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Amazônia

(2020)

J.M. Poyer

ESTRATÉGIAS PARA A MANUTENÇÃO DA SEGURANÇA NO


PLANALTO DAS GUIANAS: implicações relativas à criação da 22º Brigada
de Infantaria de Selva.

POLÍTICA DE SEGURANÇA INTEGRADA DA AMAZÔNIA

INTRODUÇÃO

Com o presente trabalho analisaremos preliminarmente algumas ameaças que estão


presentes no espaço amazônico, apontando para a necessidade de serem
executadas ações conjuntas para que elas sejam efetivamente combatidas.

Em seguida, trataremos das formas de cooperação, em matéria de segurança e


defesa, já existentes, na região amazônica, através de operações policiais e
exercícios militares em andamento especificamente nas faixas de fronteira.

E, por fim, abordaremos as condições que tem viabilizado a construção de uma


política de segurança e defesa integrada entre os países amazônicos, sob a tutela de
uma organização internacional regional que na verdade já congrega todos estes
países.

AS NOVAS AMEAÇAS NO CONTEXTO DA AMAZÔNIA

A expressão “Novas Ameaças” foi cunhada, já no período pós-guerra fria, para


designar fenômenos ou ameaças de caráter não-militar que desafiam ou criam
problemas para a segurança dos Estados.2 Nesse contexto, temas como o terrorismo
internacional, as atividades de narcotráfico, o crime organizado internacional, o tráfico
ilegal de armas, a degradação do meio ambiente, o fundamentalismo religioso, a
pobreza extrema e as migrações internacionais, são comumente definidas como parte
do elenco das intituladas “novas ameaças”.
A despeito das chamadas “novas ameaças” não estarem bem esclarecidas,
exatamente por conta das diferentes formas como elas são percebidas pelos Estados,
o Governo brasileiro, por meio de sua Política de Defesa Nacional (PDN), demonstrou
estar atento às mudanças que a agenda de Segurança Internacional vem sofrendo.

Para Saint-Pierre, com o fim da tensão bipolar caracterizada pela Guerra Fria, de
forma a justificar os orçamentos de defesa, foram identificadas “novas ameaças” que
pudessem definir um novo papel das Forças Armadas.6 Na verdade, a ausência do
inimigo externo, anteriormente representado pela ameaça comunista, provocou
mudanças no pensamento estratégico das forças armadas da América do Sul. Estas
priorizaram a manutenção e ampliação do dispositivo militar ao longo de suas
fronteiras, não apenas como um imperativo baseado necessariamente na defesa
clássica da soberania de seus territórios, mas, também, para incrementar a vigilância
contra a ação da criminalidade organizada transnacional (drogas, armas,
terrorismo).7 Conforme o almirante Mário Cézar Flores, essas ameaças, classificadas
por ele como sendo de baixa intensidade ou subestratégicas, ocorrem com maior
probabilidade em fronteiras não desenvolvidas ou pouco controladas como é o caso
daquelas situadas na região amazônica.8

A região amazônica, por sua vez, corresponde às áreas drenadas pelas bacias dos
rios Amazonas, Araguaia-Tocantins, Orenoco, Essequibo, entre outros rios de menor
porte. De maneira geral, a Amazônia é considerada a região da América do Sul
coberta predominantemente por florestas tropicais. Geograficamente, cobre uma área
pouco maior que sete milhões de km², o que representa 5% da superfície terrestre do
globo. A Amazônia continental ocupa 50% da América do Sul, espalhada por nove
países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname
e Venezuela.9 Apesar da extensa dimensão, em termos populacionais, a região
congrega apenas 30 milhões de habitantes, o que representa 0,3% da população
mundial, tornando-a uma das regiões com menor densidade demográfica do planeta.

É neste ambiente de grandes proporções territoriais e de baixa densidade


demográfica, onde a ausência do Estado chega a ser uma regra e não exceção, que
identificamos a ação de grupos criminosos que se aproveitam da densa floresta para
acobertar suas atividades ilícitas, utilizando-se de rotas áreas, terrestres e fluviais
para transportar toda sorte de drogas, armas e munições. Além destes delitos, ainda
existem os crimes ambientais, a biopirataria, a extração ilegal de madeiras, entre
outras ameaças à região. O caráter transnacional desses delitos representa uma
ameaça real às soberanias dos Estados que compartilham as mesmas fronteiras do
espaço amazônico

Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a investigar as organizações


criminosas do tráfico de armas, de novembro de 2006 [...] O relatório também aponta
para uma acentuada conexão entre o tráfico de armas e o tráfico de drogas. No caso
do tráfico de armas, após várias operações realizadas na região, a Polícia Federal
identificou três rotas principais que atravessam a região amazônica: a primeira com
origem em Roterdã, na Holanda, entrando pelo Suriname, com passagem pelo Brasil,
segue para a Colômbia; a segunda sai do Panamá, entra pelo Brasil, segue para o
Paraguai e termina na Colômbia; e a terceira rota se originando na China, passando
pelo território brasileiro e seguindo para a Colômbia. O destino final tem sido a
Colômbia porque é onde tem hoje o maior número de compradores de armas.11

Outra ameaça que incide sobre a região é caracterizada pelo tráfico internacional de
drogas. Neste caso, o Brasil se apresenta como um dos paises de trânsito da cocaína
produzida na Colômbia, Peru e Bolívia, que tem como destino os grandes centros
consumidores de droga dos Estados Unidos e da Europa. [...] A maior parte da
cocaína é transportada pelo mar a partir da Argentina, Brasil, Colômbia, Equador,
Venezuela e Suriname até os principais portos europeus.
BRASIL. Relatório da CPI destinada a investigar as organizações criminosas do
tráfico de armas, nov. 2006. p.56, 57. Disponível em:
<http://www2.camara.gov.br/comissoes/temporarias/cpi/cpiarmas
/relatoriofinalaprovado. html> Acesso em: 20 abr. 2007.

JIFE. Informe da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, de 2006.


p.60. Disponível em: <http://www.incb.org/incb/index.html> Acesso em: 21 abr. 2007.

A COOPERAÇÃO REGIONAL DE SEGURANÇA E DEFESA

Em Relações Internacionais, dizemos que o sistema internacional é anárquico,


significando a não existência de uma instância superior e legítima que efetivamente
dite as regras de convivência entre os Estados, com poder de punir qualquer ato de
desobediência. [...] A disposição em cooperar sempre gera um custo para as partes
envolvidas, mas também pode produzir ganhos maiores.

A idéia de cooperação está presente na Política de Defesa Nacional (PDN). Nesse


sentido, a PDN identifica a região amazônica como sendo uma das áreas prioritárias
para efeito do planejamento da Defesa Nacional. Além disso, destaca a importância
de serem estabelecidos mecanismos de cooperação com os países vizinhos para
alcançar este objetivo:

Em virtude da importância estratégica e das riquezas que abrigam, a


Amazônia brasileira e o Atlântico Sul são áreas prioritárias para a Defesa
Nacional. Para contrapor-se às ameaças à Amazônia, é imprescindível
executar uma série de ações estratégicas voltadas para o fortalecimento da
presença militar, efetiva ação do Estado no desenvolvimento sócio-econômico
e ampliação da cooperação com os países vizinhos, visando à defesa das
riquezas e do meio ambiente.15 [grifo é do autor]

Em cumprimento desta diretriz, o Ministério da Defesa do Brasil tem coordenado


diversos exercícios militares com os países amazônicos vizinhos. O grande fator
motivador para esta aproximação está na convicção das partes de que existem
problemas comuns a serem enfrentados por meio de ações conjuntas, pois o caráter
transnacional das ameaças torna imperiosa a existência de uma efetiva cooperação.

No caso brasileiro, a atual infra-estrutura montada do Sistema de Vigilância da


Amazônia (SIVAM) tem contribuído sobremaneira para o cumprimento destas
operações.

A decisão conjunta de unir esforços na fiscalização dos rios comuns, na vigilância dos
espaços aéreos adjacentes às suas fronteiras, bem como na cooperação policial para
combater crimes transnacionais que ameaçam as soberanias dos países
amazônicos, representa um grande avanço nos arranjos de segurança regional. Além
dos resultados positivos, são fortalecidas as medidas de confiança mútua entre os
países vizinhos

POLÍTICA DE SEGURANÇA INTEGRADA DA AMAZÔNIA


Falar de Política de Segurança Integrada da Amazônia não é uma questão simples,
pois a sua discussão e elaboração envolve muita negociação entre os atores
responsáveis por ela; neste caso, os oito países que compartilham o mesmo espaço
amazônico, ainda que, em termos territoriais, tenham proporções bem diferentes.
Portanto, a convergência de interesses se apresenta como ponto de partida

Tratado de Cooperação Amazônica (TCA),

1º - a competência exclusiva dos países da região no desenvolvimento e


proteção da Amazônia;
2º - a soberania nacional na utilização e preservação dos recursos naturais e
a conseqüente prioridade absoluta do esforço interno na política de
desenvolvimento
das áreas amazônicas de cada Estado;
3º - a cooperação regional como maneira de facilitar a realização desses
doisobjetivos;
4º - o equilíbrio e a harmonia entre o desenvolvimento e a proteção ecológica;
e
5º - a absoluta igualdade entre os parceiros.25 [grifo do autor].

Por razões políticas, em uma das rodadas de negociação que antecederam a


assinatura do TCA, decidiu-se por deixar de fora qualquer menção para uma possível
cooperação na área da defesa. Na ocasião, os objetivos do TCA ficaram centrados
na colaboração para o desenvolvimento regional, com ênfase para a preservação do
meioambiente. 26 Na avaliação de Miyamoto, a timidez do TCA em tratar a questão
da defesa amazônica de forma ostensiva estimulou o governo brasileiro a criar o
Projeto Calha Norte, em meados da década de 80.

Em setembro de 2004, durante a VIII Reunião de Ministros das Relações Exteriores


dos países membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA),
o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, defendeu a partilha das
experiências obtidas através do Sistema de Vigilância da Amazônia/Sistema de
Proteção da Amazônia (SIVAM/SIPAM)30, enfatizando a segurança da Amazônia
como sendo uma prioridade.

A realização da I Reunião sobre Defesa e Segurança Integral da Amazônia da OTCA,


em julho de 2006, na cidade de Bogotá, sinaliza nesse sentido. [...] Os países
reconheceram que o caráter transnacional de delitos como o tráfico de drogas ilícitas,
de precursores químicos, de armas e munições, além da ação do crime organizado
com conexões internacionais representa uma ameaça comum que deve ser
enfrentada mediante estreita cooperação. Esta, por sua vez, deveria ser concentrada
nas zonas de fronteira.

Nesse contexto, por iniciativa do governo peruano, foi proposta a criação de uma
Comissão Especial sobre Defesa e Segurança Integral da Amazônia, com base no
previsto pelo Art. XXIV do TCA, que prevê a criação de comissões especiais para
tratar de problemas ou temas específicos do tratado, a semelhança de outras
comissões especiais como a de Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Turismo,
Educação entre outras.

O que também marcou a reunião dos ministros da Defesa dos países da OTCA foi a
disposição do governo brasileiro em compartilhar a experiência adquirida com a
implantação do projeto SIVAM/SIPAM. O Peru, a Colômbia e o Equador foram
unânimes em que o acesso ao sistema brasileiro de vigilância representaria uma
ferramenta útil para tornar mais efetiva a luta contra as ameaças comuns

Por outro lado, a Venezuela, objetivando uma maior autonomia, já havia anunciado,
no final de 2004, que pretendia criar seu próprio complexo de vigilância territorial, aos
moldes do SIVAM, que batizou de Sistema de Vigilância do Orinoco e Amazônia
(SIVORAM).

Na verdade, ainda não existe uma política de segurança integrada para a região que
possa balizar as ações conjuntas dos países amazônicos de forma mais eficaz.

O PROGRAMA CALHA NORTE: Redefinição das Políticas de


Segurança e Defesa nas Fronteiras Internacionais da Amazônia
Brasileira

RESUMO
O Programa Calha Norte (PCN) foi concebido na década de 1980, mas assumiu
novas configurações após sua retomada em 2003
COMPARAÇÃO ENTRE DOIS MOMENTOS DO PROGRAMA CALHA NORTE

OPrograma, apesar de possuir o mesmo nome desde sua concepção na década de


1980, não manteve uma mesma configuração em mais de duas décadas de
existência. [...] Particularmente, ressaltamos a diferença acentuada de motivações e
formato entre os anos finais da década de 1980 e o período de retomada do PCN, a
partir de 2003.

Em segundo lugar, uma das características que singularizam o período de retomada


do Programa Calha Norte na década de 2000 é a relação estabelecida entre o
comando definido desde cima pelo Estado central e as mediações efetuadas pelos
poderes municipais e estaduais

Por fim, a retomada do Calha Norte apresenta uma versão atualizada do binômio
segurança e desenvolvimento na Amazônia brasileira, em um contexto bastante
diferente daquele marcado pela doutrina de segurança nacional dos anos 1970.

motivações geopolíticas, a área de abrangência, a obtenção e o direcionamento dos


recursos, o órgão de comando e o nível de centralização.

O Programa Calha Norte começou a ser concebido em 1985, no momento de abertura


democrática e de transição do papel das Forças Armadas na política nacional. Novas
questões eram apresentadas naquele momento como problemáticas para a
administração da fronteira norte, entre elas, a proteção das comunidades indígenas,
a garimpagem de metais preciosos e o tráfico de drogas (Mattos, 1990, p. 106),
principalmente em Roraima, com o conflito entre garimpeiros e indígenas.

O contexto da Guerra Fria ainda vigorava como uma preocupação geopolítica para o
Estado brasileiro. Uma das principais justificativas para o PCN apresentadas pelo
Conselho de Segurança Nacional em 1985 era a possível “projeção do antagonismo
Leste-Oeste na parte norte da América do Sul” (Exposição de Motivos 018 apud
Oliveira, 1990, p.19), por meio das disputas fronteiriças envolvendo Venezuela,
Guiana e Suriname, da emergência de lideranças personalistas nos governos da
Guiana e do Suriname, da projeção dos movimentos revolucionários do Caribe e da
influência cubana (Oliveira, 1990, p. 19). Durbens Nascimento (2006, p. 100)
acrescenta ainda a permanência de reflexos do combate à guerrilha do Araguaia
como um dos motivos que mobilizavam as iniciativas das Forças Armadas na
Amazônia.

colonização e desenvolvimento, controle territorial e defesa nacional, e relações


bilaterais com os países vizinhos, embora este último objetivo tenha sido relegado
para o segundo plano.

O Programa Calha Norte (PCN) tem como objetivo principal contribuir com a
manutenção da soberania na Amazônia e contribuir com a promoção do seu
desenvolvimento ordenado. [...] Visa aumentar a presença do poder público na
sua área de atuação e contribuir para a Defesa Nacional.

O PCN busca desenvolver ações de desenvolvimento que sejam socialmente


justas e ecologicamente sustentáveis. Para isso, é indispensável respeitar as
características regionais e os interesses da Nação

Em primeiro lugar, a soberania e o desenvolvimento ordenado estão associados à


maior presença do Estado, que possibilita, por meio da assistência às populações,
“fixar o homem na região” – ideia que permanece como elemento simbólico do
controle combinado sobre o território e a população na Amazônia. Em segundo lugar,
existe a percepção de que os problemas que deram origem ao PCN se agravaram, o
que justifica a ampliação de sua área de abrangência para além da faixa de fronteira
da Calha Norte, definida inicialmente.

Em terceiro lugar, pode-se notar a incorporação de um discurso que valoriza questões


ambientais, justiça social e características regionais, o que pode ser interpretado
como uma tentativa de renovação da imagem conservadora tradicionalmente
vinculada às Forças Armadas.

A atual área de abrangência do PCN cobre 194 municípios, que correspondem à


totalidade dos municípios dos Estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima,
Amapá e ao entorno da Ilha de Marajó na porção norte do Estado do Pará. [...]
Atualmente, o PCN cobre 32% do território nacional. Dos 194 municípios atendidos,
96 estão situados na faixa de fronteira.

São duas dimensões de atuação do PCN: a “vertente militar”, que corresponde à


“Manutenção da Soberania e Integridade Territorial”, e a “vertente civil”, que
corresponde ao “Apoio às Ações de Governo na Promoção do Desenvolvimento
Regional” (Ministério da Defesa, 2007, p. 8) [...] São sete áreas temáticas de atuação
dos convênios: 1) infraestrutura social; 2) infraestrutura de transportes; 3)
infraestrutura econômica; 4) viaturas, máquinas e equipamentos; 5) esportes; 6)
educação e saúde e 7) segurança e defesa (Roppa,2007, p. 45).

Em 1990, o PCN sofreu uma acentuada redução de verbas e ficou limitado a ações
internas às Forças Armadas, como apoio à melhoria e à implantação de infraestrutura
militar na região amazônica, que ganhava cada vez maior importância nas políticas
de segurança e defesa.

A periodização proposta nesta pesquisa diferencia três momentos do PCN:

• 1) entre 1985 e 1989, período marcado pela concepção inicial do Programa,


pela transição do contexto político interno e externo, cujos marcos foram a
redemocratização e o fim da Guerra Fria, e pelo patamar relativamente elevado
dos investimentos;
• 2) entre 1990 e 2002, período de recursos escassos para as Forças Armadas
como um todo e especificamente para o PCN, quando a relação civil-militar foi
redefinida em novas bases, com destaque para o lançamento da Política de
Defesa Nacional (1996) e a criação do Ministério da Defesa (1998); e
• 3) a partir de 2003, período de retomada, principalmente em relação aos
recursos e à ampliação da área de abrangência.

As perspectivas do Calha Norte no primeiro e no segundo períodos podem ser


ilustradas por duas abordagens contrastantes, escritas em 1990 e 2003. Meira Mattos
(1990) enfatiza, principalmente, o aspecto de presença institucional na fronteira
amazônica, concebida como a ação direta dos agentes do governo central, em
particular das Forças Armadas. O Calha Norte, analisado ainda em seu início,
demonstrava a atualização da perspectiva de que as Forças Armadas e a diplomacia
eram as únicas instituições que mantinham uma preocupação permanente com as
fronteiras ao longo da história do Brasil. A segurança e o desenvolvimento da região
seriam obtidos por meio do povoamento em torno das unidades militares instaladas
e as Forças Armadas dariam suporte às populações locais por meio de sua
infraestrutura.
A resposta encontrada aponta as limitações do PCN e as inovações tecnológicas
propiciadas pelo Sivam. Lourenção se refere às limitações tanto de ordem
orçamentária, visto que, diferentemente da expectativa de Meira Mattos em 1990, o
PCN teve suas verbas drasticamente reduzidas entre 1990 e 2003; quanto de ordem
política e operacional, pois o PCN ficou estigmatizado como um projeto de
militarização da Amazônia, visto que cerca de 80% das verbas eram direcionadas
para os ministérios militares e os projetos eram tratados em caráter sigiloso.

CONTEXTO GEOPOLÍTICO

O período inicial do programa está situado justamente em uma transição entre dois
modelos e guardava ainda aspectos fortemente relacionados ao modelo geopolítico
anterior. Essa transição é verificada em diferentes escalas de análise

Em primeiro lugar, no plano global, o fim da Guerra Fria deu lugar a um sistema
internacional marcado pela supremacia militar dos Estados Unidos, pela expectativa
de uma governança global mais harmoniosa e multilateral e pela emergência de
novos temas na agenda global de segurança

Durante a década de 1990, crises humanitárias, problemas ambientais globais, tráfico


de drogas, criminalidade transnacional, imigração ilegal, estados falidos e proliferação
de armas nucleares se tornaram novas fontes de preocupação e motivos para o
engajamento dos Estados e das organizações internacionais em conflitos e
intervenções.

Para o Brasil, essa nova agenda global foi assimilada por meio das iniciativas de
proteção ambiental da floresta amazônica, da adesão aos regimes internacionais de
combate ao tráfico de drogas e não proliferação de armas nucleares.

Os países do norte andino – principalmente Peru, Colômbia e Bolívia, maiores


produtores de coca e cocaína – passaram a realizar, sob os auspícios dos EUA,
políticas de repressão com o objetivo de erradicar os cultivos ilícitos e combater a
produção de cocaína.

A Guerra às Drogas foi o resultado da difusão do discurso jurídico-político


transnacional em relação ao tráfico de drogas (Del Omo, 1990, p. 68) a partir da
experiência norte-americana, que se consolida como modelo dominante com a
Convenção da ONU em Viena, 1988. Além de ratificar a Convenção de Viena, o Brasil
estabelece nesse período diversos acordos bilaterais para “prevenção, controle,
fiscalização e repressão ao uso indevido e ao tráfico ilícito de entorpecentes e de
substâncias psicotrópicas” (MRE, 2009).

O direcionamento dos militares para a região amazônica ocorreu simultaneamente ao


processo de integração Brasil-Argentina. Enquanto a Argentina era tida como um
potencial inimigo, a preocupação geopolítica militar estava centrada na questão
platina

No plano nacional, a segunda metade da década de 1980 foi marcada pela abertura
política e pela descentralização do Estado, principalmente a partir da Constituição de
1988. [...] Política de Defesa Nacional (1996) [...] Ministério da Defesa (1998)

O processo de expansão da fronteira, sob a orientação do Estado central, se deparou


com o duplo desafio de atrair população para as terras devolutas e fixá-la como força
de trabalho sem dar-lhe a propriedade da terra (Machado, 1990, p. 109). A solução
em tempos autoritários foi a manipulação do espaço, por meio de políticas de
distribuição controlada de terras e seletiva de créditos agrícolas, somada à política de
desenvolvimento urbano (Machado, 1990, p. 109).

O sistema de povoamento regional da Amazônia sofreu uma retração dos


investimentos do governo federal, principalmente após 1984 (Machado, 1999, p.123).
Apesar disso, a população na região continuou crescendo, principalmente a
população urbana, processo que esteve mais relacionado com o crescimento urbano
das cidades já existentes do que com a criação de novos municípios (Machado, 1999,
p. 124). Após a Constituição de 1988, que retirou da União e restituiu aos Estados a
prerrogativa de conceder autonomia municipal, houve um aumento explosivo no
número de municípios na Amazônia (Machado, 1999, p. 130). A questão então
passou a ser como garantir as condições econômicas necessárias para o
desenvolvimento local e para uma gestão autônoma dos
municípios amazônicos.
A delimitação tradicional entre esferas de atuação dos agentes estatais no controle
do território tende a ser substituída pela imbricação de agências que operam de forma
combinada sobre temas transversais e muitas vezes combinam esferas públicas e
privadas/ não governamentais. Essa tendência ocorre também na cooperação
internacional: agentes de diferentes países podem atuar de formas combinadas
através de conexões que não percorrem todos os níveis hierárquicos do Estado. [...]
“arquipélagos institucionais”

“É preciso redes para enfrentar redes” – reconhecem Arquilla e Ronfeldt (2001, p. 15)
[...] Isso não significa somente o uso de novas tecnologias em rede, mas sim a
capacidade de inovar nos modos de organização, com a formação de novos
mecanismos interagências, interserviços, multijurisdicionais e de cooperação
transnacional (Ronfeldt, 2003, p. XVII). Apesar da supervalorização da dimensão
cibernética e tecnológica, é o aspecto organizacional das redes que determina sua
operabilidade, por meio da comunicação e da coordenação dos agentes, desde o
compartilhar de informações até operações táticas conjuntas.

CONTROLE ESTATAL E MEDIAÇÕES LOCAIS

A justificativa social do PCN passa a incorporar interesses locais, fazendo com que
agentes dos governos municipais e estaduais se mobilizem para obter verbas que
possam ser incorporadas ao Programa. Em 2007, foram R$ 136,5 milhões liberados
por emendas individuais, R$ 13 milhões por comissões e R$ 271,5 milhões pelas
bancadas dos estados cobertos pelo PCN (Ministério da Defesa,
2007, p. 2).

O aumento das verbas recebidas pelo Programa Calha Norte está diretamente
relacionado à ampliação do número de convênios e a ampliação da vertente civil das
ações do programa. A partir de 2005, as verbas são discriminadas entre “recursos do
MD” e “emendas parlamentares”, sendo que esta última representa a maioria do
montante destinado ao PCN. A introdução de “emendas parlamentares” no orçamento
do programa explica o boom de recursos disponíveis nos últimos três anos.

A mudança fica evidente se compararmos à centralização característica de


programas federais nas décadas de 1970 e 1980. Se antes a relação vertical se
estabelecia como uma via única – de cima para baixo –, atualmente o
desenvolvimento institucional local e a perda de influência política das Forças
Armadas na política nacional propiciam situações de negociação entre as partes

A leitura dos Relatórios de Situação (2003-2007) permite verificar essa mudança,


embora sua quantificação seja difícil de estabelecer. Segundo os Relatórios, existe
um montante total destinado pela Lei Orçamentária Anual (LOA) que inclui uma parte
das verbas alocadas diretamente ao Ministério da Defesa e outra parte alocada a
partir de Emendas Parlamentares. Somente uma porcentagem dos créditos alocados
pela LOA é liberada pelo Ministério da Defesa, sendo distribuídos entre as ações do
programa referentes ao próprio ano e os restos a pagar dos anos anteriores. Portanto,
a definição do valor total destinado a cada ação ou vertente é variável, embora seja
notável o aumento dos recursos destinados à vertente civil, bem como sua
importância em relação aos recursos da vertente militar (ver Gráfico 2 e Tabela 1).
Entre as Forças Armadas, o Exército é o que recebe o maior montante.

O número de convênios e de municípios envolvidos aumentou consideravelmente


entre 2003 e 2007, saindo de um patamar de 9 para 63 municípios, entre 2003 e 2006.
Nesse período, nenhum estado concentrou fortemente a maioria dos convênios,
havendo alternância ao longo dos anos. Os estados do Amapá e de Roraima
possuem convênios em todos os municípios. O valor total empenhado nos convênios
é superior em Roraima e no Acre, enquanto o Pará é o menos favorecido tanto em
número de municípios conveniados quanto em valores totais

Embora o montante destinado a cada município não seja tão expressivo nas contas
municipais, as verbas do PCN são muito requisitadas devido à maior facilidade dos
trâmites necessários para sua obtenção.

Ao analisarmos as verbas destinadas a cada vertente do Programa Calha Norte,


verificamos que as ações da vertente militar se referem, principalmente, à
infraestrutura das Organizações Militares (OM) presentes na região, podendo
também servir às atividades de assistência às populações locais

Na vertente militar, a presença das Forças Armadas nos municípios e localidades


justifica os investimentos. As verbas são destinadas à manutenção de aerovias,
rodovias, embarcações, portos e pequenas centrais elétricas, implantação de
unidades militares, infraestrutura dos Pelotões Especiais de Fronteira e infraestrutura
básica local. O apoio às comunidades do Calha Norte é realizado por meio de Ações
Cívico Sociais, apoio às comunidades indígenas e às comunidades dos municípios
mais carentes da região.

Na vertente civil, os municípios do estado de Roraima aparecem como os principais


receptores, seguidos pelo Acre. Na vertente militar, os principais receptores são as
capitais estaduais Manaus-AM e Belém-PA, sedes dos comandos das Forças
Armadas

A hipótese sobre a relação entre gastos civis e militares é de que as ações de apoio
à infraestrutura civil executadas diretamente pelas Organizações Militares ocorrem
em municípios com pouca capacidade de captação de recursos por outras vias
institucionais. Em alguns casos, as comunidades mais isoladas acabam dependendo
das ações sociais das Forças Armadas, um dos poucos agentes estatais com
capacidade logística de atendê-las. [...] Essa hipótese é reforçada ainda pelo papel
desempenhado pelos militares junto às populações indígenas.

Outra ideia recorrente é a necessidade de atuação do Estado nos vazios


demográficos da Amazônia. Entre os municípios atendidos pelas OM, seis estão entre
os 20 municípios de menor densidade demográfica da área do PCN.

O peso do estado de Roraima no direcionamento das verbas destinadas à vertente


civil do PCN pode ser explicado pelo papel dos militares na disputa, vigente nos
últimos anos, em torno da demarcação em área contínua da Reserva Indígena
Raposa/Serra do Sol. Vários setores das Forças Armadas se manifestaram
contrariamente à demarcação em área contínua, com o argumento de que a reserva
indígena na faixa de fronteira poderia representar uma ameaça à soberania brasileira.
As negociações políticas para a concretização da demarcação em área contínua
dependem das contrapartidas do governo brasileiro para atender aos interesses das
partes envolvidas. Recentemente, o Governo Federal transferiu cerca de seis milhões
de hectares da União para o estado de Roraima, como forma de compensar as perdas
territoriais com a demarcação das terras indígenas. No caso dos militares, a garantia
da permanência das unidades militares e a ampliação do número de Pelotões
Especiais de Fronteira nas terras indígenas neutralizaram as posições radicalmente
contrárias.
NAVEGANTES, BANDEIRANTES, DIPLOMATAS

CAPÍTULO VII – RIO AMAZONAS: A Froteira Conquistada.

A DESCIDA DE FRANCISCO DE ORELLANA


O litoral norte da América do Sul no trecho hoje brasileiro e guianense não foi ocupado
no século XVI: apresentando dificuldades para o estabelecimento humano, com
costas quase desérticas no Ceará, de baixios nas proximidades do delta amazônico
e de mangues nas Guianas, não revelou, ademais, nada que estimulasse a conhecida
ambição dos espanhóis e portugueses quinhentistas

Estes últimos, no primeiro século, mal conseguiam consolidar os núcleos urbanos


com que haviam salpicado a costa leste, de São Vicente (1532) a Olinda (1535).
Aqueles, depois de chegarem ao México (1514) e ao Peru (1527), o que queriam era
assegurar‑se da riqueza surpreendente dos astecas e dos incas; encontrariam, pouco
depois, em 1554, o célebre cerro de Potosí, donde sairiam as milhares de toneladas
de prata que iriam revolucionar a economia europeia.

Talvez por isso, pelo abandono dessa região litorânea, a primeira navegação
completa do Amazonas foi realizada a partir dos Andes e não, como se imaginaria, a
partir do delta marajoara, a entrada natural do continente. Feito excepcional para a
época, foi obra de um dos veteranos da conquista do Peru, Francisco de Orellana,
lugar‑tenente de Gonzalo Pizarro, Governador de Quito (irmão de Francisco Pizarro)

“como se fossem seus capitães”. Eram mulheres “muito alvas e altas, com o cabelo
comprido, entrançado e enrolado na cabeça. São muito membrudas e andam nuas
em pelo, tapadas as suas vergonhas, com seus arcos e flechas nas mãos, fazendo
tanta guerra como dez índios [...] “de tempos em tempos [...] quando lhes vem aquele
desejo [...] Se têm filhos os matam e mandam ao pai; se é filha a criam com grande
solenidade e a educam nas coisas da guerra”

Depois dessa primeira viagem, Orellana, já com o título de “Governador e


Capitão‑General das terras que descobrisse”, organizou na Espanha, em 1546, uma
expedição para conquistar e povoar a região. Se tivesse tido êxito, talvez a Amazônia
toda fosse hoje dos herdeiros dos espanhóis; mas fracassou. Desde o início, a má
sorte o acompanhou. Já nas proximidades de Cabo Verde, perdeu 98 dos trezentos
tripulantes. Uma das naus desapareceu para sempre, perto da costa norte do Brasil.
Finalmente, o próprio conquistador, tentando negociar os baixios da foz do Amazonas
e ir à ilha Margarita, onde pensava refazer sua frota, foi flechado e morto pelos índios.

“Enterrado ao pé de uma das velhas árvores dos bosques sempre verdes, banhados
pela corrente do majestoso rio que havia descoberto, encontrava por fim repouso a
seus afãs e fadigas no meio daquela luxuriante natureza, que era digno sepulcro do
seu nome imorredouro”

A SUBIDA DE PEDRO TEIXEIRA

A viagem de Pedro Teixeira teve também como cronista um religioso espanhol. Desta
vez, o jesuíta Cristóbal de Acuña, que acompanhou a navegação de regresso desde
Quito, aonde chegara Teixeira, até Belém. Curiosamente, o Padre Acuña, bom
observador e bom escritor (ao contrário de Carbajal, prolixo e desatento, segundo
Melo Leitão), nada fala de Franciscana. Talvez, por ser espanhol e escrever depois
da separação das Coroas, tivesse o interesse patriótico de omitir um fato que poderia,
no futuro, ser alegado - como realmente o foi - como prova da ocupação portuguesa.
É certo que tinha preocupações com a expansão portuguesa na Amazônia, nítidas na
memória que, após a viagem, escreveu ao seu rei, aconselhando‑o a ocupar todo o
vale do rio. Com bons argumentos, aliás: impedir que se criasse uma porta amazônica
para o contrabando de metais, obter uma saída atlântica para as possessões
espanholas e prevenir uma possível aliança na região dos portugueses com os
holandeses, inimigos da Espanha; “pois se unidos com o holandês, como o estão
muitos do Brasil, intensificassem semelhante atrevimento, já se vê o cuidado que
poderiam dar”190. Mas, felizmente para a formação territorial do Brasil, o rei da
Espanha não ouviu o Padre Acuña. Certamente não considerava aquela região “a
mais importante daquele novo mundo descoberto”191, como afirmava com exagero
o jesuíta.

POVOAMENTO
Assegurados alguns pontos básicos da bacia amazônica, percebeu a metrópole que
teria dificuldades em ocupá‑la sem a ajuda da Igreja: “desde os primeiros tempos,
verificada a existência de multidões infinitas de tabas indígenas, das mais variadas
famílias, o que permitiu a impressão de que se estava numa nova Babel, apelou o
Estado para a cooperação das Ordens Religiosas”192. E, assim, a partir de 1657,
quando jesuítas fundaram seu primeiro estabelecimento do rio Negro, foram os
religiosos criando missões nas margens de vários rios da bacia do Amazonas.
Principalmente jesuítas, mas também franciscanos, carmelitas, capuchinhos e
mercedários.
Ernani Silva Bruno, no volume sobre a Amazônia de sua História do Brasil, dá o título
expressivo de “Droga, índio e missionário” ao capítulo que trata da ocupação dos
vales dos rios da bacia amazônica entre 1640 e 1755, isto é, aproximadamente
entre a viagem de Pedro Teixeira e as demarcações do Tratado de Madri. Tem razão,
pois nesse período o que se vê principalmente é o entrelaçamento desses três
fatores. A obra de catequese religiosa, fundamental para a ocupação portuguesa da
Amazônia, foi realizada nas missões; integradas por nacionais e apoiadas pela Coroa,
agiam como representantes dos interesses de Portugal. Mas, sem as “drogas do
sertão”, não haveria base econômica para se estabelecer permanentemente; prova
disso é que as missões que prosperaram foram as que tiveram sucesso na exploração
dessas especiarias americanas, valorizadas ainda mais no século XVIII, quando já
estavam perdidas as possessões portuguesas no Oriente.
Uma observação agora sobre o papel do Estado: a ocupação da Amazônia não foi
apenas consequência da geografia, que proporcionou aos portugueses, após a
fundação de Belém, o acesso à magnífica avenida da penetração e às estradas
fluviais dos afluentes do grande rio; nem foi somente obra dos indivíduos, cujos
interesses, espirituais ou materiais, os levaram a entrar naquele imenso sertão
florestal. A conquista da Amazônia teve sempre, em escalas variáveis no tempo e no
espaço - mais nítida no norte, menos no sul - a orientação e o apoio da Coroa
portuguesa.

Nem por isso, todavia, deve deixar‑se de aceitar a tese de que a expansão e a
consequente criação da base física foi empresa estatal. A série de cartas
régias, de instruções menores que se expediram de Lisboa, concertando uma
política decisivamente voltada para a ampliação territorial, não admite dúvidas
a respeito194.
INTEGRAÇÃO INTERNACIONAL E POLÍTICAS PÚBLICAS DE
DEFESA E SEGURANÇA NA FRONTEIRA SETENTRONAL
AMAZÔNICA: Reflexões sobre a condição fronteiriça amapaense1

Eliane Superti e Gutemberg Vilhena Silva

RESUMO

Este artigo analisa o atual cenário político-econômico da Amazônia setentrional


brasileira, especificamente a fronteira internacional entre Amapá (Brasil) e Guiana
Francesa (França). O objetivo foi apresentar os processos de integração na fronteira
internacional e discutir os impactos das politicas públicas de defesa nacional na região
lindeira

As fronteiras internacionais da Amazônia brasileira, objetos de análises clássicas


como zonas de contenção e defesa, assumem modernamente papel estratégico como
áreas de interação política e integração econômica

Na política econômica interna, o governo brasileiro adotou como diretriz para os


Planos Plurianuais (PPA’s) a inserção competitiva do País via integração sul-
americana e modernização produtiva com redução do “custo Brasil2” pela eliminação
dos pontos de estrangulamento da cadeia produtiva e comercial. Os PPA’s, a partir
do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), foram portadores de uma
diferença importante em relação às políticas territoriais do período anterior: traçavam
linhas de intervenção com a pretensão de integrar o Brasil à América do Sul, abrindo
mercados do Atlântico ao Pacífico por meio dos Eixos Nacionais de Integração e
Desenvolvimento (ENID’s).

Além disso, o processo de aproximação dos países sul-americanos exigiu o


estabelecimento de novos mecanismos de controle territorial que considerem o
processo de interação nas fronteiras.

No bojo dessas discussões, a Amazônia emerge como um espaço estratégico para a


efetivação da integração de redes logísticas e técnicas (rodovias, pontes binacionais,
sistemas de telecomunicações – todos em conexão) e também a ser palco de
importantes ações de defesa nacional, tornando-se prioridade na Politica de Defesa
Nacional (PDN)

• Primeiro porque é através da região amazônica que o país tem conexão física
com seis4 outros Estados sul-americanos e com a Guiana Francesa –
Departamento Ultramarino Francês –, o que torna suas fronteiras
internacionais peças-chave no processo de integração física.
• Segundo, a região amazônica mais uma vez é encarada como fronteira de
recursos, que apresenta grande potencial para exploração econômica e
atratividade do grande capital e das redes internacionais, principalmente para
a exploração mineral, mas também, mais recentemente, para o petróleo e a
hidroenergia.
• Por último, considerando a grande dimensão de suas fronteiras, a
intensificação das rotas ilícitas do tráfico e os crimes internacionais.

POLÍTICAS DE DEFESA E SEGURANÇA NAS FRONTEIRAS AMAZÔNICAS

Primeiramente, o aumento da presença militar, pois o reforço de efetivos de 3,3 mil,


em 1998, para 30 mil, em 2009, foi bastante significativo, embora represente apenas
10% do efetivo nacional (NASCIMENTO, 2010). Além disso, é importante considerar
que o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), ainda em
planejamento, prevê alcançar 35 mil efetivos na região até 2019, além da criação de
mais 28 Pelotões Especiais de Fronteira: hoje são 20 em toda a região amazônica.
Para além do Programa Calha Norte (PCN) e do Sistema de Proteção na Amazônia
(SIPAM), já presentes no contexto amazônico, o SISFRON deverá dotar a força
terrestre, ou seja, o exército de equipamentos de alta tecnologia de monitoramento,
treinamento e deslocamento, integrando as unidades de fronteira antes isoladas.

A segunda estratégia presente nas políticas de defesa e segurança responde à


necessidade de vivificação dessas fronteiras e à promoção do desenvolvimento
regional das cidades na área lindeira. Isso porque elas se tornaram peças-chave do
processo de integração, sendo também elo importante na cadeia de rotas ilícitas e no
mapa de crimes que se distribuem pela Amazônia.
A nova PDN representou um importante avanço no combate aos crimes
transfronteiriços5, uma vez que reconheceu que a segurança pública deveria, em
alguns casos, ser tratada como uma questão de segurança nacional e defesa do País.
O surgimento do que se convencionou chamar de novas ameaças6 no período Pós-
Guerra Fria deu o tom do novo enfoque.

Segundo Nascimento, a problemática da defesa e da segurança nacional nunca foi


tratada em planos e políticas públicas com tanta proximidade com a segurança
pública como se vê na Estratégia Nacional de Fronteira – ENAFRON (NASCIMENTO
et al., 2013). Os militares passaram a dar maior importância ao narcotráfico, apesar
de ser este, anteriormente, tema de competência da Polícia Federal. Sua relevância,
do ponto de vista nacional e transnacional, fez suscitar no Ministério da Defesa (MD)
o interesse em buscar alianças junto ao Legislativo, a fim de mudar as regras do jogo
e inserir em suas estratégias as Forças Armadas no combate aos ilícitos na fronteira,
o que, em tese, seria mais fácil para elas, uma vez que já se faziam presentes
fisicamente nas fronteiras, através de Pelotões de Fronteiras – PEFs.

Com a Lei Complementar nº 136, de 25 de agosto de 2010, o Exército, a Marinha e a


Força Aérea adquiriam poder de polícia para combater os ilícitos transfronteiriços.

As políticas públicas estatais, desse modo, denotam uma tentativa de se estabelecer


uma execução conjunta entre diferentes ministérios no combate aos delitos
tranfronteiriços. [...] A conexão em redes geográficas do espaço amazônico não
avança, portanto, à revelia das questões geopolíticas.

A CONDIÇÃO FRONTEIRIÇA AMAPAENSE

Zona da tríplice fronteira – Brasil/Guiana/Suriname7 –, o Amapá tem uma condição


singular de espaço geográfico que é, simultaneamente, estratégica e periférica
(PORTO, 2010). Sua configuração estratégica, por um lado, é decorrente de sua
posição fronteiriça com um território francês, a Guiana Francesa, único caso no
mundo de interface de um território físico europeu com um sul-americano.

Outro aspecto importante da condição estratégica é sua posição litorânea com


acessibilidade através do rio Amazonas a navios de grande calado ao porto da cidade
de Santana, a 30 minutos da capital, Macapá.
Sua condição periférica, por outro lado, é fruto da distância dos grandes centros
econômicos e políticos nacionais e de seu isolamento geográfico. Neste último caso,
considera-se a ausência de acesso rodoviário. Tal condição é agravada pela
fragilidade estrutural de sua economia pouco diversificada, cuja base é o extrativismo
e a exportação de commodities, numa de suas bases, e na forte presença do poder
público na oferta de empregos, na outra base. [...] mesmo que tenham ocorrido
tentativas de dinamização do comércio amapaense, por meio da criação de
alternativas como a implantação da área de livre comércio de Macapá e Santana
(ALCMS). Essa condição se acentua também pela escassez de recursos humanos
qualificados, especialmente na área tecnológica, e pelas debilidades de qualificação
local.

O Estado do Amapá é ainda marcado por características especificas de sua condição


de exTerritório Federal. A principal delas diz respeito ao controle de suas terras. Seis
esferas institucionais atuam sobre o uso e a ocupação dessas terras: INCRA, Estado
Federal, FUNAI, IBAMA, Exército e Marinha. De acordo com os dados levantados
junto à Secretaria de Estado do Meio Ambiente em 2013, as terras públicas estão
distribuídas entre o controle da FUNAI, 11.498 km2, do IBAMA, 56.453 km2, e do
INCRA com 73.764 km2, sendo que apenas 40.605 km2 está sob o controle do
Instituto de Meio Ambiente e Ordenamento Territorial do Amapá, em um total de
143.453,7 km2

Essa divisão implica em que a maior porção das terras públicas está sob a
administração de órgãos federais, o que limita consideravelmente a capacidade do
Estado do Amapá em promover seu ordenamento territorial. Soma-se a isso o fato de
que atualmente 72% do território do Estado são protegidos pela demarcação de terras
indígenas (10%) e pela criação de áreas de proteção ambiental estadual, federal e
privada (62%)

A região fronteiriça da Amazônia setentrional está inserida no contexto político


estratégico do Arco Norte, empreendido desde o governo FHC. Nesse eixo se
pretendeu potencializar a conexão internacional do Brasil com a América do Sul
através da Venezuela, do Suriname, da Guiana e da Guiana Francesa, tendo a
expansão dos investimentos em infraestrutura por parte do governo brasileiro, com
aporte também dos países citados, como meio de impulsionar a inserção geopolítica
e geoeconômica do Brasil nesse subcontinente

Para a efetivação dessa estratégia, o governo valorizou essa parte do território


nacional patrocinando a estruturação de uma rede logística que envolve sofisticados
sistemas de comunicação, investimentos no setor energético, pavimentação de
rodovias, construção de ponte binacional e modernização de porto e aeroporto.

A construção da infraestrutura de transporte, comunicação e logística nessa parte da


Amazônia brasileira atende às diretrizes estratégicas presentes nos ENID’s, indo além
da esfera nacional, favorecendo a fluidez do capital internacional por meio das redes
técnicas que hoje operam no território dessa porção amazônica, como é o caso da
ligação rodoviária (Mapa 3).

No Amapá, a perspectiva de integração com o Escudo das Guianas tem acentuado


uma nova dinâmica econômica com o acirramento do mercado de terras, a abertura
de áreas com cultivos agrícolas para exportação, como é o caso da soja8, que já
começa a ser cultivada no Estado, e um novo ritmo das relações comerciais com os
mercados internacionais com densidade para minérios – principalmente ferro, ouro e
cromo – e também produtos do extrativismo vegetal, como arroz, que possui tradição
histórica nas exportações do Amapá.

Novas expectativas se formam, ainda, com a possibilidade de exploração de petróleo,


que está sendo prospectado na costa litorânea do Amapá. Esse movimento tende a
impor ao Estado e aos seus municípios a implantação e a reestruturação de suas
infraestruturas, bem como suas logísticas para assegurar sua efetiva participação no
movimento do capital. Esse conjunto de obras envolve o asfaltamento, a construção
e a recuperação de vias de comunicação (ferrovias e rodovias estaduais e
municipais), além da ampliação e modernização de bens e serviços públicos, como
saúde, educação, urbanização, saneamento básico, dentre outros.

Vale lembrar que a fronteira setentrional não se refere somente à conexão física com
a América do Sul. A proximidade física com a Guiana Francesa tem estimulado
acordos de cooperação entre Brasil e França, ou seja, entre um país europeu e um
sul-americano. Esta conexão dos dois países representa para o Brasil a interação
com a zona do Euro; a conexão com o espaço da Organização do Tratado do Atlântico
Norte (OTAN); e a proximidade com uma área científica de ponta, pela estação
espacial de Kourou na Guiana Francesa, que é integrante de estratégias científicas
da União Europeia

• Programa Operacional Amazônia (POAmazônia) e o INTERREG IV (SANTOS,


2013). Aprovado pela Comissão Europeia em 2008, o POAmazônia, por um
lado, tem por objetivo estratégico a cooperação transfronteiriça com os
parceiros franceses na América do Sul, ou seja, Suriname, e os Estados
brasileiros do Amapá, do Amazonas e do Pará.
• O INTERREG IV, aprovado para o período de 2007 a 2013, tem, por outro lado,
foco em três eixos: 1) projetos transfronteiriços; 2) projetos transnacionais e 3)
projetos inter-regionais

No Amapá, a vertente civil do PCN atuou, entre 1996 a 2011 (BRASIL, 2013), em 6
municípios, a saber: Calçoene, Ferreira Gomes, Laranjal do Jari, Oiapoque, Pracuúba
e Serra do Navio. Os investimentos somam R$17.328.550,66 e foram destinados a
equipamentos urbanos como escolas, creches, centros esportivos, além de
pavimentação de vias públicas e demais obras de urbanização.

A presença militar é outro componente relevante dessa configuração da fronteira


amapaense. O Estado conta com um Comando de Fronteira e o 34º. Batalhão de
Infantaria de Selva na capital. No Oiapoque, com um Batalhão de Infantaria de Selva;
em Clevelândia do Norte com um Pelotão de Fronteira, em Vila Brasil. O efetivo será
reforçado com a implantação da Brigada de Selva pelo SISFRON no Amapá, em 2014

FRONTEIRA INTERNACIONAL DA AMAZONIA SETENTRIONAL COM A GUIANA


FRANCESA: a cidade de Oiapoque.

Na fronteira internacional do Amapá, o Oiapoque é o Município com maior intensidade


de ações de interface com o outro lado do limite internacional, contando com a
presença dos equipamentos militares de defesa e segurança no seus espaço, sendo
o único que possui sede e cidade-gêmea na linha de fronteira.

O Município foi criado em 1945, ainda na época do Território Federal, sendo sua
condição de fronteira internacional com o território francês determinante para a
ocupação por meio da colonização induzida por políticas e estratégias geopolíticas
de segurança e defesa nacional, como a construção da BR 156. A estrada foi de
grande importância para garantir a presença brasileira na região. A partir de um
posicionamento geopolítico, o Estado nacional buscou integrar a fronteira do extremo
Norte, garantindo um processo de povoamento, com a presença militar – concentrada
em Clevelândia do Norte – e a ligação da região ao centro dinâmico da economia
amapaense, concentrado na capital Macapá.

Contudo, passado mais de meio século de criação, a precariedade da infraestrutura


da cidade é um fato incontestável. As vias públicas do núcleo urbano, em sua maioria,
não são asfaltadas, as construções habitacionais são precárias e irregulares e o
saneamento básico inexiste. Os serviços públicos de saúde, educação e segurança
pública são débeis e refletem a fragilidade do poder local em atender às necessidades
básicas da população.

O poder municipal ainda sofre pela virtualidade de sua capacidade de gestão


territorial, pois suas terras (22.625,00Km2) estão sob jurisdição federal e separadas
entre áreas de proteção ambiental, como o Parque Nacional Montanhas do
Tumucumaque (PNMT) e o Parque Nacional do Cabo Orange (PNCO), além das
terras indígenas Galibi, Juminá (Galibis e Karipunas) e Uaçá (Karipunas). Restam,
para real domínio admirativo do Município, apenas 6.437,00 km2.

O movimento de integração da fronteira com a Guiana Francesa, simbolizado


principalmente pela construção da ponte binacional sobre o rio Oiapoque e pelo
asfaltamento da BR-156, tem impactado de modo significativo o núcleo urbano.

A vantagem da moeda Euro em relação ao Real incentivou o crescimento do


comércio, principalmente de bares, restaurantes, pousadas e hotéis de baixo padrão.
O crescimento desses setores tem também íntima ligação com a exploração da
prostituição.

GEOPOLÍTICA DA AMAZONIA

BERTHA K. BECKER

De início, cabe uma pequena explanação sobre geopolítica: trata-se de um campo de


conhecimento que analisa relações entre poder e espaço geográfico
Embora os interesses econômicos prevalecessem, não foram bem-sucedidos, e a
geopolítica foi mais importante do que a economia no sentido de garantir a soberania
sobre a Amazônia, cuja ocupação se fez, como se sabe, em surtos ligados a
demandas externas seguidos de grandes períodos de estagnação e de decadência.

A geopolítica sempre se caracterizou pela presença de pressões de todo tipo,


intervenções no cenário internacional desde as mais brandas até guerras e
conquistas de territórios. Inicialmente, essas ações tinham como sujeito fundamental
o Estado, pois ele era entendido como a única fonte de poder, a única representação
da política, e as disputas eram analisadas apenas entre os Estados. Hoje, esta
geopolítica atua, sobretudo, por meio do poder de influir na tomada de decisão dos
Estados sobre o uso do território, uma vez que a conquista de territórios e as colônias
tornaram-se muito caras.

Verifica-se o fortalecimento do que se chama de coerção velada. Pressões de todo


tipo para influir na decisão dos Estados sobre o uso de seus territórios.

Há, hoje, portanto, dois movimentos internacionais: um em nível do sistema


financeiro, da informação, do domínio do poder efetivamente das potências; e outro,
uma tendência ao internacionalismo dos movimentos sociais. Todos os agentes
sociais organizados, corporações, organizações religiosas, movimento sociais etc.,
têm suas próprias territorialidades, acima e abaixo da escala do Estado, suas próprias
geopolíticas, e tendem a se articular, configurando uma situação mundial bastante
complexa.

Já há na região resistências à apropriação indiscriminada de seus recursos e atores


que lutam pelos seus direitos. Esse é um fato novo porque, até então, as forças
exógenas ocupavam a região livremente, embora com sérios conflitos.

Com as resistências regionais os conflitos na região alcançam um patamar mais


elevado. Não se trata mais apenas de conflito pela terra; é o conflito de uma região
em relação às demandas externas. Esses conflitos de interesse, assim como as
ações deles decorrentes contribuem para manter imagens obsoletas sobre a região,
dificultando a elaboração de políticas públicas adequadas ao seu desenvolvimento

Para que se possa mudar esse padrão de desenvolvimento é necessário entender os


diferentes projetos geopolíticos e seus atores, que estão na base dos conflitos, para
tentar encontrar modos de compatibilizar o crescimento econômico com a
conservação dos recursos naturais e a inclusão social.

A AMAZÔNIA E A MERCANTILIZAÇÃO DA NATUREZA

A dinâmica regional recente

No final do século XX, houve, portanto, impactos negativos, mas também mudanças
estruturais e novas realidades geradas na fronteira, Dentre as mudanças, destaca-se
a da conectividade regional, um dos elementos mais importantes na Amazônia. Não
se trata apenas das estradas, elementos que contribuíram para depredação dos
recursos e da sociedade, mas sim, sobretudo, das telecomunicações, porque a rede
de telecomunicações na Amazônia permitiu articulações locais/ nacionais, bem como
locais/ globais. Outra mudança importante é a da economia, que passou da
exclusividade do extrativismo para a industrialização, com a exploração mineral e com
a Zona Franca de Manaus, que foi um posto avançado geopolítico colocado pelo
Estado na fronteira norte, em pleno ambiente extrativista tradicional

Uma grande modificação estrutural ocorreu no povoamento regional que se localizou


ao longo das rodovias e não mais ao longo da rede fluvial, como no passado, e no
crescimento demográfico, sobretudo urbano. [...] Em vista disso, a Amazônia teve a
maior taxa de crescimento urbano no país nas últimas décadas. No censo de 2000,
70% da população na região Norte estavam localizados em núcleos urbanos, embora
carentes dos serviços básicos (Figura 1). Muitos discordam dessa tese, porque não
consideram tais nucleamentos como urbanos.

Globalização e Amazônia como fronteira do capital natural

Até recentemente, dominava no projeto internacional a percepção da Amazônia como


uma imensa unidade de conservação a ser preservada, tendo em vista a
sobrevivência do planeta, devido aos efeitos do desmatamento sobre o clima e a
biodiversidade.

A primeira lógica é a civilizatória ou cultural, que possui uma preocupação legítima


com a natureza pela questão da vida, o que dá origem aos movimentos
ambientalistas. A outra lógica é a da acumulação, que vê a natureza como recurso
escasso e como reserva de valor para a realização de capital futuro,
fundamentalmente no que tange ao uso da biodiversidade condicionada ao avanço
da tecnologia. Outro recurso de que pouco se fala, mas que já é fundamental, é a
água como fonte de vida e de energia

Isso, conseqüentemente, trouxe uma disputa das potências pelos estoques das
riquezas naturais, uma vez que a distribuição geográfica de tecnologia e de recursos
está distribuída de maneira desigual. Enquanto as tecnologias avançadas são
desenvolvidas nos centros de poder, as reservas naturais estão localizadas nos
países periféricos, ou em áreas não regulamentadas juridicamente.

Há três grandes eldorados naturais no mundo contemporâneo:

• a Antártida, que é um espaço dividido entre as grandes potências;


• Os fundos marinhos, riquíssimos em minerais e vegetais, que são espaços não
regulamentados juridicamente; e a
• Amazônia, região que está sob a soberania de estados nacionais, entre eles o
Brasil.

Observa-se um processo de mercantilização da natureza. Elementos da natureza


estão se transformando em mercadorias fictícias, usando a expressão de Karl
Polanyi, em seu livro A grande transformação. Fictícias por quê? Porque elas não
foram produzidas para venda no mercado – o ar, a água, a biodiversidade. Mas, no
entanto, através desta ficção são gerados mercados reais e isto se deu, como Polanyi
mostra muito bem, no início da industrialização, quando terra, dinheiro e trabalho
foram transformados em mercadorias fictícias, gerando mercados reais

O que é o protocolo de Kyoto se não o mercado do ar? É a tentativa de estabelecer


cotas de emissão de carbono nos países fortemente industrializados e poluidores em
troca de manutenção de florestas em países com elas dotadas.

A integração da Amazônia sul-americana

Um segundo projeto internacional diz respeito à integração da Amazônia


transnacional, da Amazônia sul-americana. [...] Esse dado é importante por múltiplas
razões. Primeiro, porque a união dos países amazônicos pode fortalecer o Mercosul
e, de certa maneira, construir um contraponto nas relações com a Alca e com a própria
União Européia. Em segundo lugar, para ter uma presença coletiva e uma estratégia
comum no cenário internacional, fortalecendo a voz da América do Sul. Em terceiro
lugar, porque é fundamental para estabelecer projetos conjuntos quanto ao
aproveitamento da biodiversidade e da água, inclusive nas áreas que já possuem
equipamento territorial e intercâmbio, como é o caso das cidades gêmeas localizadas
em pontos das fronteiras políticas.

Além disso, esse dado é importante porque pode ajudar a conter as atividades ilícitas
– narcotráfico, contrabando, lavagem de dinheiro etc. – e uma possível “ajuda” militar
no território brasileiro [...] O Brasil virou uma ilha cercada de “localidades de operação
avançada” por todos os lados, com instalações norte-americanas apoiadas pela União
Européia, com exceção das fronteiras com a Venezuela e a Argentina. O Brasil tenta
impedir esse cêrco com várias respostas, como com a criação do Ministério do Meio
Ambiente e o projeto Sipam (Sistema de Informação para Proteção da Amazônia),
embora tenha apoio financeiro para o aparelhamento da Polícia Federal.

Mas o fato de a globalização incidir na Amazônia dos países vizinhos através da


presença militar, e no Brasil por intermédio da cooperação internacional,constitui uma
diferença importante.

Realiza-se uma articulação sul-americana por meio do resgate do Tratado de


Cooperação Amazônica (OTCA), e também a partir da iniciativa do planejamento
físico da integração por meio de transporte multimodal, difusão da internet nos países
vizinhos e intercâmbio energético. Em Roraima deu-se o primeiro passo para a
integração oficial através da construção da estrada que liga Manaus à Venezuela. O
gás já vem sendo transferido da Bolívia e do Peru, e a Bolsa de Mercadorias e
Estudos propõe a extensão da fronteira agropecuária do centrooeste brasileiro para
os países vizinhos.

A AMAZONIA NO ESPAÇO NACIONAL: uma região em si

Multiplicaram-se as unidades de conservação, foram demarcadas terras indígenas e


se criou o projeto Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), uma iniciativa do Banco
Mundial e do WWF para ampliar em 10% as áreas protegidas até 2010. Portanto, a
Amazônia terá, em breve, mais de 30% do seu território em áreas protegidas, uma
área equivalente ao território da Espanha.
As novas feições da fronteira móvel

o ambientalismo dominou e se delineou como uma tendência ao esgotamento da


Amazônia como fronteira móvel, isto é, como fronteira de expansão econômica e
demográfica no
território.

• Nos anos de 1970, o que sustentou a fronteira foram os incentivos fiscais e a


migração generalizada do país inteiro, esta induzida pelo governo federal.
Atualmente, a migração dominante é intra-regional, de um estado para o outro
e, sobretudo, rural-urbana (exceção feita ao Mato Grosso, que continua
atraindo população de fora, principalmente do Sul e do Nordeste).
• Outro elemento importante de diferenciação é o comando das frentes por parte
de Belém e de Cuiabá, sobretudo, hoje de âmbito regional. Assim, o que há de
novo na expansão das frentes é que são comandadas por madeireiras,
pecuaristas e sojeiros já instalados na região, que a promovem com recursos
próprios. Não se trata mais, pois, de uma expansão subsidiada pelo governo
federal, como foi a da fronteira nos anos de 1970.
• Ademais, as frentes hoje são localizadas. Nos anos de 1970 elas se
localizavam nas duas grandes artérias, Belém-Brasília e Brasília-Cuiabá, de
modo que a expansão seguiu a fímbria das florestas. Agora, as frentes estão
mais localizadas em torno das estradas que já existiam, as que pretendem ser
pavimentadas ou as abertas pelos próprios madeireiros e pecuaristas.

A consolidação do povoamento

A tendência à consolidação do povoamento é patente no avanço econômico


significativo e na tecnificação da agroindústria no cerrado, particularmente no Mato
Grosso, que planta soja e agora também algodão colorido. Com o crescimento da
produção e o aumento da produtividade da soja, a terra não é mais ocupada como
reserva de valor, como foi na época da fronteira anterior. Agora o que sucede é o uso
produtivo da terra.

As redes e cidades permitem a expansão dessa área econômica avançada que é


chamada de “arco de fogo”, ou do desmatamento ou “de terras degradadas”, porque
foi onde se expandiu a fronteira e o desmatamento [...] O Rio de Janeiro já foi um
pântano, mas não é, hoje, denominado de pântano, e sim de metrópole. Sugere-se,
então, a mudança de nome para área de povoamento consolidado, porque a
denominação de arco do fogo atrapalha a política pública.

Existe, assim, um gigantesco confronto entre a expansão da agroindústria da soja, da


pecuária, assim como da exploração da madeira e o uso conservacionista da floresta,
defendido pela produção familiar, pelos ambientalistas e por diversas categorias de
cientistas.

Conclui-se, assim, que a fronteira é um elemento estrutural do crescimento


econômico no Brasil, mas hoje depende da conjuntura; ou seja, ela se expande ou se
retrai em função da conjuntura econômica e política. É, portanto, um conceito espaço-
temporal.

Hoje, a Amazônia não é mais mera fronteira de expansão de forças exógenas


nacionais ou internacionais, mas sim uma região no sistema espacial nacional, com
estrutura produtiva própria e múltiplos projetos de diferentes atores. Nela, a sociedade
civil passou a ser um ator fundamental, tanto no campo como nas cidades,
especialmente pelas suas reivindicações de cidadania, que inclusive influem no
desenvolvimento urbano.

Nela
reconheço três macroregiões (Figura 3): a primeira é essa que chamam de “arco do
fogo” e que denomino de arco do povoamento con-solidado, porque é onde estão as
cidades, as densidades demográficas maiores, as estradas e o cerne da economia; a
outra macroregião, da Amazônia central, corresponde ao restante do estado do Pará,
que é a porção mais vulnerável da Amazônia, porque cortada pelos eixos, pelas
estradas e onde estão duas das frentes localizadas; a última é a Amazônia ocidental,
que tem a maior área de fronteira política e‘é a mais preservada (porque não foi
cortada por estradas e seu povoamento foi pontual, na Zona Franca de Manaus,
enquanto o resto do estado ficou abandonado). E o fato de ser uma região em si,
constitui uma força de resistência à destruição da floresta.

COMO IMPEDIR A DESTRUIÇÃO DE FLORESTAS?


O papel das políticas públicas
Se a Amazônia é efetivamente uma região, então há que se substituir a política de
ocupação por uma política de consolidação do desenvolvimento. Uma política de
ocupação não tem mais cabimento, porque a região já está ocupada. As florestas que
restaram devem permanecer com seus habitantes. É necessário articular os
diferentes projetos e os diversos interesses e conflitos que incidem na região. O
governo atual pretende ser um marco no rumo do desenvolvimento regional. Elaborou
um novo Plano Amazônia Sustentável (PAS), com o qual pretende superar a
polaridade conflitiva entre a política ambiental e a de desenvolvimento.

O ponto central, que gera conflitos, é a questão da pavimentação da rodovia Cuiabá-


Santarém (BR-163), porque as corporações da soja, por um lado, pressionam o
governo para a pavimentação rápida, visto que é considerada um elemento central
para o escoamento da produção, pelo Norte, com o objetivo [...] de encurtar distâncias
e baixar custos. Por outro lado, os ambientalistas e a produção familiar não querem
a pavimentação. O governo propôs que se fizesse um modelo para transformar a
rodovia Cuiabá-Santarém numa estrada indutora de desenvolvimento, em vez de uma
indutora de depredação. É importante registrar que há em Brasília a criação de grupos
de trabalho interministeriais para os planos governamentais, algo extremamente
positivo, com catorze ministérios participando para fazer o novo planejamento da
estrada como instrumento de desenvolvimento

A floresta só deixará de ser destruída se tiver valor econômico para competir com a
madeira, com a pecuária e com a soja.

Está na hora de implementar uma revolução cientifico tecnológica na Amazônia que


estabeleça cadeias tecno-produtivas com base na biodiversidade, desde as
comunidades da floresta até os centros da tecnologia avançada.

A AGENDA DE DEFESA DO BRASIL


PARA A AMÉRICA DO SUL

INTRODUÇÃO
Argumenta-se que o maior protagonismo internacional brasileiro e sua disposição em ampliar suas
capacidades militares, combinados com a adoção de uma estratégia que envolve a integração sub-
regional, implicam mudanças no panorama estratégico regional. Essa agenda, contudo, sofre
constrangimentos de duas ordens.

• De um lado, o país ainda padece de capacidades militares bastante limitadas e pouco


coordenadas entre si e os países vizinhos, além de hesitar em arcar com os custos da liderança
e da integração regional.
• De outro lado, os Estados Unidos, como potência hegemônica, embora apoiem
discursivamente a liderança regional brasileira, mantêm sua agenda para a região focada em
temas (narcotráfico, delitos transfronteiriços, não proliferação) e abordagens (militarização)
distintas das propostas pelo Brasil.

A primeira relaciona-se com o fato de que os Estados Unidos desempenharam, e seguem


desempenhado, papel fundamental na agenda de segurança internacional da América do Sul. [...] A
segunda consideração diz respeito à orientação das políticas de defesa e de segurança regional do
Brasil. Inserido em uma região marcada pela baixa incidência de conflitos interestatais e por elevados
índices de violência interna, o Brasil não enfrenta ameaças evidentes à sua segurança, mas percebe
vulnerabilidades decorrentes da debilidade de seu poderio militar, da possibilidade de transbordamento
de conflitos domésticos de países vizinhos para suas fronteiras e da possibilidade de intervenções de
países com maiores capacidades militares, especialmente na Amazônia e, mais recentemente, na
chamada Amazônia Azul.

A inserção de segurança internacional do Brasil define-se com base em três objetivos de caráter mais
geral:

o i) equilibrar o interesse e a necessidade de acesso e desenvolvimento de tecnologias de valor


estratégico e aplicações duais com compromissos multilaterais de não-proliferação e de
controle;
o ii) favorecer o surgimento de contexto favorável à realização de seus interesses e necessidades
nos planos da segurança e da defesa;
o iii) impulsionar a gradual transformação das estruturas e da configuração de poder internacional
em direção a uma ordem multipolar

POLÍTICAS DOS ESTADOS UNIDOS PARA AMÉRICA DO SUL


Ao longo do século XX, os Estados Unidos consolidaram o continente americano como sua esfera de
influência imediata. Os princípios da doutrina Monroe, de 1823, foram atualizados nos anos 1930 na
bandeira do pan-americanismo e, durante a Guerra Fria, no discurso de defesa do mundo livre. [...]
influência econômica, intervenções políticas e militares ocasionais e cooptação dos países para
integrar instituições interacionais que cristalizavam essa configuração sistêmica. [...] ericana deu lugar
à Organização dos Estados Americanos (OEA), foram assinados o Tratado Interamericano de
Assistência Recíproca (TIAR) [...] Esses canais consistem em periódicos exercícios militares conjuntos,
programas de formação e treinamento para militares da região em instalações norte-americanas,
programas de transferência de armamentos, reuniões periódicas de lideranças militares e a
ascendência sobre a Junta e o Colégio Interamericano de Defesa pelo Pentágono até 2006, quando
esses órgãos finalmente foram incorporados à OEA.

As duas décadas finais do século XX foram marcadas por uma bem suce dida contraofensiva dos EUA
para reafirmar sua hegemonia no sistema internacional, abalada pela derrota na guerra do Vietnã, pela
crise econômica e energética e pela emergência de novos polos de poder. [...] Na esfera econômica,
observou-se o endurecimento das negociações comerciais e de gestão da dívida externa, de modo a
forçar os países a adotar políticas neoliberais. Na esfera securitária, incrementou-se o esforço para
obstar o desenvolvimento de capacidades tecnológicas e militares mais avançadas em países como
Argentina e Brasil e, especialmente na região andina, incorpora-se à agenda a questão do narcotráfico.
[...] Assim, transparência, respeito aos direitos humanos e “governança” integraram o discurso para a
América Latina; o governo estadunidense assumiu a agenda da promoção do controle civil sobre os
militares, apoiando a criação de ministérios da defesa, a elaboração de livros brancos de defesa e
medidas de transparência, criando, ainda, o CHDS1 para incentivar a capacitação de civis da região
em assuntos de defesa (BARRACHINA, 2006)

Ao longo de quase duas décadas, os Estados Unidos insistiram no engajamento das forças armadas
da América Latina no combate ao crime organizado, enfrentando a oposição de países como Argentina,
Brasil e Chile (D’ARAÚJO, 2010). Temas como instabilidade política, ameaça à democracia, corrupção,
lavagem de dinheiro, crime organizado, terrorismo, desastres naturais e migrações, tradicionalmente
ligados a problemas sociais e de desenvolvimento, passaram a ser abordados por Washington de
forma securitizante (VILLA, 2010).

Em paralelo, os Estados Unidos intensificaram suas gestões junto aos países da região para que estes
empreguem suas forças armadas na repressão ao narcotráfico, e para que assinem acordos de
cooperação nesse sentido. Consequentemente, torna-se mais difícil para esses países encaminharem
de outra forma que não a definida por Washington o problema das drogas. Finalmente, a presença
militar estadunidense na Colômbia passou a ser percebida também como instrumento de
balanceamento à emergência de governos de esquerda na América do Sul.

Todavia, o conceito ampliado de terrorismo aplicado por Washington contaminou a agenda de


segurança regional de modo que a já vigente guerra contra o narcotráfico subordinou-se então à guerra
global ao terror. Drogas e terrorismo, assistência militar e ajuda econômica passaram a ser tratados
de forma integrada, e o governo norte-americano passou a pressionar os estados a incrementar o
controle sobre regiões que Washington entendia possuírem algum risco de conexão com o terrorismo,
como a fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai.

Em relação à América Latina, o discurso também mudou ao sugerir uma “parceria entre iguais” pela
inclusão social e econômica, segurança cidadã, energia limpa e valores universais.

Há, portanto, uma diferença muito grande entre os esforços de recuperar a desgastada imagem dos
EUA na região e de fato imprimir uma nova agenda de defesa regional.
A EVOLUÇÃO DA AGENDA BRASILEIRA

A capacidade do Brasil, e dos demais países da América do Sul, de se contrapor à agenda norte-
americana é, por óbvio, limitada, assim como o são as possibilidades de produção de consenso em
face às formulações definidas por Washington, seja em virtude da dependência material em relação à
potência, seja em função dos interesses divergentes e até conflitantes de alguns países. Ainda assim,
a baixa prioridade que a América do Sul recebe nas políticas de segurança internacional dos EUA e a
pouca frequência de guerras na região dão margem para que exista espaço para a construção de uma
agenda própria, que pode, ou não, colidir com a estadunidense (TULCHIN, 2005).

Desde os primeiros passos do processo de integração que evoluiu para a criação do Mercosul, é
possível identificar uma agenda brasileira de defesa e segurança regional modesta, porém coerente,
que, mais recentemente, assumiu um caráter incremental. [...] Essa agenda pode ser identificada em
documentos oficiais e nos recentes projetos de modernização das Forças Armadas; pode ainda ser
apreendida nos discursos de autoridades e no engajamento do país na construção institucional da
União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) e na
recente retomada da ZOPACAS.

Política de Defesa Nacional (PDN) de 1996, a qual definiu a América do Sul e o Atlântico Sul como o
escopo das formulações estratégicas brasileiras. Esse espaço já era descrito como região pacífica e
desmilitarizada, e os potenciais riscos aos interesses brasileiros derivariam de zonas de instabilidade,
“bandos armados”, sobretudo na fronteira amazônica, e do crime organizado internacional. A resposta
brasileira a essas questões apostava na integração com os países vizinhos, fixando diretrizes como
“contribuir ativamente para o fortalecimento, a expansão e a solidificação da integração regional” ou
como “atuar para a manutenção de um clima de paz e cooperação ao longo das fronteiras nacionais”
(BRASIL, 1996, p. 4).

Na virada para o século XXI, a política externa brasileira empreendeu uma inflexão marcada pela crítica
à assimetria do sistema internacional, pelo distanciamento em relação aos EUA e pela diversificação
de parcerias estratégicas e de espaços de atuação (VIZENTINI; SILVA, 2010).

Em meio a esse processo, em 2005, o Brasil publica uma nova Política de Defesa Nacional bem mais
assertiva ao enfatizar que a “configuração da ordem internacional baseada na unipolaridade no campo
militar associada às assimetrias de poder produz tensões e instabilidades indesejáveis para a paz”
(BRASIL, 2005,p. 2).

A persistência de entraves à paz mundial requer a atualização permanente e o reaparelhamento


progressivo das nossas Forças Armadas, com ênfase no desenvolvimento da indústria de defesa,
visando à redução da dependência tecnológica e à superação das restrições unilaterais de acesso a
tecnologias sensíveis (BRASIL, 2005, p. 5).

Trata-se de um aspecto novo e bastante relevante a ideia de se integrar a indústria de defesa, pois
insere na agenda a intenção brasileira de avançar a cooperação em uma área bastante sensível. [...]
Assim, a diretriz 18 da Estratégia Nacional de Defesa (END), publicada em 2008, informa que a
“integração não somente contribui para a defesa do Brasil, como possibilita fomentar a cooperação
militar regional e a integração das bases industriais de defesa” (BRASIL, 2008, p. 7).

A Estratégia Nacional de Defesa consiste em um documento de grande abrangência e detalhamento


que pretende reestruturar as forças armadas brasileiras, reorganizar a indústria de material de defesa
e recompor o serviço militar obrigatório, como meios para que o Brasil seja capaz de defender seus
interesses em sua ascensão internacional. [...] [q]uem cuida da Amazônia brasileira, a serviço da
humanidade e de si mesmo, é o Brasil” (BRASIL, 2008, p. 5). A previsão de incrementar
significativamente a presença das três forças na região revela a sensibilidade da questão para a
estratégia brasileira. A presença, contudo, não é apresentada apenas como elemento dissuasório, mas
como parte de um esforço do Ministério da Defesa para cooperar com os países que fazem fronteira
com o Brasil em favor da estabilidade regional.

A ênfase conferida à projeção internacional do Brasil e ao desenvolvimento autônomo de novas


capacidades militares, tecnológicas e industriais revela uma agenda que põe em questão a hegemonia
norte-americana no continente e o balanço de poder na região. A formulação de objetivos estratégicos
como o desenvolvimento de submarinos, convencionais e nucleares, capazes de operar mísseis, de
veículos lançadores de satélites e de satélites com integral domínio tecnológico choca-se com as
políticas estadunidenses de “cerceamento tecnológico” (LONGO; MOREIRA, 2010) que, inclusive, são
referidas no documento como “bloqueios tecnológicos impostos por países desenvolvidos” (BRASIL,
2008, p. 21).

Na América do Sul, o fortalecimento e a modernização das forças armadas brasileiras, na esteira do


crescimento econômico do país, possuem o potencial de gerar receio entre os países vizinhos e, em
um ambiente de competição interestatal, e de desencadear movimentos que procurem balancear a
posição Brasileira. Diferentemente da expansão econômica e da projeção das capacidades militares
brasileiras dos anos 1970-1980, o Brasil associa a sua ascensão internacional à cooperação e à
integração regional. [...] Percebe-se no documento que, ao “ascender”, o Brasil planeja levar o
processo de integração regional mais além da esfera comercial, criando um novo e estratégico espaço
de concertação do qual os Estados Unidos estejam alienados e no qual os países da região venham a
ter maior protagonismo no encaminhamento das questões securitárias sul-americanas. [...] Ao mesmo
tempo, essa estratégia de “formação de área”, comprometida com a democracia, o desenvolvimento e
a estabilidade regional, pode ser apresentada como conveniente também à potência hegemônica, uma
vez que, da parte do Brasil, é destituída da retórica antiamericana e se adequa ao discurso de “divisão
do fardo” da segurança internacional.

Livro Branco de Defesa Nacional reafirma a importância da América do Sul e do Atlântico Sul para o
Brasil, [...] o documento brasileiro soma-se ao esforço regional de criar instrumentos de transparência
e confiança mútua no campo da defesa. Em sua apresentação, o ministro da Defesa, Celso Amorim,
assinala que o documento tem os objetivos de prestar contas à sociedade sobre a estrutura de defesa
do país e de comunicar aos países da região as intenções brasileiras de forma transparente, de modo
a ser não apenas um instrumento de construção da confiança mútua, mas também de incentivo à
cooperação com os países da América do Sul e ao estabelecimento de uma zona de paz e segurança
no entorno sul-americano

De forma coerente, o tema cooperação aparece de diversas maneiras no discurso oficial brasileiro.
Uma delas se dá no sentido mais estrito da ação conjunta em torno de questões de defesa da soberania
e das riquezas naturais, nas quais os parceiros seriam os demais países da região amazônica. Em
outro sentido, o tema compõe o discurso mais genérico de legitimação da projeção internacional do
Brasil a qual, em uma ordem global multipolar, o Brasil buscaria sua “inserção afirmativa e cooperativa”
engajando-se na consolidação de estruturas de governança multilateral representativas da nova
distribuição do poder mundial (BRASIL, 2012a, p. 27)

A afirmação, ainda bastante otimista, de que a hipótese de guerra entre países da região seria
impensável, procura acentuar a característica histórica da América do Sul como um ambiente de baixa
incidência de conflitos armados interestatais e o padrão de interação do Brasil, que desde 1870 está
em paz com seus vizinhos.

Portanto, o Brasil procura desenhar uma agenda de defesa na América do Sul na qual seus interesses
de estabilidade da região e de projeção global do país e seus projetos de desenvolvimento de novas
capacidades militares não apenas não sejam balanceados pelos vizinhos, mas também sejam aceitos
como coincidentes com os interesses deles.

A retomada dessa iniciativa, estabelecida por uma resolução das Nações Unidas – a qual os EUA
votaram contra – e que envolve países das duas margens do Atlântico Sul, dá mais substância às
críticas governamentais à reativação da IV Frota estadunidense.

Essa construção identitária ampara-se também na bem sucedida coordenação política e operacional
que ensejou o comando da missão da ONU para manutenção da paz no Haiti, a Minustah. A divisão
de trabalho realizada entre Argentina, Brasil e Chile conseguiu fazer da América do Sul uma região
com certa capacidade de “exportar segurança”

“Processo de Transformação do Exército” – documento produzido pelo Estado Maior em 2010 e que
orienta os projetos dessa força –, mais uma vez, a organização reafirma a soberania sobre a Amazônia
brasileira e identifica na região a possibilidade de se formar um “arco de instabilidade” que venha a
dificultar a ascensão econômica brasileira. Para evitar essa possibilidade, propõe que o Exército deva
“enfatizar a cooperação com os exércitos vizinhos e, a partir dessa aproximação, auxiliá-los na
superação de suas dificuldades e no aumento da capacidade de influir na estabilidade interna de seus
países” (BRASIL, 2010, p. 26). Trata-se, nesse caso, de um entendimento de cooperação no mínimo
polêmico. Os documentos da Força Aérea tampouco abordam os temas da cooperação ou da
integração, embora esteja em curso o desenvolvimento conjunto entre países da UNASUL de uma
aeronave militar de treinamento básico, o Unasul-1, cuja previsão de entrada em operação é 2017.

Caberia então perguntar: em que medida o Brasil estaria disposto a induzir o desenvolvimento da
indústria de defesa nos demais países da gregião integrando-a aos projetos de modernização militar
em curso no país?

AMAZÔNIA E DEFESA NACIONAL: Um olhar a partir da perspectiva


brasileira

Alexandre Fuccille

Ao longo do tempo a Amazônia – mais importante mega domínio de natureza tropical


da Terra – tem ocupado um espaço especial no imaginário das pessoas, aqui e
alhures.

o maior bioma do gigante verde-amarelo tradicionalmente foi pensado sob o signo da


defesa militar, de “integrar para não entregar” e de manutenção dos limites fronteiriços
estabelecidos pós-Tratado de Madrid (1750).

O BRASIL “DESCOBRE” A AMAZONIA (POR POUCO TEMPO)

o Brasil colonial confeririam um lugar marginal à Amazônia no tocante ao


desenvolvimento e exploração dos recursos lá contidos, com pequeno destaque para
Belém como escoadouro das especiarias chamadas “Drogas do Sertão”.

Já independente, a nova nação vai se encontrar com a pujança amazônica em sua


plenitude na conhecida Era da Borracha. Do último quartel do século XIX aos
primeiros lustros do século XX a região amazônica experimentaria uma acelerada
expansão econômica, e em decorrência um desenvolvimento político e social, sem
precedentes em sua história. A insaciável demanda européia e norte-americana pelo
látex da Hevea brasiliensis, lastreada na Revolução Industrial que não parava de
expandir-se, garantiu a ocorrência de uma verdadeira Belle Époque tropical. A
Amazônia era então responsável por 45% das exportações brasileiras (REIS, 1968)

Este ciclo de desenvolvimento deixou marcas que impressionam. A cidade de Manaus


ganhou sistema de abastecimento d’água, luz elétrica, bondes elétricos, telefone,
casas bancárias, jornais impressos, Mercado Público, avenidas construídas sobre
pântanos aterrados, grandes edificações (como o Teatro Amazonas) e tornou-se a
capital mundial de venda de diamantes. Já a capital paraense, por seu turno,
outrossim desfrutava da mesma exuberância manauara e seu Theatro da Paz –
símbolo maior desta época dourada – foi inspirado no Scala de Milão. Concretamente,
ambas chegaram a serem consideradas uma das cidades mais prósperas do mundo,
com vários avanços que nem mesmo o Rio de Janeiro, a capital do Brasil à época,
possuía (SANTOS, 1980).

O final abrupto dos dois períodos e uma elite política e econômica claudicante
resultaram em uma imersão da região no ostracismo e condenaram largas parcelas
da população local (assim como os nordestinos e outros imigrantes lá chegados) à
marginalidade, sem uma alternativa de desenvolvimento àquela monocultura então
dominante.

É neste contexto, ainda que quase sempre de forma errática, que a partir da década
de 1950 o Estado brasileiro começará a pensar políticas públicas para o
desenvolvimento da Amazônia. [...] Em tempos de predomínio da Doutrina de
Segurança Nacional (DSN) – grosso modo sumarizada através do binômio
“Segurança e Desenvolvimento” –, o presidente Médici instituiu por meio do
DecretoLei 1.106/70 o Programa de Integração Nacional/PIN, o qual previa o combate
aos vazios demográficos amazônicos valendo-se de lemas como “integrar para não
entregar” e “uma terra sem homens para homens sem terra”.

Com o fim do regime de exceção e a volta dos civis à presidência da República (a


partir de 1985) a Amazônia aumentará sua importância no debate nacional e
internacional, não obstante as respostas serem ainda insatisfatórias, como veremos
a seguir. A geopolítica, com toda sua força e complexidade, uma vez mais se
sobressairá no tocante aos desígnios amazônicos, novamente descurando-se em
larga medida os campos econômico, social e ambiental, tão essenciais à construção
de um futuro auspicioso e sustentável à região.

UM NOVO QUADRO

Terminado o ciclo autoritário e com o processo de redemocratização então em curso,


surge um intenso debate sobre vários pontos desafiadores do novo contexto histórico,
com a questão amazônica inclusa nele

José Sarney assumiu a presidência do país bastante fragilizado e tendo como


principal fiador de sua posse o novo ministro do Exército, general Leônidas Pires
Gonçalves, após o falecimento do presidente eleito no Colégio Eleitoral, Tancredo
Neves. A tônica do relacionamento entre civis e militares ao longo dos cinco anos
desse governo foi dada pelo que os acadêmicos definiram como tutela militar.5

No
ponto que nos interessa, foi possível perceber que, através de um relacionamento
“amistoso” entre civis e militares, estes últimos conseguiram vetar qualquer
possibilidade de diálogo mais amplo acerca da Amazônia, permanecendo uma visão
militarista que a partir de 1985 encontra sua pedra de toque no Projeto Calha Norte
(PCN). Ele foi então justificado:

“Pelos acontecimentos na fronteira política – narcotráfico, contrabando,


guerrilha e o apoio cubano ao governo do Suriname – e, internamente, pelos
problemas concernentes à extração ilegal de minérios nas terras indígenas,
somados às consequências da guerrilha do Araguaia, na década de 1970, às
preocupações históricas com a intermitente ocupação da Amazônia e à
existência, na Escola Superior de Guerra (ESG), de uma tradição no
pensamento geopolítico brasileiro de valorização das fronteiras”
(NASCIMENTO, 2006, p. 100).

Os imperativos da defesa, segurança e desenvolvimento amazônico subordinar-se-


iam ao desiderato militar de uma ocupação física a qualquer custo, desconsiderando
importantes aspectos geográficos, ambientais, sociais e sem diálogo com os
amazônidas – inclusive se sobrepondo a política indigenista vigente –, cujo produto
final só poderia ser de pífios efeitos.

Parte integrante da sociedade nacional, participando do modelo de


crescimento tecnológico intensivo de capital com intensa mediação do Estado,
a fronteira tem como especificidade o fato de ser espaço não plenamente
estruturado (...) A expansão da fronteira amazônica só pode, portanto, ser
compreendida a partir da inserção do Brasil (...) no sistema capitalista global
articulado aos interesses do capital industrial e financeiro, com a mediação do
Estado” (BECKER, 1995, pp. 15-6).7

No início dos anos 1990, finda a guerra fria e em razão da emergência de um novo
quadro internacional e regional (particularmente o início da integração do Cone Sul
do subcontinente via Mercado Comum do Sul/Mercosul), paralelamente ao crescente
afastamento das Forças Armadas do centro decisório iniciado ainda durante a
ditadura militar com o projeto de distensão – não obstante a tutela do período Sarney
– , fez a instituição castrense ser abalada por uma crise de identidade que colocaria
os militares brasileiros na defensiva.8

A crise de identidade militar sucintamente poderia ser descrita como uma mudança
no rol de questões ligadas às condições institucionais, materiais e políticas vinculadas
ao seu preparo anterior. A obsolescência das clássicas Hipóteses de Guerra (guerra
global, subversiva e regional), a extinção da bipolaridade que norteava a disposição
geopolítica das nações, o novo papel de potência hegemônica agora representado
pelos EUA, as constantes proposições de redução dos efetivos militares de países
como o Brasil e o revigoramento da dicotomia “Norte-Sul” em substituição à divisão
anterior do mundo entre Ocidente “democrático” e Oriente “comunista”, informaram
de forma mais ampla a marcha desse processo.

Começava a ganhar força na cena internacional, seja por meio de discursos de chefes
de Estado ou governo, ou ainda por intermédio de organizações não governamentais
(ONGs), a difusão – e quiçá tentativa de construção de consenso – de que a
Amazônia era importante demais para ser deixada apenas aos cuidados dos
brasileiros, constituindo-se em uma espécie de Patrimônio da Humanidade.

“o Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia” (François


Mitterrand, presidente da França);

“ao contrário do que pensam os brasileiros, a Amazônia não é propriedade


deles, ela pertence a todos nós” (Al Gore, então senador e futuro vice-
presidente dos EUA);

“se os países responsáveis pela preservação das florestas tropicais não


cuidarem delas, nós o faremos” (Margaret Thatcher, primeira-ministra do Reino
Unido).10

Tais elementos e a difusão de uma possível “soberania compartilhada” (ao nosso ver,
uma contradição em termos) acenderam a luz amarela no interior das Forças
Armadas brasileiras e, mais ainda, serviram de elemento unificador, cimentando
ideologicamente um eficiente discurso para o mundo exterior de superação da já
aludida crise de identidade militar naquele tempo reinante (MARTINS FILHO e
ZIRKER, 2000).

A AMAZÔNIA E A DEFESA NACIONAL SOB FHC, LULA E DILMA

Um exame mais detido das medidas tomadas no segmento de defesa ao longo do


governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) mostra-nos que sua atuação se
pautou por uma agenda militar específica, cujos elementos a destacar seriam: a
resolução da questão dos desaparecidos políticos, a criação do Ministério da Defesa,
o lançamento da Política de Defesa Nacional (PDN), a transformação da profissão
militar em carreira de Estado, a valorização de políticas setoriais (como o Calha Norte,
o SIPAM/SIVAM, o submarino nuclear etc), e o início de um reaparelhamento e
modernização das Forças Armadas, rompendo-se um acentuado processo de
sucateamento tecnológico.12

Apesar do Brasil, a partir de 1999, sofrer a mudança mais radical de sua história no
plano da organização da defesa, extinguindo os Ministérios Militares, criando o
Ministério da Defesa e subordinando seus antigos ministros – agora transformados
em comandantes – à figura do novo ministro civil,13 nos interessa aqui
particularmente como as questões envolvendo a Amazônia e a defesa nacional se
desenvolveram

Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM):

Projeto controverso e envolto em críticas pela forma segundo a qual foi conduzido
(LOURENÇÃO, 2003), o SIVAM trouxe um novo enfoque para a segurança e defesa
da região, monitorando desde queimadas à qualidade das águas da região
amazônica, passando pelo controle do tráfego aéreo e a defesa aérea, e nos dias
atuais já está completamente implantado e operacional.

O SIVAM compõe a infraestrutura técnica e operacional de um programa


governamental multiministerial, o Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM),
cujos objetivos são a defesa e a proteção da Amazônia Legal, garantindo a
soberania brasileira na região, com ênfase na otimização das ações
governamentais voltadas para a defesa, o desenvolvimento, a vigilância e a
análise de todo o espaço aéreo e terrestre da região. Apto a coletar, processar,
produzir, integrar, avaliar e difundir dados e informações de interesse das
demais organizações integrantes do SIPAM, o SIVAM possibilita a elaboração
de conhecimentos que sirvam de subsídio para ações globais e coordenadas
dos órgãos governamentais que atuam na Amazônia – FUNAI, IBAMA, Polícia
Federal, INPE etc – a fim de potencializar as políticas públicas voltadas para a
proteção e o desenvolvimento sustentável da Região Amazônica.
(LOURENÇÃO, 2006, p. 120).

Contestando as pressões internacionais de pouco fazer para manter a integridade da


maior floresta tropical do mundo e seu acelerado desmatamento, o Governo Federal
procurou com o SIVAM dar uma eloquente resposta da importância deste território
para o país e, adicionalmente, ter em mãos um poderoso instrumento de mapeamento
e proteção de seus recursos naturais, aí inclusos uma incalculável riqueza em
recursos minerais e uma extraordinária biodiversidade.

Embora ambicioso em sua concepção e implantação, havia um imenso gap em


transformar a gigantesca massa de dados produzida em informação de qualidade e
aplicabilidade, a despeito de progressos pontuais

Em paralelo, o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) assinado em 1978 por


Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela como o
instrumento jurídico que reconhecia a natureza transfronteiriça da Amazônia, com a
subscrição de seus membros em dezembro de 1998 era transformado em
Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA)

“impulsionar o futuro desenvolvimento de nossos países e da região; um


patrimônio que deve ser preservado, mas essencialmente, promovido, em
consonância com os princípios de desenvolvimento sustentável”

Nenhum outro ecossistema do planeta conta com uma organização internacional


própria como a Amazônia o tem, a despeito de seu funcionamento problemático e dos
resultados tímidos e precários que persistem até os dias correntes.

Mas seria no governo Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010) que assistiríamos ao
maior avanço, ainda que insuficiente, nas políticas que contemplam segurança e
defesa nacionais e a Amazônia.
A primeira transformação de monta se dá com relação ao robustecimento do antigo
Projeto Calha Norte, agora renomeado Programa Calha Norte.17 Da cobertura que
até 2002 contemplava 74 municípios distribuídos pelo Amazonas, Pará, Amapá e
Roraima, em uma área total de 1.500.000 Km2 (sendo 7.413 Km de fronteiras),
passamos a uma nova realidade contemplando 194 municípios espalhados para além
dos Estados originais mais Acre e Rondônia, uma área total de 2.186.252 Km2 (dos
quais 10.938 Km na faixa de fronteira). Mais do que uma mera mudança de nome, o
novo PCN – cobrindo um terço do território nacional e 5% da população do país –
destinava agora 87% de seu orçamento à vertente civil/social e apenas 13% à
vertente de natureza militar (estes números são praticamente o inverso das
destinações originais do Calha Norte).1

Coordenado pelo Ministério da Defesa, o projeto envolve atividades voluntárias de


universitários visando aproximá-los da realidade do país (notadamente na Amazônia
Legal), além de contribuir para o desenvolvimento de comunidades carentes

Já o SIVAM, concebido para ter sido concluído ainda no governo Cardoso, apenas
completará sua instalação durante o governo Lula. Entretanto, mais importante do
que isso é a nova dinâmica que este, como parte integrante do SIPAM, passou a
contemplar. As imensas aplicações civis e militares ficaram mais claras. O diálogo
entre as áreas

• “azul” (que têm como responsabilidade a vigilância das fronteiras, o controle e


defesa do espaço aéreo e fluvial da região e apoio a unidades militares) e
• “verde” (informações meteorológicas, monitoramente de queimadas,
comunicações com pequenas unidades do IBAMA, FUNAI e apoio à Polícia
Federal, entre outras

A nova Política de Defesa Nacional de 2005 elegia claramente a Amazônia como


figura central ao planejamento da defesa, ao lado da priorização do Atlântico Sul (que
conteria uma “Amazônia Azul” – notem a candência do tema –, conforme tentativa de
sensibilizar a sociedade da importância, não só estratégica, mas também econômica,
do imenso mar que a cerca e das águas jurisdicionais sob sua responsabilidade).
Igualmente uma inédita Estratégia Nacional de Defesa (de fins de 2008) aprofundaria
ainda mais esta opção.
O Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), cujo nome já é
autoexplicativo e transborda para além das fronteiras amazônicas, em uma extensão
de 16.886 Km de fronteiras terrestres nos país, passando por 11 Estados, cobrindo
cerca de 27% do território nacional e com investimos da ordem de US$ 5 bilhões, é
outro importante avanço.21 Lançado nos estertores do governo Lula, o SISFRON
ainda encontra-se em fase de implantação.

A instituição de outros novos documentos legais, a exemplo da Lei do Tiro de


Destruição – tão reclamada pela Força Aérea Brasileira – como forma de combate às
principais rotas de entrada de drogas ilícitas em território brasileiro (popularmente
chamada de “Lei do Abate”/Decreto nº 5.144/04), a Lei Complementar nº 117/04 que
confere ao Exército a atribuição subsidiária de atuar com poder de polícia na banda
interna de 150 Km de largura que constitui a faixa de fronteira

Por fim, o primeiro governo Dilma Rousseff (2011-2014) manteve a mesma linha
inaugurada nas últimas administrações que o antecedeu, dando sequência a algumas
diretrizes herdadas do governo Lula, porém de forma mais tímida e marcado por
preocupantes momentos de stop and go. Contudo, a revisão e aprovação dos
documentos legais de alto nível atinentes à defesa pelo Congresso Nacional em
201323 – em um importante padrão de responsabilidade compartilhada com o
Executivo – continuam a conferir primazia à Amazônia nesta temática.

Os países amazônicos devem buscar o estabelecimento de políticas de defesa


que possibilitem soluções regionais para os problemas que ali existem,
garantindo a proteção da Amazônia e afastando possíveis ingerências
externas (...) Somente por meio de uma defesa robusta podemos condenar ao
absurdo, definitivamente, qualquer hipótese de intervenção em nossa região.
(AMORIM, 2014, p. 20 e sgs.)

Plano Amazônia Sustentável (PAS)

Elaborado sob a coordenação da Casa Civil da Presidência da República e dos


ministérios do Meio Ambiente e da Integração Nacional, o PAS envolveu a
participação dos nove governos estaduais integrantes da Amazônia brasileira (que
inclusive o subscreveram por meio de seus governadores de variados matizes
partidários, juntamente com o presidente da Nação) e expressivos segmentos da
sociedade civil através de consultas públicas que mobilizaram milhares de pessoas
na região. Este denso documento lista como objetivos específicos a serem
perseguidos

A. promover o ordenamento territorial e gestão ambiental;


B. fomentar atividades econômicas com base na inovação tecnológica,
agregação de valor e valorização da biodiversidade;
C. subsidiar o planejamento, a execução e a manutenção das obras de
infraestrutura;
D. fortalecer a inclusão social e a cidadania; e
E. alicerçar a construção de um novo modelo de financiamento na Amazônia.25

Contudo, iniciativas como a assinatura por parte de países da região de Tratados de


Livre Comércio/TLCs com os EUA (principal potência econômica, militar e política do
planeta e com um histórico nada benigno em nosso continente), bem como cessão
de território ao estabelecimento de bases estadunidenses, permissão de livre trânsito
a seus agentes e outros pontos obscuros, quando não deletérios (por exemplo,
estabelecimento de cláusulas ambientais e de propriedade intelectual que franqueiam
a possibilidade de apropriação da enorme biodiversidade amazônica), não ajudam a
lançar luz à busca de uma solução consorciada à Pan-Amazônia, num cenário onde
a opacidade, desconfianças e ações individuais têm sido a tônica por décadas, senão
séculos.

AMAZÔNIA: GOVERNANÇA, SEGURANÇA E DEFESA

Durbens Martins Nascimento

INTRODUÇÃO
O enfoque escolhido baseia-se na governança. O Brasil que ocupa o quinto lugar em
extensão territorial no mundo, com uma população de 182 milhões de habitantes,
possui um parque industrial diversificado e complexo e ocupa o 14º no ranking
mundial dentre as maiores economias do mundo e é considerado um país continental.
Na Política Externa do Governo Lula, o Brasil tem diante de si, com efeito, uma
responsabilidade estratégica no mundo, pode e deve ser capaz de influir nos
acontecimentos globais.

Com efeito, o estudo se circunscreve à Amazônia brasileira. Pensa-se a Amazônia


nos seus desdobramentos geopolíticos porque é a região do Brasil considerada
estratégica e para a qual se dirige a Doutrina Gama1, bem como prioritária para a
Política de Defesa Nacional (PDN) e cujas fronteiras são consensualmente
consideradas bastante vulneráveis (CARDOSO, 1996).

Primeiramente, porque a PDN introduz uma abordagem dos conceitos na qual fica
demonstrada a especificidade de cada um deles, o que não era perceptível em outras
formulações do tempo dos ministérios militares (Exército, Marinha e Aeronáutica). Em
segundo lugar, é fato que se procura elevar o tom do debate sobre a intervenção das
Forças Armadas (FFAA) em assuntos que anteriormente eram tidos como exclusivos
da segurança nacional, dentre os quais se destacam o combate ao narcotráfico, ao
contrabando e ao crime organizado.

a inclusão das “novas ameaças” pelos Estados Unidos da América (EUA) na agenda
mundial como um problema para segurança e defesa das nações e dos povos, isto é,
a expansão do terrorismo, o avanço da narcoguerrilha, o aumento do contrabando, a
ampliação das atividades do [...] chamadas “novas ameaças”, com exceção da crise
ecológica, e que aparecem em parte da literatura2 como surgindo com o recente
movimento global de internacionalização da economia, existiam no passado em
escala regional e global, ainda que constrangidos pela armadura da disputa entre as
duas superpotências – EUA e URSS.

GOVERNANÇA, DEFESA E SEGURANÇA

O objetivo desta secção é discutir os conceitos de governança, defesa e segurança


indo ao encontro dos elementos emergidos com as mudanças sociais e políticas
operadas no mundo pelo menos há duas décadas.

Governança se refere a arranjos institucionais que permitem dotar as instituições


estatais de mecanismos que garantam a inclusão de dimensões sociais e políticas, a
definição e caracterização dos agentes e atores, aceitos (não a mera convergência
de interesses que possam ser consensuados) para a participação não só na
formulação, mas que indiquem os mecanismos institucionais e modus do processo
de implementação de políticas estatais e as demais condições necessárias para a
otimização dos resultados pretendidos com as políticas estatais levando em conta os
princípios consagrados e publicamente conhecidos, dentre os quais a accountability.

As “novas ameaças” revelariam situações nas quais a cidadania, de alguma forma,


não pode ser exercida plenamente, conjuntura que afetaria o exercício dos direitos
individuais e coletivos.

Desse modo, a segurança não é limitada exclusivamente ao poder estatal, inclui os


aspectos social, ambiental, econômico, além da esfera militar e política

“defesa estará relacionada ao preparo e emprego dos meios humanos e materiais


para a dissuasão ou derrota de ameaça que venha a se tornar concreta”. Diz-se,
portanto, que defesa refere-se às ações de cunho militar patrocinadas pelo Estado
para fins de garantia da integridade territorial, da soberania do país e da defesa das
instituições.

Contudo, pensar a Amazônia num cenário geográfico distante da guerra entre EUA e
o Iraque e de quaisquer conflitos pela demarcação de suas fronteiras, desde o século
XIX, quando Rui Barbosa resolveu diplomaticamente com seus vizinhos, parece
extemporâneo, desse ângulo analisar o Brasil do ponto de vista da guerra3. Contudo,
esta impressão aparentemente verdadeira em razão da relativa
estabilidade no continente sul-americano no que se refere a conflitos interestatais,
não deve obscurecer a importância da dimensão militar para o Brasil na atual
conjuntura internacional.

A AMAZÔNIA NA AGENDA ACADÊMICA DA DEFESA E DA SEGURANÇA

Nesta centúria a Amazônia, com seus 4,2 milhões de km2 de zona equatorial, está
na agenda mundial do debate sobre a preservação/conservação de sua
biodiversidade. A sobrevivência das florestas é assunto em quase todo o mundo.
Seus problemas têm ocupado um lugar de destaque no roteiro de pesquisadores,
cientistas, escritores e jornalistas. Investigam-se processos, eventos históricos,
tradições, mecanismos, relações e estruturas, a partir das mais variadas áreas de
conhecimento e campos disciplinares, bem como dos diversificados interesses
acadêmicos e comerciais e pelo ângulo multi e interdisciplinar.

Redes de pesquisadores multidisciplinares, consórcios interinstitucionais de ensino e


pesquisa são e foram formados, financiados tanto por agências de fomentos
nacionais quanto estrangeiras, públicas e/ou privadas. Por instituições
governamentais e não-governamentais, cujos programas científicos visam estimular
a pesquisa na base da cooperação e da parceria, numa cruzada sem precedentes
com o objetivo de propor soluções para a crise socioambiental através do modelo do
desenvolvimento sustentável, garantir a soberania brasileira sobre seu território,
sobretudo com a finalidade de projetar cenários sombrios – como o que sugere o
meteorologista britânico Peter Cox, que prevê o desaparecimento da Floresta
Amazônica em 2050, a continuar no mesmo ritmo o aquecimento global4 de acordo
com os supercomputadores do Hadley Center, do Reino Unido; também, segundo os
dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que estimam o ano de
2.100 com 40% a 50% da floresta Amazônia atual transformada em savanas, típicas
do cerrado do centro-oeste brasileiro; ou otimistas acerca do futuro da Amazônia -
como no caso de Benchimol (2000) e do documento da Sudam (Superintendência do
Desenvolvimento da Amazônia)5 e de Becker (2001).

Além dessas iniciativas de políticas públicas produzidas e implementadas na região,


soma-se o aumento dos investimentos em ciência e tecnologia, essencial para montar
uma rede de proteção que
passa também pelo conhecimento enquanto vetor estratégico para a defesa do Brasil
e, conseqüentemente, dissuadir intentos de movimentos políticos interessados em
alguma forma de extração do controle brasileiro sobre a parte que nos cabe desse
latifúndio, para lembrar o poeta

O estado-da-arte sobre esse tema foge do propósito perseguido aqui7, porém, tem
havido uma produção relevante pelo ângulo da Geopolítica, onde se destacam os
trabalhos de Becker (1990; 1999; 2005) e, ao mesmo tempo, constata-se
especificamente sobre a defesa e segurança, a coletânea de Castro (2006); e
notadamente a referência sobre o PCN e o Sistema de Vigilância da Amazônia
(Sivam), Nascimento (2005 e 2006) e Lourenção (2003), respectivamente. E, por fim,
embora não esgote o tratamento ao conjunto da literatura, Silva (2003) que situa a
Amazônia no contexto da governança global

REFLEXÕES PARA UMA NOVA GEOPOLÍTICA

Com efeito, a Amazônia configura-se como um espaço estratégico brasileiro. A


geopolítica brasileira que pensou a construção de Brasília, a alternativa energética
nuclear, a reforma agrária, tem doravante a Amazônia como objeto de exame,
explorando suas fontes alternativas energéticas e o seu potencial biogenético e
mineral. Portanto, torna-se necessário pontuar as formas pelas quais os diferentes
agentes, atores sociais e políticos agem no sentido de garantir o controle geopolítico
sobre essa vasta região do Brasil. A crítica ao discurso da “cobiça” e da
“internacionalização”9 sua irmã gêmea, uma versão atualizada para os novos tempos,
sobre a Amazônia, não deve ocultar a necessidade do inquérito científico sobre os
processos que são estratégicos para a nação brasileira.

É evidente que a geopolítica contemporânea não reduz o cálculo estratégico somente


a variáveis tais como população, extensão territorial e recursos naturais. Por exemplo,
a biodiversidade, os estoques de água, os novos materiais, a tecnologia de ponta e a
informação, são considerados relevantes para a mensuração do poder e da influência
no concerto das nações

Uma outra questão relativa à segurança e defesa da Amazônia consiste no confronto


militar na Colômbia. É importante registrar, que carece de plausibilidade, nesta
perspectiva, desguarnecer os recursos de defesa da nação por uma avaliação
pessimista acerca do recrudescimento do conflito colombiano com a possibilidade real
de envolvimento direto (já existe do ponto de vista do fornecimento da tecnologia de
guerra à disposição das Forças Armadas da Colômbia, treinamento, assessoria
militar, armamento e ajuda financeira) dos EUA na Pan-Amazônia. Nesse sentido, o
Plano
Colômbia e a Iniciativa Andina, nome dado ao conjunto de medidas criadas pelos
norte-americanos em parceria com o governo colombiano, têm o objetivo de reprimir
as atividades do narcotráfico e da
“narcoguerrilha”
O Plano Colômbia e a Iniciativa Andina representam essa nova geografia do poder
norteamericano na América Latina, “fazem parte das ações consideradas na
Estratégia de Segurança do Governo dos Estados Unidos e definem a orientação
geopolítica desse governo para a Colômbia e os países considerados na Iniciativa
Regional Andina, a saber: o Panamá, a Venezuela, o Peru, a Bolívia e o Brasil”

Segundo Vizentini (2003, p. 101) os interesses dos norte-americanos com o Plano


Colômbia residem verdadeiramente na demonstração de que estão atentos às
tensões no continente provocadas pelo acirramento das disputas políticas na
Venezuela, na Bolívia, no Equador, no Panamá, no Brasil além, obviamente, na
Colômbia, na última década.

Os problemas colombianos, como as guerrilhas de esquerda, o narcotráfico e os


esquadrões da morte de extrema-direita, não eram novos nem sofreram uma
intensificação que justificasse tal política. Então, qual o sentido dessa iniciativa?
Washington procurava demonstrar aos países da região que estava atento à evolução
dos acontecimentos, para apoiar os aliados e coibir os “desviantes” (VIZENTINI, 2003,
p. 101).

O governo deste país inseriu na agenda segurança nacional o confronto com os


narcotraficantes e narcoguerrilheiros. Ao desenvolver uma estratégia de combate aos
agentes localizados em países e regiões do globo produtoras de drogas ilícitas o
governo norte-americano mudou sua percepção da segurança nacional. Passando da
centralidade adquirida nos anos 70 e 80 da América Central para os Andes, na
década seguinte.

Enquanto isso, o Brasil investiu em média, 9.651 milhões de dólares, o


correspondente anualmente a 1,15% do PIB brasileiro. Só para se ter uma idéia, a
média de gastos em relação ao PIB dos países ricos que compõem o G-7 é 2,0%, e
o conjunto dos países industrializados aplica 2,2%, apesar de relativamente por
região do planeta, o Oriente Médio mais a Turquia, registram um índice superior em
relação ao PIB, 6,6%. A América Latina e o Caribe, considerados região para efeito
de análise, é a parte que menos gasta com defesa nacional. Vale ressaltar, que de
1985 a 2005, portanto ao longo de duas décadas, pós-regimes autoritários na América
Latina e mudanças políticas e sociais no Leste Europeu, os dados revelam que houve
uma redução nos gastos militares em todos as regiões e países, com exceção da
África

A conclusão do evento foi a de que a defesa e a segurança da Amazônia passam


pela articulação de governos e sociedade civil no sentido de fomentar uma estratégia
de desenvolvimento sustentável capaz de conceber a diversidade de culturas e
mobilizar os recursos tecnológicos e científicos para aprofundar o conhecimento da
região, com vistas a propor medidas eficazes de controle dos riscos que se
apresentam à soberania brasileira sobre a região. Nesse sentido, o Ciclo apontou,
nesse entendimento, para o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) como
instrumento alternativo que articula de um lado, ciência e tecnologia, e de outro,
desenvolvimento sustentável com o ordenamento territorial conforme prevê a
Constituição. Por outro lado, reconheceu-se um número reduzido de unidades
federativas que produziram seus ZEE.

O Brasil, segundo o Coronel Roberto de Paula Avelino12, possui mais ou menos,


300.000 homens distribuídos entre as três forças. Mais da metade desse contingente
está no Exército que possui aproximadamente um contingente de 190.00013. Desses,
30.000 estão hoje na Amazônia, afirma o Coronel. Esses dados revelam que ainda
há um forte predomínio da concentração das forças do Exército, não é diferente das
outras – Marinha e Aeronáutica -, nas regiões Sul e Sudeste em detrimento da Região
Amazônica, considerada pelo Ministério da Defesa, como prioritária para a defesa.

No Brasil, as FFAA são regidas pela Constituição no seu Artigo II. Em caráter
excepcional é preciso considerar a possibilidade da permanência de ações conjuntas
e coordenadas com flexibilidade do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), da
Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Polícia Federal com as FFAA na Amazônia.

INTERAÇÕES REGIONAIS E PRESSÕES INTERNACIONAIS SOBRE


PAN-AMAZÔNIA: PERSPECTIVAS BRASILEIRAS

Pio Penna Filho

INTRODUÇÃO
A Pan-Amazônia, maior floresta tropical e bacia hidrográfica do mundo, conta com 7,8
milhões de quilômetros quadrados distribuídos entre nove países, sendo que um
deles é de fora do continente.2 Os números indicam que sua área equivale a 60% da
superfície da América Latina e que o Brasil é o detentor da maior parte de todo esse
fabuloso território, possuindo 67,8% da área total [...] Peru, com uma área equivalente
a 13% do total da floresta amazônica, estando, portanto, bem atrás do Brasil.

Alguns outros dados indicam a dimensão amazônica brasileira. Assim, a chamada


Amazônia Legal detém 59% do território brasileiro e possui 11.300 quilômetros de
fronteiras com sete países vizinhos, quais sejam: Bolívia, Colômbia, Guiana, Guiana
Francesa (França), Peru, Suriname e Venezuela. São cerca de 25.000 quilômetros
de vias navegáveis dentro de nove estados da República Federativa do Brasil, ou
seja, os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará,
Rondônia, Roraima e grande parte do Tocantins estão, em alguma medida,
vinculados a sua vasta e importante rede hidrográfica.

Apenas no lado brasileiro esse imenso território possui uma população de pouco mais
de 25 milhões de habitantes, abriga 56% da população indígena do país, conta com
vastas áreas esparsamente ocupadas e nas quais a maior parte de seus habitantes
se concentra nas cidades de Manaus e Belém, capitais dos estados do Amazonas e
do Pará, os dois maiores da região.4 O Estado do Amazonas é o maior do país em
área territorial e equivale aos territórios somados da França, Espanha, Suécia e
Grécia, o que nos dá uma amostra de sua grandiosidade. Por outro lado, sua
densidade demográfica é muito baixa e sua população vive, predominantemente, em
áreas urbanas, espalhadas de forma muito desigual entre os 62 municípios do
Estado.5

À parte de outras cidades de médio e pequeno porte, existem também os habitantes


que vivem nas cercanias dos rios, população conhecida como “ribeirinha” ou “povos
da floresta”. [...] . Sua economia é, de certa forma, rudimentar e poucas são as
perspectivas de um desenvolvimento mais autônomo e rentável.

A floresta detém o maior número de espécies vivas do planeta, a maior reserva de


água doce, madeiras nobres, vastas jazidas minerais (muitas sequer mapeadas),
grande potencial para geração de energia hidroelétrica, entre outras [...] Toda essa
riqueza e diversidade está espalhada pela vasta área da região amazônica entre os
seus condôminos, não se restringido a esse ou àquele país em particular.

PAN-AMAZÔNIA: DESENVOLVIMENTO, INTEGRAÇÃO, PRESERVACIONISMO E


INTERESSES ESTRANGEIROS

Rica em recursos naturais, em biodiversidade e componente inseparável do estado


brasileiro, a Pan-Amazônia precisa ser melhor estudada e compreendida para que
haja preparação para os desafios do presente e do futuro. Não é de hoje que outros
países e interesses se debruçam sobre a região amazônica, seja em nome de uma
pretensa preservação ambiental, seja embalado por inconfessos interesses materiais
relacionados ao acesso e controle de suas riquezas.

O Brasil, como detentor da maior parte do território amazônico, tem não só o direito
ao exercício da soberania sobre a região, mas também o dever de proteger o seu
ecossistema e as populações nacionais que lá habitam.

A Amazônia, todavia, não se encerra no Brasil. Nesse sentido, faz-se necessário um


olhar atento para o entorno regional, sobretudo para os países vizinhos que
compartilham e conformam a Pan-Amazônia com o Brasil. Uma análise mais
detalhada da bacia amazônica demonstra justamente o caráter regional dessa, ou
seja, deve-se observar a interdependência e a transnacionalização não somente do
ecossistema, das riquezas e das oportunidades, mas também dos seus problemas e
desafios.

Amazônia como um todo deve ter sua soberania, seu desenvolvimento e sua
capacidade de preservação mantidos, não só pelo Brasil, mas por todos os outros
países limítrofes. Esta conforma um sistema regional que compartilha problemas e
desafios semelhantes e demanda uma abordagem também compartilhada, embora o
Brasil se coloque, quase que de forma natural, como o país mais capacitado para
liderar esse verdadeiro complexo regional. Nesse caso, a ideia de liderança não
implica necessariamente em assumir uma capacidade de influenciar politicamente os
outros Estados, ainda que isso seja desejável a partir de uma perspectiva brasileira.
Infelizmente, o espírito de liderança é falho no Brasil. Há uma grande expectativa
entre os países da América do Sul para com o Brasil que, por via de regra, é frustrada
quando o país é chamado a liderar politicamente a região.

• Por um lado, a diplomacia brasileira age com uma excessiva cautela e se


intimida frente a muitos desafios sul-americanos, ocorrendo que, em certas
ocasiões, o país se torna inoperante e se deixa levar pelos acontecimentos.
• Por outro, há que se reconhecer os esforços que vêm sendo realizados,
mesmo que ainda de forma tímida e difusa, para ampliar o grau de integração
física da região, haja vista que a ausência de infraestrutura básica é um grande
complicador e um dos elementos que mais dificultam uma ação conjunta dos
países amazônicos.

É compreensível que a criação de uma infraestrutura seja um objetivo de longo prazo,


sobretudo pela dificuldade em integrar e conectar a região como um todo tendo em
vista suas características naturais.

Historicamente os países amazônicos se desenvolveram voltados praticamente de


costas para a Pan-Amazônia. Enquanto no Brasil os principais núcleos urbanos e
planos desenvolvimentistas se concentraram na região sudeste do país e foram
projetados em direção ao litoral, nos países vizinhos o processo não foi muito
diferente. Assim, a região amazônica permaneceu relativamente relegada para o
futuro. Sua ocupação foi, portanto, postergada, e só passou a receber mais atenção
a partir da década de 1970, e, mesmo assim, de forma muito incipiente e
desordenada, o que gerou um quadro quase caótico da ocupação de várias partes do
seu território, pelo menos no caso brasileiro.

No plano internacional extra regional, observa-se um comportamento de cobiça sobre


a Amazônia que remonta ao século XIX. Apenas no final do século XX, no entanto,
que esse interesse começou a se tornar mais efetivo. Este ganhou fôlego em torno
de um discurso ecológico e ambiental, e, a partir de então, se formou uma enorme
pressão sobre o Brasil que ora se amplia, ora se ameniza, mas que, de toda forma,
está consolidado na agenda internacional. Trata-se de um tema que dificilmente
deixará de ser um dos mais destacados no plano internacional, principalmente pelo
arrojado e internacionalizado movimento ambientalista que age em escala global e
está disseminado entre os países mais desenvolvidos e nas principais organizações
internacionais do mundo atual.

No nível doméstico o maior desafio, que interage ativamente com os demais, diz
respeito à integração efetiva e mais harmoniosamente possível da região com o resto
do Brasil, sendo que fenômeno semelhante ocorre entre os demais países da Pan-
Amazônia. Isto se dá porque os planos até agora implementados, com vistas à plena
integração da Amazônia às outras regiões, foram apenas parcialmente executados
em alguns países e, em outros, sequer foram considerados ou se encontram em
estágio muito incipiente. Assim, a realidade atual é que existem vastas áreas onde
não se percebe a presença do Estado, o que gera a sensação de um perigoso vazio
de poder, geralmente ocupado por atividades e interesses associados a ilicitudes de
diversas naturezas e com grandes impactos ambientais, o que ajuda a consolidar e,
de certa maneira, legitimar o discurso internacional de proteção ambiental.

Não é uma tarefa simples a integração das zonas amazônicas aos núcleos mais
centrais dos estados da bacia.

• Em primeiro lugar porque, historicamente, como observado anteriormente,


todos os países se projetaram em direções opostas à bacia ou, quando
diferente, apenas mantiveram uma presença mais restrita na região.
• Em segundo lugar, deve-se destacar a dificuldade de implementar projetos de
ocupação e desenvolvimento na região, tendo em vista as características
naturais
da bacia.

Hoje, por exemplo, pode-se notar a insegurança jurídica e humana provocada pela
mudança de enfoque para com a região. Se na década de 1970, por exemplo, a ideia
predominante era a de desmatar grandes extensões de florestas para ocupar as
terras com atividades produtivas, como se verificou sobretudo nos atuais estados de
Mato Grosso e Rondônia (mas não apenas neles), com iniciativas tanto públicas como
privadas de ocupação da terra, atualmente a tendência é valorizar a preservação
ambiental e reconhecer os direitos dos povos indígenas, o que provoca conflitos
fundiários (com grandes, médios e pequenos proprietários, além de posseiros e até
mesmo grileiros) e com grupos específicos, como com os garimpeiros, e diminui o
interesse de muitos empreendedores na região.
No plano regional os problemas se multiplicam. Os vizinhos amazônicos do Brasil
possuem uma presença ainda menor do Estado nas partes mais profundas de suas
respectivas zonas amazônicas, reproduzindo os problemas afetos à ausência ou
pouca presença do Estado verificados no Brasil. Há casos mais graves, como o da
Colômbia, no qual atividades guerrilheiras, agora associadas ao narcotráfico,
promovem insegurança que facilmente transborda para além das fronteiras deste
país, gerando mais insegurança na região.

A precária coordenação entre os Estados da Pan-Amazônia para promoção de ações


conjuntas objetivando uma abordagem regional e sistêmica voltada para encontrar
soluções conjuntas para os problemas comuns é outra debilidade importante. Apesar
da existência de uma organização internacional – Organização do Tratado de
Cooperação Amazônica (OTCA) – criada justamente para essa finalidade, os seus
resultados são ainda muito precários, como se verá mais adiante.

Já no plano internacional, não é de hoje que existe uma intensa atividade com relação
aos assuntos amazônicos, em muitos casos com interesses políticos e econômicos
que contrariam os interesses nacionais. Além da retórica ecológica de muitos
ambientalistas, assistimos a declarações de chefes de Estado, ou de ex-chefes de
Estado, de outros países que enfatizam a necessidade de “proteção” internacional da
floresta.

Sem dúvida, existem sérios problemas ambientais, indígenas e mesmo de não


indígenas desamparados que ocorrem na Pan-Amazônia. Todavia, são questões que
os países da região devem evitar a todo custo que sejam internacionalizadas, haja
vista que o discurso em defesa do meio ambiente e dos direitos humanos embute
também outros interesses, que pouco estão afeitos a esses temas.

É curioso notar que a abordagem brasileira se distancia da visão dos países do norte,
principalmente porque o Brasil identifica a necessidade premente do desenvolvimento
sustentável da região como forma de melhorar a qualidade de vida dos seus
habitantes, ao mesmo tempo em que tal desenvolvimento possibilitaria uma conexão
mais articulada com o restante do país e com os países vizinhos.

Uma das grandes questões que se coloca em termos amazônicos diz respeito em
como compatibilizar a exploração dos recursos encontrados na Amazônia com a
preservação ambiental e com os direitos das populações nativas e não nativas que
há muito tempo habitam a região. A expansão do agronegócio, a exploração de gás
e petróleo, as atividades de extração de madeira, ouro e outros minerais e a
construção de hidroelétricas realizadas até o presente momento já demonstraram
quão agressivas são essas atividades para um ecossistema relativamente frágil, e
assim também como são perturbadoras para as vidas das pessoas que moram na
vasta zona amazônica.

Trata-se, na verdade, de um paradoxo, porque não há como desenvolver e integrar


as respectivas regiões amazônicas ao restante dos países que a compõem sem
implementar projetos de desenvolvimento que dependam de fortes inversões dos
estados nacionais e que inevitavelmente provocam efeitos colaterais sobre o meio
ambiente. Seria uma grande ilusão pensar exclusivamente em termos de proteção
ambiental sem considerar as necessidades humanas e dos países que conformam a
Pan-Amazônia. No fundo, não há muita diferença em termos de países, uma vez que
as necessidades de praticamente todos os Estados amazônicos convergem para
esse paradoxo entre os ideais “preservacionistas” e os “desenvolvimentistas”.

De toda forma, é possível, até certo ponto, compatibilizar desenvolvimento com


preservação, no sentido da sustentabilidade do desenvolvimento. Neste caso em
específico, a presença do Estado em toda a região Pan-Amazônica se torna condição
sine qua non para que algum grau de sustentabilidade seja alcançado no processo
de desenvolvimento da região.

Já existe, por exemplo, um intenso tráfico em torno das riquezas amazônicas


realizado por meio da chamada “biopirataria”, que contrabandeia diversas espécies
da flora e da fauna regional, além de tentar se apropriar e monopolizar, por meio do
registro de patentes, de conhecimentos e saberes das populações nativas da
Amazônia.

A questão da biopirataria é apenas um dos problemas enfrentados pelos países da


Pan-Amazônia frente aos grandes interesses internacionais em torno dos recursos
amazônicos. Existe um grande e promissor potencial em termos de biodiversidade
que ainda é muito pouco conhecido e explorado, seja pelas populações locais, seja
pelos países detentores da soberania amazônica. Ilustra bem este quadro a
informação de que as populações indígenas empregam aproximadamente 1.300
diferentes plantas para fins medicinais, que possuem princípios ativos “característicos
de antibióticos, narcóticos, anticoncepcionais, antidiarreicos, anticoagulantes,
fungicidas, anestésicos, antiviróticos e relaxantes musculares”, conforme afirma a
Fundação Perseu Abramo (FPA, 2013).

Ainda no campo da biopirataria, vale a pena uma referência ao fato de que tanto o
Brasil como os demais países amazônicos encontram-se em uma absurda situação
de vulnerabilidade institucional e jurídica para combater essa modalidade de ilícito
internacional, em via de regra transformado em atos legais sob o abrigo da lei de
patentes, por mais imoral que possa parecer.

Neste episódio, o Escritório de Marcas do Japão (JPO) tentou o registro da marca


comercial do cupuaçu que, caso tivesse sido bem sucedido, daria à empresa Asahi,
por meio de uma subsidiária criada justamente para essa finalidade, a “Cupuacu
International”, a patente para a produção industrial de um chocolate obtido com a
utilização da semente da fruta. A iniciativa foi contestada pelo governo brasileiro e por
ONGs e a pressão deu resultado, uma vez que o próprio Escritório de Marcas do
Japão solicitou a retirada do pedido da marca por parte da empresa em 2004
(Homma, 2008, p. 69)

Como dito, outros países da Pan-Amazônia sofrem ações e pressões semelhantes


ao Brasil em termos de biopirataria, mas com um ingrediente a mais que aumenta o
grau de preocupação. Nesse sentido, a assinatura de Tratados de Livre Comércio
(TLC) entre a Colômbia – segundo país do mundo com maior biodiversidade vegetal
e maior número de plantas conhecidas – e os Estados Unidos e entre o Peru –
classificado entre os dez países do mundo com maior biodiversidade – e os Estados
Unidos, abrem uma enorme avenida de possibilidades para que a biopirataria seja
executada praticamente de forma legal por parte dos Estados Unidos, sobretudo
pelos interesses privados representados pelo governo norte-americano.

A precariedade do controle dos órgãos responsáveis no Brasil se revela também por


meio do impressionante e expressivo tráfico de animais silvestres, retirados
principalmente da Amazônia. Segundo a Polícia Federal, essa atividade ilícita está
entre as mais frequentes do mundo, perdendo apenas para o tráfico de armas, drogas
e seres humanos (Saiba..., 2013). [...] O Ibama apreendeu, apenas em 2009, mais de
31 mil animais silvestres retirados de seus habitats naturais e vendidos ilegalmente.
PENSAMENTO MILITAR E AMAZÔNIA

Além do que já foi discutido de forma relativamente sintética, é preciso considerar o


aspecto político-estratégico da bacia amazônica tal qual apreendido, sobretudo, por
militares e estrategistas brasileiros e também dos países vizinhos. No Brasil, durante
muito tempo o principal lema dos militares com relação à Amazônia era “integrar para
entregar”, em uma clara alusão à cobiça internacional sobre a região e suas riquezas.
Embora vários programas federais tenham sido criados para aumentar a presença do
Estado na Amazônia, todos foram apenas parcialmente executados

Nessa perspectiva, há uma preocupação focada na segurança nacional propriamente


dita, uma vez que se identifica que há uma latente ameaça à soberania e integridade
do país, muito embora o pensamento militar esteja longe de se restringir apenas a
esta perspectiva. De fato, esta percepção não surgiu do nada. Muitas foram as
demonstrações internacionais de que era preciso coibir a devastação da floresta e
preservar os seus recursos naturais, daí o discurso de uma pretensa
“internacionalização” da Amazônia para “salvar” o que um dia foi chamado e
considerado por muitos como o “pulmão do mundo”. Falou-se muito, inclusive
abertamente, em limitar a soberania dos países amazônicos sobre a bacia com o
pretexto de salvar o ecossistema da devastação provocada pela ação desenfreada
de madeireiros, fazendeiros e garimpeiros, além da proteção aos grupos indígenas.

Ainda considerando o pensamento militar brasileiro, há que se ponderar que embora


a Amazônia tenha sido uma preocupação permanente neste pensamento, ela ganhou
mais peso com o fim da rivalidade com a Argentina, ou seja, com a redução das
possibilidades de guerra no Cone Sul e após o crescimento do discurso ambientalista
que trazia consigo a possibilidade de relativizar a soberania nacional sobre aquele
vasto território.

Assim como o discurso ambientalista, a intensificação da preocupação de setores das


Forças Armadas com a bacia amazônica foi ganhando densidade de maneira
gradativa. Para tanto, muito contribuiu, como salientado acima, o entendimento
havido entre Brasil e Argentina em diversos campos do relacionamento bilateral em
meados da década de 1980 e que logo levaria à criação do Mercosul no início da
década seguinte, com a consequente diminuição das tensões ou da possibilidade de
conflito na fronteira sul do Brasil.
Outro ponto importante, além da questão propriamente ambiental e que chamou a
atenção dos militares para a região amazônica é que ela foi identificada como a área
mais vulnerável do país, por uma série de fatores, entre os quais a inata dificuldade
em cuidar e controlar as suas vastas áreas de fronteiras, com o agravante de que em
vários países vizinhos a situação política era de grande instabilidade, sobretudo na
década de 1980. Como bem salienta Marques,

Os militares viam com preocupação a existência de grupos guerrilheiros


atuando nos lindes da Amazônia brasileira, as disputas territoriais entre Peru e
Equador, a possibilidade de que a Venezuela e a Guiana quisessem rever suas
fronteiras com o Brasil, entre outros fatores (Marques, 2007, p. 18)

Aliás, é relevante enfatizar que dois grandes países da Pan-Amazônia, no caso


Colômbia e Peru, possuem acordos de livre comércio assinados bilateralmente com
os Estados Unidos. Esses acordos acabam envolvendo, como se verá mais adiante,
os Estados Unidos diretamente na região amazônica, e isso se dá não apenas nos
aspectos estritamente comerciais.

Suas fronteiras são vastas e porosas demais para que uma política estritamente
nacional possa trazer resultados concretos diante de ameaças tradicionais ou, mais
ainda, das novas ameaças que emergiram, sobretudo, após o fim da Guerra Fria.

O Brasil tem uma responsabilidade maior nesse assunto porque, de todos os países
amazônicos, é o único que assume de forma clara a sua condição amazônica. Os
vizinhos que compartilham a floresta com o Brasil não têm essa percepção, pelo
menos não tão claramente como formulada pelo estado brasileiro.

O Brasil é, também, o país que mais agride e devasta a Amazônia, causando impactos
que não ficam restritos às suas fronteiras. O mais lamentável é que os impactos
ambientais na Amazônia acabam ocorrendo com um grau muito baixo de integração
orgânica de sua vasta zona ao restante do território nacional.

Apesar de todas as dificuldades, vale lembrar que existe um esforço brasileiro no


sentido de tentar aprofundar a integração da região amazônica, dotando-a de uma
infraestrutura básica que permita maior intercâmbio entre os países que a circundam.

DO TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA (TCA) À ORGANIZAÇÃO DO


TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA (OTCA)
A OTCA é um organismo regional voltado para a cooperação entre os países que
compõem a Pan-Amazônia. Da OTCA fazem parte: Bolívia, Brasil, Colômbia,
Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. O único Estado presente na Pan-
Amazônia que não faz parte da OTCA é a França, haja vista que a Guiana Francesa,
como um dos seus departamentos ultramarinos, a coloca diretamente na região.

Essa organização, criada em 1995, é um desdobramento do Tratado de Cooperação


Amazônica (TCA), que foi assinado pelos mesmos países em julho de 1978 e entrou
em vigor em 1980. O objetivo principal da OTCA é justamente o de tornar operacional
o TCA, zelando pela implementação de suas decisões.

Quando foi criado o TCA, no final da década de 1970, ainda não havia uma pressão
internacional tão grande sobre os países amazônicos em torno da questão ambiental.
O que se percebe é que os países amazônicos, tendo à frente o Brasil, se anteciparam
corretamente ao institucionalizar o processo de cooperação na vasta área da Bacia
Amazônica considerando as possíveis ameaças à soberania dos países com relação
à região. Já estava presente no tratado a ideia, conforme observa o diplomata Pedro
Motta Pinto Coelho, de que para se alcançar o desenvolvimento integral dos territórios
da Amazônia “é necessário manter o equilíbrio entre o crescimento econômico e a
preservação do meio ambiente” e que isso seria inerente “à soberania de cada
Estado” (Coelho, 1992, p. 116).

A concepção de uma Pan-Amazônia mais integrada, solidária e conectada, que


colocasse os países nela representados atuando conjuntamente, é anterior à
assinatura do TCA. Todavia, este assunto só esporadicamente aparecia nos
discursos oficiais e muito pouco tinha sido realizado até então. Aliás, é de se notar
que, a rigor, praticamente todos os países da Pan-Amazônia estavam virados de
costas uns para os outros.

Com efeito, havia, como existe até hoje, uma preocupação específica dos militares
com a soberania da região. Aliás, sobretudo no século XX, foram os militares, mais
do que os diplomatas, os que pensaram e colocaram a Amazônia na agenda política
brasileira, tanto interna quanto externamente

Na perspectiva política dos militares, o dilema amazônico, na ótica tradicional da


segurança, é muito mais internacional do que regional. Ou seja, não existe receio
contra qualquer ação dos vizinhos – a não ser a presença de guerrilhas e a ação do
narcotráfico –, mas sim com a cobiça internacional em torno das riquezas
amazônicas.

Com essa premissa, a diplomacia brasileira considerou e ponderou sobre a


necessidade de um arranjo político-diplomático que envolvesse os países da região,
o que está na origem da assinatura do TCA. Embora tenha sido uma iniciativa
louvável, o tratado não conseguiu avançar muito na iniciativa da integração regional,
apesar de ter promovido maior aproximação entre os países amazônicos,
aprofundando diálogos e tornando os contatos permanentes.

Do TCA até a criação da OTCA, percorreu-se um longo caminho. À medida que a


questão ambiental se adensava e se tornava, mesmo que gradativamente, um tema
de grande destaque na agenda política internacional, o Brasil, que era e é o maior
interessado nas questões amazônicas, propugnou pela institucionalização
internacional do tratado, convertendo-o em um instrumento jurídico internacional com
a criação da OTCA

Como inciativa diplomática avançou em relação ao Tratado de Cooperação do final


da década de 1970, mas uma análise crítica revela que seu alcance foi muito limitado,
mostrando que os interesses dos países da bacia nem sempre convergem e que suas
agendas políticas são determinadas por prioridades igualmente diferenciadas.

CENÁRIOS DA PAN-AMAZÔNIA

Ao se projetarem os possíveis e mais prováveis cenários regionais para a Pan-


Amazônia, há que se considerar algumas importantes variáveis, como a evolução dos
quadros políticos nacionais e suas interações no plano regional, considerando-se
principalmente o comportamento dos atores amazônicos mais proeminentes – Brasil,
Colômbia, Venezuela e Peru – e da visibilidade e atenção que a região pode despertar
perante a comunidade internacional, sobretudo pelo agravamento ou não da questão
ambiental e do aquecimento global, que são considerados como os temas que têm
mais chances de colocar em evidência a Pan-Amazônia no âmbito internacional.

Cenário regional
O contexto amazônico mudou muito desde a década de 1970, quando a Amazônia
se tornou um tema de grande destaque na agenda política brasileira, principalmente
pela preocupação despertada para sua integração mais efetiva ao território nacional,
o que levou a medidas como abertura de estradas, expansão da fronteira agrícola e
implementação de polos de desenvolvimento econômico.

o plano regional, considerando como marco o período iniciado na década de 1970,


houve, assim como no Brasil, porém em menor escala, uma gradativa descoberta do
potencial amazônico pelos países vizinhos. [...] De toda forma, ocorreu um movimento
crescente no sentido de ampliar a presença do Estado na Amazônia, mesmo que em
áreas pontuais, com o duplo discurso de exploração dos recursos naturais existentes
e de preservação ambiental.

Com efeito, a perspectiva colombiana se difere das demais pela presença


perturbadora para toda a região de um grupo de guerrilha ainda atuante e que mescla
questões ideológicas com o problema do narcotráfico [...] Um dos efeitos colaterais
deste problema, por exemplo, foi a implementação do Plano Colômbia, que trouxe de
forma mais intensa para a região a presença militar dos Estados Unidos, o que
contraria frontalmente os interesses brasileiros e de vários outros países amazônicos
– principalmente Venezuela, Equador e Bolívia –, haja vista a preocupação nacional
com qualquer modalidade de ingerência de grandes potências na América do Sul e,
em especial, na Amazônia

Assim, a persistência das atividades das Forças Armadas Revolucionárias da


Colômbia (FARC) e sua associação com o narcotráfico impõem desafios que não se
restringem à perspectiva colombiana.

A Colômbia foi, com efeito, o país da América do Sul que mais sofreu com as
atividades do narcotráfico e das guerrilhas.

Assim, a parceria com os Estados Unidos foi, de certa forma, providencial para que o
país não entrasse na lista dos estados falidos no final dos anos 1990.

A atuação das FARC e a resistência da maior parte dos países sul-americanos em


identificarem oficialmente o grupo como tendo “evoluído” para uma narcoguerrilha,
criou uma situação complicada na relação entre os países vizinhos e a Colômbia. [...]
É o caso, por exemplo, do emprego do agente químico glifosato, aspergido nas
plantações de coca na Colômbia, mas que rapidamente contaminou territórios e
mananciais além das fronteiras colombianas.

Este foi o caso, registrado de maneira mais contundente, da ação militar levada a
efeito pelo Exército Colombiano contra um acampamento militar das FARC em solo
equatoriano.8 Embora não tenha sido a única operação militar fora da Colômbia, foi
a mais grave pela sua dimensão e pela captura de informações importantes que
estavam em poder de um alto líder da guerrilha que foi morto na operação.

Impactos ambientais e intervencionismo internacional

A exploração dos recursos naturais e a ocupação do solo na região tem aumentado


em praticamente todos os países amazônicos e os impactos ambientais decorrentes
desse processo são inevitáveis.

A autonomia para a exploração da Amazônia se encontra em risco permanente, assim


como a própria soberania dos Estados amazônicos sobre a Pan-Amazônia. Como
destaca Bentes, “entre 1989 e 2002, a Amazônia se tornou o primeiro, e até agora
único, objeto da intervenção direta do ambientalismo internacional” (Bentes, 2005, p.
225). Embora não se possa descartar a existência de um pensamento genuinamente
preservacionista por trás do ativismo ambientalista, não se deve descartar, de forma
alguma, os interesses econômicos e políticos de grandes potências ou de instituições
e atores internacionais que muitas vezes se utilizam desse discurso para embasar de
maneira sub-reptícia os seus objetivos e interesses.

Como observado anteriormente, há pouco tempo o Brasil ainda era praticamente o


único país amazônico que planejava e executava uma política de ocupação e
exploração da região, tendo aumentado consideravelmente a presença do Estado na
chamada Amazônia legal. Naturalmente que essa ocupação e exploração se fez e
ainda se faz de forma um tanto precária, mas esse é um diferencial que deve ser
registrado. Contudo, outros países começaram, também, a se conscientizar de suas
“vocações amazônicas”.

Já existem investimentos em diversos setores sendo executados em países como


Colômbia, Peru e Bolívia, além, naturalmente, do próprio Brasil. Praticamente todas
as inversões na Pan-Amazônia levam a algum grau de impacto ambiental, haja vista
que empreendimentos de setores como a agropecuária, a mineração, o cultivo de
ilícitos – a ampliação das áreas de cultivo de coca se dá, via de regra, às expensas
de novos desmatamentos, principalmente na Amazônia colombiana, peruana e
boliviana –, a prospecção de petróleo e gás, a construção de hidrelétricas, a abertura
de estradas, melhorias nas vias fluviais etc. não são realizáveis sem afetar o meio
ambiente.

Em termos políticos, perante os países desenvolvidos do hemisfério Norte, custa caro


para a imagem dos Estados da Pan-Amazônia os impactos ambientais provocados
pelo aumento do nível das atividades econômicas na região. Como os países
amazônicos não estão dispostos a manter a floresta intacta e nem tampouco a
restringir a atividade econômica a processos de pouco impacto ambiental, haja vista
a necessidade de melhorar a qualidade de vida das pessoas que habitam a região e
de utilizar esses recursos para o desenvolvimento dos seus países, é de se esperar
que a pressão internacional não irá desaparecer ou mesmo diminuir.

O modo mais eficaz de se contrapor a esse ativismo internacional, que cada vez mais
possui um indisfarçável caráter ideológico e que se desenvolve por meio de
determinados países e ONGs e alcança Organizações Internacionais, é o de
aumentar a presença do Estado na Pan-Amazônia em diferentes frentes.

Não é possível para um único país, como o Brasil, fazer frente sozinho e de forma
plenamente autônoma, a esse crescente ativismo. A ideia de aumentar a presença
do Estado na Pan-Amazônia é entendida aqui não apenas com a execução de
projetos desenvolvimentistas ou por meio apenas do aumento da presença militar.

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