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A Passagem de Èhssthril
Livro 3
Zeca Machado
Revisão:
Ângela Santos
Carine Ribeiro
2ª edição - 2018
É terminantemente proibida a reprodução integral ou parcial desta obra sem a autorização por escrito dos
representantes legais, pois fere à Lei de Direitos Autorais.
Uma fera semelhante a um lagarto, com mais do dobro do maior cavalo que
conheciam saltou no ar e passou por sobre algumas pequenas árvores pousando
bem em frente ao grupo. Ela tinha uma cabeça relativamente pequena em
comparação com o restante do corpo. Tinha os olhos amarelos e brilhantes como os
de um gato. Uma língua bifurcada saboreava o ar e saía de uma mandíbula repleta
de dentes pontiagudos.
Espinhos desciam por trás de um longo pescoço e seguiam pelo dorso do
animal até próximo ao final da calda que chicoteava o ar. O corpo era coberto de
escamas pontiagudas.
As patas dianteiras eram maiores que as traseiras, se fundiam com as asas,
que eram semelhantes às de um morcego.
Ambas apresentavam grandes e afiadas garras.
O ser os olhava do alto de seu longo pescoço enquanto escolhia qual deles
seria sua refeição. Todos do grupo expuseram suas armas, inclusive o lobo, com os
pelos eriçados e todos os dentes à mostra e a águia com suas asas e bico abertos.
– Que animal será esse? – perguntou Mhirfun. – Será um dragão?
– Não acredito. Mâth Thorn disse que o último morreu há milhares de anos. –
respondeu Ishiá.
O ser lançou a cabeça como uma serpente em direção à Grendhel que saltou
de lado no último instante. Ele tentou golpear o animal com o machado, mas esse
foi tão rápido quanto ele para se esquivar.
Nova investida, dessa vez sobre Galler que também saltou de lado.
– Ele está nos avaliando. – disse Narhen.
Então o ser mudou de tática. Ele emitiu um grito tão alto, que todos tiveram
de proteger os ouvidos com as mãos.
Galler, Zarthrus e o lobo, que tinham a audição mais apurada que os demais,
não resistiram e caíram ao chão.
O Monstro virou-se para Galler com a intenção de abocanhá-lo, mas Narhen
e Grendhel que se recuperaram e saltaram depressa na direção dele para defendê-
lo.
Aquela atitude deixou o animal indeciso. Todas as outras presas que ela
caçava tentavam fugir, mas essas não fugiam e ainda se uniam para se defender.
– Você está bem? – perguntou Narhen ao elfo enquanto ele se levantava.
– Meu ouvido está zumbindo, mas estou bem.
Novamente o bracelete do dragão brilhou e esquentou tanto que Narhen teve
de largar a espada e colocar a mão sobre a joia.
– O que foi Narhen? – perguntou Grendhel.
– Não sei! Parecia que o bracelete iria queimar meu braço. E a sensação não
quer passar. Isso nunca aconteceu antes!
– Ele está chamando sua atenção! Precisa descobrir o motivo. – disse Galler.
– Vamos nos agrupar novamente. – disse Grendhel.
Os três caminharam para perto dos outros sob o olhar do grande animal cuja
calda se agitava ainda mais. À medida que Narhen se aproximou de Ishiá, a
sensação de calor do bracelete diminuiu, enquanto as outras duas joias brilhavam.
– Vejam suas joias. – disse Zarthrus. – Todas estão brilhando. Devem se unir.
– Não podemos. Se fizermos isso estaremos vulneráveis! – respondeu
Narhen.
– Se não fizerem isso talvez nenhum de nós sobreviva.
– Façam o que Zarthrus disse. Nós as protegeremos. – disse Galler.
– Mas...
– Não percam mais tempo!
As duas se olharam e deram as mãos.
No mesmo momento, o grande animal agitou suas asas e deu alguns passos
em direção ao grupo na tentativa de separá-los, mas ocorreu o contrário. O grupo
se fechou ainda mais e gritando
foi em direção ao ser, que recuou.
Em seguida o grande lagarto arremessou sua cabeça contra eles que se
separaram e novamente se uniram brandindo suas armas. De repente, algo chamou
a atenção do ser, que se esqueceu dos homens aos seus pés.
Zarthrus olhou para trás e gritou aos outros: – Recuem! Voltemos para junto
de Narhen e Ishiá.
Eles caminharam de costas sem tirar os olhos do monstro. A energia que fluía
das três joias se mesclou e cresceu, tornando-se bem maior que o ser que os
atacava. Então, uma forma começou a surgir. Era semelhante ao próprio monstro,
porém sua cabeça era mais proporcional ao corpo.
De sua cabeça saiam espinhos que a contornavam. Na ponta do focinho havia
um chifre. Com a boca aberta, inúmeras presas afiadas podiam ser vistas. A
imagem de energia ficou de pé sobre as patas traseiras, mostrou as garras enquanto
abria suas imensas asas. Suas escamas eram pateadas com nuances de azul e
dourado.
O ser verdadeiro também se ergueu nas patas traseiras, mas era muito menor
do que a imagem formada. Ele rugiu desafiando, mas a imagem arreganhou a boca
e dela saiu um jato de energia dourada, semelhante às chamas da fogueira em
direção ao menor. Este por sua vez saltou ao ar se desviando das chamas e bateu
suas asas com a maior velocidade que pôde, para fugir, temendo virar sua presa.
Quando já estava distante, a energia se dissipou e o grande ser prateado
desapareceu.
– Foi uma grande ideia de vocês manipularem a energia para formar um
monstro maior que o primeiro e o afugentar.
– disse Grendhel.
– Não sabemos exatamente como aconteceu. – disse Ishiá. – Ainda há muito
a descobrir sobre esses braceletes.
– Então, não foi intencional?
– Não tenho certeza! – disse Narhen. – Quando conectamos nossas mentes, o
dragão surgiu em nossa volta e ficou nos observando. Parecia que aguardava uma
ordem nossa, mas não sabíamos o que fazer. Nós podíamos sentir a presença de
vocês, seus medos pela criatura e a convicção em nos proteger. Sentimos que a ira
do monstro estava aumentando e que não tardaria a se lançar de uma vez por todas
contra nós. Então, uma única palavra se formou em nossos pensamentos. Dragão.
Nesse momento a energia dos braceletes dos deuses formou um rodamoinho e a
energia prateada do dragão deslizou sobre as outras duas subindo em espiral.
De repente, ele se lançou para fora do vórtice diretamente para baixo. Ele
passou por nós, para em seguida, fazer nova curva e subir pelo centro do
rodamoinho onde estávamos.
Assim que ele se aproximou, abriu sua boca e nos engoliu. A partir daí,
passamos a fazer parte dele e conseguimos ver o que estava ocorrendo com vocês.
– Nossa mente se expandiu e pareceu que crescíamos. Então, percebemos que
estávamos nos transformando em outro ser. Em um dragão. Sentimos uma força
enorme e nós fazíamos parte dela.
– Foi quando aquele animal rugiu tentando nos ameaçar. Pudemos sentir o
medo crescente dentro dele e percebemos que mesmo apavorado ele iria atacar, na
tentativa de se defender.
– Então, sentimos uma fúria crescendo em nosso íntimo, por perceber o que
poderia acontecer com vocês se ele atacasse. Aquela sensação chegou até nossa
garganta e então, ao abrir a boca, uma chama saiu dela.
– Não sabíamos o que iria acontecer, somente desejávamos que a criatura se
sentisse amedrontada e fugisse.
– De qualquer maneira, foi incrível. – disse Grendhel.
– Acredito que com o susto ele não voltará aqui por algum tempo.
– Agora, Zarthrus. Onde você foi que encontrou com aquele monstro? Você
se arriscou demais e também nos colocou em risco. – disse Galler.
– Eu não fiz isso. Todos nós já estávamos em risco. Eu ouvi um ruído de
passos abafados e de algo sendo arrastado sobre a vegetação. Mhirfun não ouviu e
achei melhor verificar antes que o perigo nos alcançasse. Saí na direção do som, e
caminhei por alguns minutos. Então, vi aquele ser que farejava o ar e vinha na
direção do acampamento. Fiquei o observando de longe para não ser visto, mas
alguma coisa o alertou sobre minha presença. Ele parou de provar o vento e olhou
diretamente para mim. Fiquei imóvel, mas ele começou a se aproximar com os
olhos fixos em mim. Meu sangue gelou e não tive outra opção senão correr o
máximo que podia. Por mais que tentasse, não consegui despistá-lo. Ele não seguia
meu cheiro, pois mesmo que o vento soprasse em minha direção, ainda assim, ele
vinha direto a mim. É verdade que o monstro me seguiu, mas ele já estava vindo
para o acampamento.
– Talvez ele estivesse sentindo seu medo e o seguindo. – disse Grendhel.
– Pode ser, mas ele seguia em direção ao acampamento antes mesmo de
sabermos de sua existência.
– Penso que Grendhel esteja certo. Quando eu e Ishiá estivemos ligadas no
dragão prateado, pudemos sentir seus medos. É provável que esse animal também
possa. Quando ouvimos seu grito pela primeira vez, ficamos temerosos em
encontrar com a fera que o emitiu. Esse temor pode tê-lo atraído para nós.
– Mas, ouvimos em seguida outro grito mais distante. Ele estava se afastando.
– É verdade, mas poderia haver outro desses monstros mais próximos e nos
sentiu.
– É possível, então, que tenha sido eu o responsável por indicar o caminho ao
monstro. – disse Mhirfun. – Aquele grito não saía de minha cabeça enquanto
estava de sentinela.
– Não se culpe meu amigo. Todos nós tivemos o mesmo sentimento. –
respondeu Ishiá.
– Deve ser assim que ele busca sua presa. Ele emite um de seus gritos
causando medo na presa e então ele a segue até encontrá-la. Devemos nos manter
bastante alertas. Sempre que os ouvimos, devemos procurar distrair nossas mentes
com outras coisas para não atraí-los. – disse Narhen. – Creio que será difícil voltar
a dormir. Que tal levantar acampamento e seguir mais um pouco? Quando o
cansaço retornar, voltamos a descasar.
O grupo concordou, todos recolheram suas coisas e apagaram a fogueira.
Estavam para seguir viagem quando foram novamente surpreendidos. Vários
outros seres, camuflados com a vegetação surgiram de todos os lados. Tinham o
aspecto humano. Suas alturas ficavam entre os anões e os homens. Eles portavam
lanças, machados de pedra, fundas e um tipo diferente de arma que arremessava
lanças menores semelhantes a flechas.
Eles os cercaram com amas em punho.
O grupo se fechou em um círculo. Grendhel levou a mão ao cabo de sua
espada e imediatamente inúmeras das armas que os cercavam se voltaram para ele.
– Grendhel, nem pense nisso! Largue sua arma lentamente. – disse Galler.
Embora relutante, ele obedeceu. O lobo estava com os caninos à mostra, mas
Narhen lhe pediu que se acalmasse. Logo em seguida, um dos homens saiu da
fileira bem em frente à Mhirfun e Narhen e se aproximou.
– Othos aimhur igihet amstruir. Adda girthrut ihntuo mirzung stoir rafherr
murrar od querhir drumgst eithan.
O– thos aimhur igihet amstruir. Adda girthrut ihntuo mirzung stoir
rafherr murrar od querhir drumgst eithan.
– O quê? Não consigo entendê-lo. – disse Narhen.
– Se entendi corretamente, ele disse algo como, serem do povo da floresta.
Que não querem guerra com os que trazem o grande dragão.
– Como você...
– É certo que a pronuncia está um pouco diferente, mas com certeza é a
língua arcaica dos anões.
– Diga-lhes que buscamos a paz dos mundos. E não queremos guerrear com
ninguém.
– Faz muito tempo que não ouço ou falo dessa forma, mas vou tentar.
Mhirfun respirou e procurou em sua mente as palavras corretas.
– Othos nihor mirzung aimhur igihet. Othos pejuihr sthrump odai chormac.
– Siu apohc neir uda Tahirek, gorthiac iidu Krufindhor.
– Ele disse que é descendente de Tahirek, comandante de Krufindhor.
– Diga que viemos em nome dos descendentes de Krufindhor.
– Othos ivhec oin tuc apohc neir krufindhor. Ao ouvir isso o homem sorriu
e fez sinal aos outros que baixassem as armas.
– Ighiaist. Ighiaist.
– Ele disse que somos amigos.
O homem que lhes falava aproximou-se sorrindo e disse: – Adda Ighiaist odai
iheda adeir!
– Ele está dizendo: Que meus amigos tenham paz e felicidade!
– Quais são as palavras para: “Que meu amigo tenha fartura e prosperidade”?
– Adda Ighiaist odai jamhur yi thleviang!
Narhen repetiu as palavras de Mhirfun para o homem que sorriu ainda mais.
Depois disso todos os outros se aproximaram e os abraçaram sorrindo.
– Oddaehr Ighiaist odai cumssyir etia igihethar amstruir.
– Ele está nos convidando a ir ao seu povoado na floresta.
– Diga que nos honraria muito.
– Riumbhst omhriist.
– Oadhê. Oadhê. – disse o homem gesticulando para que o acompanhassem.
Narhen, Ishiá e Mhirfun seguiram ao lado do homem e os outros logo atrás
com o restante dos homens da floresta na sequência. Caminhavam há algum tempo
quando Ishiá falou.
– Narhen, enquanto estudava para ser uma sacerdotisa, fui instruída em uma
arte estranha, da qual nunca pensei me utilizar. Trata-se de um tipo de magia, a
partir da qual canalizamos nossa energia entre duas pessoas que falam línguas
diferentes e que uma não entende a outra. Dessa forma, as duas pessoas conseguem
se entender conversando em sua própria língua.
– Você quer utilizar esse ensinamento em quem?
– Em todos nós e no povo da floresta. Assim poderemos todos nos entender.
– Você acha que tem energia suficiente para isso?
– Sozinha não, mas se nos unirmos talvez consigamos.
Quando estamos ligadas nossas energias são muito maiores do que a nossa
individual.
– E o que devemos fazer então?
– Primeiro vamos pedir o consentimento.
– Mhirfun, por favor, peça ao... Não sabemos o nome de nosso anfitrião.
– Perguntarei.
– Addoe nimbhaur?
– Ingth. Zhaibor.
– Disse: “Não! Depois!”.
– Por enquanto, essa será nossa resposta. Vamos esperar até chegarmos ao
povoado.
Por cerca de duas horas seguiram em meio de imensas árvores, que de tão
largas seriam necessárias algumas dezenas de pessoas para abraçá-las. À medida
que percorriam uma trilha que não conseguiam enxergar, perceberam que os
aldeões ficavam mais relaxados. Perceberam também como era bela aquela
floresta. Apesar das árvores serem maiores que as de Farthorn, o interior daquela
floresta era muito mais iluminada, fresca e tinha menor umidade. O perfume das
árvores era fascinante.
Passou-se mais meia hora e então chegaram a um grupo de árvores
relativamente mais largas e altas e também mais próximas uma das outras. Junto às
raízes, visualizaram portas que se abriram quando eles se aproximaram. Por uma
delas saiu um homem mais velho, vestindo uma roupa feita de um couro estranho.
Ele tinha o cabelo preso como um rabo de cavalo e trazia um cajado feito de uma
madeira branca com uma grande pedra presa na ponta. Dependendo da direção em
que a luz incidia, a pedra mudava de cor.
– Adda Ighiaist odai iheda adeir! – disse ele estendendo os braços a todos.
– Adda zhiu moargh iheda adeir! – responderam os homens.
– O que eles responderam? – perguntou Narhen.
– Que a paz e a prosperidade habitem em sua morada! – respondeu o anão.
Em seguida o homem que os levou até ali se aproximou do anfitrião.
– Ighiaistair.
O velho olhou para o grupo, observando um a um.
– Oadhê! – disse e se virou para a abertura.
Eles o seguiram e ficaram admirados, pois o interior da árvore era oco e havia
uma escada que subia seguindo a parede interna. Estranhamente, o interior não era
escuro. A parede da árvore emitia uma luz que fazia a parte interna ter a mesma
claridade do crepúsculo.
Enquanto subiam através do vão interno, viram como as madeiras que
sustentavam aquela cidade suspensa eram trançadas e como as moradias eram
construídas, umas sobre as outras, mas intercaladas, ora de um lado, ora de outro.
A partir de determinada altura, o oco da árvore terminava, mas a escada continuava
em outra abertura. Seguiram por ela e se encontraram em uma passarela no meio
da copa da árvore, que a ligava outra e, vindas de diferentes copas outras
passarelas, formando uma rede de caminhos aéreos.
Seguiram por esses caminhos até que chegaram ao ponto onde vários
caminhos convergiam. Esse local era coberto por um emaranhado de cipós grossos
o suficiente para impedir qualquer acesso pelo alto. As únicas entradas se situavam
exatamente onde os caminhos se encontravam. Ao entrarem, se viram em um
imenso salão, e ao invés de uma nova entrada, havia na verdade, uma espécie de
trono muito rústico e sem ostentação. Caminharam até lá, onde o velho se sentou e
fez sinal para que os outros também se sentassem no chão a sua volta.
O ancião então falou em uma língua diferente da primeira que ninguém
entendeu, exceto o homem que os levou até ali e que passou a servir de intérprete.
Por sua vez, Mhirfun traduzia para o restante do grupo. Descobriram que o
ancião chamava-se Ephoes e era o líder daquele povo e que o homem que os levara
chamava-se Oathu e era uma espécie de capitão, um líder de caça.
Narhen apresentou todo o grupo ao velho líder e tentou explicar o motivo de
eles estarem naquele mundo, mas a conversa estava difícil, pois, apesar de Mhirfun
falar um pouco da língua arcaica dos anões, várias palavras eram incompreensíveis
para ele. Ela então solicitou ao rei a permissão de usarem a magia na tentativa de
se entenderem melhor. O homem a analisou profundamente, afinal, ela era uma
completa estranha e queria usar magia sobre o seu povo.
Ele estava relutante em permitir, quando Oathu sugeriu que a magia fosse
utilizada nele primeiro. O rei concordou e disse que se nada de mal ocorresse,
poderiam expandir a magia a todo o povoado, mas se algo de ruim acontecesse,
eles não viveriam para ver um novo nascer do dia. Elas concordaram e, como
prova de que cumpririam a palavra, entregaram suas armas.
Ishiá, então, se aproximou de Oathu e de olhos fechados invocou sua energia.
– “Mãe Terra, irmã árvore, irmão rio e Pai Solar, me emprestem sua energia
para que os pensamentos que eu expressar por minha boca sejam compreendidos
por meu irmão. E que os pensamentos que ele expressar por sua boca sejam
compreendidos por mim.” – pensou ela.
Em seguida, ela estendeu os braços semiabertos em direção a Oathu e deles
saiu uma energia luminosa que o envolveu.
Ishiá abriu os olhos e disse: – Eu me chamo Ishiá. Qual é seu nome?
– Oathu. – respondeu ele.
Um grande sorriso surgiu no rosto de ambos. A magia funcionara.
Com a permissão do rei, Narhen e Ishiá encostaram-se uma nas costas da
outra e conectaram suas mentes. A energia dos braceletes dos deuses brilhou e as
envolveu. Mentalmente Ishiá disse à irmã o que deveria fazer e juntas recitaram a
mesma sequência de palavras. Ao terminarem, abriram os braços até que suas mãos
se tocaram. A energia se expandiu em todas as direções e banhou todos os
moradores daquele povoado e também os participantes de seu grupo. Quando
abriram os olhos, a energia se dissipou.
Elas olharam para o rei que disse: – A energia que nos enviaram era quente e
acolhedora.
– Obrigada! – responderam.
Todos se entenderam sem a necessidade de intérpretes.
A conversa se estendeu por várias horas, enquanto Oathu contava sua história
e ia explicando o porquê de apenas ele conhecer a fundo a língua antiga. Ele era o
único que conhecia a língua dos anões. Esse conhecimento foi passado de pai para
filho por gerações, desde a época em que Tahirek, foi deixado para trás por
Krufindhor, quando este teve que retornar ao seu mundo, antes que a passagem se
fechasse. O líder dos anões também havia se ferido e não tinha condições de
socorrer a todos sendo obrigado a abandoná-los nesse mundo. Apesar disso, deixou
apenas os que estavam à beira da morte.
Tahirek foi o único encontrado ainda com vida pelo povo da floresta. Por
vários dias sua vida equilibrava-se sobre a ponta afiada de uma lança segura pelo
fio de uma aranha. Muito lentamente se recuperou. Quando recuperou a
consciência, sentiu-se traído por seu rei, mas ao poucos, a razão retornou a sua
mente e ele percebeu que Krufindhor não teve outra escolha. A jovem Onishua que
cuidou de seus ferimentos até que ele se recuperasse tornou-se sua esposa. Eles
tiveram dois filhos, uma menina chamada Anishua e um menino de nome
Tahirekir.
Onishua morreu poucos meses depois do segundo parto. Tahirek passou a
cuidar sozinho dos filhos, pois pelo costume do povo da floresta, apenas os pais
podem cuidar de seus filhos. Se ambos os pais morrerem antes que os filhos
consigam sobreviver sozinhos, também eles estarão fadados a morrer. Tahirek se
mostrou muito eficaz e ambos os filhos se tornaram adultos. Tahirek acreditava que
um dia talvez, algum outro anão pudesse chegar àquele mundo e, por isso, ensinou
sua língua aos filhos e os orientou para que eles também passassem o aprendizado
da língua dos anões para as gerações seguintes.
Quando a jovem Anishua estava para se casar, Tahirekir querendo presenteá-
la com uma coroa de flores de Girhietis, uma trepadeira que existia apenas nas
montanhas dos dragões e que permaneciam viçosas por anos a fio, desobedeceu ao
pai e foi sozinho em busca do presente. Tahirek descobriu o feito e foi atrás do
filho porque conhecia os grandes perigos daquela região. Quando finalmente o
encontrou, ele estava acuado por um Izmhur, o mesmo ser que atacou vocês,
viajantes, em seu acampamento. Tahirek precisava salvar o filho e na tentativa de
salvá-lo pereceu sob as garras do monstro.
Tahirekir presenciou toda a luta e viu quando o monstro voou para longe
levando o corpo inerte de seu pai. Conseguiu sair de seu esconderijo e retornou a
duras penas para o povoado, pois também estava bastante ferido. Ele relatou o que
havia acontecido, mas não resistiu aos ferimentos nem à culpa de ter causado a
morte de seu pai. A tristeza foi grande na aldeia, pois Tahirek era muito querido
por todos. Alguns meses depois Anishua se casou e desse casamento nasceu apenas
um menino ao qual ensinou a língua dos anões como seu pai pedira. E assim, a
língua de Tahirek foi passada sucessivamente por inúmeras gerações.
_ Devemos agradecer a Tahirek e sua esperança de ser encontrado por seu
povo, a possibilidade de sermos encontrados por você e seu grupo. – falou Ishiá a
Oathu.
Enquanto conversavam, um grande banquete lhes foi preparado. Sobre uma
grande mesa de pernas curtas foram depositados vários pratos com cogumelos
recheados e assados, frutas cruas e cozidos de legumes e vários tipos de carne.
Preparadas de formas variadas, algumas cozidas com ervas que lhes realçavam o
sabor, outras assadas e regadas com mel ou geleias de frutas, além de pães e bolos.
Havia também panelas com guisados e jarras com vinhos e sucos de frutas.
Trouxeram para o lobo um grande pedaço de carne crua que Mhirfun tratou de
dividir com a águia.
Depois da refeição, Oathu os levou aos aposentos que lhes foram destinados,
onde todos exceto Zarthrus se recolheram. Ele queria saber mais sobre aquele povo
e sobre os diferentes tipos de alimentos servidos, principalmente sobre os
cogumelos.
Quando as duas irmãs despertaram algumas horas mais tarde, foram levadas
ao encontro com Ephoes que as aguardava conversando com Zarthrus.
– Vejo que suas energias já se recompuseram.
– Em parte, a cama de vocês tem um perfume agradável. Nos convida a
permanecer por mais tempo entregue ao mundo dos sonhos. – respondeu Ishiá.
– São preenchidas com as folhas de uma planta especial que exala esse
aroma. Além de ser relaxante, traz tranquilidade aos nossos sonhos, expulsando os
pesadelos.
Eles caminharam pelas passarelas entre as árvores, apreciando a magnífica
vista e a quantidade de pássaros do lugar, cada um mais colorido que o outro.
– Seu povoado é muito diferente dos nossos. – disse Narhen. – Nossas casas
são individuais e construídas no chão.
– No passado, nosso povo também vivia no solo, em cabanas. Habitávamos
uma região muito distante daqui. Nossos ancestrais viviam em uma região muito
depois do grande deserto de Thimaús e, além da grande água, depois dele. Lá havia
muita comida. Cultivávamos o solo e criávamos grandes rebanhos. O povo tinha
tanta fartura que não caçava e não tocava nas florestas além do estritamente
necessário. Com tanta fartura, o povo cresceu, famílias se multiplicavam em
números. Sem que percebessem, foram utilizando cada vez mais as florestas e elas
foram reduzindo. Aproveitavam os locais onde não mais havia árvores para
cultivar.
Mas, chegou um momento que a produção de alimento não era mais
suficiente para todo o povo. O solo se cansou e passou a produzir cada vez menos.
Sem opção, passaram a caçar e as grandes florestas praticamente já não existiam,
ficando apenas pequenos bosques. Os animais foram mortos ou fugiram para
lugares distantes. O solo secou e uma imensa fome tomou conta do povo. O povo
pacífico passou a guerrear pela comida e pela água que, além de preciosa, era
considerada sagrada e se tornou motivo de disputas. Não era possível beber da
grande água, porém dela se retirava muito alimento como peixes e algas.
Com o aumento do povo, até esse alimento ficou escasso. Nesse ponto, os
homens que tiravam seu sustento da grande água, estavam sendo forçados a ir cada
vez mais longe em busca de alimento. Então, não suportando mais a pressão e as
ameaças decidiram fugir com suas famílias e com as famílias dos amigos, em
busca de outra terra para viver novamente em paz. Em silêncio planejaram. Em
determinada data, uma centena e meia de embarcações fugiu durante a escuridão,
levando cerca de cem pessoas em cada uma e todo o alimento que puderam estocar.
Não tinham a menor ideia até onde chegariam, pois ninguém havia navegado para
tão longe.
O tempo foi passando e o alimento que levaram se acabou, passaram a viver
do que conseguiam pescar e da água da chuva que conseguiam recolher. Muitos
morreram na viagem. Tinham que continuar em frente, pois já não havia mais
condição de retorno. Então, depois de longo tempo no mar, avistaram novamente
uma margem onde aportaram. Havia uma uma pequena faixa de árvores, onde
encontraram água para reabastecer, mas não havia alimento. Depois das árvores
havia um deserto que não podiam atravessar. Tinham de continuar seguindo em
frente. Abasteceram os barcos com toda a água que puderam e continuaram
seguindo a costa.
Em certa noite, uma grande tempestade pegou as embarcações desprevenidas.
As ondas enormes e o vento impiedoso jogaram os navios nas pedras. Um pouco
menos da metade das embarcações havia conseguido atravessar a grande água, mas
nenhuma delas suportou a tempestade. Muitas pessoas morreram. De todos os que
começaram a grande viagem, apenas cerca de duzentos sobreviveram. Eles
passaram viver numa pequena floresta na margem do deserto. Não havia água no
solo, mas chovia todos os dias, portanto ela não faltava, mas comiam apenas o que
conseguiam pescar. Precisavam encontrar outro local e para isso teriam de
atravessar o deserto.
Do ponto onde estavam, conseguiam avistar uma cadeia de montanhas. Era
para lá que iriam. Durante algum tempo, secaram parte dos peixes que conseguiam
e os estocaram. Quando conseguiram o que achavam ser suficiente e que
conseguiam transportar, seguiram em direção às montanhas viajando durante as
longas noites e se abrigando como podiam durante os dias. Dessa vez todos
concluíram a travessia. Chegaram às montanhas e encontraram cavernas suficientes
para abrigar a todos. Havia sobrado uma boa quantidade de peixe seco que daria
para alimentá-los por vários dias enquanto procuravam por locais mais
hospitaleiros. Porém, eles não sabiam que naquela região existiam grandes e
ferozes predadores, dragões. O cheiro do peixe seco atraiu o monstro e num
entardecer, enquanto descansavam, ele chegou silencioso. Uma menina chamada
Isyuê brincava perto dos peixes.
O dragão ficou observando aquela pequena criatura estranha que ele nunca
havia visto. O pai da menina despertou e viu aquele ser imenso, coberto de
escamas, com garras e presas imensas e, temendo por sua filha, atacou o monstro.
O ser alado se defendeu lançando o homem longe. Ele estava para devorar o
homem, quando a menina gritou pelo pai. Ao ouvir a criança gritando pelo pai o
dragão parou e olhou para ela que correu e abraçou o pai caído. Alguma coisa
aconteceu, pois o ser recuou alguns passos e não atacou.
A mãe da menina viu o que aconteceu e quando outros homens vieram em
defesa dos dois, o dragão abocanhou parte do peixe e se lançou ao céu. Os homens
decidiram que ali era muito perigoso e voltaram a se mudar. Dessa vez, vieram
para a floresta. Aqui o monstro não poderia voar e os homens teriam como se
defender. O pai da menina morreu e ela se tornou adulta. Mas aquela lembrança do
dragão não ter devorado seu pai e a imagem dos olhos da criatura que pareciam
admirados com o que viam não saia de sua mente. Ela falou várias vezes sobre as
lembranças que tinha, com a mãe, no entanto, ela a proibia de voltar às cavernas.
Porém a curiosidade foi maior e um dia ela fugiu, na tentativa de solucionar a
dúvida que a atormentava. Por que o monstro não a devorou? Ela retornou até a
caverna, mas não encontrou nenhum vestígio da criatura, então pensou que ele
devia habitar no alto das montanhas e começou a vagar por elas em sua busca.
Muito tempo se passou e certo dia, enquanto passava por um grande vale entre as
montanhas, ouviu um grito que gelou seus ossos. O medo tomou conta de sua
mente quando ela viu dois seres bem menores que a criatura que vira quando
jovem, mas com aparência muito mais terrível. Isyuê tentou fugir e se esconder,
mas as criaturas sempre seguiam direto até ela.
Correndo o máximo que pode, chegou a uma pequena caverna onde os dois
seres não conseguiam entrar. Não havia outra saída e os monstros começaram a
cavar aproximando-se dela pouco a pouco. Quando imaginava que seria o seu fim,
escutou um grande rugido. Os dois seres se voltaram e se lançaram ao ar rugindo
em desafio. Isyuê saiu a tempo de presenciar uma batalha no céu. Os dois que a
caçaram estavam agora lutando com a criatura de sua lembrança. Com uma rajada
de fogo lançada de sua boca, a criatura maior derrubou uma das outras duas, que
caiu para a morte, enquanto a outra fugiu. A jovem não se escondeu quando a
imensa criatura a viu e se dirigiu até ela pousando bem na sua frente.
A criatura era tão magnífica que Isyuê trocou o medo pela admiração. A fera
a observava da mesma forma. Uma pergunta se formou na mente da jovem. “Quem
é você, que não me devorou quando era jovem e que me socorreu agora?” Para
espanto de Isyuê ela ouviu: “Sou Amorrtugharr. Sou um dragão.” A criatura
conversava através da mente.
Passado o espanto, Isyuê perguntou: – “Por que não me devorou quando eu
era mais jovem?” – “Porque, caço apenas seres sem inteligência, que utilizam
apenas o instinto para sobreviverem. Além do fato de nunca ter visto ninguém de
sua espécie.”
Eles conversaram por muito tempo e Isyuê ficou sabendo que já não existiam
tantos dragões como no passado. Algo estava mudando. Eles estavam morrendo e
não sabiam por quê. Ao mesmo tempo em que os Izmhur estavam aumentando,
pois haviam poucos dragões para controlá-los. Por fim, descobriram o mal que
causava as mortes dos dragões. Porém não conseguiram exterminá-lo. O local onde
a fonte do mal se encontrava e da qual nenhum dragão podia sequer se aproximar,
pois morreria, estava após uma passagem estreita e profunda no fundo de uma
caverna. Isyuê contou-lhe então a história do que acontecera ao seu povo. Da fuga
pela grande água e tudo o que passaram para que tivessem uma nova chance de
sobrevivência. Sem medo, ela pediu para que ele indicasse o local da fenda, pois
queria ajudá-lo em retribuição por ser salva dos Izmhur.
Como não era um dragão, a magia não iria prejudicá-la. Amorrtughar
percebeu sinceridade em suas palavras e a levou até o local mais próximo que
poderia chegar. Isyuê escalou uma trilha íngreme e entrou em uma grande caverna
e logo encontrou a fenda na rocha. Uma energia maligna exalava de sua entrada,
junto com um cheiro de morte. Por mais que tentasse, ela não conseguiu penetrá-la.
E a cada tentativa sua energia era minada. Mesmo distante, o dragão mantinha seu
contato mental com a jovem e pediu para que ela desistisse, pois se continuasse,
também ela morreria. Isyuê disse que encontraria uma maneira, mas desfaleceu
sem forças.
Temendo pela morte da jovem, o dragão transferiu parte de sua energia para
ela. Nesse momento, algo aconteceu. Isyuê teve uma visão. Uma profecia surgiu
em sua mente e na de Amorrtughar. “Somente os humanos que carregassem a alma
de um dragão poderiam terminar com o mal. Somente eles poderiam fechar a fenda
definitivamente. Somente esses humanos poderiam restabelecer a vida e força dos
dragões trazendo novamente o equilíbrio a esse mundo”. Isyuê despertou e saiu da
caverna.
Devido à sua atitude, uma grande amizade surgiu entre Amorrtugharr e Isyuê
e ela foi levada de volta em segurança ao seu povoado onde os habitantes ouviram
todo o seu relato. Em concordância com o líder do povoado, o dragão disse um
juramento em sua língua mágica. “A partir daquele momento nenhum humano nem
dragão precisaria temer um ao outro, mesmo os que ainda não tinham nascido.
Caso alguém de uma das raças quebrasse esse juramento, ele deveria ser trazido
por seu próprio povo e entregue ao outro para ser julgado e ter sua sentença
executada.”
A partir daí, os dragões mantiveram os Izmhur longe dos humanos. E o
povoado voltou a crescer, mas os dragões continuavam a morrer. Eles perceberam
que seus ovos tinham uma proteção contra o mal e em uma tentativa desesperada,
lançaram sua magia sobre os ovos, para que eclodissem apenas quando o mal fosse
extinto e transferiram a energia de todos para um único dragão. O mais jovem de
todos para que vivesse e tivesse a chance de auxiliar para que a profecia se
concretizasse. O nome do dragão era Èhssthril.
Depois que Oathu contou-me o que as viu fazer, a profecia que foi passada
por gerações a todos os líderes de meu povo me veio à mente. Temos certeza de
que são vocês que restabelecerão o equilíbrio a esse mundo.
– Mesmo que não sejamos nós, faremos o possível para ajudar. – respondeu
Narhen.
Mais uma vez o destino se descortinava frente às jovens. O destino de ajudar
não apenas seu mundo, mas também a esse. O que mais o futuro lhes reservaria?
Narhen e Ishiá se reuniram com o restante do grupo e contaram-lhes
tudo o que Ephoes havia dito.
– Precisamos encontrar uma forma de ajudá-los. – disse Narhen ao final.
– Mas, por acaso ele têm ideia da localização da fenda ou mesmo dos ovos
dos dragões? – perguntou Grendhel. – Não podemos nos atrasar demais em nossa
tarefa.
– Zarthrus, eu e Narhen acreditamos que esta também seja parte de nossa
tarefa. Não poderemos ajudar na libertação de nosso mundo se não ajudarmos
também nesse.
– Bem, analisando o que disseram, a fenda fica na cadeia de montanhas. –
disse Galler.
– O problema é onde. A julgar pelo tamanho de tudo nesse mundo em que
estamos, as montanhas que vimos também serão extensas. – falou Grendhel. – Será
o mesmo que procurar por um grão de ouro no meio do deserto. Talvez nunca
venhamos a encontrar.
– Talvez não, mas tentaremos utilizar nossa energia nessa localização. – disse
Narhen.
– Rogo aos deuses que consigam. – disse Zarthrus.
– Creio que se encontrarmos a fenda e conseguirmos fechá-la, os ovos dos
dragões eclodirão e os dois problemas estarão resolvidos. – disse Ishiá.
– Não seja tão otimista! – disse Grendhel. – Os dragões eram predadores e se
alimentavam de caça. Provavelmente também cuidavam de seus filhotes. Se
fecharmos a fenda antes de localizarmos os ovos, eles eclodirão apenas para os
bebes morrerem de fome ou serem devorados pelos Izmhur. Temos que localizar os
ovos e colocá-los seguros com o povo da floresta para que sejam cuidados até que
consigam se cuidar sozinhos e só depois é que devemos tentar fechar a fenda.
– Mestre Grendhel tem razão. Não podemos simplesmente abandonar os
dragões à sua própria sorte.
– Devemos conversar com Ephoes a esse respeito. Não podemos tomar essa
decisão por eles. – disse Narhen.
– E se eles se recusarem a tratar dos dragões? – perguntou Grendhel.
– Não creio nisso. Eles têm um juramento na língua mágica dos dragões e
devem muito a eles pela proteção do passado. – concluiu Narhen. – Vamos marcar
uma audiência com Ephoes e Oathu.
Ao se encontrarem com ambos no salão nas árvores, expuseram os fatos.
– Como esperam que cuidemos de filhotes de dragões. Eles eram enormes
seres alados que viviam no topo das montanhas. Nós somos pequenos e vivemos
no meio das grandes árvores. Além disso, devem comer uma enorme quantidade de
carne. – disse Ephoes.
– Eles são filhotes e não adultos. – disse Narhen. – Vocês deverão cuidar
deles até que tenham condições de cuidarem de si mesmos. No início comerão
pouco, mas vocês encontrarão um meio de alimentá-los enquanto se desenvolvem.
Além disso, seus pais fizeram um juramento em uma língua mágica e vocês devem
cumpri-lo.
– Mas, não fizemos mal aos dragões.
– Ainda não, mas estarão fazendo se os deixarem morrer!
Ephoes ficou em silêncio. É certo que a luta contra os Izmhur nem sempre era
vitoriosa e o povo não podia se aventurar fora das florestas sem correr o risco de
ser morto, mas há muito se acostumou a sobreviver sem os dragões.
– O que podemos fazer? – perguntou Oathu.
– Ainda não sabemos. Precisamos primeiro localizar os ovos e a fenda.
Somente depois de termos suas localizações é que pensaremos o que fazer.
– Se não sabem onde estão os ovos, por que nos trouxeram esse problema? –
perguntou Ephoes. – Pode ser que nunca os encontrem.
– É verdade, mas se os encontrarmos precisaremos ter condições de resgatá-
los e mantê-los em segurança.
– Então, que os encontre primeiro. – concluiu o ancião.
O grupo deixou o grande salão em companhia de Oathu.
– Não se desapontem com Ephoes. Ele lidera esse povo há muito tempo e
apesar de agora termos fartura, nosso povo já passou muita dificuldade. Ele apenas
não quer que soframos novamente.
– Mas, ele infringiria uma pena de morte aos filhotes de dragão por esse
motivo?
Silêncio.
– Bem, caso encontrem os ovos, creio que deveremos trazê-los para a
floresta. Aqui teremos maior condição deprotegê-los. Os Izmhur não nos atacam
no meio das árvores por que não conseguem voar com facilidade entre os troncos e
nem atravessar as copas das árvores.
– Avisarei assim que os encontrar. – disse Narhen.
O grupo seguiu para os aposentos.
– Ishiá, venha comigo precisamos encontrar esses ovos.
As duas jovens entraram em seus dormitórios para que pudessem libertar suas
energias sem interferências. Passado algum tempo elas saíram do quarto e se
juntaram ao restante do grupo.
– Temos boas e más notícias. – disse Narhen.
– Então fale rápido. Não nos deixe apreensivos. –
disse Zarthrus.
– Conseguimos encontrar o caminho e a localização da fenda nas montanhas.
Também conseguimos visualizar os ovos e o local onde se encontram. – disse
Ishiá.
– Os ovos estão no deserto, em uma formação rochosa circular, semelhante a
um ninho. Eles estão em uma grande caverna abaixo da superfície. – continuou
Narhen.
Mas...
– Oathu! – gritou Zarthrus. – Existem flores vermelhas e negras. Porém,
existe também uma flor dourada como o sol.
– Não sei o motivo. Não ouvi sobre flores douradas. Isso é algo muito mais
raro.
O gnomo abriu seu alforje e pegou três pequenos frascos. Aproximou o
primeiro da base da flor negra e com suavidade, apertou suas pétalas. Um líquido
escuro e viscoso escorreu com dificuldade. Ele repetiu o processo em todas as
outras flores negras. No segundo, repetiu o processo com as vermelhas, um néctar
rosáceo e perfumado saiu delas. Quando espremeu a única flor dourada no terceiro
frasco, obteve um líquido límpido e luminoso.
Dessa única flor, obteve a mesma quantidade de néctar que todas as negras
juntas. Quando Zarthrus retirou a mão, a flor dourada se desprendeu sem que ele a
puxasse e nela havia duas sementes. O gnomo então guardou os frascos e a flor no
interior do alforje.
Zarthrus virou-se para chamar a águia, mas do ponto onde estava, observou
uma movimentação na vegetação se aproximando do local onde seu grupo estava.
Ele viu alguns grandes animais que lembravam lobos e imediatamente os Ürhairs
vieram à sua mente. Chamou a ave e mergulharam em direção ao solo.
– Depressa! Há vários animais, semelhantes a lobos, vindo em nossa direção
e são bem grandes.
– Podem ser Ürhairs. Estamos contra o vento. – disse Oathu. – Devemos
seguir o mais rápido que pudermos.
O grupo partiu acelerado, mas o vento continuava contra eles.
– Ishiá, peça a águia para voar e se posicionar em uma árvore próxima aos
animais. – disse Narhen. – Através de sua ligação mental, poderá nos dar detalhes
desses animais.
Em seguida a ave alçou voo e seguiu na direção onde Zarthrus os tinha visto,
pousando em uma árvore, cerca de duzentos metros do grupo.
– Eles estão se aproximando rapidamente. – disse Ishiá.
– Pode descrevê-los? – perguntou Grendhel.
– São grandes e musculosos. Parece uma mistura entre porco com um lobo. E
tem duas grandes presas tortas saindo da boca.
– Devemos correr o mais rápido que pudermos, e procurar algum abrigo. –
disse Oathu.
– Irmã, mantenha a águia observando esses animais para não sermos pegos de
surpresa.
O grupo passou a correr, mas a grama alta impedia que eles fossem muito
mais rápido e o anão era o mais prejudicado de todos.
Não havia árvores suficientemente fortes para suportar o peso do grupo e o
ataque das presas dos animais.
O vento continuava a levar a localização do grupo para as feras e elas
continuavam a se aproximar.
– Olhem! – disse Galler. – Aquelas rochas. Se conseguirmos chegar até elas,
talvez consigamos proteção.
Imediatamente o grupo se dirigiu para as rochas, mas ficou ainda mais difícil
atravessar aquelas gramíneas.
– Peguem suas espadas. – mandou Grendhel. – Com elas poderemos abrir
caminho mais rápido do que com as mãos limpas.
Os dois casais sacaram as armas e como Grendhel falara, conseguiram seguir
mais facilmente pela vegetação, mas ainda assim, eram mais lentos que seus
perseguidores. Os animais estavam por volta de cinquenta metros de distância
quando o grupo chegou ao amontoado de rochas.
O gnomo foi o mais rápido a perceber.
– Creio que não foi uma boa ideia termos vindo para cá!
– Por que diz isso. – perguntou Grendhel.
– Parece que viemos direto para as tocas desses animais.
Havia algumas cavernas e a grama estava completamente pisoteada ao redor.
O cheiro de fezes e alguns ossos no chão indicavam que algum predador ali
habitava.
– Não temos escolha, devemos escalar depressa essas rochas. – disse Narhen.
A jovem percebendo que seria difícil conseguirem erguer o lobo pediu a ele
que corresse o máximo que podia e que não tentasse enfrentar as feras,
permanecendo a uma distância segura. O lobo obedeceu e disparou por entre a
vegetação, desaparecendo em seguida.
– As rochas são muito altas. – disse Oathu. – Não conseguiremos subir.
– Não desista. – respondeu Grendhel. – Todos nós conseguiremos.
Grendhel correu e apoiando as costas na pedra, cruzou os dedos.
– Venham. Eu os ajudarei a subir.
Galler sorriu e ficou ao seu lado na mesma posição.
– Será mais fácil para nós dois.
Narhen se aproximou e pisou nas mãos dos dois que a arremessaram para
cima. Ishiá foi a próxima e as duas ajudavam a cada um que era erguido. –
Agora é a sua vez, meu amigo! – disse Galler.
– Mas você não conseguirá saltar essa altura sozinho.
– Jogue a corda de Zarthrus e me puxe.
Grendhel deu um impulso e o elfo o ergueu. Narhen e Ishiá o ajudaram.
Os animais surgiram na área pisoteada enquanto Zarthrus desenrolava sua
corda.Um grunhido agudo foi ouvido e seguido por outros. O elfo preparava-se
para pegar sua espada quando a corda caiu em seus ombros.
– Não fique aí parado. Suba depressa! – falou Narhen.
Galler agarrou a corda e os outros o puxaram. As feras saíram com os pelos
arrepiados e as presas à mostra em disparada em sua direção e saltando na tentativa
de alcançá-lo. Um segundo a mais e o elfo teria sido pego. Do alto da rocha,
puderam ver com detalhes os predadores no solo.
Eram realmente uma mistura de porco e lobos.
Tinham o corpo forte e a cabeça grande com orelhas largas.
Os olhos eram pequenos para a cabeça. O focinho era semelhante ao dos
porcos, mas a calda parecia a dos lobos. Suas pernas também lembravam os
canídeos, mas com os cascos dos suínos. Um pelo espesso e acinzentado cobria-
lhes todo o corpo e das mandíbulas escancaradas, podiam-se observar vários tipos
de dentes que serviam tanto para carnes, quanto para plantas. Era certo que aqueles
animais se alimentariam de tudo o que alcançassem.
Ao redor das rochas, havia seis grandes animais que atacavam, sem sucesso, o
grupo de refugiados.
– Foi minha culpa cairmos nessa armadilha. – falou o elfo.
– Não se culpe. Se não tivesse visto essas rochas, é muito provável que essas
feras tivessem nos atacado antes de alcançarmos alguma árvore. – disse Grendhel.
– Devemos ficar em silêncio e aguardar. Quem sabe eles desistem e vão
embora! – disse Mhirfun.
– Olhe, meu pequeno amigo! – mostrou Oathu. – Estas são suas tocas,
acabamos por invadir o território desses animais. Não creio que desistirão dele
como facilidade.
– Então, devemos esperar e pensar em alguma alternativa, se houver.
O grupo ficou em silêncio e aos poucos os animais foram se acalmando. Do
alto, eles perceberam que o maior dos animais deveria ser o macho dominante e
que os outros deveriam ser fêmeas de seu harém. Ele estava sempre irritado e
procurado algum motivo para se impor sobre o grupo. A situação não estava nem
um pouco confortável e mais uma vez, eles se encontravam encurralados, sem
saída.
O grupo se manteve silencioso o máximo que podia, mas os Ürhairs não
perderam a atenção depositada neles. De tempo em tempo, o macho investia contra
eles incitando os outros a imitá-lo. O tempo passou mais lento que de costume.
A água racionada de seus odres já estava no fim e nenhuma alternativa passou
por suas mentes.
– Não resistiremos muito mais. – disse Oathu. – Em breve teremos de morrer
sobre essa rocha ou arriscar a morte nas presas desses animais.
– Eles não desistem! – falou Narhen. – Se ao menos eles voltassem à floresta
em busca de alimento, mas estão se alimentando da grama ao redor das tocas.
– O estranho é que não existe água nesse local. – disse Galler. – Eles já
deveriam estar com sede. Não queria ter de matar todos esses animais. Fomos nós
quem invadimos o território deles.
– Tive uma ideia! – falou Ishiá. – Creio que seja muito estúpida, mas é a
única que me ocorreu.
– Diga minha irmã. Todas as ideias são de grande valia nessas horas.
– Pensei que se a águia voasse alto, poderia atrair um Izmhur para essa
região. E essa presença talvez afugentasse esses Ürhairs, ou ainda, talvez pudesse
ocorrer uma luta que lhes desviasse a atenção!
– Não teríamos a garantia de que um Izmhur os visse e nem mesmo a de que
eles não se virariam contra nós. – falou Grendhel.
– Não concordo em arriscar a ave desse jeito, embora haja uma possibilidade
de que ela realmente possa distrair os Ürhairs. – disse Narhen.
– Eu havia pensado, que se a águia me levasse até uma árvore próxima, eu
poderia atraí-los, para então ser levado a outra mais distante e repetir o processo,
mas creio que ela não suportaria meu peso por muito tempo.
– Talvez não seja preciso que ela o leve. – disse Narhen.
– Se ela ficar o suficientemente baixo para irritá-los, mas alto o suficiente
para se manter fora do alcance das presas é provável que dê certo. Ishiá peça para
que a águia voe e dê mergulhos próximos ao líder, apenas ameaçando e se
afastando. E sempre que se aproximar deve piar forte. E depois de alguns ataques,
deve pousar naquela rocha. Se for necessário faça novos ataques, mas sempre
retorne para a mesma rocha.
Ishiá pediu para a ave se posicionar na rocha indicada por Narhen e piar.
A vegetação era alta ao redor da rocha, mas não chegava à metade se sua
altura. Os animais não conseguiriam capturá-la. A águia emitiu pios agudos e
longos e em seguida partiu para o blefe.
Em pouco tempo os voos rasantes alcançaram seu objetivo e o macho já não
enxergava os homens, apenas a ave. Todas as vezes que a ave se aproximava, ele
saltava em vão tentando alcançá-la. Aos poucos sua irritação foi aumentando e ele
passou a correr atrás da águia grunhindo e com os pelos arrepiados. Em todas as
ocasiões em que a águia simulava um ataque, partia da rocha e retornava a ela
novamente.
A irritação do macho foi contagiante e pouco tempo depois suas
companheiras também tentavam alcançar o pássaro. Finalmente, o Ürhairl líder do
bando não suportando mais a incômoda ave, partiu em perseguição a ela que
retornava à pedra para pousar.
De repente, o animal emitiu um grunhido agudo e desapareceu na grama alta.
O som foi tão repentino, que a águia se elevou mais alto que a pedra onde pousaria
temendo ser apanhada. A ave então pousou em uma árvore próxima e observou o
local da rocha, procurando pelo Ürhairl.
– O que aconteceu com o animal? – perguntou Mhirfun.
– Ele desapareceu, como que engolido pelo chão. – disse Grendhel.
A pedido de Ishiá, a ave saltou de seu poleiro e voou em torno da rocha,
procurando pelo paradeiro do Ürhairl.
Assim que se aproximou, o mistério foi revelado. Uma grande fenda no solo,
coberta pela vegetação tornou-se uma armadilha natural. Irritado pela ave, o animal
a perseguiu e não viu onde pisara, caindo no fundo da fenda.
A águia pousada na rocha observou o fundo da fenda e viu que o animal
mancava, mas estava vivo. Após Ishiá relatar o que viu, Galler lhe pediu: – Veja se
existe alguma saída da fenda.
A ave voou e a algumas dezenas de metros a saída foi encontrada.
– Fique tranquilo! Existe uma saída.
– Se a águia conseguisse atrair o restante dos Ürhairs para a fenda,
poderíamos sair daqui ilesos, antes que se libertem novamente. – disse Zarthrus.
Novamente a ave voou em direção aos animais ameaçando atacá-los, na
esperança de irritá-los para que a seguissem, mas as fêmeas não tinham o mesmo
temperamento irritadiço do macho e não se importaram com a ave.
– Não está surtindo efeito. – disse Narhen. – Traga a águia para cá, deve estar
cansada.
– Permanecemos ilhados. E sem opções. – disse o gnomo.
Nisso o gnomo enfiou a mão em seu alforje e retirou uma fruta.
– Estou com fome. Alguém quer uma fruta?
Ninguém respondeu. Um dos Ürhairs levantou o focinho, farejando o ar em
busca do cheiro doce que sentira.
– É isso! – exclamou Grendhel. – Zarthrus, ainda tem da mistura que deu a
Jhiet para que dormisse.
– Sim, tenho bastante. Por quê?
– Seria ela bastante forte para colocar esses animais dormindo?
– Com certeza! Mas ainda não entendi como.
– Muito simples.
Grendhel pegou a fruta da mão do gnomo que se irritou.
– Se quer uma de minhas frutas, basta pedir! Não precisa pegar a minha!
– Tenha calma meu amiguinho. Não é o que pensa.
Grendhel lançou a fruta, próximo ao lugar onde havia um Ürhairl. O animal
farejou o ar e rapidamente localizou a fruta e a comeu.
– O que quis mostrar com isso? – continuou o irritado gnomo.
– Uma ótima ideia. – disse Galler. – Talvez não precisemos disparar nenhuma
flecha.
– Ainda não entendi!
– Esses animais comem qualquer coisa e uma fruta doce é muito apreciada.
Se colocarmos sua mistura dentro de algumas frutas e dermos para eles, cairão em
um sono pesado e poderemos sair daqui.
Sem dizer mais uma palavra o gnomo retirou várias frutas do alforje e em
seguida um frasco de boca larga com um líquido dentro.
– Sempre me surpreendo com essa bolsa. – disse Grendhel.
– Cuidado! Se utilizar muito desse líquido, essas feras dormirão para sempre.
Creio que algumas gotas serão o suficiente.
Para Jhiet foi apenas uma.
Com uma adaga, Grendhel fez uma pequena abertura na fruta, por onde
despejou algumas gotas do líquido. Em seguida a jogou para o Ürhairl próximo. A
fera cheirou a fruta e a comeu em seguida. Não demorou muito para que o animal
começasse a cambalear e depois se deitar num sono profundo.
Satisfeitos com o resultado. Repetiram o processo com os outros que agiram
da mesma forma. Antes de descerem da rocha, Galler pegou uma das frutas e jogou
no Ürhairl que comeu a primeira fruta. A fruta o atingiu e ele permaneceu imóvel.
Galler, então, gritou e bateu palmas tentando chamar a atenção de algum
deles, mas todos estavam dormindo. Após essa certificação, o grupo desceu com
cuidado da rocha.
– Nunca pensei que chegaria tão perto de um Ürhairl vivo e solto. – disse
Oathu.
– Devemos nos afastar o mais rápido que pudermos. – disse o gnomo. – Não
sei por quanto tempo continuarão dormindo.
O grupo voltou a seguir, com alívio, seu caminho em direção à montanha dos
dragões e pouco tempo depois o lobo veio encontrá-los. Mais um obstáculo foi
vencido, mas quantos ainda restariam?
Desde que saíram da floresta fechada e entraram na área da grama
alta, a montanha dos dragões, em momento algum, deixou de ser avistada. Para
Narhen, caminhar naquela terra era ao mesmo tempo surpreendente e frustrante. Os
animais e plantas diferentes dos existentes em seu mundo aguçavam sua busca por
aventura, mas os longos períodos de luz e de sombras faziam parecer que o tempo
não passava e que caminhavam sem sair do lugar.
Após terem deixado os Ürhairs dormindo por volta do meio dia, avançaram
sem incidentes pelo restante do dia.
No limiar entre o dia e a noite, estavam no topo da colina que precedia o
grande vale anterior à montanha. A visão era magnífica!
Do ponto onde estavam vislumbravam a imensa montanha dos dragões, com
seu pico semelhante a uma torre de vigília, se erguendo imponente, em direção ao
céu e logo atrás, parte da grande cadeia de montanhas. Daquele ponto em diante, o
terreno era desconhecido até mesmo para Oathu e seus homens.
Ninguém ousava atravessar aquele vale, temendo ser pego por algum Izmhur
e as únicas referências que existiam sobre aquela região, vinham sendo passadas
dos pais para os filhos, através das gerações, a partir dos relatos de Isyuê e,
portanto, não eram confiáveis. A presença dos Izmhur era constante e de tempos
em tempos, ouviam-se seus gritos e rugidos.
O grupo decidiu descer até a entrada do vale antes de montar acampamento.
No ponto onde estavam não havia proteção contra o céu aberto. Nenhuma chama
seria acesa até que encontrassem um abrigo que evitasse que algum predador
pudesse seguir a luz.
Não havia nenhuma trilha a ser seguida, portanto, desceram ziguezagueando
colina abaixo por uma lateral rochosa. Quando já estavam bem próximos ao vale,
encontraram uma caverna estreita e nenhum sinal de que animais a habitassem.
Mhirfun entrou e logo uma luz brotou do interior produzida por uma de suas
tochas.
De início era um corredor estreito, mas logo se abriu em um espaço suficiente
para acomodar a todos.
– Há algo nesse vale que não me agrada. – disse Ishiá. – Mas não sei o que é.
– Também sinto isso. – respondeu Narhen.
– Observei o vale e até onde minha vista alcançou, não encontrei nenhuma
árvore. – disse Galler. – É provável que durante a travessia não encontremos
nenhum outro abrigo. Estaremos expostos ao céu aberto.
– Também não gosto disso. – disse Mhirfun. – Seremos presas fáceis para
qualquer Izmhur que passe voando sobre nós.
– Disso eu discordo, meu amigo! – falou Oathu. – Vocês podem até vir a ser
presas, mas nenhum predador encontrará facilidade em capturá-los.
– Espero que tenha razão, meu amigo! – respondeu o anão.
A conversa seguiu por mais algum tempo até que se alimentaram.
– Devemos descansar agora. Quando despertarmos, teremos ainda uma longa
caminhada pela frente. – concluiu Narhen.
Algumas horas depois, todos se levantaram e saíram da gruta. A posição das
estrelas permanecia a mesma, dando a impressão que estavam pregadas no lugar.
Embora os Izmhur ainda pudessem ser ouvidos, nenhum foi visto.
– Bem, é chegada a hora. – disse Narhen respirando fundo. – Vamos!
Em silêncio o grupo desceu os metros restantes até o vale e para surpresa de
todos, bem na divisa com a colina, deslizava sonolento um riacho de águas
cristalinas e frescas.
– Isso é uma benção! – disse Zarthrus.
– Devemos completar nossos odres. – disse Narhen. – Não sabemos onde
encontraremos outra fonte.
Assim que estava reabastecido, o grupo atravessou o pequeno córrego e
entrou definitivamente na grande planície.
Após alguns quilômetros de caminhada, perceberam que foram enganados
por seus olhos. O grande vale não era plano como parecia. Não havia plantas
porque era completamente rochoso e todo entrecortado por um labirinto de fendas
o que dificultava em muito atravessá-lo. Contornar as aberturas no solo estava se
mostrando muito complicado e demorado.
Enquanto verificava uma maneira de atravessar uma rachadura relativamente
larga, o solo abaixo do anão se partiu jogando-o no interior da abertura. Mhirfun
caiu alguns metros, mas conseguiu se agarrar em uma rocha saliente e assim evitou
se chocar contra o fundo.
– Mhirfun! – gritou Narhen. – Responda!
– Estou bem! – respondeu ele.
– Está ferido?
– Não se preocupem. Estou bem. Não estou ferido. É preciso muito mais que
uma simples queda como essa para me ferir.
– Vamos jogar a corda e puxá-lo de volta.
Enquanto aguardava, a visão do anão se acostumou ao novo ambiente.
– Mhirfun, aí vai. Pegue a corda.
– Esperem um pouco! Quero verificar uma coisa.
– Não! Não deve fazer nada sozinho. Pode ser perigoso!
– Não se preocupem, não irei longe.
Disse e terminou de descer até o fundo da fenda. Para o anão acostumado a
caminhar em galerias subterrâneas, com muito pouco ou nenhuma luz, a pouca
iluminação que chegava ao local onde estava era suficiente para ele observar tudo a
sua volta.
O fundo da fenda era bem mais plano que a superfície, havia bastante
sedimento acumulado, transportado provavelmente pela água das chuvas. Durante
o trecho que caminhou, Mhirfun pode visualizar rochas que se desprenderam das
paredes, mas que não bloqueavam o caminho. Depois de alguns minutos, o anão
retornou ao ponto onde caíra e amarrou a corda na cintura.
– Podem puxar! – gritou ele.
Aos poucos foi elevado até o restante do grupo.
– Não devia ter se aventurado sozinho. – repreendeu Narhen.
– Não havia nada lá embaixo além de mim.
– Mesmo assim, não devia ter se arriscado. Não podemos prever o que
surgirá em nossa frente e pelas provas que tivemos, pode ser algo bastante
perigoso. Prometa-me que não se arriscará novamente sozinho.
A contragosto e com olhar severo por ter sido repreendido, o anão concordou.
– Desculpe meu amigo! Mas sua amizade é muito preciosa para nós! Além
disso, nesse e nos outros mundos, devemos estar juntos.
– Tudo bem, mestra Narhen. Eu dou minha palavra.
– Agora. O que viu lá embaixo?
– Nada! Quer dizer... Havia algumas rochas caídas das paredes laterais e o
fundo da cratera, devido ao acúmulo de sedimento, é plano e firme. Muito mais
fácil de caminhar que aqui em cima. Talvez fosse um caminho melhor a seguir.
– Pode até ser verdade, mas caminhar pelas fendas pode se tornar um
labirinto e nos atrasar ainda mais.
– Caso isso ocorra, ainda poderemos sair e voltar a caminhar na superfície.
A informação do anão era de grande valia, pois estavam gastando muito
tempo em transpor as fendas ou em contorná-las. Depois de discutirem
rapidamente entre eles, decidiram seguir por dentro da fenda. Mhirfun sorriu por
sua ideia ser aceita e foi o primeiro a descer. Em seguida, o lobo foi baixado e a
águia desceu com o gnomo. Quando todos estavam no fundo, Ishiá disse: – Não
gosto desse lugar. Há algo aqui que não me deixa tranquila.
– Tenha calma. – disse Grendhel. – Deve estar apenas apreensiva depois dos
confrontos que tivemos.
– Espero que tenha razão.
Narhen olhou de volta à superfície.
– Também não gosto de ficar aqui. Parece-me um ótimo local para uma
emboscada.
– Porém, aqui teremos mais proteção contra os Izmhur. – disse Grendhel.
A águia voltou ao poleiro nas costas do anão assim que voltaram a caminhar.
Ele ia à frente do grupo carregando seu machado, com o lobo ao seu lado, seguido
por Grendhel, Ishiá, Zarthrus, Oathu e seu grupo, Galler e Narhen na retaguarda.
Grendhel, Oathu e Narhen carregavam tochas. Embora na frente do grupo,
Mhirfun preferisse observar o caminho sem que o brilho das chamas ofuscasse sua
visão. O caminho se mostrou muito mais fácil e caminharam orientados pelas
estrelas que aparentemente não se moviam no céu. Não encontraram nada diferente
por vários quilômetros, dentro daquele labirinto de passagens, até que se
depararam com uma grande ossada.
– Será um Izmhur ou um dragão jovem? – perguntou Zarthrus.
– Não sei dizer! – disse Oathu. – Olhando apenas os ossos, fica difícil
identificar sem encontrar o crânio.
– Ali está! – disse Mhirfun. – Pelo tamanho parece de um dragão jovem.
– Mas, por que será que está tão afastado do resto dos ossos? – perguntou
Ishiá.
– Talvez uma enxurrada o tenha levado para longe. – disse Grendhel.
– Ou, talvez, a enxurrada tenha trazido o corpo, pois o crânio está no terreno
mais alto. – disse Narhen.
– Mas, os ossos não teriam de estar espalhados? – perguntou Zarthrus.
– Isso é o que está me intrigando! – respondeu Narhen.
– Fiquem atentos a qualquer ruído ou movimento. – disse Galler. – Há algo
nesses caminhos que está me incomodando.
Seguiram em silêncio e todo o ruído, mesmo de uma pequena pedra se
desprendendo da parede atraia toda a atenção.
Algumas dezenas de metros à frente encontraram novas ossadas de vários
animais. Nisso o bracelete do dragão brilhou e esquentou.
– Não estou gostando disso! – disse Narhen. – Parece que estamos entrando
no covil de um grande predador.
O lobo emitiu um rosnado baixo e seu pelo se ouriçou.
– O lobo está pressentindo algo! – falou o anão. – Ele ouviu alguma coisa da
qual não gostou!
Todos sacaram suas armas. Nisso um chiado às costas de Narhen a fez virar.
Ela não viu a origem do som, mas algo que pensou ser um vulto se afastando para
as sombras.
– Não estamos sozinhos! – disse ela.
Em seguida, outros chiados foram ouvidos, vindos de vários pontos do
caminho.
O grupo se encontrava numa parte relativamente larga do caminho e de certa
forma, afastado das paredes.
– Olhem! – falou Mhirfun. – Existem muitos buracos nas paredes. É deles
que vem esse som.
– Quem serão esses, que caçam Ürhairs e Izmhur? – perguntou Oathu.
– Esse som se parece com o som de insetos que vivem nas florestas. – disse
Zarthrus. – Mas, muito mais alto.
A suspeita de Zarthrus se concretizou. De uma das aberturas próximas, pôde-
se ver um par de antenas emergindo.
Das tocas mais afastadas da luz, os seres semelhantes a grilos e outros
insetos, com longas ou muitas pernas, começaram a surgir.
Eram insetos enormes, com alguns chegando quase à altura do lobo e outros,
apesar de bem mais baixos, eram muito mais compridos.
O grupo se fechou com as costas encostadas uns nos outros, enquanto era
cercado.
– Parece que não gostam da luz! – disse Galler. – Por enquanto estão se
mantendo afastados, mas por quanto tempo?
– Se ao menos tivéssemos uma maneira de aumentar o fogo. – falou Narhen.
– Essas três tochas não serão suficientes e não durarão por muito tempo.
– Devemos manter essa formação e continuar a caminhar lentamente e tentar
nos afastar desse lugar. – disse Oathu.
– E orar aos deuses que esses seres se afastem enquanto passamos. – falou
Zarthrus.
Quando um dos homens de Oathu pegou seu arco, ouviu:
– Não desperdice suas flechas. – disse Galler. – São muitos e se atacarem não
conseguirá armar seu arco com velocidade.
Mantenha sua lança numa das mãos e sua espada na outra.
À medida que caminhavam, os seres à frente se afastavam e alguns até
retornavam para suas tocas, porém, um número cada vez maior surgia na
retaguarda.
– A culpa é minha! – disse Mhirfun. – Se não tivesse insistido para que
viessem por dentro da fenda, não teríamos caído nessa armadilha.
– Não se culpe meu amigo! – disse Grendhel. – Você deu a ideia e todos nós
concordamos. Você não decidiu sozinho.
– Além do que, conseguimos avançar muito mais do que se estivéssemos na
superfície. – concluiu Ishiá.
De repente a chama de uma das tochas começou a dar sinal de cansaço e a
diminuir. Os insetos perceberam e se aproximaram.
– Pelos deuses! – disse Zarthrus. – Isso não pode estar acontecendo.
Então, um grande inseto caiu do alto da parede em cima de um dos homens
de Oathu, derrubando-o. Rápido como uma flecha, Galler o acertou com sua
espada antes que causasse algum ferimento. O inseto foi dividido em duas partes
que tombaram ao chão se contorcendo em agonia.
O incidente apenas acelerou os acontecimentos. Os outros insetos investiram
contra o grupo e uma das tochas se apagou.
Surgiam seres de todos os lados e tanto homens quanto os animais, usavam
de suas armas para se defender.
Parecia que para cada inseto abatido surgiam outros três.
Na agitação da batalha, outra tocha começou a enfraquecer seu brilho e pouco
depois, também se apagou.
O grupo, além da desvantagem numérica, agora estava entrando de vez no
mundo de sombras que era o território daqueles seres.
A luta era violenta, os insetos atacavam de todas as direções e um dos
homens de Oathu teve um de seus braços ferido pela mandíbula de um inseto.
Outro perdeu parte do pé. Vários cortes e arranhões surgiam a cada instante.
Mhirfun desferia golpes de seu poderoso machado dilacerando inúmeros
daqueles seres. Grendhel o seguia no uso de seu machado e espada. O mesmo
acontecia com Ishiá, Narhen e Galler no uso da espada. Zarthrus utilizava sua
pequena e mortal espada de prata e principalmente sua agilidade, para não servir de
alimento para aqueles seres.
O mais prejudicado era o grupo de Oathu, justamente os habitantes daquele
mundo estranho. Oathu assim como seus homens, eram grandes guerreiros e
lutavam bravamente, mas os ferimentos que sofriam, minavam aos poucos suas
forças. Até que um deles não resistiu e tombou. Os insetos não perderam tempo e o
cobriram de imediato.
Oathu, Galler e Narhen ainda tentaram ajudá-lo matando os que alcançavam,
mas em vão. Pouco depois, os gritos de Lasumhir se extinguiram. O grupo se
juntou novamente em sua defesa enquanto o corpo do homem era devorado bem
próximo deles. O cheiro de sangue atraiu a atenção de grande parte dos seres, que
buscavam conseguir uma parte daquele banquete.
– Não vamos conseguir! – disse outro dos homens de Oathu. – Vamos todos
ser devorados vivos!
– Cale-se, idiota! – gritou Oathu. – Se eu tiver de morrer, levarei muitos deles
antes.
– Se ao menos tivéssemos mais luz.
– Esperem! – gritou Zarthrus. – Por que não me lembrei disso antes?
O gnomo saltou para o meio do grupo.
– Protejam-me enquanto pego uma coisa.
Zarthrus largou sua espada e enfiou a mão dentro de seu alforje.
– Onde está? Onde foi que coloquei aquilo? Aqui! Encontrei.
O gnomo retirou dois cristais lapidados e aparados em um dos lados.
– Ergam-me o mais alto que puderem.
Galler pegou Zarthrus com uma das mãos e o ergueu acima de sua cabeça.
Enquanto era erguido o gnomo juntou os dois cristais, formando uma única peça
que começou a brilhar e a emitir uma luz cada vez mais forte. Uma luz tão intensa
que afugentou os insetos de volta aos seus abrigos.
A visão do que restava de Lasumhir no chão, fez Ishiá virar seu rosto. Ela foi
abraçada por Grendhel.
– Não há mais nada que possamos fazer! – disse.
– Vamos sair daqui. Depressa!
Com o gnomo equilibrando-se nos ombros de Galler, o grupo correu,
seguindo pelo caminho iluminado pelos cristais.
À medida que se afastavam, os ossos de animais foram ficando para trás e
mais nenhum vestígio de morte foi encontrado. Mesmo assim, apenas reduziram o
passo e pararam quando não mais aguentavam correr.
– Zarthrus. Salvou nossas vidas! – disse Narhen.
– Mas minha memória não foi rápida o suficiente e um de nós pagou por isso.
– Ele sabia dos riscos que envolviam essa jornada. – disse Oathu. – Era um
grande guerreiro e sabia que poderia não voltar.
O gnomo entregou o cristal para Grendhel e foi tratar os ferimentos.
– É fabuloso! Nunca imaginei que cristais pudessem emitir luz.
– Nem eu! – disse Zarthrus. – Nem eu!
– Mas, então, como os conseguiu e soube que isso aconteceria se os juntasse?
– Antes de nossa partida da cidade esquecida, fui até a floresta de Farthorn
para pegar todos os materiais curativos que poderíamos precisar durante a viagem.
Estava próximo a um riacho, quando Skarche e duas outras ninfas surgiram. A
rainha das ninfas me disse algumas palavras e me entregou os dois cristais. Ela me
disse que se nos encontrássemos nas trevas, eu deveria unir os cristais e que a
magia faria o resto.
– Ainda bem que se lembrou! – concluiu Grendhel.
Depois dos curativos feitos e de comerem algo, continuaram em direção à
montanha, orando aos deuses que nada mais se interpusesse em seu caminho.
Caminharam praticamente durante todo o restante do período
noturno, parando apenas mais duas vezes e somente no limiar das forças. Sempre
mantinham duas sentinelas e Zarthrus.
Quando as fendas começaram e se estreitar tornando o caminho difícil,
resolveram que era hora de retornar à superfície.
Era o final da madrugada e a visão da montanha com seu alto pico banhado pelo
sol nascente era espetacular.
Finalmente estavam próximos ao final do vale, mas ainda em campo aberto.
Caminharam rápido e, vários quilômetros à frente chegaram à base da grande
montanha.
– E agora? – perguntou Grendhel. – Para onde devemos ir?
– Primeiro devemos encontrar um abrigo e refazer nossas energias. – disse
Zarthrus. – Essa caminhada exigiu muito de todos nós.
Após alguma busca o encontraram. Uma gruta protegida por um amontoado
de árvores.
– É estranho! – disse Oathu. – Eu nunca andei nesse lugar, mas já estive aqui
em sonho.
– Como pode ter certeza de que é o mesmo lugar?
– Não posso, mas sinto. Se estiver correto, devemos encontrar um córrego
raso com águas limpas e muito geladas naquela direção.
– Tem certeza que é esse o lugar que sonhou? – perguntou Ishiá.
– Tenho! Veja aquelas duas rochas estavam em meu sonho. Eu caminhei entre
elas e me deparei com o riacho. Depois dele, existe uma passagem semelhante a
uma escada de pedra, por onde subi.
– Consegue se lembrar de mais alguma coisa? – perguntou Narhen.
– No momento, não! Já faz muito tempo desde o último sonho.
– Sonhou mais de uma vez? – Grendhel perguntou.
– Oh, sim. Foi por vários períodos de sono. E até agora eu não conseguia
entender por quê! Sinto que ainda falta uma parte importante do sonho, mas não
me recordo qual seria. Espero que possa me lembrar à medida que caminharmos.
O grupo fez um breve descanso e seguiu pelo caminho indicado por Oathu.
Assim que chegaram ao riacho tiveram certeza que o sonho era verdadeiro.
– Narhen, veja! A escada do sonho de Oathu.
– Então ele sonhou realmente com essa região.
– Não é só isso. Olhe no topo da escada. É a entrada da gruta da visão que
tivemos, antes de sairmos para resgatar os ovos.
– Tem razão! Se parece mesmo com ela, mas como iremos transpor aquele
paredão? Parece muito liso e a distância é longa entre as paredes.
– Deixe para se preocupar quando chegarmos lá. – disse Galler. – Além disso,
Grendhel pode ter outra de suas brilhantes ideias.
A água do riacho era realmente fria, originada do degelo da neve no topo da
montanha. No leito desse riacho, Zarthrus encontrou inúmeras pedras preciosas.
Esmeraldas, rubis, topázios de várias cores, diamantes e várias outras.
– Esse lugar é incrível! Vejam o tamanho desses rubis e esmeraldas! E esses
diamantes então. Nunca vi gemas como essas, são perfeitas! Poderiam comprar um
reino com essas pedras.
– São realmente lindas, mas não estamos aqui para apreciar ou coletar pedras
preciosas. – disse Narhen.
O gnomo olhou-a severo.
– Não precisa ser rude, minha irmã! – falou Ishiá.
– Desculpe-me, meu amigo! Sei como gosta da beleza das gemas e da energia
que pode retirar delas. Não queria ofendê-lo. Apenas estou preocupada em
terminar nossa tarefa e retornar para o nosso mundo. Já saímos há tanto tempo e
não sabemos o que pode ter acontecido.
– Aceito suas desculpas por conhecer suas preocupações, minha jovem! Mas
há algo que está aguçando minha curiosidade. Não se encontra gemas lapidadas na
natureza e essas joias são lapidadas com um esmero surpreendente. E mais, por que
teriam o trabalho de lapidá-las dessa forma para depois se desfazer delas em um
riacho?
O que o gnomo disse fez todos pensar.
– E quem seria o responsável por esse trabalho? – perguntou Oathu. – Pelo
que sei, não existe nenhum povoado nessa região.
Narhen abaixou-se e pegou uma gema. Uma pedra translúcida de coloração
rósea. Bem ao lado encontrou outra idêntica.
– Vejam. Duas gemas iguais. – disse pegando-a com a outra mão.
Nesse momento, o bracelete do dragão brilhou e se aqueceu de forma
diferente. Não a estava alertando sobre algum perigo. Era aconchegante. Narhen
elevou as duas pedras e as colocou em frente aos seus olhos. A jovem mergulhou
em um transe suave e através das gemas ela observou outras paisagens.
Ela voava por sobre montanhas e florestas. Do topo de uma montanha muito
alta, conseguia ver quilômetros em todas as direções. Até mesmo, uma linha
azulada no horizonte, após o deserto, que ela imaginou ser a grande água. Do outro
lado, via a imensidão da grande floresta.
Então, leve como entrou no transe, saiu novamente dele.
– São os olhos dos dragões!
– O que disse? – perguntou Ishiá.
– Disse que essas gemas, são os olhos dos dragões que morreram há milhares
de anos. Ou melhor, no que se transformaram os olhos dos dragões.
– Como sabe disso?
– Eu vi através delas, mas não com meus olhos. Eu me vi voando muito
acima das nuvens e conheci a grandeza desse mundo. Eu enxerguei pelos olhos de
um dragão. Além disso, ouvi em minha mente as lembranças do dragão a quem
pertenceram essas que estão comigo. Quando um dragão morre, parte da substância
que existe nos olhos dos dragões transforma-se em uma gema e essas gemas
absorvem toda sua magia, suas lembranças, seu senso de justiça. Assim, parte do
que ele foi se perpetuará pela eternidade.
– Isso explica então, a enorme quantidade de energia dessas gemas. – disse o
gnomo.
– A pedra do cajado de Ephoes também é uma dessas gemas. Seu povo
desconhece o poder que tem nas mãos. – falou a jovem. – Mas um poder que
apenas pode ser usado para o bem. Ele não responde à injustiça ou à trapaça. E
seria ainda maior se as pedras gêmeas estivessem juntas.
– Como sabe? – perguntou Grendhel.
– O dragão de meu bracelete me contou.
– Como?
– Eu carrego comigo dois olhos dos dragões. Galler, onde encontrou os rubis
que utilizou nessa joia?
– Pode-se dizer que foram as gemas que me encontraram. Queria muito
presenteá-la com algo, que em cada detalhe, você pudesse sentir o amor que sinto
por você, através de meu empenho em sua confecção. Produzi várias peças antes
dessa, mas todas eram apagadas e sem vida. Estava desiludido, pensando que não
conseguiria uma joia condizente com meu desejo. Certa vez, enquanto participava
de uma viagem de treinamento e observação, me aproximei de algumas rochas um
pouco afastadas de nosso acampamento para sonhar com você. Quando escalava a
rocha mais alta, pisei em uma pedra que se soltou e caiu, partindo-se ao meio. De
início não dei importância, mas enquanto viajava em minhas lembranças, buscando
sua imagem em meu pensamento, um brilho vermelho chamou minha atenção. Ele
vinha da rachadura da rocha que caíra. Desci até ela e quando separei as duas
partes encontrei esses rubis. Eram perfeitos. No mesmo instante visualizei essa
joia. Quando retornamos a Larthimar, trabalhei sem interrupções, por três dias e
três noites, na peça.
Durante todo o tempo de confecção da joia, por várias vezes, me vi recitando
um mantra de transferência e proteção. Não consegui entender o motivo, mas em
momento algum tentei me impedir de pronunciá-lo. Meu povo acredita que os
deuses nos falam através de nossos pensamentos e sonhos. Então, era um deus que
recitava através de mim. No alvorecer do quarto dia a peça estava pronta. Mas
essas gemas não seriam muito pequenas para os olhos de um dragão?
– Pertenceram ao último dos dragões que nasceu nesse mundo. Um dragão
desenvolve sua consciência ainda dentro do ovo e ela é compartilhada com os
dragões à sua volta, principalmente com a de seus pais.
De repente, Narhen começou a chorar.
– O que foi minha irmã? Porque está chorando?
– A magia dos dragões já havia sido lançada sobre os ovos, mas esse dragão
também escolheu entregar sua vida para que a profecia se realizasse. Todos os
dragões, exceto Èhssthril já haviam perecido. A consciência do dragão bebê
alcançou a de Èhssthril e comunicou-lhe o seu desejo. Durante muito tempo,
Èhssthril relutou em atendê-lo, mas no final aceitou. Enquanto estava no ovo,
compartilharam todos os conhecimentos que podiam. Foi chegada a hora do
nascimento. Èhssthril retirou a magia que envolvia aquele ovo. E o bebê dragão
veio ao mundo. Mas assim que veio, a magia maligna o atingiu e ele começou a
definhar no mesmo instante. Horas mais tarde, havia morrido. Passado algum
tempo, Èhssthril retornou ao local e ao lado dos pequenos ossos do dragão bebê,
estavam o par de rubis. Utilizando-se de sua magia, ele enviou os rubis para um
mundo distante, conforme o dragãozinho havia pedido. O restante, Galler já
contou.
O silêncio tomou conta de todos, enquanto o bracelete do dragão voltou a se
apagar.
– Esse fato vem reforçar a urgência de nossa tarefa. Existem criaturas dando
suas vidas para que o equilíbrio seja alcançado e a paz volte a florescer nos
mundos. – concluiu Narhen.
– Devemos então, prosseguir rápido. – disse Ishiá. – Não quero a
responsabilidade de outro inocente morrer por nossa demora.
Sem dizer mais nenhuma palavra, se virou para sair.
– Esperem! – disse Narhen. – Devemos levar o máximo de gemas conosco. O
poder delas irá nos ajudar contra o feitiço maligno.
Então, todos recolheram várias gemas de diferentes tamanhos.
– Zarthrus, poderia transportar as gemas para nós, até que precisemos usá-
las?
– Com certeza, minha jovem!
– Cada um deverá encontrar duas gemas iguais e levá-las consigo. Elas nos
avisarão sobre algum perigo que não tenhamos percebido e nos proporcionarão
maior resistência. Mas lembrem-se, as gemas somente nos ajudarão se
trabalharmos pelo bem e pela justiça.
Não demorou muito e todos estavam com suas gemas e subindo pela escada
de pedra.
Ao chegar ao topo, Narhen percebeu que sua preocupação inicial em relação
ao paredão na montanha era infundada.
Ele tinha cerca de setenta metros de largura, mas existia uma estreita
passagem junto à parede que não podia ser vista do riacho.
A águia voou e pousou do outro lado, enquanto o restante caminhava em fila
através da trilha.
De repente, as gemas que Oathu transportava em uma pequena sacola presa
em sua cintura, aqueceram e brilharam.
O mesmo aconteceu com o bracelete do dragão.
– Tem algo errado! – disse Narhen.
– As minhas gemas também me alertaram! – falou Oathu.
Ele olhou para o céu e viu dois Izmhur voando rápido em sua direção.
– Olhem! Dois Izmhur vindo em nossa direção.
– Depressa! Temos de atravessar antes que eles cheguem.
Eles apressaram o passo, mas o caminho era muito estreito. A distância entre
o grupo e os lagartos voadores diminuía rapidamente.
A caverna era a única proteção que teriam, pois era pequena demais para os
monstros entrarem. Zarthrus foi o primeiro a atingir o outro lado, seguido por Ishiá,
Grendhel, Mirfhun, os dois guerreiros e Oathu.
O lobo seguia cauteloso junto a parede do precipício.
Narhen que seguia atrás pediu que se apressasse. Não tinham muito tempo.
Os três chegaram ao outro lado e entraram na caverna no último instante,
antes de os dois Izmhur se prenderem com suas garras do lado de fora da entrada
da caverna.
Rugindo, tentaram alcançar o grupo. Enfiaram as garras nas frestas da parede
na esperança de aumentar a passagem, mas não conseguiram deslocar nenhuma
rocha.
O grupo não esperou e seguiu para o interior da montanha através do túnel no
fundo da caverna.
Pouco depois perceberam que os dois lagartos pararam de rugir e sibilar.
Provavelmente se foram.
– Que cheiro será esse? – perguntou Mhirfun.
– Agora que falou. Também percebi. – respondeu Ishiá. – É estranho e não
me agrada.
– É o cheiro do mal! – respondeu Narhen. – Sinto que estamos próximos da
origem do feitiço. Devemos ficar atentos. Não sabemos o que podemos encontrar.
Enquanto caminhavam, o cheiro repugnante aumentava e após algum tempo
de caminhada, chegaram a outro grande salão.
Havia duas aberturas nas paredes do salão.
A primeira, à esquerda era escura e a origem daquele odor fétido. Havia uma
estranha névoa cinza que parecia tentar esconder a entrada.
A segunda mostrava outra escada de pedra que se erguia por dentro da rocha.
– Eis nosso próximo trabalho! – disse Ishiá enquanto observava a névoa na
primeira entrada.
Outra vez, o desconhecido se deparava defronte aos viajantes e a presença do
mal estava clara e visível.
A passagem para a torre e para uma das partes do Uòhrik se mostrava livre,
mas para que pudessem continuar suas jornadas pelos mundos, precisariam
primeiro libertar o mundo onde estavam das garras da sombra.
Narhen aproximou-se da estranha névoa.
Dela exalava um cheiro horrível e uma energia carregada que a forçava a se
afastar. Mesmo o brilho das chamas da tocha em sua mão desaparecia no meio
daquela estranha fumaça.
– Existe uma energia ruim nessa névoa! – disse ela. – Quando me aproximo,
sinto algo me afastar novamente. É como se a névoa estivesse forçando meu corpo
a me desobedecer. Além disso, uma sensação de morte corre por meu corpo.
– Não deve ainda forçar a passagem, minha irmã! Isso é magia maligna e
temos de combatê-la com magia boa. Porém, antes de tentarmos destruir a sua
fonte, primeiro precisamos descobrir qual é e onde se encontra.
– Como faremos isso se não conseguirmos entrar?
– Com nossa consciência. É provável que junto ao feitiço de morte exista
outro de repulsa. Toda vez que alguém tentar se aproximar com a intenção de
destruir a fonte do mal, esse feitiço irá repeli-lo. Precisamos nos destituir
completamente dessa intenção e assim, talvez ele nos deixe passar.
– Mas, e se não funcionar?
– Bem, nesse caso, teremos de encontrar outro meio.Devemos unir nossas
mentes e seguir juntas até a origem desse mal. Não quero ter que entrar sozinha
nesse fosso, não sei o que poderei encontrar.
– Basta dizer o que terei de fazer.
Assim que se sentaram no chão, o lobo se aproximou e se sentou junto às
costas de Narhen. O mesmo aconteceu com a águia, que posou junto às costas de
Ishiá.
– Eles vieram nos ajudar. – disse Ishiá.
Quando as irmãs deram as mãos, o bracelete do dragão brilhou, chamando a
atenção de Narhen.
– Espere! O dragão solicitou que todos vocês se sentem em um círculo ao
nosso redor e que mantenham suas gemas uma em cada mão.
O restante do grupo fez o que a jovem pedira e o círculo foi formado.
Nem bem as duas fecharam os olhos e se viram no mesmo salão, cercadas
pelas energias dos braceletes dos deuses e pelo dragão prateado, porém havia algo
diferente.
– Ishiá, você está diferente!
Os cabelos de Ishiá tinham se transformado em penas que seguiam como um
manto sobre os ombros e costas e seus olhos se tornaram amarelos e arredondados.
– Você também, minha irmã!
As feições de Narhen assemelharam-se ao lobo. Seus cabelos tornaram-se
parecido com pelos e suas orelhas, pontudas.
– Minha visão está muito mais clara!
– Minha audição, também!
– Pelo jeito nossos amigos irão conosco onde precisarmos.
O dragão prateado ergueu sua cabeça e deslizou até o teto da caverna, para
em seguida descer até o chão.
As duas o seguiram com o olhar e então perceberam que estavam de pé,
flutuando um pouco acima de seus corpos. Foi a primeira vez que as jovens se
viram e viram os demais membros do grupo.
Eles estavam sentados em torno delas e sobre cada uma de suas mãos havia
uma das gemas que emitiam brilhos coloridos.
O dragão circundou o grupo, formando uma barreira de energia prateada.
Depois olhou para as duas e se virou para a passagem da névoa.
– Devemos ir! – exclamou Ishiá.
As duas seguiram então, para a passagem. Ishiá se aproximou sem problemas,
mas Narhen não conseguia seguila.
– Não consigo. Meus pés não me obedecem.
– Você não se aproximará enquanto mantiver essa vontade de destruir o
feitiço.
– Mas como, se esse é o nosso principal objetivo?
– Não nesse momento. Agora devemos apenas entrar para conhecer nosso
inimigo. Devemos deixar todas nossas armas do lado de fora.
– Não consigo.
– Concentre-se, minha irmã e verá que é muito mais fácil do pensa. Lembre-
se de quando se encontrou com a essência da floresta em Farthorn.
Narhen fechou novamente os olhos e respirou profundamente.
Aos poucos a tensão se dissipou e ela encontrou o equilíbrio.
Quando abriu os olhos, encontrou Ishiá sorrindo e estendendo-lhe a mão. Ela
retribuiu-lhe o sorriso e de mãos dadas penetraram pela passagem. Apesar de
estarem em formas astrais, conseguiam visualizar apenas poucos metros em redor.
Elas seguiram flutuando, por um caminho difícil que descia por degraus irregulares
e passagens estreitas rumo à base da montanha. Não saberiam dizer quanto tempo
havia passado, mas chegaram, por fim, a um lago subterrâneo, de cujo centro,
emergia grandes bolhas fétidas e escuras. Elas caminharam por sobre a água até o
local das bolhas.
– É aqui em baixo. – disse Narhen. – Mas como iremos até o fundo?
– Da mesma forma que chegamos até aqui. Venha.
Ishiá começou então a descer e a entrar pela água.
– Não tenha medo! Não se afogará.
Narhen seguiu a irmã e desceram pelas águas do lago.
Dentro da água a visão melhorou, pois a névoa subia em bolhas não se
misturando a ela. As duas chegaram ao fundo.
– Olhe! Eis a origem do feitiço.
– Parece uma fenda.
Mas à medida que se aproximavam conseguiram enxergar com maior clareza.
A névoa era expelida de um corpo já sem vida há milhares de anos. Esse corpo
tornara-se um portal por onde a magia mortal fluía do mundo das trevas. Apesar de
estar naquele ponto por milhares de anos, a aparência cadavérica havia sido
preservada pela magia.
– Devemos retirar esse corpo daqui. – disse Ishiá. – A escuridão dessa
caverna está alimentando a magia das sombras.
A luz do sol deverá ser suficiente para terminar com o feitiço.
Assim que Ishiá mostrou suas intenções, seu corpo astral começou a se
afastar do cadáver no fundo do lago.
– A magia está me repelindo, não consigo voltar. Venha Narhen, devemos
voltar agora.
Narhen ergueu a mão e pegou a mão da irmã no último instante. Cada vez
mais rápido, a magia as expulsava da caverna.
Quando se viram novamente no grande salão, suas mentes se separaram
retornando cada uma a seu corpo. Todos estavam em transe e à medida que
despertavam, os cristais em suas mãos deixavam de brilhar.
– O que aconteceu? – perguntou Oathu.
– Vocês nos ajudaram a encontrar a fonte do mal. – disse Ishiá calmamente.
– Como?
– Com o auxílio das gemas dos dragões. – respondeu Narhen. – Agora
sabemos qual será nosso objetivo.
– E o que precisaremos fazer?
– No fundo dessa caverna, em meio à total escuridão, existe um lago. No
fundo desse lago encontra-se a origem da magia. Um corpo há muito sem vida, foi
mantido a salvo da decomposição pela força da magia. Magia esta, que por sua
vez, foi alimentada pela escuridão. Precisamos retirá-lo do fundo das águas e trazê-
lo à luz. Acreditamos que apenas isso será suficiente para terminar com o feitiço.
– Mas, então, o que estamos esperando? – disse Mhirfun.
– Não é tão simples, meu amigo! – disse Narhen. – A magia repele qualquer
um que tente se aproximar para destruir o feitiço.
– Mesmo nossas mentes foram repelidas quando apenas pensávamos em uma
maneira de destruí-la. – concluiu Ishiá.
– Além disso, não basta atravessar pela névoa maligna, ainda teremos que
mergulhar nas profundezas do lago para resgatar o corpo.
– Quem arquitetou esse plano, pensou em todos os detalhes para impedir que
alguém se aproximasse. – disse Grendhel.
– Não consigo pensar em uma forma de chegar ao corpo. – disse Ishiá. – O
lago é muito profundo e não sou uma exímia nadadora.
O grupo pensou e várias sugestões foram dadas, porém, nenhuma se mostrava
eficaz em sua totalidade.
– Se ao menos não existisse o lago, nossa chance seria maior. – disse
Zarthrus.
– O que disse Zarthrus? – perguntou Galler.
– Nada! Apenas resmunguei em voz alta.
– Mas, talvez sua ideia esteja certa. – respondeu o elfo.
– Qual ideia? – perguntou o gnomo.
– Concordo com Galler. – disse Grendhel.
– Algum dos dois poderia, por favor, explicar? – perguntou Narhen. – Creio
que perdi uma parte.
– Simples! – disse Galler. – Se o lago não existisse, seria mais fácil alcançar o
corpo.
– Mas o lago existe.
– É verdade! – disse Grendhel. – Mas para ele existir, é necessário que seja
alimentado por alguma nascente. E da mesma forma, o excedente da água deve sair
por algum lugar.
– Se conseguirmos localizar por onde a água sai e pudermos aumentar essa
vazão, o lago poderá ser drenado. – concluiu Galler.
– Assim terão um obstáculo a menos.
– Como esperam encontrar a saída da água? – disse Zarthrus.
– Bem, talvez seja mais fácil para mim e Narhen.
– Podemos tentar. – disse a irmã.
Eles voltaram a se sentar em círculo, tendo os animais às costas das irmãs,
expondo, em seguida, cada um, as suas pedras. Não tardou e as formas astrais
estavam novamente suspensas acima do grupo.
Dessa vez, como não tinham a intenção de se aproximar do cadáver, as duas
irmãs, em suas formas astrais, entraram sem nenhuma barreira, através da densa
neblina negra e rapidamente chegaram ao lago e mergulharam nas águas.
– Este lago é grande, como iremos encontrar por onde a água sai? –
perguntou Narhen.
– Acho que devemos nos separar e dar uma volta por toda a margem.
– Certo!
– Não encontrei nada! – disse Ishiá.
– Creio que encontrei um dos locais por onde a água entra. Ela surge bem
próxima à lâmina da água, escorrendo por algumas pedras.
– Talvez exista uma passagem submersa.
– Vamos tentar mais uma vez. Se não encontrarmos, desistiremos dessa ideia.
As irmãs voltaram a se separar e percorreram cada uma, direções opostas no
fundo do lago.
Nada.
Ishiá se aproximou de Narhen.
– Não obtive sucesso. A água deve sair infiltrando-se na rocha.
Narhen estava um pouco para a esquerda em relação à entrada da gruta e
quando estava para desistir, seus ouvidos aguçados de lobo chamaram-lhe a
atenção.
– Ouça!
– O quê?
– Um barulho distante de água batendo na rocha.
– Não ouço nada.
– Venha, vou seguir o som.
Elas mergulharam e por detrás de uma formação encontraram uma passagem.
Suas formas astrais não tiveram problema em seguir pela estreita abertura através
da parede de rocha.
Havia uma continuação do lago anterior, porém suas águas chegavam até
uma grande rocha que lhe represava o caminho, cuja direção seguia para o fundo
de um precipício interno nessa nova câmara.
– Aqui está a origem do som. – disse Narhen. – Se encontrarmos outra forma
de chegar até aqui, talvez seja possível remover essa rocha e libertar a água.
As duas se ergueram no ar e começaram a vasculhar.
– Aqui! – disse Ishiá. – Existe uma passagem!
As duas seguiram por uma trilha que parecia circundar todo o lago. O túnel
serpenteou por algum tempo e finalmente chegaram a uma fenda estreita, por onde
nem mesmo Zarthrus poderia passar.
Não havia outra opção e Narhen resolveu atravessar por ela.
Para sua surpresa, elas chegaram à outra passagem do grande salão. Logo
atrás da escada de rocha que as levaria até a torre e onde também se encontrava o
item que buscavam para completar o Uòhrik.
Assim, mais uma vez, as duas retornaram aos seus corpos e todo o grupo
despertou.
– E então? Encontraram o que procuravam? – perguntou Oathu.
– Sim, mas não sei se conseguiremos chegar lá. – respondeu Narhen. –
Encontramos o local por onde a água deixa o lago. Fica atrás de uma das paredes e
dentro de outra gruta.
– Existe alguma maneira de chegarmos até lá? – perguntou Galler.
– Existe um pequeno túnel que nos levaria direto, mas está bloqueado. – disse
Ishiá.
– Ele está localizado logo atrás da escada de rocha da outra abertura. Mas é
uma fenda muito estreita, até para Zarthrus.
– Deixe-me vê-la. – disse Mhirfun. – Se a passagem é estreita, talvez consiga
aumentá-la para que todos nós passemos.
– Siga-me! Vou lhe mostrar. – falou Narhen.
Não só o anão a seguiu, mas todo o grupo. O anão subiu até a abertura.
– O ar que vem dessa fenda é fresco. – disse ele. – Deve ser por isso que não
há daquela névoa pegajosa e fedorenta nessa passagem.
– Em nossas formas astrais não tínhamos percebido a brisa. – disse Ishiá.
Mhirfun voltou a examinar a abertura.
– Havia uma passagem maior aqui, mas um desmoronamento a fechou.
Vejam, existem muitas pedras soltas.
Afastem-se. Vou tentar remover algumas rochas.
– Tenha cuidado, meu amigo! – disse Narhen. – Não quero que outro
desabamento se transforme em seu túmulo.
– Terei cuidado.
O anão, com toda sua perícia e conhecimento, retirou as pedras menores e
pouco a pouco a passagem foi se abrindo.
Restou apenas uma rocha maior, grande, que ainda impedia a passagem de
um homem. Ele analisou tudo ao redor e, então, pegou seu machado.
– Não é uma de nossas picaretas, mas deverá servir.
Depois de quatro fortes e precisos golpes, Mhirfun retirou duas pedras que
apoiavam a grande rocha.
– Zarthrus, agora é a hora de vermos o quanto é forte a sua corda.
O gnomo retirou a corda de seu alforje e o anão amarou-a na parte de cima da
rocha.
– Todos vocês devem puxar com força! – disse, jogando a outra extremidade
para o grupo. – Tenham cuidado e puxem apenas quando eu avisar.
O anão enfiou seu machado na fresta para servir de alavanca.
– A G O R A! – gritou, enquanto forçava a alavanca.
O grupo puxava com toda a força.
– A rocha cedeu alguns centímetros, mas não o suficiente.
Ele se posicionou do outro lado e repetiu a manobra.
Fizeram isso algumas vezes, até que finalmente, a rocha tombou e caiu da
abertura.
Ficaram atentos, na expectativa de outro desabamento, mas esse não ocorreu.
– A passagem está livre! – disse o anão, satisfeito.
O grupo atravessou por ela e seguiu pelo túnel, que em certos pontos era
apertado, mas todos conseguiram alcançar o local que as irmãs mencionaram.
– Mhirfun, o que acha? – perguntou Narhen. – Acha que conseguiremos
libertar o lago?
– Acredito que sim. Essa parede parece ser toda formada em calcário, que é
muito menos resistente que a rocha lá de trás. Se atingirmos os pontos certos, a
própria força da água fará o resto.
O anão amarrou-se na corda e desceu pela parede externa, analisando cada
pedaço de rocha.
– Fiquem atentos para me puxar a qualquer sinal de problema. – disse ele.
De posse de seu machado, ele golpeou a rocha em vários pontos, arrancando
grandes pedaços da pedra.
Grendhel, Galler, Oathu e seus homens o substituíram na função, mas
nenhum tinha a resistência do anão no ofício de cortar a rocha. À medida que o
trabalho avançava, a água minava cada vez mais através da parede enfraquecida.
– Não deve demorar muito mais tempo. Fiquem atentos!
Nem bem Mhirfun terminou de dizer, a rocha emitiu um rugido baixo. A
água agora era esguichada pelas fendas.
– Podem me erguer! – disse após mais algumas pancadas.
Assim que subiu disse: – Não há mais nada a fazer daquele lado. Vocês
devem se afastar e segurar firme a corda, caso eu venha a cair!
Sem entender direito o que ele dissera o grupo se afastou.
Mhirfun atravessou para o outro lado da pequena cachoeira e de pé na borda,
passou a bater com toda força as costas de seu machado contra a face interna da
parede. Depois de várias pancadas, novo rugido foi ouvido na rocha. A água saia
cada vez com mais força das frestas. O anão atravessou de volta e retornou a
sequência de golpes. Novo rugido e outro seguido por um pequeno tremor.
– Só mais um pouco. Só mais um pouco.
O anão, então, bateu seu machado com toda a força que lhe restava. Novo
rugido da rocha foi ouvido, mas dessa vez não cessou. A água percebeu que a
liberdade estava próxima e forçou sua passagem.
O anão saltou em direção ao grupo, no momento exato que o chão onde
pisava começou a se desintegrar.
A parede que impedira o caminho da água já não existia mais. Fora lançada
com força no fundo do precipício. Uma grande cachoeira se formou. O trabalho de
esvaziar o lago estava feito, restava agora descansar e esperar até o próximo passo
a ser dado.
De volta ao grande salão, o grupo se alimentou e descansou.
Precisariam de toda a energia para o objetivo seguinte. Descansaram junto à
segunda entrada, onde a brisa repelia a neblina do mal.
– Ishiá, tenho pensado muito e ainda não consegui encontrar uma forma de
nos aproximarmos do corpo sem sermos repelidas pela magia.
– Isso também tem me preocupado.
– Agora que já sabemos onde se encontra a fonte do feitiço e retiramos sua
proteção de água pensei que seria mais fácil, mas o simples pensamento de destruir
aquele corpo me causa uma sensação tão desagradável que preciso desviar meu
pensamento.
– Também sinto o mesmo. Essa magia é mais forte do que pensei. Já ensaiei
alguns contra feitiços, mas não consigo nem mesmo terminá-los. Essa mesma
sensação me invade e é insuportável. Quem criou essa magia soube protegê-la
muito bem.
– Por que vocês não tentam unir forças com o dragão prateado. – disse
Zarthrus. – Talvez assim consigam forças para suportar essa sensação.
– Ótima ideia Zarthrus. – respondeu Narhen. – Ishiá, vamos unir nossas
mentes e convocar a consciência do dragão.
– Não sei! Alguma coisa me diz que não devemos fazê-lo. Tenho uma
sensação ruim quanto a isso.
– Deve ser apenas impressão causada pelo feitiço.
– Tudo bem! Vamos tentar. Mas todos vocês deverão nos ajudar.
O grupo se posicionou em torno das duas com suas gemas nas mãos. Os
guardiões das irmãs tomaram seus lugares.Narhen fechou os olhos e mergulhou em
sua mente. Ishiá por sua vez, não estava muito segura sobre a atitude e demorou
um pouco mais.
Nesse intervalo, ela pode perceber a grande luminosidade emitida pelas
gemas, enquanto seus portadores permaneciam em transe. Até mesmo as gemas
que se encontravam no interior do alforje do gnomo brilhavam e seu brilho podia
ser percebido. Ishiá fechou seus olhos e entrou no mundo astral.
– Por que demorou irmã? Precisamos ser rápidas.
– Não consegui me concentrar com facilidade, mas agora estou pronta.
– Então, vamos!
As duas se viraram para o grande ser prateado que sempre protegia suas
mentes.
– Dragão, precisamos de sua força para atravessar a muralha de energia e
destruir a magia que exterminou seus irmãos. – disse Narhen.
O Dragão ergueu a cabeça e se aproximou de Narhen, observando-a como
nunca havia feito. Pela primeira vez, Narhen sentiu como se estivesse a ponto de
ser devorada por um grande monstro.
Depois de analisá-la, o ser prateado se virou para Ishiá e fez o mesmo, porém,
se demorou por mais tempo, percebendo a dúvida da jovem.
– Vamos! – disse Narhen. – Sem sua força não conseguiremos romper a
barreira de energia que protege a origem da magia maligna.
O ser ergueu a cabeça e voltou a olhá-la do alto.
– Por favor, precisamos de sua ajuda.
Então, o corpo esguio e prateado do ser que as envolvia, começou a se fechar
como uma serpente que enlaçava sua presa. O abraço da criatura se fechava cada
vez mais.
Aquela situação era estranha. O dragão prateado nunca as tratara daquela
maneira.
A dúvida de Ishiá aumentava, mas quando estava por desistir e tentar retornar
a seu corpo, as três mentes se uniram em uma só.
– Estamos unidos como queriam. – ouviram a voz do dragão em suas mentes.
– Vocês terão toda a minha força para ajudá-las.
O grande dragão mergulhou, então, em direção à névoa negra, em grande
velocidade, porém a barreira o impediu de prosseguir.
Com grande fúria, ele tentava morder e enfiar suas enormes garras, mas nada
que fazia mostrava resultado.
Quanto mais lutava para abrir caminho, mais espalhava aquela névoa.
De repente, a força do grande ser começou a se esvair.
Ele, porém, não cessava de atacar a barreira.
Quando finalmente parou, as mentes das irmãs puderam perceber o quão
poderosa era aquela magia. Elas sentiram a névoa penetrar no corpo que agora lhes
pertencia, como se fosse milhares de adagas perfurando ao mesmo tempo.
– Narhen! Precisamos desfazer essa ligação.
– Não! Temos que encontrar uma maneira de entrar.
– Não está vendo? Se continuarmos nessa forma, nenhum de nós sobreviverá.
– Mas...
– Narhen, se insistirmos, a energia do dragão se perderá para sempre.
Narhen então percebeu que sua irmã estava certa.
– Dragão! – disse ela. – Perdoe-me por ter insistido nessa luta idiota. Perdoe-
me por tê-lo feito sofrer.
Com um grande estalo em suas mentes, a união se desfez e as mentes das
irmãs foram lançadas de volta a seus corpos, que não resistindo ao impacto,
tombaram desfalecidas.
A energia de retorno foi tão violenta, que todos os outros companheiros que
formavam o círculo de energia foram atingidos.
Narhen estava caída em uma terra árida sob um sol forte que lhe queimava o
rosto. Ela não conseguia abrir os olhos e não tinha forças, nem mesmo para erguer
os braços. Muito lentamente, sua força retornou e ela finalmente pôde olhar em
volta. Estava sozinha. Tentou se levantar, mas seus braços e pernas não respondiam
ao seu comando.
– Estarei morta?– pensou. – Onde estão todos?
Mesmo sem sair do lugar, as paisagens se modificavam rapidamente.
– Que lugar será esse?
Outra vez tudo ficou escuro.
Quando abriu novamente os olhos, estava no topo de uma montanha. O frio
era imenso e não havia com o que se agasalhar.
– Onde estou? Devo estar morta e os deuses devem estar castigando meu
espírito pelo mal que fiz. Por não ter completado minha tarefa. Sofrerei assim por
toda a eternidade.
A jovem se encolheu e abraçou as próprias pernas, chorando
compulsivamente.
– Me desculpe! Eu não queria que ninguém sofresse. Eu queria apenas
completar minha missão. Eu apenas queria que a paz retornasse aos mundos.
Quanto mais chorava, mais culpada se sentia.
Então, no meio de todo aquele frio, uma sensação agradável a envolveu. O
frio desapareceu e a jovem então, pôde abrir seus olhos. O dragão prateado estava
envolvendo-a em um abraço.
– Por que está chorando, criança?
– Dragão, me perdoe! Não quis lhe causar nenhum mal.
– Não me causou! O que sou é apenas a lembrança do que meus antepassados
foram. O que me resta, vive dentro das gemas de seu bracelete. Apenas poderei ser
destruído se as duas pedras forem destruídas. Minha energia pode se esvair por
algum tempo, mas retornará. Ao contrário de você e sua irmã que são seres vivos.
Se a mente de vocês for apagada, seus corpos se desintegrarão. Se permanecessem
por mais tempo unidas a mim, seria fatal para ambas.
– Então, me perdoa?
– Não tenho o que perdoar. Infelizmente, vocês estavam com tanta ânsia em
destruir o mal, que não abriram suas mentes para mim. Do contrário, eu lhes teria
alertado para o perigo que corriam. A única maneira que encontrei foi mostrar-lhes.
– Mas, agora não importa mais. A missão fracassou.
– Estás enganada. A missão apenas fracassará se desistires dela!
– Mas, como posso ser útil se estou morta?
– Não estás morta. Apenas te encontras no mundo astral. Tua linha da vida
permanece ligada a teu corpo. Deves retornar à tua missão.
– Mas se não conseguirmos destruir a fonte do feitiço, de nada adiantará.
– Tenha confiança em ti mesma, da mesma forma que eu confio em ti. Deves
retornar aos teus companheiros. Juntos vocês encontrarão um meio de alcançar seu
intento.
– Mas, não sei onde estou. Como poderei encontrar o caminho de volta?
– Deve seguir o chamado do coração. Lembre-se. Sempre que se unirem a
mim, deixem suas mentes livres ao meu contato. Juntos seremos um.
A imagem do dragão se desfez e Narhen se viu novamente sozinha.
– Devo seguir o chamado do coração. O que será que ele quis dizer com isso?
Narhen olhava em volta e não via nada.
– “Deve libertar sua mente e ouvir com a alma.” – lembrou-se do que sua
irmã um dia lhe dissera.
Ela então fechou os olhos e procurou afastar todos os pensamentos ruins.
De repente, ouviu Galler:
– Narhen... Narhen... Volte para nós. Volte para mim.
Então, sentiu algo úmido tocando sua face. Lentamente abriu os olhos e viu o
lobo lhe lambendo a face.
– Olá, meu amigo! Estou de volta.
– Graças aos deuses! – disse Galler. – Temia que não mais acordasse.
– Não posso fazer isso. Tenho uma missão a concluir e muitos dependem
disso. Quanto tempo estive ausente?
– Por cerca de três dias.
– Onde está Ishiá?
– Estou bem, minha irmã! Mas ainda recuperando minhas forças, o que,
graças à Zarthrus, não tardará.
– Desculpe-me por minha imprudência. Poderia ter matado a nós duas.
– Não fique assim, minha irmã! A decisão também foi minha. O dragão
também alcançou minha mente enquanto estava desacordada e falou sobre os
riscos que corremos.
– Mas, fui eu quem insistiu que tentássemos. Não medi as consequências.
– Nenhuma de nós duas poderia saber que no momento em que nossas três
consciências se unissem na forma de um dragão que habitou esse mundo, o feitiço
nos localizaria e nos atacaria. Quem poderia imaginar que esse feitiço fosse tão
forte a ponto de atacar, até mesmo, uma forma astral?
– Mas...
– Não tem, mas! Agora deve descansar. Precisaremos de toda nossa energia
para derrubar esse feitiço. Zarthrus irá lhe trazer aquela mistura revigorante feita
por ele.
Ishiá afastou-se deixando Narhen, Galler e o lobo sozinhos.
– Ele não se afastou de você um único instante. – disse Galler. – Você tem um
amigo fiel.
Narhen voltou-se para o lobo e o acariciou.
– Eu sei. Se não fosse por vocês dois, eu ainda estaria perdida dentro de
minha própria mente.
– Nós dois?
– Sim, enquanto ele me mantinha com sua energia, eu ouvi sua voz me
chamando e guiando de volta para você. Eu ouvi com meu coração, que também é
seu.
– És minha eterna amada.
– E você, o meu eterno amor!
– Ham! Ham! Desculpe-me incomodá-los, mas você precisa beber essa
mistura. – disse o gnomo aproximando-se.
– Mais uma vez você nos deixou preocupados. Espero que não se arrisque desse
jeito outra vez.
– Quanto a isso, meu pequenino amigo, não posso prometer. Se for necessário
entregar minha vida para que a paz volte aos mundos, entregarei de bom grado.
– Isso todos nós o faremos. Mas espero que se esse momento tiver de surgir,
que ele demore muito tempo ainda.
– Com certeza, não será por agora. Ainda temos que viajar por alguns
mundos.
Narhen tomou a mistura perfumada de flores, frutas e raízes do gnomo.
– Zarthrus, esta mistura não é a mesma que tomei em outras ocasiões.
– Tinha certeza de que notaria a diferença.
– Está mais perfumada e doce. Quase não se nota o sabor amargo das raízes.
– É uma adaptação da receita antiga. Eu acrescentei algumas frutas e flores
desse mundo, depois que colhi algumas informações com o povo da floresta.
– Está muito saborosa!
– Notará também que seu efeito é mais rápido. Ainda não cheguei à mistura
ideal, mas os resultados são satisfatórios.
A jovem terminou de beber o conteúdo do copo e o devolveu ao gnomo.
– Obrigada!
– Deve descansar agora. Volte a dormir, assim o poder da mistura será mais
efetivo.
O gnomo se retirou.
– Ficará comigo? – perguntou ela ao elfo.
– Sempre. Descanse enquanto velarei por seu sono.
Narhen aconchegou-se no colo de Galler enquanto ele lhe acariciava o rosto e
cabelo. Não demorou e novamente mergulhou no mundo dos sonhos.
Ela se viu caminhando em Larthimar, de braços dados com Galler. Trazia
preso nos cabelos um arranjo de flores, à moda dos elfos. A alegria era imensa.
De repente, duas crianças passaram correndo por ela.
Um menino de corpo forte e cabelos escuros e ondulados e uma menina de
cabelos claros e presos também no estilo dos elfos. Eles corriam felizes, brincando
um com o outro. Então pararam e voltaram correndo em direção ao casal. O
menino saltou para os braços de Galler e a menina para os de Narhen.
Os traços do menino se assemelhavam aos de Lihor, o que ficava ainda mais
realçado devido aos olhos azuis. A menina trazia os traços dos elfos, mas nos olhos
as características da mãe. O momento era mágico. Havia felicidade em toda a
volta. Narhen despertou com um grande sorriso no rosto.
– Pelo visto, tiveste um sonho bom! – disse Galler.
– Sim, meu amado! Tive um sonho feliz.
– E com o que sonhaste?
– Sonhei com o motivo de estarmos nessa jornada. Sonhei com nossos filhos.
Ela olhou para o bracelete do dragão, que brilhou e emitiu um calor
aconchegante.
Aquela sensação feliz deu ânimo e revigorou ainda mais o desejo de Narhen
em concluir a missão que foi destinada a ela, sua irmã e a todos os outros
companheiros de jornada.
Estavam no caminho certo.
Após o longo período de descanso e da mistura ministrada por
Zarthrus, as irmãs estavam novamente recuperadas.
Mhirfun aproximou-se das duas e disse: – Mestras, Ishiá e Narhen. Temos
mais um problema.
Nossas provisões estão no fim. Devem durar apenas mais dois dias e a
comida dos animais menos tempo, ainda.
– Resolveremos uma coisa por vez! – disse Narhen. – Se não conseguirmos
destruir logo o feitiço, sairemos dessa caverna em busca de novas provisões.
– De qualquer forma, teremos de nos abastecer antes de atravessarmos o
portal para o outro mundo. – disse Ishiá.
– Sei que está preocupado, meu amigo! Mas daremos um jeito nessa situação.
– concluiu Narhen.
O anão afastou-se resmungando para si mesmo.
– Irmã, conseguiu pensar em alguma coisa para quebrar o feitiço?
– Não! Tudo que tentei até agora foi repelido.
– Tenho a impressão de que estamos fazendo algo errado. A resposta está tão
perto de nós que não a enxergamos.
– Também sinto isso.
O grupo se reuniu discutindo e dando ideias, não se importando se pareciam
malucas, afinal, foi uma ideia maluca que esvaziou o lago que protegia a fonte do
mal. Porém, nada que diziam abria uma porta de esperança para chegarem até o
corpo.
A desilusão retornava ao coração de todos! Então, Ishiá observou Infahir, um
dos homens de Oathu, brincando com suas gemas. Todas as vezes que ele as
encostava, não tardava para que as pedras começassem a brilhar, emitindo luz.
– Mas é claro! Por que não nos lembramos disso antes? – pensou ela em voz
alta.
– O que foi minha irmã? O que está claro para você?
– Talvez não tenhamos que retirar o corpo de seu abrigo. Talvez baste levar a
luz até ele.
– Como? – disse Grendhel. – Levariam meses para construir um túnel na
rocha. Isso se tivéssemos homens e ferramentas suficientes.
– Vocês não estão entendendo. Lembram-se de quando estávamos dentro das
fendas no vale e fomos atacados por aqueles insetos gigantes?
– As rochas luminosas de Zarthrus! – exclamou Narhen.
– Isso mesmo. Ela emitiu uma luz muito mais forte que nossas tochas. Talvez
ela seja forte o suficiente para afastar as trevas. Acho que devemos tentar. Zarthrus
poderia me emprestar os cristais das ninfas?
O gnomo enfiou as mãos no alforje e pegou as pedras.
– Que interessante! – disse o Gnomo. – Não tinha me dado conta, mas essas
gemas são semelhantes as dos olhos dos dragões.
– Estava desconfiando disso! – comentou Ishiá.
– Por quê?
– Estava observando Infahir se divertindo com suas gemas e reparei que elas
emitiam luz quando eram unidas, da mesma forma que aquelas dadas pelas ninfas a
Zarthrus.
Narhen pegou suas próprias gemas e as uniu. Após alguns segundos, um
brilho se formou e se transformou em luz. Não tão forte quanto as gemas de
Zarthrus, mas clareou todo o grupo.
– Creio ser essa a resposta que procuramos. – disse a jovem.
Narhen separou suas gemas e guardou-as; em seguida, pegou as pedras de
Zarthrus e se aproximou da névoa escura. Assim que ela as uniu, uma luz forte e
penetrante foi crescendo se expandindo. Aos poucos, toda a neblina fétida foi se
dissolvendo, dando lugar à luz.
Quando restava apenas a fumaça negra de dentro da passagem, Narhen disse:
– Eis, a força que precisávamos! Com essa luz chegaremos até a origem do mal.
O grupo se preparou para seguir e foram todos pegando suas próprias gemas.
– Esperem! – disse Ishiá. – Devemos ir apenas nós duas. Quero que fiquem
unidos e em prontidão para alguma eventualidade.
– Mas queremos ajudar! – disse Zarthrus.
– Eu sei meu amigo, mas...
– Olhem! A luz está enfraquecendo. – disse Narhen.
– E as trevas retornando! – falou Grendhel. – Afastemo-nos de volta à outra
entrada.
– Não compreendo! – disse Narhen. – Quando caminhávamos pelo vale, a luz
das gemas não perdeu sua intensidade e clareou nosso caminho por muito mais
tempo.
– Provavelmente, porque naquele momento, ela não teve que lutar com uma
força tão forte.
– Mestra Ishiá! Que tal se juntássemos as nossas gemas? Elas sozinhas não
geram uma luz tão forte quanto aquela gerada por vocês duas, entretanto, todas
juntas, talvez ajudem.
– Talvez tenha razão! Afinal, dois é mais forte que um!
Ishiá pegou suas gemas e as juntou. Assim que elas começaram a brilhar, as
grandes joias nas mãos de Narhen tiveram também sua luz aumentada.
– Vejam! A luz aumentou.
– Agora está claro! – disse Ishiá. – As consciências dos dragões estão se
unindo. Se eles podiam fazer isso dentro dos ovos com todos à sua volta, então
também deviam poder se unir com os que partiram e, assim, compartilhar
conhecimento.
Ishiá aproximou suas gemas mais e mais das de Narhen, aumentando ainda
mais a luz.
– Quando chegarmos ao lago deveremos unir todas as gemas que trouxemos
e assim formar uma luz tão forte quanto a do sol. – concluiu ela.
– Por favor, tenho um pedido a fazer a todos. – disse Narhen. – Gostaria que
vocês ficassem com suas próprias gemas e que se protegessem enquanto
estivermos longe. Algo me diz que quando entramos por aquele caminho, esse
feitiço irá atacar qualquer um que estiver próximo. E com certeza, a melhor defesa
será a luz das joias.
– Zarthrus, poderia nos entregar as outras gemas que recolhemos no riacho?
– Posso, mas como irá transportá-las até o local? – recolhemos muitas.
– Poderia nos emprestar seu alforje?
– Ele seria inútil para vocês. Somente um gnomo consegue encontrar o que
procura dentro dessa bolsa mágica. Qualquer outro ser encontrará apenas uma
sacola vazia.
– Mesmo alguém que seja iniciado no mundo místico?
– Nesse caso, pode ser ainda pior, pois esse insistirá em procurar por algo e
sua mente se tornará prisioneira.
– Então deverá vir conosco!– disse Narhen. – Os outros devem montar uma
barreira de luz e ficar atentos. Vamos.
Os três caminharam até a abertura da névoa.
– Lembrem-se! – disse Ishiá. – Nenhum de nós deve pensar em causar
qualquer mal à névoa ou ao corpo no fundo do lago. Isso irá fortalecer a magia e
nossa energia se esgotará mais depressa.
Narhen segurou as grandes gemas com uma das mãos e suas outras duas com
a outra, enquanto Ishiá e Zarthrus apenas as deles. Quando todas estavam
luminosas, a luz da maior voltou a clarear com intensidade, afugentando as trevas.
Os três penetraram pela abertura e seguiram serpenteando por um túnel
estreito. À medida que avançavam os que ficaram do lado de fora acompanhavam a
luz que os três carregavam desaparecer a cada curva que faziam.
Quando não havia mais nenhum traço de luz na abertura por onde passaram,
o receio de Narhen se concretizou. A magia em forma de névoa aumentou de
forma rápida no grande salão.
– Recuem todos para a outra passagem. – disse Galler. – Lá teremos maior
proteção.
Eles correram até a entrada.
– Aqui! Formem uma linha de proteção com as gemas bem na entrada. Isso
deve nos proteger. Espero.
A luz das gemas criou uma barreira, mas na câmara maior, a escuridão
crescia a cada instante. E como ondas, investia contra a proteção.
Os segundos tornavam-se minutos e os minutos horas.
Os três continuavam seguindo pela passagem.
– Em nossa forma astral esse caminho não parecia tão longo. – disse Narhen.
– Na forma astral, podemos atravessar grandes distância apenas com o
pensamento. – falou Ishiá. – Por isso parecia tão perto.
Continuaram seguindo em silêncio e pouco tempo depois...
– Devemos estar perto. – falou Zarthrus. – Já posso ouvir a água crepitando
nas rochas.
– Seus ouvidos são muito mais sensíveis que os nossos, meu amigo. – disse
Narhen. – Mas creio que tem razão, pois sinto um frio estranho e úmido.
No grande salão a névoa crescera a tal ponto que a luz das gemas iluminava
apenas poucos metros de distância.
De repente, o brilho das gemas começou a pulsar e a cada pulso diminuía de
intensidade.
– O que estará acontecendo lá dentro? – perguntou Grendhel em voz alta. –
Por que a demora?
– Se demorar muito mais, o brilho das gemas se extinguirá e junto a ele nossa
proteção. – disse Galler.
Os três finalmente chegaram ao lago. Ele não estava completamente vazio e
era bem grande.
– Narhen veja! – disse Ishiá. – Ainda existe muita água escoando e muitas
poças grandes.
– Não estou muito preocupada com isso. Não tem problema eu me molhar
um pouco para chegar até aquela mancha escura.
– Não se esqueça de mim, – disse o Zarthrus. – sou um gnomo da floresta e
não das águas.
– Não se preocupe meu amigo! – disse Ishiá – Eu o levarei!
As duas analisaram as margens e perceberam que não havia outra forma de se
aproximarem sem ter que se molhar.
– Precisaremos da corda. – disse Narhen. – É muito perigoso saltar para a
água. Não dá pra saber qual é a profundidade.
O gnomo retirou a corda e Ishiá a amarrou nas rochas.
– Zarthrus, por favor, suba em meus ombros. – disse Narhen. – Quero manter
as gemas unidas.
– Está bem, mas tome cuidado para não escorregar.
Eles desceram e Ishiá os seguiu. A água estava na cintura e o fundo era
irregular.
A névoa tomava conta de cada fresta e apenas a luz das gemas a impedia de
se aproximar. Com muita dificuldade no caminhar e tendo que nadar em alguns
pontos, chegaram ao corpo. No local a água chegava à altura do pescoço de Ishiá.
– Teremos que mergulhar. – disse Narhen.
A luz da gema alcançou o corpo, mas a água a filtrou fazendo apenas com
que não mais fosse expelida a névoa.
– O que teremos de fazer?
– Criar uma barreira de luz ao redor do corpo. – disse Ishiá.
De repente, ouviu-se um ruído e então, uma grande rocha se desprendeu do
topo da caverna, caindo dentro do lago, junto à fenda por onde a água saía.
O impacto foi tão grande que destruiu a parede que separava as duas câmaras.
A água foi libertada da pequena passagem passando a sair com violência. Formou-
se uma forte corrente puxando tudo em direção ao precipício.
As irmãs e Zarthrus começaram a ser puxados e o solo do fundo da lagoa,
repleto de sedimentos, não oferecia apoio. Precisavam se segurar em algo, caso
contrário, seria o fim.
Narhen percebeu uma rocha de calcário próxima a ela. Sem pensar duas
vezes, pegou sua espada élfica e com toda a força de que ainda dispunha, cravou-a
na rocha. Narhen, segurando no punho da espada, esticou seu braço e no último
instante, pegou a mão se Ishiá.
– Segure firme! – disse ela.
A correnteza era forte, mas a água escoou rápida e alguns minutos depois,
estavam as duas com os pés apoiados no chão.
– Ainda bem que pensou rápido. – disse Zarthrus.
– Ainda bem que era uma espada élfica, caso contrário, teria se partido sob o
efeito do nosso peso.
Mais alguns momentos e a água estava na altura do joelho e corria bem mais
devagar e apesar da grande correnteza ocorrida, o corpo permaneceu no mesmo
lugar.
– Onde estão as grandes gemas de luz? – perguntou Narhen assustada.
– Eu as guardei assim que percebi a rocha caindo do teto. – disse o gnomo.
As únicas gemas à mostra eram as de Ishiá e o brilho delas estava quase se
apagando e por consequência, as trevas aumentavam.
Rapidamente, o gnomo retirou as gemas de Narhen e as que lhes foram
entregues pelas ninfas e a luz retornou forte, afastando novamente a neblina.
Eles caminharam até o corpo e Zarthrus desceu dos ombros de Ishiá para uma
rocha próxima.
– Ishiá, segure as gemas para que Zarthrus possa pegar as outras.
Quando os três pares de gemas se juntaram, uma luz muito forte foi emitida.
Eles ouviram um chiado vindo do corpo mumificado. O corpo se contorceu e
encolheu um pouco.
– Depressa, precisamos acabar logo com isso. – disse Ishiá.
Zarthrus foi retirando as gemas do alforje e Narhen foi unindo-as e colocando
em volta do corpo. A cada gema acrescentada aumentava a luz e o corpo se
encolhia.
Narhen foi fechando o círculo ao mesmo tempo em que também colocava as
gemas luminosas sobre o corpo. Por fim acrescentou também as suas e as de Ishiá e
as maiores no centro.
Nesse momento uma luz tão forte foi emitida, que os três tiveram de se virar
e tapar os olhos com as mãos. Mesmo assim, suas vistas permaneceram ofuscadas
por algum tempo.
Os segundos se passaram e o brilho diminuiu a um ponto suportável. Quando
os três olharam para o corpo, perceberam que não restava mais nenhum vestígio
dele. Havia se desintegrado.
.* * *
O Brilho das gemas do restante do grupo pulsava cada vez mais fraco. As
trevas avançavam impiedosas. Uma a uma as gemas se apagavam e então veio a
escuridão.
A névoa fétida cobriu tudo. Os olhos ardiam como se algum objeto afiado os
estivesse cortando lentamente. Ela penetrava pelas narinas dos homens e dos
animais com se fosse um ferro em brasa atravessando a carne. Não havia mais ar
nos pulmões e a morte já lhes sorria, então, sem aviso a dor desapareceu.
Estavam todos estendidos no chão, arfando com violência e as lágrimas
lavavam os olhos. Encontravam-se em completa escuridão e sem forças para se
levantar, mas da mesma forma que a respiração se acalmava, suas forças
retornavam.
Lentamente o brilho das gemas também regressava, voltando a iluminar o
interior da caverna.
Já de posse do controle de seus corpos, o grupo se olhava e sorria, sem dizer
uma única palavra.
O riso se tornou gargalhada. E foi nesse clima que as irmãs e o gnomo foram
recebidos no grande salão.
– O que aconteceu? Por que essa alegria? – perguntou Zarthrus.
– Vocês conseguiram! – disse Grendhel. – Destruíram a origem do feitiço.
– E na hora certa! – concluiu Mhirfun.
– O que quer dizer com isso? – perguntou Ishiá.
– Nada! – disse Galler. – Venham descansar e nos contem o que aconteceu.
Narhen e Ishiá fizeram um relato do que acontecera e depois Galler contou o
que havia acontecido com eles.
– Graças aos deuses, conseguimos destruir a origem da magia. – disse Ishiá.
– Se tivessem demorado apenas mais alguns minutos, não restaria nenhum de
nós para prosseguir com vocês. – disse Galler.
– Se, por acaso, ainda houver alguma prova semelhante a essa, ninguém
ficará para trás. – disse Narhen. – Venceremos ou morreremos todos juntos.
Respirando aliviado, o grupo permanecia sentado no interior da segunda
passagem, aos pés da grande escada de rocha.
No topo dessa formação encontrava-se o primeiro dos itens do Uòhrik. Mas
haveria algo mais esperando por eles?
Chegou o momento de subirem ao outro salão.
– Narhen! – disse Grendhel. – Temos um problema. Você disse que não
deixaria ninguém para trás, mas receio que isso não será possível.
– Por que diz isso? Não deixarei ninguém.
– O lobo. Ele não conseguirá escalar essas rochas.
– Ele não precisará escalar. Nós o amarraremos da mesma forma que fizemos
para atravessar a fenda sobre o vulcão e depois o içaremos para cima.
– Não creio que sua ideia seja sensata. O risco de feri-lo é grande. Seria
melhor que ficasse nos esperando aqui em baixo. Afinal, teremos de descer
novamente.
– Não quero deixar ninguém para trás.
– Mestra Narhen, mestre Grendhel tem razão. Seria muito mais prudente que
o lobo ficasse aqui em baixo. Se a corda se partir por algum motivo o perderemos.
– De qualquer forma, não podemos deixá-lo sozinho aqui em baixo.
– Se me permitir ficarei com ele. – disse o anão.
– Não quero me separar de ninguém. Caso alguma coisa aconteça enquanto
estivermos separados eu não me perdoaria.
– Narhen! – disse Galler. – Deve usar do bom senso.
Teríamos muito trabalho para levá-lo e o mesmo para trazê-lo de volta. O que
Grendhel e Mhirfun dizem faz todo o sentido.
– Mas,...
– Mestra Narhen, eu também não me dou bem com lugares altos. E terei certa
dificuldade para escalar esses degraus.
– Irmã! Também vejo coerência no que dizem.
Narhen o observou com atenção.
– Está bem! Não queria me separar novamente, mas me convenceram, porém
não deverão ficar sozinho. Oathu! Seus homens poderiam ficar em companhia de
Mhirfun e do lobo?
– Eles ficarão, mas eu irei com vocês.
– Sua companhia será muito bem vinda. – conclui ela.
– Então, que comecemos. Teremos uma grande subida.
– Mhirfun! – disse Narhen. – Caso ocorra algum problema, deve gritar por
ajuda e desceremos o mais rápido possível.
– Não se preocupe. Ficaremos bem.
O anão os observou subindo, degrau por degrau, até que apenas o brilho das
gemas pudesse ser visto. A subida se mostrou muito mais longa e difícil do que
pensavam.
– Tenho que admitir que estavam com razão. Seria loucura trazê-lo.
Um longo tempo depois e exaustos pelo esforço, resolveram parar em uma
saliência mais larga.
– Nunca pensei que seria tão difícil subir por uma escada! – brincou
Grendhel. – Queria ter a agilidade de Zarthrus.
Ele salta de um degrau ao outro como se não fosse nada.
– Se não tivesse prometido à Narhen que ficaríamos juntos, já teria chegado
lá em cima e visto o que nos aguarda.
– Não se apresse sem motivo, meu amigo! Já estou farta das surpresas que
esse mundo nos reserva a cada instante.
– Irmã, não devemos reclamar. Algumas delas foram muito valiosas.
– Tem razão, mas gostaria de já estar no outro mundo. Sinto falta do nosso e
gostaria de saber o que está acontecendo por lá.
– Tudo a seu tempo, minha irmã! Tudo a seu tempo.
Voltaram a escalar e algumas horas mais tarde estavam a poucos metros da
entrada.
– Finalmente podemos enxergar o fim da escada. – disse Grendhel.
– Graças aos deuses. Pensei que essa escalada não terminaria nunca.
Com as forças revigoradas pela visão da abertura, chegaram finalmente à
passagem no topo da escada.
– Espero que consigamos encontrar o objeto com facilidade. – falou Ishiá.
– Eu também, porém, tenho a impressão de que não será tão simples. – disse
Narhen.
Atravessaram por um pequeno túnel e emergiram em outro grande salão. Por
alguma razão, havia uma luz tênue que clareava o ambiente.
Era imenso. As paredes eram muito altas e lisas. Não conseguiam precisar a
quantos metros estaria o teto. Não havia estalagmites nem estalactites. O chão era
plano, como se tivesse sido trabalhado por mãos e não uma formação natural. Era
possível posicionar um grande exército entre aquelas paredes.
No centro do grande salão, havia uma única e solitária torre cujas verdadeiras
dimensões somente puderam ser confirmadas ao se aproximarem.
– Eu sabia que não seria tão fácil. – disse Narhen. – E agora? Alguma
sugestão para chegarmos ao topo?
A torre circular era praticamente lisa, exceto por ondulações que seguiam
pela circunferência. Era feita de uma rocha diferente do restante da caverna. Não
havia onde se segurar para a escalada.
O grupo se espalhou em torno do monólito procurando por alguma abertura
ou rachadura que pudesse ser utilizada, mas sem sucesso. Narhen pegou a espada e
atingiu com força a estrutura lançando faísca ao ar. Apenas um pequeno arranhão
ficou no lugar.
– Essa rocha é mais dura que granito. Não será possível cavar apoios para
subir. – disse ela.
Todos olhavam para o topo da estrutura sem encontrar um meio de alcançá-
lo.
– Talvez a águia possa levar Zarthrus até o topo e ele consiga pegar o item. –
disse Grendhel.
– Então, Zarthrus, que acha de voar até lá em cima? – perguntou Ishiá.
– A seu dispor! – respondeu ele.
– Espere! Estou com uma estranha sensação. – disse Narhen.
– E com razão. Seu bracelete está brilhando. – falou o elfo.
– Não acredito que esse desafio deva ser vencido com um simples voo! –
exclamou Narhen. –Existe algo mais.
– Bem, então pedirei à águia apenas que faça um voo de reconhecimento. –
respondeu Ishiá.
Logo em seguida a águia se lançou em direção ao topo da torre. Quando a
ave estava a pouca distância de seu objetivo, uma rajada de vento a atirou em
direção ao solo.
Pega de surpresa, a ave despencou, mas no meio da queda, retomou o
controle do voo. Ela voou afastando-se da torre e depois voltou a subir, até que
estivesse numa altura maior que a estrutura e voltou a se aproximar. A poucos
metros do local de pouso, outra rajada de vento a atingiu afastando-a novamente. A
águia planou e mergulhou em direção ao solo.
– Como pensei. – disse Narhen. – Teremos que encontrar uma maneira de
escalar.
O grupo voltou a circundar a torre testando as ondulações, mas não havia
frestas para se prender com os dedos.
Por fim, Grendhel disse: – Creio que encontrei uma maneira.
– Então diga rápido. – disse Narhen.
– Todos nós devemos subir ao mesmo tempo.
– Como? Não entendi!
– Vou explicar. Zarthrus, por favor, empreste-me a corda.
O gnomo a entregou.
– Todos! Fiquem em volta da torre e mantenham a mesma distância de cada
um dos companheiros ao seu lado.
Quando todos estavam posicionados, Grendhel pediu que não saíssem do
lugar. Ele pegou a corda e deu duas voltas ao redor da torre, passado pelas costas
de cada um. No final, amarrou as duas pontas para que não se soltassem e assumiu
seu lugar.
– Pronto! Devem segurar a corda em suas costas. Quando eu disser, todos
deverão apoiar os pés nas ondulações. A corda nos manterá unidos. Devemos dar
um passo por vez e ao mesmo tempo. Vamos começar, mas lembrem-se: não
devem dar um passo muito grande.
O grupo pisou na ondulação da torre e forçou para subir. Como Grendhel
havia dito, a corda os manteve unidos e conseguiram subir um passo em direção ao
topo.
– Parece que deu certo como suas outras ideias. – disse Narhen.
– Deu certo, mas não se esqueçam, temos que dar um passo por vez. Se um
cair levará todos os outros com ele. Sigam meu comando para cada passo. Zarthrus
se quiser subir nessa torre, deve subir em meus ombros.
O gnomo saltou nos ombros de Grendhel e a cada comando do jovem,
avançavam um passo por vez. Em poucos minutos estavam próximos do destino.
Assim que chegaram à borda superior, ocorreu o primeiro problema não calculado.
Estavam todos apoiados pelos pés e sustentados pela corda. Qualquer um que
tentasse se aproximar iria afrouxar a sustentação derrubando todos os outros.
Estavam em uma situação difícil.
– Não tinha pensado nisso. – disse Grendhel.
– Talvez não seja tão complicado quanto pensa. – disse Galler. – Basta que
todos nós puxemos as cordas lentamente com os dois braços ao mesmo tempo.
Assim diminuiremos a circunferência.
Fizeram como Galler havia dito e todos pisaram juntos na área circular. No
centro dessa estrutura, havia uma pequena formação semelhante a um ninho e
sobre ela, um objeto dourado.
Narhen e Ishiá se aproximaram. O objeto era semelhante a uma presa, com
alguns desenhos desconhecidos, semelhantes à runas. Ishiá levou a mão e o pegou,
porém havia uma parte enterrada na rocha. Ela forçou, mas o objeto não se mexeu.
– Está preso! – disse ela.
– Deixe-me tentar.
Narhen também tentou e não obteve sucesso, assim como todos os outros
depois dela.
– Não acredito que chegamos até aqui e não conseguiremos retirar o objeto
da rocha. – disse Grendhel.
– Não, Grendhel! Com certeza existe uma maneira, apenas não é a força. –
respondeu Ishiá.
Todos se sentaram em torno do objeto, pensado em uma forma de como
pudessem retirá-lo e vez ou outra, alguém se aproximava e olhava todos os
detalhes no objeto a procura de algo que os ajudasse a resolver aquele impasse.
Finalmente, algo foi encontrado.
– O que seriam essas marcas? – perguntou o gnomo.
– Que marcas? – perguntou Ishiá.
– Estes pequenos buracos ao redor do ninho.
– Não deve ser nada. – disse Grendhel. – Deve ser apenas um detalhe no
desenho do ninho deixado por quem o esculpiu.
– Não! Zarthrus tem razão! – disse Ishiá. – Esses buracos devem ter algum
significado. Vejam! Deles saem pequenos sulcos que se ligam ao desenho do ninho
e seguem até o objeto. E se repararem, a quantidade de sulcos que chega ao objeto,
corresponde à mesma quantidade de buracos.
– Mas, se é assim, qual seria a finalidade? – perguntou o gnomo.
– Isso eu ainda não sei.
– Talvez... – disse Narhen.
– Continue irmã! O que está pensando?
– Bem, estamos no mundo dos dragões e aqui, muito mais que a força, é a
magia que tem nos ajudado. Talvez, precisemos utilizar de magia. A magia dos
dragões.
Narhen pegou uma de suas gemas dos dragões e tentou encaixá-la na pequena
abertura, mas não serviu. Então ela uniu as duas e em seguida tornou a encaixá-las,
mas, ainda assim, elas não se prenderam. Os outros também tentaram com as suas
e também não conseguiram.
– Não deu certo! – disse Galler. – Todas são pequenas.
– Mas existem outras. Zarthrus, vamos testar todas as gemas que estão em
sua sacola.
– Vocês não as deixaram no fundo da caverna? – perguntou Galler.
– Não! Queríamos que permanecessem ao ar livre como as encontramos.
Livres como os dragões que um dia foram. Pensávamos em devolvê-las ao riacho
onde as encontramos.
O gnomo retirou todas as gemas da sacola.
– Procurem por gemas grandes. – disse Narhen.
Encontraram seis pares, cada uma de uma cor.
Narhen pegou o primeiro, uniu as pedras e tentou encaixar. Não entrou. O
formato era diferente.
Ela então testou na outra abertura e dessa vez, a gema se encaixou
perfeitamente.
– Está no lugar! – exclamou ela, ao ver o brilho pulsante na cor das gemas,
incrustado na rocha.
Cada um dos outros pegou um par e repetiu o processo feito por Narhen.
Quando a última abertura foi preenchida, a energia colorida das gemas caminhou
pelos sulcos se mesclando uma a outra em direção ao objeto. Assim que as
energias se juntaram no objeto, ele começou a brilhar e a se soltar da rocha e em
seguida, ergueu-se a alguns centímetros no ar.
Era uma visão mágica. Narhen se aproximou e o pegou. Nesse instante o
brilho desapareceu e as gemas se soltaram de onde estavam.
– O primeiro dos itens. – disse Narhen com um grande sorriso.
O objeto não se soltava por que a parte que estava dentro da rocha era igual a
que estava fora, separadas por um eixo. Eram duas presas.
– Devemos colocá-lo no seu lugar definitivo. – falou Galler.
– Tem razão. Zarthrus, me entregue o Uòhrik.
– Temos que retirar o tendão do dragão. – disse Ishiá assim que o pegou.
Segurando, cada uma delas, em uma das extremidades, respiraram fundo e
deixaram suas energias fluírem para o objeto. Imediatamente, o tendão do dragão
se desenrolou sozinho.
Quando Narhen olhou novamente para o objeto dourado em forma de dentes,
ele tinha se dividido em dois. Ela os encaixou um de cada lado dos primeiros
orifícios do Uòhrik. Então, deixando novamente a energia fluir para a chave dos
mundos disse:
– O que for amarrado pelo tendão do dragão não mais se soltará.
O tendão voltou a se enrolar na chave, deixando à mostra as duas presas.
Uma de cada lado.
– O primeiro dos itens está no lugar. – disse Ishiá. – Devemos agora
encontrar a passagem para o outro mundo e continuar nossa viajem.
Grendhel se aproximou da borda da torre e disse sorrindo: – Então, o que
estamos esperando. Virou-se e saltou para fora da torre.
– GRENDHEL! – gritou Ishiá saltando em sua direção.
Narhen e Galler fizeram o mesmo e para surpresa do grupo, Grendhel estava
de pé no chão ao lado da torre a a cerca de um metro de distância.
– Mas, como? – perguntou Ishiá.
– Não sei! – disse ele. – Mas creio que essa torre nunca foi mais alta que isso.
É provável que a magia tenha nos iludido a pensar que era muito mais alta. Como
não há mais a necessidade de proteger o objeto, a magia se desfez mostrando a
verdadeira estrutura.
– Grendhel. – disse Ishiá zangada. – Nunca mais repita isso!
– Desculpe. Não quis assustá-la, não farei isso outra vez! Prometo!
Em pouco tempo todo o grupo estava de volta ao grande salão na base, juntos
a Mhirfun e ao lobo.
– Conseguimos Mhirfun. – disse Narhen. – O primeiro dos itens já está em
seu lugar no Uòhrik.
– Graças aos deuses. Agora poderemos, finalmente, seguir para o próximo
mundo.
– Sim. Mas ainda precisamos encontrar o local onde Èhssthril tombou.
– Isso não será um problema. – falou Oathu. – Eu conheço o local e os levarei
até lá. Fica próximo ao grande vulcão.
Com grande satisfação, o grupo seguiu novamente para fora da caverna.
– Devemos ficar atentos. – disse Galler. – Aqueles Izmhur podem estar nos
esperando.
Ao saírem da escuridão da caverna perceberam que era manhã de um novo
dia. Tinham permanecido por todo um dia e noite daquele mundo no ventre da
montanha. Mas, ainda havia outra coisa. Algo estava diferente. Os gritos
constantes dos Izmhur haviam se silenciado e os únicos dois que foram vistos,
estavam voando rápido para longe da montanha.
Era como que soubessem que os dragões retomariam seu lugar no trono
daquele mundo.
Ao chegar ao riacho, Narhen pediu ao gnomo que lhe entregasse as gemas e
estava para colocar as primeiras de volta às águas cristalinas e frias, onde foram
encontradas quando uma voz tocou sua mente. Logo em seguida, Narhen disse ao
grupo: – Devemos manter as gemas de cada um. Elas ainda nos serão úteis desde
que não sejam usadas para o mal.
Zarthrus, por favor, guarde-as novamente. Ainda existe uma tarefa para a
qual precisaremos da ajuda dessas gemas.
Os viajantes seguiram em direção ao grande vale e embora estivessem
receosos de reencontrar os insetos gigantes, conseguiram fazer a travessia durante
o dia, sem que nada ocorresse. O mesmo ocorreu na região dos Ürhairs, por onde
passaram encontrando apenas antigos rastros. A cada trecho percorrido,
aumentava-lhes a dor por separarem-se dos novos e valiosos amigos, pois sabiam
que se aproximava a hora de deixarem aquele mundo.
O retorno à floresta foi tranquilo e sem incidentes.
– Antes de retornar ao povoado, gostaria de verificar o estado dos ovos. –
disse Narhen.
– Eu também! – disse Ishiá.
– Creio que esse seja o desejo de todos! – concluiu Galler.
– Não sei se devemos. – disse Oathu. – Penso que deveríamos nos encontrar
antes com Ephoes.
– Porém, o caminho até o povoado passa pela caverna. Precisamos nos
encontrar com os bebês dragões e seguir por lá, e se isso acontecesse antes de
continuarmos nossa viagem, facilitaria!
– Além do que, fomos nós os responsáveis pela destruição do feitiço e pela
libertação dos dragões. – disse Grendhel.
– Vamos Oathu. Não nos demoraremos.
– Está bem! Passaremos por lá antes de seguir para o povoado.
O grupo manteve sua marcha e no final da noite do segundo dia, após terem
deixado a montanha dos dragões, estava próximo à base da montanha onde se
localizava a caverna dos ovos.
– Ouçam! Estão ouvindo esses rugidos e grunhidos. – perguntou Narhen.
– Sua audição está melhor. – disse Galler. – Eu acabei de ouvir e não
imaginava que alguém mais pudesse ter ouvido.
– Será que minha ligação espiritual com o lobo esta me alterando
fisicamente?
– Algo realmente está acontecendo, minha irmã. Também percebi uma
melhora em minha visão.
– Espero que esses novos sentidos continuem depois que terminarmos nossa
tarefa. Mas, de qualquer forma, estou ouvindo alguns grunhidos estranhos. Parece-
me que são os bebês dragões!
– Veremos em breve. Essa trilha nos levará até a entrada da caverna.
Ao contornarem a trilha avistaram uma grande agitação.
Homens traziam veados da floresta, legumes, frutas e até um grande Ürhairl
abatido para junto da caverna. Ephoes estava junto à entrada da caverna de onde
emergia o enorme turbilhão de rugidos agudos, grunhidos e lamentos. Subitamente
a algazarra se desfez, deixando o líder do povoado e todos os carregadores sem
nada entender.
– O que aconteceu aí dentro? – perguntou Ephoes.
Então, antes de obter alguma resposta ouviu: – Olhem! Os viajantes dos
mundos estão de volta.
Ephoes virou-se e viu Oathu, Narhen e Galler caminhando lado a lado e, logo
atrás vinha o restante.
– “Que a paz e a prosperidade habitem em sua morada.” – saldaram a
Ephoes.
– “Que meus amigos tenham fartura e prosperidade!” – disse ele em resposta.
– Graças aos deuses retornaram. Esses filhotes de dragão estão nos deixando
malucos. O que fizeram para que ficassem em silêncio?
– Nós? Nada! – respondeu Narhen. – Acabamos de chegar. Mas creio que
tenho a resposta.
Narhen aproximou-se da entrada de caverna e sentiu um forte cheiro de carne
em decomposição.
– Que cheiro horrível.
– Esses filhotes, comem muito pouco do que lhes damos e o restante acaba
por se desperdiçar e estragar. Apenas deixam que retiremos as carcaças quando
trazemos outra fresca.
– Mas, não é óbvio? – disse Narhen. – Será que vocês nunca cuidaram de
filhotes?
– É claro que não! – disse Ephoes zangado. – Não retiramos os filhotes de
suas mães e segundo nossa tradição, não nos envolvemos nos assuntos da mãe
natureza.
– Mas, essa é uma situação diferente. – disse Ishiá. – Precisam aprender a
intervir para que o equilíbrio retorne a esse mundo.
– E o que acha que devemos fazer? – disse Ephoes.
– Devem cuidá-los da mesma forma que cuidam de seus filhos. – disse Ishiá.
– Devem cortar o alimento em tamanhos menores, do mesmo modo como
fazem as aves predatórias. – disse Galler. – Os filhotes ainda não sabem como fazer
isso.
– Além disso, as aves não deixam as sobras de comida no ninho. – falou
Grendhel. – Os restos podem atrair outros predadores enquanto estiverem fora
caçando.
– Precisamos limpar essa caverna antes de começarmos a alimentá-los
novamente. – falou Narhen.
– Tragam essas caças frescas. Vou mostrar como devem fazer, isso é se
Ephoes me permitir. – concluiu Grendhel ao observar a irritação do ancião.
O líder do povoado estava irritado com sua autoridade sendo questionada,
mas a atitude de Grendhel amenizou um pouco a situação.
– Tudo bem. Podem fazer o que eles pedem. – disse e se afastou em direção
ao povoado.
Narhen ameaçou segui-lo, mas Oathu a impediu.
– Deixe. Eu irei falar com ele. Será mais fácil ele me ouvir.
– Mas... Tudo bem. Você tem razão.
Oathu saiu ao encontro de Ephoes e Narhen retornou para ajudar aos aldeões
na limpeza da caverna.
Antes de começar a cortar a carne, Grendhel observou o tamanho dos filhotes
e depois cortou tiras de carne da carcaça do Ürhairl.
Quando Narhen entrou na caverna, os olhos dos filhotes a acompanharam e o
bracelete do dragão brilhou.
Ainda não detinham a grandeza e imponência de um animal adulto, mas
mostravam que não tardariam a obtê-las. Os filhotes caminharam até ela
desengonçados e a circularam.
Narhen não teve medo quando um deles se aproximou mais que os outros, a
cheirou e depois lhe lambeu a mão. A língua era áspera, mas carinhosa. Ela pensou
que talvez fosse possível um dragão adulto retirar a carne dos ossos apenas com a
língua.
Os filhotes ainda não apresentavam as grandes presas e garras dos adultos,
nem os chifres e espinhos pelo dorso. Narhen acariciou o filhote atrevido sentindo
suas escamas e imaginando como seria a poderosa armadura natural quando ficasse
mais velho.
O bracelete voltou a brilhar e Narhen ergueu-se de seus joelhos e saiu da
caverna.
– Zarthrus, preciso de você!
O gnomo entrou na caverna e se deparou com miniaturas de dragões
praticamente do seu tamanho.
– Narhen, eles estão se aproximando. Espero que não me confundam com
comida.
Narhen sorriu.
– Também espero que não.
Ao chegarem novamente ao centro do círculo de filhotes, ela lhe pediu:
– Entregue-me as gemas.
– O que vai fazer com elas? – perguntou Grendhel.
– O dragão de meu bracelete pediu para que as guardasse e agora pede que as
use.
Ela se aproximou de uma rocha no solo e depositou as gemas, à medida que o
gnomo lhe entregava.
Assim que se afastou, os dragões bebês circundaram a rocha com as gemas
brilhantes e ali permaneceram observando-as até que toda a caverna estivesse
limpa e livre das carnes em decomposição.
– Mestra Narhen, o que eles estão fazendo? – perguntou Mhirfun.
– Estão compartilhando sua consciência com a dos dragões que já não estão
entre nós.
Algum tempo depois, um dos filhotes deixou o círculo e caminhou até
Narhen. Era o mesmo que a lambera.
– O que está fazendo amiguinho? Está com fome?
O bracelete voltou a brilhar, assim como, o bracelete dos deuses e, Narhen,
sem perceber, mergulhou em sua própria mente. Para sua surpresa, Ishiá também
estava lá.
– Como é possível? – perguntou Narhen. – Não estávamos perto uma da
outra.
– Também não sei o que está acontecendo. Não acreditava que poderíamos
unir nossas mentes, estando distantes uma da outra. O meu bracelete dos deuses
brilhou e quando percebi já estava aqui.
A energia dos três braceletes as envolveu e a imagem do dragão prateado se
formou. Alguns minutos depois, elas despertaram.
– Mhirfun, me ajude a desenhar um grande círculo com as gemas. O dragão
de meu bracelete me pediu.
Quando os dois terminaram o trabalho, o filhote se aproximou e entrou no
círculo. Ishiá também se aproximara, assim como todos os outros, inclusive, o lobo
e a águia.
– Morin e Zarthrus, venham! Precisaremos, também, da ajuda de vocês!
Narhen e Ishiá se sentaram em lados opostos do lado de fora do círculo de
gemas, seus guardiões aos seus lados e depois, todos os outros.
– Quando o dragão sair do círculo, devem lhe dar comida. – disse Ishiá a
Infahir, um dos homens de Oathu que os acompanhou à montanha dos dragões.
– Todos também devem utilizar suas gemas. – disse Narhen.
As pedras brilharam e todos entraram transe. O brilho aumentou a tal ponto,
que nenhuma das pessoas do povoado conseguiu olhar na direção deles. Passaram-
se alguns minutos e o brilho se reduziu.
Do meio do círculo e da luz, emergiu um dragão bem maior que aquele
pequeno filhote que entrou.
Vários dos aldeões fugiram assim que o novo ser emitiu um rugido surdo e
caminhou para fora do anel de gemas.
Infahir ofereceu os pedaços de carne a um dragão um pouco menor que um
cavalo. Ele comeu toda a carne que estava na caverna e retornou ao centro da luz.
Enquanto o brilho voltava a aumentar, Infahir saiu depressa da caverna em busca
de mais alimento.
Não havia tempo para cortar a carne em tiras, então, resolveu cortar o Ürhairl
em pedaços grandes e depois, com ajuda de outro homem, arrastou o grande cervo
da floresta para o interior da caverna.
O brilho diminuiu e novo dragão surgiu. Dessa vez, estava aproximadamente
do tamanho de um Izmhur adulto. As gemas se apagaram e o grupo despertou sem
forças de seu transe, enquanto o grande ser se aproximou dos restos do Ürhairl e o
devorou com osso e tudo. Depois comeu uma parte do cervo, para em seguida
retirar pedaços de carne e distribuir aos outros filhotes.
Logo em seguida, o dragão caminhou até a entrada da caverna.
Alguns homens, inclusive Infahir, entraram temerosos em sua frente para
impedi-lo de sair, mas o simples mostrar de dentes do dragão os fez recuar.
O dragão saiu da caverna e os poucos aldeões que ainda estavam do lado de
fora, correram em direção à floresta.
Ele abriu suas grandes asas ao sol por alguns instantes e em seguida as
experimentou, causando uma grande ventania.
Então, depois de um grande salto e batidas de asas o ser afastou-se da
montanha galopando no vento.
Lentamente o grupo de Narhen se recuperou.
– O que aconteceu? – perguntaram Mhirfun e Zarthrus ao mesmo tempo.
– O filhote de dragão se tornou um grande dragão e se lançou ao céu.
– Pare de dizer bobagens, homens. – falou o anão. – Nenhum ser pode crescer
tão rápido.
– Mas esse cresceu. E era tão grande quanto um Izmhur adulto.
– O que eles dizem é verdade. – disse Ishiá.
– Mas como? – perguntou Zarthrus.
– Pela magia e por nossas energias. – respondeu Narhen.
– Todas as nossas energias reunidas, mais as energias das gemas dos dragões
e as de nossos braceletes fizeram com que esse filhote se desenvolvesse muito mais
rápido que o normal. Ele assumiu o papel de ajudar a encontrar comida para seus
irmãos e de protegê-los.
– Por que não usam novamente a energia para fazer todos os outros
crescerem? – perguntou Infahir.
– Por que não podemos. – disse Ishiá. – A magia que protegeu os ovos,
também foi a responsável pelo crescimento rápido, porém, ela foi totalmente
utilizada no desenvolvimento desse único dragão. Ele foi o escolhido quando a
magia de proteção foi lançada. Por isso, não podemos fazer mais nada.
– Vocês deverão continuar a ajudá-lo em suas tarefas, até quando todos os
outros filhotes deixarem a caverna para retomarem seus lugares nesse mundo. –
concluiu Narhen.
– Agora devemos retornar ao povoado. – disse Ishiá.
– Precisamos conversar com Ephoes. Poderia nos acompanhar até lá? – pediu
a sacerdotisa a Infahir.
– Sim. Sigam-me.
O grupo se voltou para uma última olhada nos filhotes. Para surpresa de
todos, os filhotes fizeram-lhes uma reverência em agradecimento pela liberdade.
Com a certeza de que o objetivo tinha sido alcançado, o grupo seguiu em direção
ao povoado nas árvores.
O grupo se reuniu com Ephoes.
– Desculpe-me Ephoes! – disse Narhen. – Não era nossa intenção ofendê-lo
ou desrespeitá-lo na caverna.
– Desculpas aceitas. Sei que estão cansados da viagem e não é preciso dizer
que obtiveram vitória em sua jornada, temos boas provas disso. Devem descansar
agora e se refazer. Depois conversaremos e me contarão todos os detalhes.
– Obrigada! – respondeu Narhen.
Os amigos se retiraram em direção aos seus aposentos.
Oathu os aguardava na porta do grande salão do topo das árvores.
– Vejo que basta ficarem a sós para que algo aconteça. – disse ele.
– Então já sabe do dragão?
– Sim. Não seria o líder de caça se não soubesse de tudo o que acontece.
– Tem razão. Venha! Precisamos conversar. O grupo todo entrou nos
aposentos de Narhen e Ishiá.
– A tarefa pode não parecer fácil e não é. O dragão se chama Issrrhiathurr e
apesar de grande, é apenas um bebê.
Ele se escolheu para proteger seus irmãos e alimentá-los enquanto estivessem
indefesos. Ele não crescerá mais até que sua mente e seu corpo se encontrem em
equilíbrio. Portanto, mesmo com a ajuda das gemas dos dragões a lhe mostrarem o
caminho a seguir, é bom não esquecer que nele ainda existe a imprudência e a
precipitação de uma criança. Você deve de algum modo lhe conquistar a confiança
e através de sua experiência, ajudar-lhe em seu desenvolvimento.
– Mas, como farei isso?
– Não existe uma fórmula. – disse Ishiá. – Terá de encontrar, por si só, o
caminho.
– Tenha fé em si mesmo. Saiba que poderá contar com a ajuda das gemas dos
dragões.
– Você é um grande e valoroso homem. – disse Galler. – É a pessoa certa para
essa tarefa.
Oathu deixou a área dos aposentos, pensativo com o que acabara de ouvir.
Como um simples homem poderia ajudar no desenvolvimento de um dragão?
Depois de refeitos, todos se encontraram para uma refeição com Ephoes,
Oathu e os outros dois companheiros que retornaram das montanhas.
– Espero que estejam todos bem! – disse Ephoes.
– Estamos! – respondeu Ishiá. – Obrigada!
– Agora, gostaria que me contassem todos os detalhes a respeito dessa grande
façanha.
Durante toda a refeição Ephoes ouviu os relatos de cada um.
Quando ouviu a respeito do ataque dos insetos e da morte brutal de Lasumhir,
a tristeza cortou o coração de todos.
– Lasumhir era vigoroso e um grande guerreiro. – disse Ephoes. – Ele não
será esquecido. Mas... Continuem!
E eles retomaram aos relatos sem omitir nenhum detalhe.
– E essa é toda a história. – disse Narhen. – Agora gostaria de lhe pedir mais
dois favores.
– E quais seriam eles?
– O primeiro diz respeito às gemas que deixamos na caverna. Elas não devem
ser retiradas de perto dos filhotes. Gostaria que elas fossem fixadas nas paredes da
caverna, em toda a volta. Isso trará alguma tranquilidade aos filhotes. Mesmo
vocês poderão obter auxílio, através do contato com a consciência coletiva dos
dragões.
– Mas como faremos isso? Não somos detentores da magia que carregam.
– Não se preocupem! – disse Ishiá. – No momento correto saberão.
Entretanto, tenham o conhecimento de que as gemas só poderão ser usadas para o
bem e para a justiça. Elas não responderão ao mal.
– O segundo favor é que precisaremos novamente dos serviços de Oathu,
para nos acompanhar até o portal que nos levará ao mundo seguinte.
– Quanto a isso, não se preocupe! – disse Oathu. – Já mencionei a Ephoes
meu desejo. Nós três os acompanharemos até onde dormem os ossos de Èhssthril.
Terminada a conversa, todos saíram para efetuar os preparativos da última
jornada naquele mundo.
Zarthrus partiu para a floresta, em busca de novos medicamentos e de se
reabastecer daqueles que habitualmente carregava, na companhia de Fhurgin, um
curandeiro idoso e risonho, em cuja companhia poderia compartilhar a mesma
paixão pelas plantas. Fhurgin , por sua vez, encontrou no gnomo, um grande
amigo. Quando retornou várias horas mais tarde, o grupo já o estava aguardando.
– Desculpem a demora, mas as plantas deste mundo são incríveis. Sentirei
muita falta das novas amizades que adquiri. Tanto dos homens quanto das plantas.
– Todos nós sentiremos pequenino. – disse Grendhel. – Todos nós.
Quando deixaram seus aposentos pela última vez Narhen disse: – Sentirei
falta desta cama.
– Realmente. É muito agradável dormir nesse colchão.
– Talvez não demore muito para que possam descansar novamente sobre um
leito com essas folhas. – disse Zarthrus. – Estou levando comigo uma pequena
muda e algumas sementes dessa árvore. Se tudo correr bem, em alguns anos,
poderão dormir novamente sobre um colchão desses.
Ao chegarem novamente ao solo da floresta, encontraram todos os aldeões os
aguardando.
– Vocês cumpriram com sua palavra e livraram este mundo da magia maligna
e agora, os dragões reencontrarão seu lugar nesse mundo e o equilíbrio será
restaurado. – disse Ephoes. – Serão considerados amigos de nosso povo por toda a
eternidade. Nós lhe somos gratos por nos ajudar a cumprir nosso acordo com os
dragões. Tenham certeza de que os filhotes serão bem cuidados, assim como as
gemas com as quais nos presentearam. Nós iremos fazer da caverna um templo
destinado à justiça e à sabedoria.
– Nós não pediríamos outra coisa. – disse Galler. – Saibam que estamos
partindo deste mundo e que onde quer que estejamos vocês estarão sempre
conosco.
– A amizade de vocês nos acompanhará por toda a eternidade! – disse
Narhen.
Então, as pessoas que se tornaram mais próximas daquele grupo de viajantes,
deles se aproximaram, abraçando-os com ternura. Depois de terminados os
cumprimentos, o grupo voltou-se para Oathu e seguiram a ele e seus homens para
fora do povoado. Narhen então se voltou para o povo.
– Adda zhiu moargh iheda adeir! – disse ela para todos em reverência.
– Adda Ighiaist odai iheda adeir! – disseram todos em resposta.
Sorrindo, ela seguiu em direção aos outros que a esperavam.
Eles caminharam por todo o final da tarde até o início da noite.
– Uma coisa da qual não sentirei falta desse mundo é o tamanho dos dias e
das noites. – disse Grendhel. – Dá-nos impressão que aqui o tempo é preguiçoso.
– Para mim, as grandes noites me lembram a escuridão das cavernas. – disse
Mhirfun.
– Oathu, falta quanto tempo para chegarmos ao nosso objetivo? – perguntou
Narhen.
– Cerca de três períodos de descanso, talvez quatro. Não posso lhes dar muita
certeza, pois estive apenas uma vez nesse lugar, quando ainda era bastante jovem.
Já haviam saído do perímetro da floresta há algum tempo e caminhavam na
região de grama alta.
– É estranho, quando chegamos aqui, caminhamos um longo trecho desde a
passagem do vulcão até a floresta, sem ver nenhum sinal de vida. – disse Grendhel.
– Agora, não consigo me acalmar, pensando que poderemos dar de cara com algum
Izmhur ou um Ürhairl, assim que contornarmos alguma colina.
– Isso é possível! – disse Oathu. – Principalmente por estarmos em um
campo aberto, mas algo está diferente. O único vestígio que tivemos de um Izmhur
foi quando deixamos a montanha do dragão. É como se eles soubessem que os
dragões estão de volta e estivessem fugindo para o lugar de onde vieram.
– E onde seria isso? – perguntou Mhirfun.
– Não sabemos, mas acredito que deva ser do outro lado do deserto. Seria
muito bom se fosse verdade.
– Então, esperemos que seja. – disse Zarthrus. – Não quero outra visão
daquela que tive na primeira vez que vi um e, muito menos, a possibilidade me
tornar um petisco para eles.
– Creio que não precisa se preocupar meu amigo! – disse Grendhel. – Mesmo
para um petisco, você seria muito pequeno.
– Só de pensar que ele pudesse escolher você a mim, isso seria um grande
consolo! – respondeu o gnomo.
Houve risos e depois silêncio, pois todos pensavam em tudo pelo qual
passaram desde que ali chegaram.
Oathu realmente se enganara a respeito da distância que deveriam percorrer.
Tiveram de caminhar por toda a noite que estava fresca e durante quase todo o
percurso havia vegetação; nos dois últimos períodos da longa noite daquele mundo,
atravessaram uma região árida, mas com presença de vida. Vez ou outra toparam
com algum roedor, insetos, ou mesmo, cobras se esgueirando pelas fendas das
rochas.
No alvorecer, avistaram algumas montanhas fumegantes um pouco à
esquerda de onde estavam.
– Vejam! – disse Oathu. – É para lá que vamos.
Havia três vulcões próximos uns aos outros.
– Quando disse que os ossos de Èhssthril estavam em um vulcão, pensei que
fosse o mesmo por onde chegamos. – disse Zarthrus. – Mas vejo que são outros.
Caminharam ainda um bom trecho do início da manhã, antes de chegarem a
base do primeiro. O solo exalava calor e de algumas rachaduras, jatos de vapor
eram expelidos com violência.
– Esse local é muito instável, por isso é bom nos mantermos afastados daqui.
Atravessaram uma pequena faixa acidentada e caminharam por uma encosta,
contornando parte do vulcão. Em seguida, desceram novamente em direção ao
segundo vulcão e pouco tempo depois, num terreno elevado, encontraram uma
fenda na terra e por ela entraram serpenteando entre rochas.
Finalmente se depararam com um grande crânio na entrada de uma gruta.
A mandíbula era grande suficiente para guardar um homem em seu interior e
as grandes presas mostravam o quanto feroz deveria ter sido o animal quando vivo.
Dois longos chifres, curvos para frente, emergiam do topo do crânio e vários outros
menores o contornavam, voltados para cima. Por último, um único e curto chifre se
sobressaia na ponta do focinho. Atrás do crânio, se encontrava o restante dos ossos.
Olhando para eles, era fácil identificar a posição que o dragão tomara para
seu último e derradeiro sono.
Sem dúvida nenhuma, Èhssthril teria sido um ser magnífico!
– Bem! – falou Zarthrus. – Chegamos até aqui. Gostaria de saber como é que
continuaremos. Alguém saberia me dizer?
Os olhares seguiram na direção de Narhen e Ishiá.
– Não faço ideia! – disse a segunda.
– Se ao menos, a visão que tive me revelasse mais alguma coisa! – falou
Narhen.
– Pense. Veja se consegue se lembrar de mais alguma coisa. – disse Galler.
– Já pensei e repensei sobre minha visão, desde o momento que entramos
nessa fenda, mas a única coisa, da qual consigo me lembrar, é do grande dragão, de
pé, a nossa frente, soprando na parede de rocha, e fazendo surgir ali, a passagem
para o outro mundo.
– Por que, então, vocês não perguntam ao dragão do bracelete? Talvez ele
lhes dê alguma ideia. – disse Grendhel.
As irmãs se olharam.
– Não custa tentar. – disseram juntas.
Elas se sentaram, deram-se as mãos e em pouco tempo estavam unidas no
mundo mental. E embora se vissem envolvidas pelas energias dos braceletes dos
deuses, não viram o dragão.
– Não entendo! Por que nosso amigo prateado não está aqui? – disse Narhen.
– Será que fizemos algo que o desagradou? – disse Ishiá.
Narhen, então, olhou para seu braço e observou na joia prateada que o
contornava: O Dragão estava de olhos fechados!
– Dragão, fizemos alguma coisa em desacordo com sua consciência?
Durante alguns instantes nada mudou e quando as irmãs já se preparavam
para retornar ao mundo físico, o ser prateado despertou e se desenrolou do braço de
Narhen. E enquanto se afastava crescia e se elevava. Então, mergulhou de volta e
as envolveu.
– Nós o procuramos mais uma vez, pois precisamos saber como abrir o portal
para o outro mundo e pensamos que tinha nos abandonado.
– “Por que esse sentimento em seus corações? Não se preocupem! Eu
seguirei com vocês por todos os caminhos que trilharem. E as acompanharei em
todos os mundos que atravessarem. Estava unindo minha consciência com a de
todos os meus irmãos. Talvez seja essa, a última vez que isso aconteça. Agora
estou pronto para seguir em frente”.
– Mas, o que devemos fazer para abrir o portal? – perguntou Ishiá.
– “Dessa vez, nada! Devem apenas aguardar e quando o dragão estiver com
vocês, deverão unir as consciências de suas gemas com a dele para que a magia
seja forte o suficiente e abra o portal”.
Ao dizer isso a imagem se desfez e as irmãs despertaram.
– O que aconteceu? O dragão disse como abrir o portal? – perguntaram o
anão e o gnomo ao mesmo tempo.
– Ele nos disse que devemos aguardar até que o dragão esteja conosco e que
deveremos unir as consciências de nossas gemas a dele para que a magia aumente e
ele abra o portal. – respondeu Narhen.
O tempo passou e eles aproveitaram para descansar e se alimentar. A
impaciência começava a espetar.
– Tenha calma, minha amada! – disse Galler. – Devemos ter paciência.
– Sua natureza o ajuda, porém eu não consigo ter essa calma.
– É verdade, mestre Galler! Até eu me sinto impaciente.
– Mas vocês, anões, passam dias discutindo sobre um mesmo assunto. Para
mim, seriam até mais pacientes que um elfo.
– Nós, anões, entramos em muitas e longas discussões a respeito do que
devemos ou não fazer, mas quando já está definido, não conseguimos ficar
parados.
– De qualquer forma, não podemos fazer outra coisa, senão esperar. – disse
Grendhel. – Portanto, sugiro que descansem o máximo, já que não fazemos ideia
do que iremos encontrar no outro mundo.
Nem bem Grendhel disse essas palavras, um rugido poderoso foi ouvido no
céu.
– Será que um Izmhur está se aproximando? – disse Zarthrus.
– Não! – disse Oathu. – Esse não é o som de um Izmhur.
Todos ficaram apreensivos pelo que estava se aproximado, então,
mergulhando pela fenda, entrou um grande dragão que com duas batidas poderosas
de suas asas pousou bem no meio do grupo. Era Issrrhiathurr, o dragão bebê
escolhido para guardião de seus irmãos.
– Então não era Èhssthril que estava em minha visão. Era você!
Ele olhou para Narhen e lhe fez uma reverência. Narhen retribuiu-lhe.
Mentalmente, ele se comunicou com todos.
– “Venho lhes agradecer por terem libertado a mim e a meus irmãos de
nossas prisões. Por terem destruído o feitiço, que por tanto tempo, exterminou
minha raça, devolvendo-nos assim, a liberdade! Somos eternamente gratos a vocês.
Saibam que não serão apenas lembrados como amigos dos dragões, mas como
irmãos. Agora devem seguir seu caminho e libertar os outros mundos para que
finalmente encontrem o equilíbrio do seu próprio mundo. Desejo que tenham força
a cada passo e confiança em vocês mesmos, para que cada prova que surgir na
frente de vocês seja cumprida e que os deuses permitam que um dia voltemos a nos
encontrar. Permitam que as consciências de meus irmãos possam me ajudar a lhes
mostrar o caminho”.
Todos inclusive Oathu e seus homens retiraram suas gemas e as ergueram em
direção ao dragão.
As gemas se iluminaram.
O dragão ergueu-se em suas patas traseiras e levantou a cabeça aspirando o
mais profundo que podia, então, voltou a apoiar as patas dianteiras no chão, abriu
as asas e esticando o pescoço em direção a parede de rocha, soprou-a.
Imediatamente uma abertura surgiu revelando através dela outra paisagem.
– “Devem seguir através dela. No outro mundo, encontrarão o que procuram
e o que deve ser feito. No final, outra passagem lhes será revelada”.
Narhen, Ishiá, Galler, Mhirfun, Grendhel e Zarthrus caminharam até a
entrada e voltaram-se para Oathu, seus homens e para o dragão e disseram: – Adda
zhiu moargh iheda adeir.
Disseram isso e atravessaram o portal em companhia do lobo e da águia.
Fim do livro Três
(***)
(***)
Apêndice A
Para facilitar a leitura e o entendimento – principalmente de nomes – criei
esse apêndice.
Deixo claro que não sou linguista, historiador ou tenho qualquer outra
formação que me dê conhecimento para criar uma língua.
Tudo o que foi escrito veio em forma de inspiração desde a primeira palavra
até o último ponto do último livro.
Tenho certeza de que a pronúncia de algumas palavras parecem complicadas,
normalmente por tentarmos associá-la a algum idioma que já conhecemos,
portanto, abaixo verão algumas orientações sobre a fonética das palavras desse
livro.
Então lá vai:
Entendam que a divisão silábica nem sempre estará correta e servirá apenas
para ajudar na pronuncia e que a letra maiúscula para indicar a sílaba tônica.
O ‘rr’ causa o efeito de um rosnado ou de um R um pouco mais arrastado que
na palavra rato;
O ‘ss’ tem a sonoridade de um sibilo, com o ar sendo soprado entre os dentes
de forma um pouco mais prolongada;
Èhssthril: Éss-triu, mais jovem dos dragões nascidos antes do feitiço que
levou a morte a todos os outros dragões já nascidos e escolhidos por eles (os
dragões restantes) para que protegesse os ovos até que a profecia fosse iniciada e
para isso, concentraram toda a magia dos dragões restantes nesse jovem dragão.
Obs: O ‘ss’ causa um efeito de sibilo em sua pronuncia;
Galler: gA-ler, elfo guerreiro e irmão de leite de Narhen, por quem nutri um
grande amor correspondido;
Ishiá: i-chi-Á, gêmea de Narhen, criada Phart Halor (pArt Alor), depois de
ser salva com sua mãe se tornou sacerdotisa.
Liohr: li-Ór, melhor ferreiro da região de Cirròt (ci-rrÓ, com t mudo), senão
o único;
Mâth Thorn: Mât Torn (Mãe Verde), entidade elementar e origem de toda a
floresta de Farthorn (far-tOrn, o oceano verde). Foi ela quem informou sobre a
tarefa das irmãs em completar o Uòhrik (u-O-ric, chave de portais para os mundos
irmãos).
Sihaus: si-rrA-us, homem do grupo de Oathu, que foi morto por ele quando
foi capturado e estava sendo comido vivo pelos seres da areia;
Viathsil: vi-At-sil, sacerdotisa que previu a chegada dos bebês que poderiam
derrotar o Senhor das Sombras e retornar a paz para seu mundo;
Othos nihor mirzung aimhur igihet.: O-tos ni-rrOr mirzUn ai-mUr i-gui-
Et:
Othos pejuihr sthrump odai chormac.: O-tos pe-ju-Ir istrUm o-dAi cOr-
mac;
Siu apohc neir uda Tahirek, gorthiac iidu Krufindhor.: si-U a-pOc ne-Ir
U-da Tahirek, gor-ti-Ac i-i-du Krufindhor;
Othos ivhec oin tuc apohc neir krufindhor.: O-tos I-vec on tU-c a-pOc ne-
Ir Krufindhor;
Ighiaist: i-gi-As-t;
Adda Ighiaist odai iheda adeir: A-da i-gi-As-t o-dAi i-Ê-da a-dê-Ir;
Adda Ighiaist odai jamhur yi thleviang: A-da i-gi-As-t odAi jam-Ur i-i tle-
vi-Na;
Oadhê: o-a-dÊ;
Adda zhiu moargh iheda adeir.: A-da zI-u mo-Arg i-Ê-da a-dê-Ir;
Ighiaistair: i-gi-As-tar;
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