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(2020)
J.M. Poyer
INTRODUÇÃO
Para Saint-Pierre, com o fim da tensão bipolar caracterizada pela Guerra Fria, de
forma a justificar os orçamentos de defesa, foram identificadas “novas ameaças” que
pudessem definir um novo papel das Forças Armadas.6 Na verdade, a ausência do
inimigo externo, anteriormente representado pela ameaça comunista, provocou
mudanças no pensamento estratégico das forças armadas da América do Sul. Estas
priorizaram a manutenção e ampliação do dispositivo militar ao longo de suas
fronteiras, não apenas como um imperativo baseado necessariamente na defesa
clássica da soberania de seus territórios, mas, também, para incrementar a vigilância
contra a ação da criminalidade organizada transnacional (drogas, armas,
terrorismo).7 Conforme o almirante Mário Cézar Flores, essas ameaças, classificadas
por ele como sendo de baixa intensidade ou subestratégicas, ocorrem com maior
probabilidade em fronteiras não desenvolvidas ou pouco controladas como é o caso
daquelas situadas na região amazônica.8
A região amazônica, por sua vez, corresponde às áreas drenadas pelas bacias dos
rios Amazonas, Araguaia-Tocantins, Orenoco, Essequibo, entre outros rios de menor
porte. De maneira geral, a Amazônia é considerada a região da América do Sul
coberta predominantemente por florestas tropicais. Geograficamente, cobre uma área
pouco maior que sete milhões de km², o que representa 5% da superfície terrestre do
globo. A Amazônia continental ocupa 50% da América do Sul, espalhada por nove
países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname
e Venezuela.9 Apesar da extensa dimensão, em termos populacionais, a região
congrega apenas 30 milhões de habitantes, o que representa 0,3% da população
mundial, tornando-a uma das regiões com menor densidade demográfica do planeta.
Outra ameaça que incide sobre a região é caracterizada pelo tráfico internacional de
drogas. Neste caso, o Brasil se apresenta como um dos paises de trânsito da cocaína
produzida na Colômbia, Peru e Bolívia, que tem como destino os grandes centros
consumidores de droga dos Estados Unidos e da Europa. [...] A maior parte da
cocaína é transportada pelo mar a partir da Argentina, Brasil, Colômbia, Equador,
Venezuela e Suriname até os principais portos europeus.
BRASIL. Relatório da CPI destinada a investigar as organizações criminosas do
tráfico de armas, nov. 2006. p.56, 57. Disponível em:
<http://www2.camara.gov.br/comissoes/temporarias/cpi/cpiarmas
/relatoriofinalaprovado. html> Acesso em: 20 abr. 2007.
A decisão conjunta de unir esforços na fiscalização dos rios comuns, na vigilância dos
espaços aéreos adjacentes às suas fronteiras, bem como na cooperação policial para
combater crimes transnacionais que ameaçam as soberanias dos países
amazônicos, representa um grande avanço nos arranjos de segurança regional. Além
dos resultados positivos, são fortalecidas as medidas de confiança mútua entre os
países vizinhos
Nesse contexto, por iniciativa do governo peruano, foi proposta a criação de uma
Comissão Especial sobre Defesa e Segurança Integral da Amazônia, com base no
previsto pelo Art. XXIV do TCA, que prevê a criação de comissões especiais para
tratar de problemas ou temas específicos do tratado, a semelhança de outras
comissões especiais como a de Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Turismo,
Educação entre outras.
O que também marcou a reunião dos ministros da Defesa dos países da OTCA foi a
disposição do governo brasileiro em compartilhar a experiência adquirida com a
implantação do projeto SIVAM/SIPAM. O Peru, a Colômbia e o Equador foram
unânimes em que o acesso ao sistema brasileiro de vigilância representaria uma
ferramenta útil para tornar mais efetiva a luta contra as ameaças comuns
Por outro lado, a Venezuela, objetivando uma maior autonomia, já havia anunciado,
no final de 2004, que pretendia criar seu próprio complexo de vigilância territorial, aos
moldes do SIVAM, que batizou de Sistema de Vigilância do Orinoco e Amazônia
(SIVORAM).
Na verdade, ainda não existe uma política de segurança integrada para a região que
possa balizar as ações conjuntas dos países amazônicos de forma mais eficaz.
RESUMO
O Programa Calha Norte (PCN) foi concebido na década de 1980, mas assumiu
novas configurações após sua retomada em 2003
COMPARAÇÃO ENTRE DOIS MOMENTOS DO PROGRAMA CALHA NORTE
Por fim, a retomada do Calha Norte apresenta uma versão atualizada do binômio
segurança e desenvolvimento na Amazônia brasileira, em um contexto bastante
diferente daquele marcado pela doutrina de segurança nacional dos anos 1970.
O contexto da Guerra Fria ainda vigorava como uma preocupação geopolítica para o
Estado brasileiro. Uma das principais justificativas para o PCN apresentadas pelo
Conselho de Segurança Nacional em 1985 era a possível “projeção do antagonismo
Leste-Oeste na parte norte da América do Sul” (Exposição de Motivos 018 apud
Oliveira, 1990, p.19), por meio das disputas fronteiriças envolvendo Venezuela,
Guiana e Suriname, da emergência de lideranças personalistas nos governos da
Guiana e do Suriname, da projeção dos movimentos revolucionários do Caribe e da
influência cubana (Oliveira, 1990, p. 19). Durbens Nascimento (2006, p. 100)
acrescenta ainda a permanência de reflexos do combate à guerrilha do Araguaia
como um dos motivos que mobilizavam as iniciativas das Forças Armadas na
Amazônia.
O Programa Calha Norte (PCN) tem como objetivo principal contribuir com a
manutenção da soberania na Amazônia e contribuir com a promoção do seu
desenvolvimento ordenado. [...] Visa aumentar a presença do poder público na
sua área de atuação e contribuir para a Defesa Nacional.
Em 1990, o PCN sofreu uma acentuada redução de verbas e ficou limitado a ações
internas às Forças Armadas, como apoio à melhoria e à implantação de infraestrutura
militar na região amazônica, que ganhava cada vez maior importância nas políticas
de segurança e defesa.
CONTEXTO GEOPOLÍTICO
O período inicial do programa está situado justamente em uma transição entre dois
modelos e guardava ainda aspectos fortemente relacionados ao modelo geopolítico
anterior. Essa transição é verificada em diferentes escalas de análise
Em primeiro lugar, no plano global, o fim da Guerra Fria deu lugar a um sistema
internacional marcado pela supremacia militar dos Estados Unidos, pela expectativa
de uma governança global mais harmoniosa e multilateral e pela emergência de
novos temas na agenda global de segurança
Para o Brasil, essa nova agenda global foi assimilada por meio das iniciativas de
proteção ambiental da floresta amazônica, da adesão aos regimes internacionais de
combate ao tráfico de drogas e não proliferação de armas nucleares.
No plano nacional, a segunda metade da década de 1980 foi marcada pela abertura
política e pela descentralização do Estado, principalmente a partir da Constituição de
1988. [...] Política de Defesa Nacional (1996) [...] Ministério da Defesa (1998)
“É preciso redes para enfrentar redes” – reconhecem Arquilla e Ronfeldt (2001, p. 15)
[...] Isso não significa somente o uso de novas tecnologias em rede, mas sim a
capacidade de inovar nos modos de organização, com a formação de novos
mecanismos interagências, interserviços, multijurisdicionais e de cooperação
transnacional (Ronfeldt, 2003, p. XVII). Apesar da supervalorização da dimensão
cibernética e tecnológica, é o aspecto organizacional das redes que determina sua
operabilidade, por meio da comunicação e da coordenação dos agentes, desde o
compartilhar de informações até operações táticas conjuntas.
A justificativa social do PCN passa a incorporar interesses locais, fazendo com que
agentes dos governos municipais e estaduais se mobilizem para obter verbas que
possam ser incorporadas ao Programa. Em 2007, foram R$ 136,5 milhões liberados
por emendas individuais, R$ 13 milhões por comissões e R$ 271,5 milhões pelas
bancadas dos estados cobertos pelo PCN (Ministério da Defesa,
2007, p. 2).
O aumento das verbas recebidas pelo Programa Calha Norte está diretamente
relacionado à ampliação do número de convênios e a ampliação da vertente civil das
ações do programa. A partir de 2005, as verbas são discriminadas entre “recursos do
MD” e “emendas parlamentares”, sendo que esta última representa a maioria do
montante destinado ao PCN. A introdução de “emendas parlamentares” no orçamento
do programa explica o boom de recursos disponíveis nos últimos três anos.
Embora o montante destinado a cada município não seja tão expressivo nas contas
municipais, as verbas do PCN são muito requisitadas devido à maior facilidade dos
trâmites necessários para sua obtenção.
A hipótese sobre a relação entre gastos civis e militares é de que as ações de apoio
à infraestrutura civil executadas diretamente pelas Organizações Militares ocorrem
em municípios com pouca capacidade de captação de recursos por outras vias
institucionais. Em alguns casos, as comunidades mais isoladas acabam dependendo
das ações sociais das Forças Armadas, um dos poucos agentes estatais com
capacidade logística de atendê-las. [...] Essa hipótese é reforçada ainda pelo papel
desempenhado pelos militares junto às populações indígenas.
Talvez por isso, pelo abandono dessa região litorânea, a primeira navegação
completa do Amazonas foi realizada a partir dos Andes e não, como se imaginaria, a
partir do delta marajoara, a entrada natural do continente. Feito excepcional para a
época, foi obra de um dos veteranos da conquista do Peru, Francisco de Orellana,
lugar‑tenente de Gonzalo Pizarro, Governador de Quito (irmão de Francisco Pizarro)
“como se fossem seus capitães”. Eram mulheres “muito alvas e altas, com o cabelo
comprido, entrançado e enrolado na cabeça. São muito membrudas e andam nuas
em pelo, tapadas as suas vergonhas, com seus arcos e flechas nas mãos, fazendo
tanta guerra como dez índios [...] “de tempos em tempos [...] quando lhes vem aquele
desejo [...] Se têm filhos os matam e mandam ao pai; se é filha a criam com grande
solenidade e a educam nas coisas da guerra”
“Enterrado ao pé de uma das velhas árvores dos bosques sempre verdes, banhados
pela corrente do majestoso rio que havia descoberto, encontrava por fim repouso a
seus afãs e fadigas no meio daquela luxuriante natureza, que era digno sepulcro do
seu nome imorredouro”
A viagem de Pedro Teixeira teve também como cronista um religioso espanhol. Desta
vez, o jesuíta Cristóbal de Acuña, que acompanhou a navegação de regresso desde
Quito, aonde chegara Teixeira, até Belém. Curiosamente, o Padre Acuña, bom
observador e bom escritor (ao contrário de Carbajal, prolixo e desatento, segundo
Melo Leitão), nada fala de Franciscana. Talvez, por ser espanhol e escrever depois
da separação das Coroas, tivesse o interesse patriótico de omitir um fato que poderia,
no futuro, ser alegado - como realmente o foi - como prova da ocupação portuguesa.
É certo que tinha preocupações com a expansão portuguesa na Amazônia, nítidas na
memória que, após a viagem, escreveu ao seu rei, aconselhando‑o a ocupar todo o
vale do rio. Com bons argumentos, aliás: impedir que se criasse uma porta amazônica
para o contrabando de metais, obter uma saída atlântica para as possessões
espanholas e prevenir uma possível aliança na região dos portugueses com os
holandeses, inimigos da Espanha; “pois se unidos com o holandês, como o estão
muitos do Brasil, intensificassem semelhante atrevimento, já se vê o cuidado que
poderiam dar”190. Mas, felizmente para a formação territorial do Brasil, o rei da
Espanha não ouviu o Padre Acuña. Certamente não considerava aquela região “a
mais importante daquele novo mundo descoberto”191, como afirmava com exagero
o jesuíta.
POVOAMENTO
Assegurados alguns pontos básicos da bacia amazônica, percebeu a metrópole que
teria dificuldades em ocupá‑la sem a ajuda da Igreja: “desde os primeiros tempos,
verificada a existência de multidões infinitas de tabas indígenas, das mais variadas
famílias, o que permitiu a impressão de que se estava numa nova Babel, apelou o
Estado para a cooperação das Ordens Religiosas”192. E, assim, a partir de 1657,
quando jesuítas fundaram seu primeiro estabelecimento do rio Negro, foram os
religiosos criando missões nas margens de vários rios da bacia do Amazonas.
Principalmente jesuítas, mas também franciscanos, carmelitas, capuchinhos e
mercedários.
Ernani Silva Bruno, no volume sobre a Amazônia de sua História do Brasil, dá o título
expressivo de “Droga, índio e missionário” ao capítulo que trata da ocupação dos
vales dos rios da bacia amazônica entre 1640 e 1755, isto é, aproximadamente
entre a viagem de Pedro Teixeira e as demarcações do Tratado de Madri. Tem razão,
pois nesse período o que se vê principalmente é o entrelaçamento desses três
fatores. A obra de catequese religiosa, fundamental para a ocupação portuguesa da
Amazônia, foi realizada nas missões; integradas por nacionais e apoiadas pela Coroa,
agiam como representantes dos interesses de Portugal. Mas, sem as “drogas do
sertão”, não haveria base econômica para se estabelecer permanentemente; prova
disso é que as missões que prosperaram foram as que tiveram sucesso na exploração
dessas especiarias americanas, valorizadas ainda mais no século XVIII, quando já
estavam perdidas as possessões portuguesas no Oriente.
Uma observação agora sobre o papel do Estado: a ocupação da Amazônia não foi
apenas consequência da geografia, que proporcionou aos portugueses, após a
fundação de Belém, o acesso à magnífica avenida da penetração e às estradas
fluviais dos afluentes do grande rio; nem foi somente obra dos indivíduos, cujos
interesses, espirituais ou materiais, os levaram a entrar naquele imenso sertão
florestal. A conquista da Amazônia teve sempre, em escalas variáveis no tempo e no
espaço - mais nítida no norte, menos no sul - a orientação e o apoio da Coroa
portuguesa.
Nem por isso, todavia, deve deixar‑se de aceitar a tese de que a expansão e a
consequente criação da base física foi empresa estatal. A série de cartas
régias, de instruções menores que se expediram de Lisboa, concertando uma
política decisivamente voltada para a ampliação territorial, não admite dúvidas
a respeito194.
INTEGRAÇÃO INTERNACIONAL E POLÍTICAS PÚBLICAS DE
DEFESA E SEGURANÇA NA FRONTEIRA SETENTRONAL
AMAZÔNICA: Reflexões sobre a condição fronteiriça amapaense1
RESUMO
• Primeiro porque é através da região amazônica que o país tem conexão física
com seis4 outros Estados sul-americanos e com a Guiana Francesa –
Departamento Ultramarino Francês –, o que torna suas fronteiras
internacionais peças-chave no processo de integração física.
• Segundo, a região amazônica mais uma vez é encarada como fronteira de
recursos, que apresenta grande potencial para exploração econômica e
atratividade do grande capital e das redes internacionais, principalmente para
a exploração mineral, mas também, mais recentemente, para o petróleo e a
hidroenergia.
• Por último, considerando a grande dimensão de suas fronteiras, a
intensificação das rotas ilícitas do tráfico e os crimes internacionais.
Essa divisão implica em que a maior porção das terras públicas está sob a
administração de órgãos federais, o que limita consideravelmente a capacidade do
Estado do Amapá em promover seu ordenamento territorial. Soma-se a isso o fato de
que atualmente 72% do território do Estado são protegidos pela demarcação de terras
indígenas (10%) e pela criação de áreas de proteção ambiental estadual, federal e
privada (62%)
Vale lembrar que a fronteira setentrional não se refere somente à conexão física com
a América do Sul. A proximidade física com a Guiana Francesa tem estimulado
acordos de cooperação entre Brasil e França, ou seja, entre um país europeu e um
sul-americano. Esta conexão dos dois países representa para o Brasil a interação
com a zona do Euro; a conexão com o espaço da Organização do Tratado do Atlântico
Norte (OTAN); e a proximidade com uma área científica de ponta, pela estação
espacial de Kourou na Guiana Francesa, que é integrante de estratégias científicas
da União Europeia
No Amapá, a vertente civil do PCN atuou, entre 1996 a 2011 (BRASIL, 2013), em 6
municípios, a saber: Calçoene, Ferreira Gomes, Laranjal do Jari, Oiapoque, Pracuúba
e Serra do Navio. Os investimentos somam R$17.328.550,66 e foram destinados a
equipamentos urbanos como escolas, creches, centros esportivos, além de
pavimentação de vias públicas e demais obras de urbanização.
O Município foi criado em 1945, ainda na época do Território Federal, sendo sua
condição de fronteira internacional com o território francês determinante para a
ocupação por meio da colonização induzida por políticas e estratégias geopolíticas
de segurança e defesa nacional, como a construção da BR 156. A estrada foi de
grande importância para garantir a presença brasileira na região. A partir de um
posicionamento geopolítico, o Estado nacional buscou integrar a fronteira do extremo
Norte, garantindo um processo de povoamento, com a presença militar – concentrada
em Clevelândia do Norte – e a ligação da região ao centro dinâmico da economia
amapaense, concentrado na capital Macapá.
GEOPOLÍTICA DA AMAZONIA
BERTHA K. BECKER
No final do século XX, houve, portanto, impactos negativos, mas também mudanças
estruturais e novas realidades geradas na fronteira, Dentre as mudanças, destaca-se
a da conectividade regional, um dos elementos mais importantes na Amazônia. Não
se trata apenas das estradas, elementos que contribuíram para depredação dos
recursos e da sociedade, mas sim, sobretudo, das telecomunicações, porque a rede
de telecomunicações na Amazônia permitiu articulações locais/ nacionais, bem como
locais/ globais. Outra mudança importante é a da economia, que passou da
exclusividade do extrativismo para a industrialização, com a exploração mineral e com
a Zona Franca de Manaus, que foi um posto avançado geopolítico colocado pelo
Estado na fronteira norte, em pleno ambiente extrativista tradicional
Isso, conseqüentemente, trouxe uma disputa das potências pelos estoques das
riquezas naturais, uma vez que a distribuição geográfica de tecnologia e de recursos
está distribuída de maneira desigual. Enquanto as tecnologias avançadas são
desenvolvidas nos centros de poder, as reservas naturais estão localizadas nos
países periféricos, ou em áreas não regulamentadas juridicamente.
Além disso, esse dado é importante porque pode ajudar a conter as atividades ilícitas
– narcotráfico, contrabando, lavagem de dinheiro etc. – e uma possível “ajuda” militar
no território brasileiro [...] O Brasil virou uma ilha cercada de “localidades de operação
avançada” por todos os lados, com instalações norte-americanas apoiadas pela União
Européia, com exceção das fronteiras com a Venezuela e a Argentina. O Brasil tenta
impedir esse cêrco com várias respostas, como com a criação do Ministério do Meio
Ambiente e o projeto Sipam (Sistema de Informação para Proteção da Amazônia),
embora tenha apoio financeiro para o aparelhamento da Polícia Federal.
A consolidação do povoamento
Nela
reconheço três macroregiões (Figura 3): a primeira é essa que chamam de “arco do
fogo” e que denomino de arco do povoamento con-solidado, porque é onde estão as
cidades, as densidades demográficas maiores, as estradas e o cerne da economia; a
outra macroregião, da Amazônia central, corresponde ao restante do estado do Pará,
que é a porção mais vulnerável da Amazônia, porque cortada pelos eixos, pelas
estradas e onde estão duas das frentes localizadas; a última é a Amazônia ocidental,
que tem a maior área de fronteira política e‘é a mais preservada (porque não foi
cortada por estradas e seu povoamento foi pontual, na Zona Franca de Manaus,
enquanto o resto do estado ficou abandonado). E o fato de ser uma região em si,
constitui uma força de resistência à destruição da floresta.
A floresta só deixará de ser destruída se tiver valor econômico para competir com a
madeira, com a pecuária e com a soja.
INTRODUÇÃO
Argumenta-se que o maior protagonismo internacional brasileiro e sua disposição em ampliar suas
capacidades militares, combinados com a adoção de uma estratégia que envolve a integração sub-
regional, implicam mudanças no panorama estratégico regional. Essa agenda, contudo, sofre
constrangimentos de duas ordens.
A inserção de segurança internacional do Brasil define-se com base em três objetivos de caráter mais
geral:
As duas décadas finais do século XX foram marcadas por uma bem suce dida contraofensiva dos EUA
para reafirmar sua hegemonia no sistema internacional, abalada pela derrota na guerra do Vietnã, pela
crise econômica e energética e pela emergência de novos polos de poder. [...] Na esfera econômica,
observou-se o endurecimento das negociações comerciais e de gestão da dívida externa, de modo a
forçar os países a adotar políticas neoliberais. Na esfera securitária, incrementou-se o esforço para
obstar o desenvolvimento de capacidades tecnológicas e militares mais avançadas em países como
Argentina e Brasil e, especialmente na região andina, incorpora-se à agenda a questão do narcotráfico.
[...] Assim, transparência, respeito aos direitos humanos e “governança” integraram o discurso para a
América Latina; o governo estadunidense assumiu a agenda da promoção do controle civil sobre os
militares, apoiando a criação de ministérios da defesa, a elaboração de livros brancos de defesa e
medidas de transparência, criando, ainda, o CHDS1 para incentivar a capacitação de civis da região
em assuntos de defesa (BARRACHINA, 2006)
Ao longo de quase duas décadas, os Estados Unidos insistiram no engajamento das forças armadas
da América Latina no combate ao crime organizado, enfrentando a oposição de países como Argentina,
Brasil e Chile (D’ARAÚJO, 2010). Temas como instabilidade política, ameaça à democracia, corrupção,
lavagem de dinheiro, crime organizado, terrorismo, desastres naturais e migrações, tradicionalmente
ligados a problemas sociais e de desenvolvimento, passaram a ser abordados por Washington de
forma securitizante (VILLA, 2010).
Em paralelo, os Estados Unidos intensificaram suas gestões junto aos países da região para que estes
empreguem suas forças armadas na repressão ao narcotráfico, e para que assinem acordos de
cooperação nesse sentido. Consequentemente, torna-se mais difícil para esses países encaminharem
de outra forma que não a definida por Washington o problema das drogas. Finalmente, a presença
militar estadunidense na Colômbia passou a ser percebida também como instrumento de
balanceamento à emergência de governos de esquerda na América do Sul.
Em relação à América Latina, o discurso também mudou ao sugerir uma “parceria entre iguais” pela
inclusão social e econômica, segurança cidadã, energia limpa e valores universais.
Há, portanto, uma diferença muito grande entre os esforços de recuperar a desgastada imagem dos
EUA na região e de fato imprimir uma nova agenda de defesa regional.
A EVOLUÇÃO DA AGENDA BRASILEIRA
A capacidade do Brasil, e dos demais países da América do Sul, de se contrapor à agenda norte-
americana é, por óbvio, limitada, assim como o são as possibilidades de produção de consenso em
face às formulações definidas por Washington, seja em virtude da dependência material em relação à
potência, seja em função dos interesses divergentes e até conflitantes de alguns países. Ainda assim,
a baixa prioridade que a América do Sul recebe nas políticas de segurança internacional dos EUA e a
pouca frequência de guerras na região dão margem para que exista espaço para a construção de uma
agenda própria, que pode, ou não, colidir com a estadunidense (TULCHIN, 2005).
Desde os primeiros passos do processo de integração que evoluiu para a criação do Mercosul, é
possível identificar uma agenda brasileira de defesa e segurança regional modesta, porém coerente,
que, mais recentemente, assumiu um caráter incremental. [...] Essa agenda pode ser identificada em
documentos oficiais e nos recentes projetos de modernização das Forças Armadas; pode ainda ser
apreendida nos discursos de autoridades e no engajamento do país na construção institucional da
União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) e na
recente retomada da ZOPACAS.
Política de Defesa Nacional (PDN) de 1996, a qual definiu a América do Sul e o Atlântico Sul como o
escopo das formulações estratégicas brasileiras. Esse espaço já era descrito como região pacífica e
desmilitarizada, e os potenciais riscos aos interesses brasileiros derivariam de zonas de instabilidade,
“bandos armados”, sobretudo na fronteira amazônica, e do crime organizado internacional. A resposta
brasileira a essas questões apostava na integração com os países vizinhos, fixando diretrizes como
“contribuir ativamente para o fortalecimento, a expansão e a solidificação da integração regional” ou
como “atuar para a manutenção de um clima de paz e cooperação ao longo das fronteiras nacionais”
(BRASIL, 1996, p. 4).
Na virada para o século XXI, a política externa brasileira empreendeu uma inflexão marcada pela crítica
à assimetria do sistema internacional, pelo distanciamento em relação aos EUA e pela diversificação
de parcerias estratégicas e de espaços de atuação (VIZENTINI; SILVA, 2010).
Em meio a esse processo, em 2005, o Brasil publica uma nova Política de Defesa Nacional bem mais
assertiva ao enfatizar que a “configuração da ordem internacional baseada na unipolaridade no campo
militar associada às assimetrias de poder produz tensões e instabilidades indesejáveis para a paz”
(BRASIL, 2005,p. 2).
Trata-se de um aspecto novo e bastante relevante a ideia de se integrar a indústria de defesa, pois
insere na agenda a intenção brasileira de avançar a cooperação em uma área bastante sensível. [...]
Assim, a diretriz 18 da Estratégia Nacional de Defesa (END), publicada em 2008, informa que a
“integração não somente contribui para a defesa do Brasil, como possibilita fomentar a cooperação
militar regional e a integração das bases industriais de defesa” (BRASIL, 2008, p. 7).
Livro Branco de Defesa Nacional reafirma a importância da América do Sul e do Atlântico Sul para o
Brasil, [...] o documento brasileiro soma-se ao esforço regional de criar instrumentos de transparência
e confiança mútua no campo da defesa. Em sua apresentação, o ministro da Defesa, Celso Amorim,
assinala que o documento tem os objetivos de prestar contas à sociedade sobre a estrutura de defesa
do país e de comunicar aos países da região as intenções brasileiras de forma transparente, de modo
a ser não apenas um instrumento de construção da confiança mútua, mas também de incentivo à
cooperação com os países da América do Sul e ao estabelecimento de uma zona de paz e segurança
no entorno sul-americano
De forma coerente, o tema cooperação aparece de diversas maneiras no discurso oficial brasileiro.
Uma delas se dá no sentido mais estrito da ação conjunta em torno de questões de defesa da soberania
e das riquezas naturais, nas quais os parceiros seriam os demais países da região amazônica. Em
outro sentido, o tema compõe o discurso mais genérico de legitimação da projeção internacional do
Brasil a qual, em uma ordem global multipolar, o Brasil buscaria sua “inserção afirmativa e cooperativa”
engajando-se na consolidação de estruturas de governança multilateral representativas da nova
distribuição do poder mundial (BRASIL, 2012a, p. 27)
A afirmação, ainda bastante otimista, de que a hipótese de guerra entre países da região seria
impensável, procura acentuar a característica histórica da América do Sul como um ambiente de baixa
incidência de conflitos armados interestatais e o padrão de interação do Brasil, que desde 1870 está
em paz com seus vizinhos.
Portanto, o Brasil procura desenhar uma agenda de defesa na América do Sul na qual seus interesses
de estabilidade da região e de projeção global do país e seus projetos de desenvolvimento de novas
capacidades militares não apenas não sejam balanceados pelos vizinhos, mas também sejam aceitos
como coincidentes com os interesses deles.
A retomada dessa iniciativa, estabelecida por uma resolução das Nações Unidas – a qual os EUA
votaram contra – e que envolve países das duas margens do Atlântico Sul, dá mais substância às
críticas governamentais à reativação da IV Frota estadunidense.
Essa construção identitária ampara-se também na bem sucedida coordenação política e operacional
que ensejou o comando da missão da ONU para manutenção da paz no Haiti, a Minustah. A divisão
de trabalho realizada entre Argentina, Brasil e Chile conseguiu fazer da América do Sul uma região
com certa capacidade de “exportar segurança”
“Processo de Transformação do Exército” – documento produzido pelo Estado Maior em 2010 e que
orienta os projetos dessa força –, mais uma vez, a organização reafirma a soberania sobre a Amazônia
brasileira e identifica na região a possibilidade de se formar um “arco de instabilidade” que venha a
dificultar a ascensão econômica brasileira. Para evitar essa possibilidade, propõe que o Exército deva
“enfatizar a cooperação com os exércitos vizinhos e, a partir dessa aproximação, auxiliá-los na
superação de suas dificuldades e no aumento da capacidade de influir na estabilidade interna de seus
países” (BRASIL, 2010, p. 26). Trata-se, nesse caso, de um entendimento de cooperação no mínimo
polêmico. Os documentos da Força Aérea tampouco abordam os temas da cooperação ou da
integração, embora esteja em curso o desenvolvimento conjunto entre países da UNASUL de uma
aeronave militar de treinamento básico, o Unasul-1, cuja previsão de entrada em operação é 2017.
Caberia então perguntar: em que medida o Brasil estaria disposto a induzir o desenvolvimento da
indústria de defesa nos demais países da gregião integrando-a aos projetos de modernização militar
em curso no país?
Alexandre Fuccille
O final abrupto dos dois períodos e uma elite política e econômica claudicante
resultaram em uma imersão da região no ostracismo e condenaram largas parcelas
da população local (assim como os nordestinos e outros imigrantes lá chegados) à
marginalidade, sem uma alternativa de desenvolvimento àquela monocultura então
dominante.
É neste contexto, ainda que quase sempre de forma errática, que a partir da década
de 1950 o Estado brasileiro começará a pensar políticas públicas para o
desenvolvimento da Amazônia. [...] Em tempos de predomínio da Doutrina de
Segurança Nacional (DSN) – grosso modo sumarizada através do binômio
“Segurança e Desenvolvimento” –, o presidente Médici instituiu por meio do
DecretoLei 1.106/70 o Programa de Integração Nacional/PIN, o qual previa o combate
aos vazios demográficos amazônicos valendo-se de lemas como “integrar para não
entregar” e “uma terra sem homens para homens sem terra”.
UM NOVO QUADRO
No
ponto que nos interessa, foi possível perceber que, através de um relacionamento
“amistoso” entre civis e militares, estes últimos conseguiram vetar qualquer
possibilidade de diálogo mais amplo acerca da Amazônia, permanecendo uma visão
militarista que a partir de 1985 encontra sua pedra de toque no Projeto Calha Norte
(PCN). Ele foi então justificado:
No início dos anos 1990, finda a guerra fria e em razão da emergência de um novo
quadro internacional e regional (particularmente o início da integração do Cone Sul
do subcontinente via Mercado Comum do Sul/Mercosul), paralelamente ao crescente
afastamento das Forças Armadas do centro decisório iniciado ainda durante a
ditadura militar com o projeto de distensão – não obstante a tutela do período Sarney
– , fez a instituição castrense ser abalada por uma crise de identidade que colocaria
os militares brasileiros na defensiva.8
A crise de identidade militar sucintamente poderia ser descrita como uma mudança
no rol de questões ligadas às condições institucionais, materiais e políticas vinculadas
ao seu preparo anterior. A obsolescência das clássicas Hipóteses de Guerra (guerra
global, subversiva e regional), a extinção da bipolaridade que norteava a disposição
geopolítica das nações, o novo papel de potência hegemônica agora representado
pelos EUA, as constantes proposições de redução dos efetivos militares de países
como o Brasil e o revigoramento da dicotomia “Norte-Sul” em substituição à divisão
anterior do mundo entre Ocidente “democrático” e Oriente “comunista”, informaram
de forma mais ampla a marcha desse processo.
Começava a ganhar força na cena internacional, seja por meio de discursos de chefes
de Estado ou governo, ou ainda por intermédio de organizações não governamentais
(ONGs), a difusão – e quiçá tentativa de construção de consenso – de que a
Amazônia era importante demais para ser deixada apenas aos cuidados dos
brasileiros, constituindo-se em uma espécie de Patrimônio da Humanidade.
Tais elementos e a difusão de uma possível “soberania compartilhada” (ao nosso ver,
uma contradição em termos) acenderam a luz amarela no interior das Forças
Armadas brasileiras e, mais ainda, serviram de elemento unificador, cimentando
ideologicamente um eficiente discurso para o mundo exterior de superação da já
aludida crise de identidade militar naquele tempo reinante (MARTINS FILHO e
ZIRKER, 2000).
Apesar do Brasil, a partir de 1999, sofrer a mudança mais radical de sua história no
plano da organização da defesa, extinguindo os Ministérios Militares, criando o
Ministério da Defesa e subordinando seus antigos ministros – agora transformados
em comandantes – à figura do novo ministro civil,13 nos interessa aqui
particularmente como as questões envolvendo a Amazônia e a defesa nacional se
desenvolveram
Projeto controverso e envolto em críticas pela forma segundo a qual foi conduzido
(LOURENÇÃO, 2003), o SIVAM trouxe um novo enfoque para a segurança e defesa
da região, monitorando desde queimadas à qualidade das águas da região
amazônica, passando pelo controle do tráfego aéreo e a defesa aérea, e nos dias
atuais já está completamente implantado e operacional.
Mas seria no governo Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010) que assistiríamos ao
maior avanço, ainda que insuficiente, nas políticas que contemplam segurança e
defesa nacionais e a Amazônia.
A primeira transformação de monta se dá com relação ao robustecimento do antigo
Projeto Calha Norte, agora renomeado Programa Calha Norte.17 Da cobertura que
até 2002 contemplava 74 municípios distribuídos pelo Amazonas, Pará, Amapá e
Roraima, em uma área total de 1.500.000 Km2 (sendo 7.413 Km de fronteiras),
passamos a uma nova realidade contemplando 194 municípios espalhados para além
dos Estados originais mais Acre e Rondônia, uma área total de 2.186.252 Km2 (dos
quais 10.938 Km na faixa de fronteira). Mais do que uma mera mudança de nome, o
novo PCN – cobrindo um terço do território nacional e 5% da população do país –
destinava agora 87% de seu orçamento à vertente civil/social e apenas 13% à
vertente de natureza militar (estes números são praticamente o inverso das
destinações originais do Calha Norte).1
Já o SIVAM, concebido para ter sido concluído ainda no governo Cardoso, apenas
completará sua instalação durante o governo Lula. Entretanto, mais importante do
que isso é a nova dinâmica que este, como parte integrante do SIPAM, passou a
contemplar. As imensas aplicações civis e militares ficaram mais claras. O diálogo
entre as áreas
Por fim, o primeiro governo Dilma Rousseff (2011-2014) manteve a mesma linha
inaugurada nas últimas administrações que o antecedeu, dando sequência a algumas
diretrizes herdadas do governo Lula, porém de forma mais tímida e marcado por
preocupantes momentos de stop and go. Contudo, a revisão e aprovação dos
documentos legais de alto nível atinentes à defesa pelo Congresso Nacional em
201323 – em um importante padrão de responsabilidade compartilhada com o
Executivo – continuam a conferir primazia à Amazônia nesta temática.
INTRODUÇÃO
O enfoque escolhido baseia-se na governança. O Brasil que ocupa o quinto lugar em
extensão territorial no mundo, com uma população de 182 milhões de habitantes,
possui um parque industrial diversificado e complexo e ocupa o 14º no ranking
mundial dentre as maiores economias do mundo e é considerado um país continental.
Na Política Externa do Governo Lula, o Brasil tem diante de si, com efeito, uma
responsabilidade estratégica no mundo, pode e deve ser capaz de influir nos
acontecimentos globais.
Primeiramente, porque a PDN introduz uma abordagem dos conceitos na qual fica
demonstrada a especificidade de cada um deles, o que não era perceptível em outras
formulações do tempo dos ministérios militares (Exército, Marinha e Aeronáutica). Em
segundo lugar, é fato que se procura elevar o tom do debate sobre a intervenção das
Forças Armadas (FFAA) em assuntos que anteriormente eram tidos como exclusivos
da segurança nacional, dentre os quais se destacam o combate ao narcotráfico, ao
contrabando e ao crime organizado.
a inclusão das “novas ameaças” pelos Estados Unidos da América (EUA) na agenda
mundial como um problema para segurança e defesa das nações e dos povos, isto é,
a expansão do terrorismo, o avanço da narcoguerrilha, o aumento do contrabando, a
ampliação das atividades do [...] chamadas “novas ameaças”, com exceção da crise
ecológica, e que aparecem em parte da literatura2 como surgindo com o recente
movimento global de internacionalização da economia, existiam no passado em
escala regional e global, ainda que constrangidos pela armadura da disputa entre as
duas superpotências – EUA e URSS.
Contudo, pensar a Amazônia num cenário geográfico distante da guerra entre EUA e
o Iraque e de quaisquer conflitos pela demarcação de suas fronteiras, desde o século
XIX, quando Rui Barbosa resolveu diplomaticamente com seus vizinhos, parece
extemporâneo, desse ângulo analisar o Brasil do ponto de vista da guerra3. Contudo,
esta impressão aparentemente verdadeira em razão da relativa
estabilidade no continente sul-americano no que se refere a conflitos interestatais,
não deve obscurecer a importância da dimensão militar para o Brasil na atual
conjuntura internacional.
Nesta centúria a Amazônia, com seus 4,2 milhões de km2 de zona equatorial, está
na agenda mundial do debate sobre a preservação/conservação de sua
biodiversidade. A sobrevivência das florestas é assunto em quase todo o mundo.
Seus problemas têm ocupado um lugar de destaque no roteiro de pesquisadores,
cientistas, escritores e jornalistas. Investigam-se processos, eventos históricos,
tradições, mecanismos, relações e estruturas, a partir das mais variadas áreas de
conhecimento e campos disciplinares, bem como dos diversificados interesses
acadêmicos e comerciais e pelo ângulo multi e interdisciplinar.
O estado-da-arte sobre esse tema foge do propósito perseguido aqui7, porém, tem
havido uma produção relevante pelo ângulo da Geopolítica, onde se destacam os
trabalhos de Becker (1990; 1999; 2005) e, ao mesmo tempo, constata-se
especificamente sobre a defesa e segurança, a coletânea de Castro (2006); e
notadamente a referência sobre o PCN e o Sistema de Vigilância da Amazônia
(Sivam), Nascimento (2005 e 2006) e Lourenção (2003), respectivamente. E, por fim,
embora não esgote o tratamento ao conjunto da literatura, Silva (2003) que situa a
Amazônia no contexto da governança global
No Brasil, as FFAA são regidas pela Constituição no seu Artigo II. Em caráter
excepcional é preciso considerar a possibilidade da permanência de ações conjuntas
e coordenadas com flexibilidade do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), da
Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Polícia Federal com as FFAA na Amazônia.
INTRODUÇÃO
A Pan-Amazônia, maior floresta tropical e bacia hidrográfica do mundo, conta com 7,8
milhões de quilômetros quadrados distribuídos entre nove países, sendo que um
deles é de fora do continente.2 Os números indicam que sua área equivale a 60% da
superfície da América Latina e que o Brasil é o detentor da maior parte de todo esse
fabuloso território, possuindo 67,8% da área total [...] Peru, com uma área equivalente
a 13% do total da floresta amazônica, estando, portanto, bem atrás do Brasil.
Apenas no lado brasileiro esse imenso território possui uma população de pouco mais
de 25 milhões de habitantes, abriga 56% da população indígena do país, conta com
vastas áreas esparsamente ocupadas e nas quais a maior parte de seus habitantes
se concentra nas cidades de Manaus e Belém, capitais dos estados do Amazonas e
do Pará, os dois maiores da região.4 O Estado do Amazonas é o maior do país em
área territorial e equivale aos territórios somados da França, Espanha, Suécia e
Grécia, o que nos dá uma amostra de sua grandiosidade. Por outro lado, sua
densidade demográfica é muito baixa e sua população vive, predominantemente, em
áreas urbanas, espalhadas de forma muito desigual entre os 62 municípios do
Estado.5
O Brasil, como detentor da maior parte do território amazônico, tem não só o direito
ao exercício da soberania sobre a região, mas também o dever de proteger o seu
ecossistema e as populações nacionais que lá habitam.
Amazônia como um todo deve ter sua soberania, seu desenvolvimento e sua
capacidade de preservação mantidos, não só pelo Brasil, mas por todos os outros
países limítrofes. Esta conforma um sistema regional que compartilha problemas e
desafios semelhantes e demanda uma abordagem também compartilhada, embora o
Brasil se coloque, quase que de forma natural, como o país mais capacitado para
liderar esse verdadeiro complexo regional. Nesse caso, a ideia de liderança não
implica necessariamente em assumir uma capacidade de influenciar politicamente os
outros Estados, ainda que isso seja desejável a partir de uma perspectiva brasileira.
Infelizmente, o espírito de liderança é falho no Brasil. Há uma grande expectativa
entre os países da América do Sul para com o Brasil que, por via de regra, é frustrada
quando o país é chamado a liderar politicamente a região.
No nível doméstico o maior desafio, que interage ativamente com os demais, diz
respeito à integração efetiva e mais harmoniosamente possível da região com o resto
do Brasil, sendo que fenômeno semelhante ocorre entre os demais países da Pan-
Amazônia. Isto se dá porque os planos até agora implementados, com vistas à plena
integração da Amazônia às outras regiões, foram apenas parcialmente executados
em alguns países e, em outros, sequer foram considerados ou se encontram em
estágio muito incipiente. Assim, a realidade atual é que existem vastas áreas onde
não se percebe a presença do Estado, o que gera a sensação de um perigoso vazio
de poder, geralmente ocupado por atividades e interesses associados a ilicitudes de
diversas naturezas e com grandes impactos ambientais, o que ajuda a consolidar e,
de certa maneira, legitimar o discurso internacional de proteção ambiental.
Não é uma tarefa simples a integração das zonas amazônicas aos núcleos mais
centrais dos estados da bacia.
Hoje, por exemplo, pode-se notar a insegurança jurídica e humana provocada pela
mudança de enfoque para com a região. Se na década de 1970, por exemplo, a ideia
predominante era a de desmatar grandes extensões de florestas para ocupar as
terras com atividades produtivas, como se verificou sobretudo nos atuais estados de
Mato Grosso e Rondônia (mas não apenas neles), com iniciativas tanto públicas como
privadas de ocupação da terra, atualmente a tendência é valorizar a preservação
ambiental e reconhecer os direitos dos povos indígenas, o que provoca conflitos
fundiários (com grandes, médios e pequenos proprietários, além de posseiros e até
mesmo grileiros) e com grupos específicos, como com os garimpeiros, e diminui o
interesse de muitos empreendedores na região.
No plano regional os problemas se multiplicam. Os vizinhos amazônicos do Brasil
possuem uma presença ainda menor do Estado nas partes mais profundas de suas
respectivas zonas amazônicas, reproduzindo os problemas afetos à ausência ou
pouca presença do Estado verificados no Brasil. Há casos mais graves, como o da
Colômbia, no qual atividades guerrilheiras, agora associadas ao narcotráfico,
promovem insegurança que facilmente transborda para além das fronteiras deste
país, gerando mais insegurança na região.
Já no plano internacional, não é de hoje que existe uma intensa atividade com relação
aos assuntos amazônicos, em muitos casos com interesses políticos e econômicos
que contrariam os interesses nacionais. Além da retórica ecológica de muitos
ambientalistas, assistimos a declarações de chefes de Estado, ou de ex-chefes de
Estado, de outros países que enfatizam a necessidade de “proteção” internacional da
floresta.
É curioso notar que a abordagem brasileira se distancia da visão dos países do norte,
principalmente porque o Brasil identifica a necessidade premente do desenvolvimento
sustentável da região como forma de melhorar a qualidade de vida dos seus
habitantes, ao mesmo tempo em que tal desenvolvimento possibilitaria uma conexão
mais articulada com o restante do país e com os países vizinhos.
Uma das grandes questões que se coloca em termos amazônicos diz respeito em
como compatibilizar a exploração dos recursos encontrados na Amazônia com a
preservação ambiental e com os direitos das populações nativas e não nativas que
há muito tempo habitam a região. A expansão do agronegócio, a exploração de gás
e petróleo, as atividades de extração de madeira, ouro e outros minerais e a
construção de hidroelétricas realizadas até o presente momento já demonstraram
quão agressivas são essas atividades para um ecossistema relativamente frágil, e
assim também como são perturbadoras para as vidas das pessoas que moram na
vasta zona amazônica.
Ainda no campo da biopirataria, vale a pena uma referência ao fato de que tanto o
Brasil como os demais países amazônicos encontram-se em uma absurda situação
de vulnerabilidade institucional e jurídica para combater essa modalidade de ilícito
internacional, em via de regra transformado em atos legais sob o abrigo da lei de
patentes, por mais imoral que possa parecer.
Suas fronteiras são vastas e porosas demais para que uma política estritamente
nacional possa trazer resultados concretos diante de ameaças tradicionais ou, mais
ainda, das novas ameaças que emergiram, sobretudo, após o fim da Guerra Fria.
O Brasil tem uma responsabilidade maior nesse assunto porque, de todos os países
amazônicos, é o único que assume de forma clara a sua condição amazônica. Os
vizinhos que compartilham a floresta com o Brasil não têm essa percepção, pelo
menos não tão claramente como formulada pelo estado brasileiro.
O Brasil é, também, o país que mais agride e devasta a Amazônia, causando impactos
que não ficam restritos às suas fronteiras. O mais lamentável é que os impactos
ambientais na Amazônia acabam ocorrendo com um grau muito baixo de integração
orgânica de sua vasta zona ao restante do território nacional.
Quando foi criado o TCA, no final da década de 1970, ainda não havia uma pressão
internacional tão grande sobre os países amazônicos em torno da questão ambiental.
O que se percebe é que os países amazônicos, tendo à frente o Brasil, se anteciparam
corretamente ao institucionalizar o processo de cooperação na vasta área da Bacia
Amazônica considerando as possíveis ameaças à soberania dos países com relação
à região. Já estava presente no tratado a ideia, conforme observa o diplomata Pedro
Motta Pinto Coelho, de que para se alcançar o desenvolvimento integral dos territórios
da Amazônia “é necessário manter o equilíbrio entre o crescimento econômico e a
preservação do meio ambiente” e que isso seria inerente “à soberania de cada
Estado” (Coelho, 1992, p. 116).
Com efeito, havia, como existe até hoje, uma preocupação específica dos militares
com a soberania da região. Aliás, sobretudo no século XX, foram os militares, mais
do que os diplomatas, os que pensaram e colocaram a Amazônia na agenda política
brasileira, tanto interna quanto externamente
CENÁRIOS DA PAN-AMAZÔNIA
Cenário regional
O contexto amazônico mudou muito desde a década de 1970, quando a Amazônia
se tornou um tema de grande destaque na agenda política brasileira, principalmente
pela preocupação despertada para sua integração mais efetiva ao território nacional,
o que levou a medidas como abertura de estradas, expansão da fronteira agrícola e
implementação de polos de desenvolvimento econômico.
A Colômbia foi, com efeito, o país da América do Sul que mais sofreu com as
atividades do narcotráfico e das guerrilhas.
Assim, a parceria com os Estados Unidos foi, de certa forma, providencial para que o
país não entrasse na lista dos estados falidos no final dos anos 1990.
Este foi o caso, registrado de maneira mais contundente, da ação militar levada a
efeito pelo Exército Colombiano contra um acampamento militar das FARC em solo
equatoriano.8 Embora não tenha sido a única operação militar fora da Colômbia, foi
a mais grave pela sua dimensão e pela captura de informações importantes que
estavam em poder de um alto líder da guerrilha que foi morto na operação.
O modo mais eficaz de se contrapor a esse ativismo internacional, que cada vez mais
possui um indisfarçável caráter ideológico e que se desenvolve por meio de
determinados países e ONGs e alcança Organizações Internacionais, é o de
aumentar a presença do Estado na Pan-Amazônia em diferentes frentes.
Não é possível para um único país, como o Brasil, fazer frente sozinho e de forma
plenamente autônoma, a esse crescente ativismo. A ideia de aumentar a presença
do Estado na Pan-Amazônia é entendida aqui não apenas com a execução de
projetos desenvolvimentistas ou por meio apenas do aumento da presença militar.