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Compreendendo o conceito sartreano de liberdade

 admin  5 de novembro de 2010 | 6

Rodrigo Artur Medeiros da Silva

Tendo em vista que Jean-Paul Sartre (1905-1980) é um autor conhecido e respeitado por seu
pensamento de crivo existencialista no meio losó co, o presente artigo tentará explanar um
pouco mais da compreensão sartreana acerca do conceito de liberdade, conceito este que para ser
fundamentado e, consequentemente, defendido, deve primeiro ser pensado como inerente ao ser
humano bem como atrelado a outros conceitos tais como consciência, angústia e responsabilidade.

Em resumo, os três últimos conceitos supracitados são respectivamente entendidos no vértice


losó co sartreano como o cimo que distingue o ser humano dos demais seres (MONDIN, 1983), a
consequência de o ser humano não ser o tutor apenas de seu próprio destino, ou seja, do dever de
suas escolhas serem bené cas tanto para si quanto para outrem (SARTRE, 1978) e, por m, atrelada
a esta tutela, como a consciência de o homem ser o autor e o responsável pelos acontecimentos
humanos de modo geral (SARTRE, 1997).

Mas vale ressaltar que embora, como fora dito, a consciência eleve o ser humano com relação aos
demais seres, esse alce não pode ser entendido como no pensamento da modernidade, no qual é de
fato a consciência – porém entendida como razão – que distingue o ser humano em relação aos
demais seres como, por exemplo, com Descartes e Kant.

Descartes, ao inaugurar o período losó co moderno, transfere o conhecimento do transcendente


para a consciência do sujeito, uma vez que somente este a possui: o pensamento cartesiano
concerne em o homem só a rmar algo extrínseco após a rmar a sua existência. Enquanto Kant –
pós Descartes – idealiza o homem, devido à sua consciência, como objeto e horizonte de toda a
loso a, em virtude das faculdades de conhecer, fazer e esperar, as quais lhe são peculiares pela
consciência. Assim sendo, de certa forma pode-se entender a consciência como essência do ser
humano no período losó co moderno.

Já a conceituação de Sartre sobre consciência discorre em conjeturar esta como modo-de-ser[1] do


ser humano e, portanto, como constitutivo essencial de cada ser-para-si[2], o qual tem por tarefa, a
partir da consciência, projetar-se a ponto de almejar uma pleni cação de ser[3] – na linguagem
sartreana, tornar-se um ser-Em-si.

O conceito de liberdade no pensamento de Sartre é entendido como consequência desse projetar


humano por meio da consciência, posto que o fato desta ser um nada[4]-de-ser do para-si é que o
condiciona a uma situação de liberdade na qual a única escolha vigente é a de ser um Em-si.

Isso con rma a impossibilidade de um não atrelamento do conceito de liberdade ao conceito de


consciência, visto que, de acordo com o existencialismo sartreano, a liberdade decorre da
consciência, a ponto do para-si ser impresso pelo nada-de-ser num caráter de condenação: “Todo
homem está condenado a ser livre” (SARTRE, 1997).

Certamente esta condenação a que Sartre se refere acarreta no para-si um sentimento arraigado de
angústia pelo projetar de sua consciência a um m impossível: o homem, na visão de Sartre, jamais
conseguirá ser um ser plenamente acabado.

Considerando, pois, esta condenação, o homem sartreano passa a ser o tutor de si mesmo como
também da realidade para-si que o circunda. Essa tutela, por conseguinte, faz com que o sentido
não apenas de si como também de outrem seja uma constituição particular de cada ser humano; daí
a fundamentação argumentativa sartreana de que o homem está condenado, por si mesmo, a
inventar o homem (SARTRE, 1978).

O encargo do para-si de dar sentido a si mesmo e ao outro faz com que o existencialismo sartreano
margeie a contemporaneidade a a rmar o sujeito, tendo em vista que o homem, ao se perceber
como um ser de responsabilidade, consequentemente deve perceber-se também como um ser de
decisões: as consequências do sentido que o eu dá a si mesmo e ao outro dependem da forma como o
eu conduzirá o processo tutelar.

Este, por sua vez, con rma o sentimento de angústia presente no para-si, visto que até mesmo o
fato de cada indivíduo não escolher tutelar a si mesmo e aos outros, já se trata de uma escolha, ou
seja, não há como o eu não fazer escolhas, pois estas já lhe são indeléveis.

Portanto, considerando que, para Sartre, o conceito de liberdade restringe-se ao homem e à sua
forma de dar sentido a si mesmo e à realidade que lhe é exterior, e ainda, que este sentido só lhe é
possível devido à sua consciência, não seria equívoco entender o existencialismo sartreano como
pessimista. Ora, para-si – ao responsabilizar-se pelo signi cado de toda a realidade – angustia-se
devido ao fato de todas as suas escolhas serem vãs no sentido de que nem ele próprio, nem seus
convivas conseguirão alcançar o futuro que vislumbram.

Isto corrobora a tese que atrela ao conceito de liberdade os conceitos de consciência, angústia e
responsabilidade. A consciência imprime em cada ser humano o caráter do projetar-se, o qual, por
sua vez, o condiciona a ser livre para buscar um m último. Por m, pela impossibilidade deste m
ser alcançado, o para-si se enxerga numa situação que o angustia. (SILVA, 2007).

Referências

MONDIN, Batista. Curso de loso a: os lósofos do ocidente. São Paulo: Paulus, 1983.

SARTRE, Jean Paul. O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os
Pensadores)

_____. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Petrópolis: Vozes, 1997.

SILVA, Franklin Leopoldo. Liberdade em Sartre: somos livres para nos tornarmos livres. Mente,
cérebro & loso a. São Paulo, p. 55 – 61, jul. 2007

[1] Modo-de-ser signi ca que o homem é um ser inacabado. Mais adiante aparecerá o conceito
nada-de-ser que tem basicamente a mesma signi cação.

[2] Ser-para-si em Sartre signi ca homem que se projeta.

[3] O homem busca fugir da sua condição de ser em construção e, por conseguinte, tornar-se um ser
acabado.

[4] Sartre conceitua a palavra “nada” no sentido de que o homem é um ser em plena construção.
Logo, um nada-de-ser signi ca que o homem não é.

Categorias Rodrigo Artur Medeiros da Silva, Sartre


Tags angústia, consciência, liberdade, responsabilidade

 A prova da existência de Deus na perspectiva ontológica A concepção de felicidade em Boécio 


de Anselmo

6 Comentários

João Paulo
28 de dezembro de 2010 (17:33) #

Parabéns Rodrigo pelo artigo.


Deixo uma pergunta:
Para Sartre, no ser humano, “a existência precede a essência”. Esta essência é construida na medida em que o ser humano faz suas
escolhas, no entanto, nunca ela se tornará acabada ou pronta, uma vez que o homem sempre estará escolhendo. Porém, você disse que a
consciência é”constitutivo essencial de cada ser-para-si”, neste sentido, uma coisa me inquieta: se a consciência é constitutivo essencial
do ser humano, ele não teria uma essência pronta e acabada ?

Responder

Rodrigo Artur Medeiros da Silva


21 de fevereiro de 2011 (17:30) #

Pois é, João…
Segundo o que eu entendi, no pensamento de Sartre, devemos entender consciência não como razão (responsável pelo conhcimento),
mas como um projetar-se do para-si (ser por acabar) a m de chegar a ser um Em-si (um ser pronto e acabado). Portanto, quando eu
digo a consciência como um constitutivo essencial do para-si – entendendo o para-si como incompletude -, creio que não se pode
a rmar uma essência pronta e acabada na consciência sartreana.

Responder

Rodrigo Artur
6 de março de 2011 (11:59) #

Pois é, João…
Segundo o que eu entendi, no pensamento de Sartre, devemos entender consciência não como razão (responsável pelo conhecimento),
mas como um projetar-se do para-si (ser por acabar) a m de chegar a ser um Em-si (um ser pronto e acabado). Portanto, quando eu
digo a consciência como um constitutivo essencial do para-si – entendendo o para-si como incompletude -, creio que não se pode
a rmar uma essência pronta e acabada na consciência sartreana.

Responder

Tiago Monteiro
6 de março de 2011 (13:19) #

Olá Rodrigo,

Gostaria apenas de ressaltar esta frase sua: “um projetar-se do para-si (ser por acabar) a m de chegar a ser um Em-si (um ser pronto e
acabado)”. Em minhas leituras de Sartre, encontrei a seguinte passagem em O Ser e o Nada (capítulo 1 da segunda parte): “(…) o próprio
Para-si é que se determina perpetuamente a não ser Em-si” (SARTRE: 2005, p. 135). Parece-me que o ser-para-si, no mais íntimo de seu
ser, é uma negação da coincidência com o ser-em-si. Se isso estiver correto, o seu próprio projetar-se deve ser como negação do ser-em-
si, com o objetivo de realizar um síntese reconhecida por Sartre como impossível: a síntese do em-si-para-si.

Agradeço o momento de diálogo,


Tiago.

Responder

Rodrigo Artur
6 de março de 2011 (18:02) #

Caro Tiago,
Obrigado pelo seu comentário. Confesso que não sou leitor assíduo de Sartre, mas vou fazer uma leitura mais sistemática da obra “Ser e
nada” – sobretudo da parte que você acentuou – e ver se encontro uma resposta para resolver esta problemática que nos apareceu e que,
por sinal, achei muito pertinente.
Aguarde uma intervenção minha.
Mais uma vez, agradeço-lhe pelo seu comentário.

Responder

Bárbara
12 de fevereiro de 2014 (22:03) #

será que dá pra você me passar esse artigo?


SILVA, Franklin Leopoldo. Liberdade em Sartre: somos livres para nos tornarmos livres. Mente, cérebro & loso a. São Paulo, p. 55 – 61,
jul. 2007

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