,

tem-se a condenação de seis cientistas


e o vice-presidente do Departamento
Nacional de Proteção Civil italiano, em
2012, a penas de seis anos de prisão
por terem induzido a população a um
falso sentimento de segurança nas
vésperas do fatídico terremoto de
2009, que veio a matar 37 pessoas e
ferir inúmeras outras. Em graus

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Brumadinho e Áquila: o problema das imputações penais ambientais - JOTA Info 22.01.20, 14(31

superiores, os cientistas foram


absolvidos e o representante do Poder
Executivo condenado. MENDES, Paulo
de Sousa. Op. cit., pp. 345 e ss.

6 Vide a p. 259 do Relatório da CPI de

Brumadinho e outras barragens, citado


em nota anterior.

7 Cf. GALLUCCIO, Alessandra. Op. cit.,

pp. 193 e ss.

8 BENESSIA, Alice; DE MARCHI, Bruna.

Op. cit., p. 42-43.

9 Trata-se do órgão correspondente à

atual Agência Nacional de Mineração.

10 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge.

Direito penal empresarial: a omissão do


empresário como crime. Belo
Horizonte: D’Plácido, 2016, p. 151.

11 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge.

Op. cit., p. 156.

12 Sobre o problema do nexo de

causalidade nos cursos causais


salvadores, mais recentemente,

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Brumadinho e Áquila: o problema das imputações penais ambientais - JOTA Info 22.01.20, 14(31

PUPPE, Ingeborg. A causação por meio


do impedimento de cursos salvadores
e da omissão. Trad. Luiz Rossetto. In:
CAMARGO, Beatriz; MARTELETO,
Wagner (org.), Estudos sobre
imputação objetiva e subjetiva no
direito penal. São Paulo: Marcial Pons,
2019, p. 44. No que diz respeito às
diversas perspectivas no tema da
causalidade na omissão, veja-se
GRECO, Luís. Problemas de causalidade
e imputação objetiva nos crimes
omissivos impróprios. Trad. Ronan
Rocha. São Paulo: Marcial Pons, 2018,
p. 23.

RENATO DE MELLO JORGE SILVEIRA –


Presidente do Instituto dos Advogados de São
Paulo. Professor Titular da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo.
BEATRIZ CORRÊA CAMARGO – Professora
Adjunta da Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Uberlândia.

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