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A Chave dos Mundos

A Passagem de Èhssthril
Livro 3
Zeca Machado

A Chave dos Mundos


A Passagem de Èhssthril
Livro 3
Créditos
Ilustração de Capa:
Débora Cyrino
Ilustrações Internas:
Zeca Machado
Prejeto Gráfico:
Zeca Machado
Diagramação e Arte Finalização:
Zeca Machado

Revisão:
Ângela Santos
Carine Ribeiro
2ª edição - 2018
É terminantemente proibida a reprodução integral ou parcial desta obra sem a autorização por escrito dos
representantes legais, pois fere à Lei de Direitos Autorais.

Todos os direitos desta edição reservados à:

Chave dos Mundos - Editora


Rua Matias Barbosa, nº 90 / 104
Floresta - Belo Horizonte - MG
CEP: 31015-160
Aos leitores e amigos que mergulham comigo nessas páginas e
descobrem mundos maravilhosos e mágicos.
Assim que as grandes portas do templo de Urttor se fecharam às
costas de Nahren, de Ishiá e de seus companheiros, um profundo silêncio tomou
conta do salão.
A penumbra anterior deu lugar a uma sala iluminada por estranhas tochas
sem fumaça e com um brilho azulado. O salão quadrado, mas com as bordas
arredondadas, se mostrou imenso.
O piso era todo em granito polido, que ia desde um verde bem escuro nas
laterais a um verde-claro no centro e que por mais que procurassem, não
conseguiam dizer se existia alguma emenda ou se a pedra era inteira, pois a
coloraçãodo piso ia clareando de forma homogênea.
As paredes eram da própria rocha da montanha, escuras e polidas, nelas
existiam incrustações de outras rochas com colorações claras e nessas incrustações,
entalhes de figuras e símbolos estranhos e desconhecidos, semelhante a das runas,
que circulavam o salão em uma linha que ondulava por toda a volta e se encontrava
novamente onde começara, de forma que não se podia evidenciar o início ou o fim
dessa arte, tão perfeito era seu acabamento. Entre as ondulações, havia grandes
pedras preciosas cravadas na rocha, que refletiam a luz das tochas, tal qual uma
grande constelação.
Colunas em mármore com trinta metros de altura por quatro de diâmetro
eram ligeiramente afastadas das paredes e tal qual ao piso, variavam do rosa claro
até um vermelho escuro no teto. Como as paredes, elas também eram ricamente
entalhadas com o mesmo tipo de runas e pedras e com vários detalhes em ouro.
O teto era totalmente branco e pelo brilho da rocha, acreditaram ser granito.
Também nele existiam incrustações que se assemelhavam a pinturas, de tão
perfeitas. Apresentavam cenas de batalhas e de lugares estranhos, alguns belos e
outros sombrios.
Mirfhun estava admirado com o que via e foi o primeiro a quebrar o silêncio.
– Pelos deuses! Eu nunca poderia imaginar que existisse algum lugar que se
rivalizasse com alguma construção de meu povo, mas estava enganado. Este salão
tem um estilo diferente ao dos anões, mas é tão belo ou mais, quanto qualquer um
deles.
– Senhores, sou Murtghor, um dos sacerdotes desse templo. – disse. – Por
favor, sigam-me.
– Esse é o Templo da Visão? – perguntou Ishiá.
– Sim e não!
– Não compreendo.
– No local por onde entraram, ele é assim chamado, mas recebe outros nomes
em outros locais. Agora, entretanto, peço, por favor, que aguardem até o momento
em que suas dúvidas possam ser esclarecidas.
O grupo atravessou em silêncio o grande salão com cerca de duzentos metros
de um lado ao outro. Quando se aproximaram do outro lado, visualizaram em um
dos cantos duas grandes portas, uma escura e outra clara. Seguiram para junto
delas. Uma delas era branca com símbolos em negro e a outra com as cores
invertidas.
Os símbolos ficavam em uma faixa um pouco abaixo da metade da altura das
portas. Ishiá percebeu que as runas ali encontradas, eram diferentes em cada uma
das portas.
– O que são essas inscrições? – perguntou Ishiá.
– São preces e avisos para quem ousar atravessá-las.
– Não reconheço esses símbolos. Não pertencem a nenhum dos povos que
conheço ou conheci. – disse Zarthrus.
– Pertencem a várias raças antigas, em alguns salões teremos inscrições da
raça anã, élfica, humana, gnômica e das ninfas, porém em outros encontraremos
inscrições de outras raças que surgiram e desapareceram em seu mundo, muito
antes das primeiras ninfas surgirem e que nenhum de vocês sequer imagine que um
dia existiram.
– Eu pensava que as ninfas surgiram juntamente com a formação desse
mundo. – disse Zarthrus.
– Para vocês, hoje elas são a raça mais antiga, mas para esse mundo não
passam de bebês, se me permitem uma comparação.
As dúvidas não paravam de surgir, então Murtghor informou-os novamente,
que em um momento oportuno todas as dúvidas que tivessem seriam esclarecidas,
dentro da compreensão de cada um.
Ele se virou para as duas portas e começou a recitar um mantra em uma
língua estranha. Os sons pareciam desconexos e enquanto falava, uma sensação de
torpor surgiu na mente de todos.
Quando ele se calou, ninguém do grupo sabia dizer quanto tempo havia se
passado. Se apenas alguns segundos ou horas. A porta branca estava aberta.
– Venham! – disse o sacerdote.
O grupo balançou a cabeça, para recobrar o controle e seguiu por um longo
corredor, tão bem trabalhado quanto o salão por onde chegaram. À medida em que
caminhavam, outras portas surgiam de cada lado. O sacerdote não disse mais
nenhuma palavra e caminhou com passos que pareciam envolvidos em brumas,
pois nem o sobe e desce das passadas era percebido. Parecia que deslizava ao invés
de caminhar. No final, o corredor se bifurcava e o grupo seguiu pela direita.
Todos perceberam que caminhavam por um leve aclive. A sucessão de portas
continuava ininterruptamente.
Mais uma vez chegaram ao final do corredor e novamente se depararam com
outra porta para outro imenso salão.
O piso de granito era de uma tonalidade azul profundo que se assemelhava ao
céu logo após o entardecer. Nele se viam inúmeros pontos brancos simbolizando as
estrelas, mas não se formava nenhuma constelação conhecida. No centro do piso
existia uma grande lua.
Em contraposição com o piso, o teto tinha a mesma tonalidade de um céu
diurno de inverno e sem nuvens. Como no piso, no seu centro havia um grande sol
constituído de uma única e imensa pedra circular que Mhirfun acreditou ser o
maior topázio que jamais vira. Ao redor da pedra, raios e chamas de ouro partiam
em todas as direções. O acabamento era esplêndido e como no salão anterior, as
runas continuavam presentes. Esse novo salão era circular e por toda a volta,
existiam quarenta grandes portas idênticas e em arcos, separadas cerca de dez
metros umas das outras. Nos intervalos entre as portas, colunas ligavam o piso ao
teto, mostrando que embora juntos no firmamento, os astros permaneceriam
sempre afastados, cada um imperando no momento destinado a eles. As portas não
continham nenhuma inscrição, o que tornava o salão um imenso labirinto circular.
Murtghor caminhava decidido em direção a uma porta que se abriu sem
nenhum auxílio assim que se aproximou.
Através dela o grupo desceu por uma escada tão larga quanto os túneis, com
grandes degraus em curva. De tempos em tempos, eles atravessavam por mais uma
passagem.
O percurso lhes parecia interminável e como a iluminação era sempre a
mesma, já não podiam precisar a quanto tempo caminhavam. Até mesmo Mhirfun,
acostumado a caminhar pelos labirintos subterrâneos das cidades dos anões, se
sentia desorientado.
Ao final da longa escadaria, atravessaram sobre um arco e novamente por
outro túnel, esse completamente reto, mas que lhe não podiam ver o final. Com
certeza, teria vários quilômetros de extensão. A caminhada por aquele labirinto
gigantesco havia se tornado bastante monótona há muito tempo.
Por fim, Narhen perguntou: – Murtghor, quanto tempo ainda falta para
chegarmos ao nosso destino?
– Aqui o tempo não é tão importante, porém, estamos próximos.
Sem entender e percebendo que somente conseguiria respostas que a
deixariam ainda mais em dúvida, calou-se.
Mais algum tempo de caminhada e perceberam uma luz diferente no final do
túnel. Quando finalmente chegaram, atravessaram por um portal para um novo
salão ainda maior e tão belo quanto os outros pelos quais haviam passado. A
diferença era que no final dessa grande sala era possível ver a luz do dia.
Calcularam que o teto estava a cerca de sessenta metros acima do piso,
sustentado por inúmeras colunas dispostas em linhas.
Seguiram em linha reta por cerca de quinhentos metros em direção à imensa
abertura na rocha.
À medida que se aproximavam, perceberam que as colunas se afastavam até
um ponto em que já não havia mais nenhuma.
Próximo da abertura, no ponto central, surgiu uma escadaria que contornava
um plano mais elevado.
Nesse momento, perceberam que o teto era ainda mais alto que no início e
que nas bordas da grande abertura, tanto na parte de cima quanto na debaixo,
existiam estalactites e estalagmites, que causaram a impressão de estarem saindo
por uma gigantesca boca.
Assim que chegaram às escadas o sacerdote disse: – Eu os levarei apenas até
aqui. Sigam em frente que Ziloun os aguarda.
Agradeceram e Murtghor se virou e seguiu para a esquerda.
O grupo fez como ele havia dito e subiu as escadas e quando chegou ao topo
viu que o plano se estendia para fora da grande abertura por vários metros,
exatamente como a língua de uma cobra, com a diferença que o final era
arredondado e não, bifurcado.
Quando chegaram à borda da abertura, eles perceberam que estavam no
interior de uma gigantesca cratera vulcânica, com vários quilômetros de diâmetro e
à medida que subia para o céu, ela se abria ainda mais. Espalhadas por toda a
parede interna da cratera existiam incontáveis outras aberturas.
As paredes do vulcão pareciam ter alguns milhares de metros de altura.
Depois que passaram através da abertura, o plano se inclinava para baixo e no
seu final estava um homem de costas, vestido por uma túnica branca. O capuz
estava caído para trás, deixando aparecer, portanto, apenas as mãos e a cabeça.
Ele estava banhado pelo sol e de braços abertos. Era bastante calvo e o pouco
cabelo que tinha era completamente branco.
Seus dedos eram esguios e as costas de suas mãos enrugadas, apresentavam
algumas manchas, como aquelas encontradas em pessoas de idade avançada.
O grupo se aproximou, mas Ziloun não modificou sua postura. Depois de
algum tempo e sem conter sua ansiedade, Narhen raspou a garganta. Nesse
momento, o ancião mostrou ter percebido a presença do grupo e recolheu os
braços, juntando as mãos na altura do peito, para em seguida se virar.
Ele os olhou um a um, sem dizer uma única palavra, durante alguns
momentos.
Seus olhos eram de um azul muito claro, quase branco. Sua pele era coberta
por rugas e seu nariz longo, porém um pouco mais largo do que se
esperava. – Venham! Devem estar com fome. – disse com uma voz aguda e
rouca ao mesmo tempo, enquanto caminhava através do grupo em direção à
abertura da parede.
Quando chegaram novamente no interior, havia uma grande mesa com os
mais variados pratos. Havia tigelas com cereais e travessas com frutas, além de
pães, bolos e carnes assadas. Jarras contendo água fresca, cervejas e vinhos.
Ziloun se aproximou de uma cadeira de espaldar alto.
– Por favor, deixem seus pertences, sentem-se e sirvam-se. Vocês duas, por
favor, sentem-se ao meu lado.
Narhen sentou-se à sua direita e Galler ao seu lado, seguido por Mhirfun. Ao
lado de Mhirfun havia uma cadeira com o espaldar mais baixo, onde a águia se
posicionou e logo atrás da ave, o lobo deitou-se. Ishiá sentou-se à esquerda,
seguida por Grendhel e Zarthrus, em uma cadeira mais alta, como as destinadas às
crianças. Ziloun utilizou-se de uma pequena travessa de água ao seu lado para lavar
as mãos.
– Deixemos alguns assuntos para após o almoço. Sirvam-se. – disse servindo-
se de alguns cereais, frutas e um pequeno peixe assado.
Ao lado de cada um deles havia uma bandeja igual e embora não tivessem o
costume de lavar as mãos antes de comer, repetiram o gesto em respeito ao
anfitrião, para em seguida, também se servirem. A curiosidade de Narhen apenas
aumentava até o ponto de não aguentar mais ficar calada.
– Desculpe-me, mas...
Ziloun lhe fez um gesto e ela se calou.
– Bem, vejo que a dúvida está bloqueando seus estômagos e que não
conseguirão comer em silêncio. Não tenho o costume de conversar enquanto me
alimento, para não me distrair e poder absorver todos os sabores e energias
contidas no alimento. Porém, dessa vez, abrirei uma exceção. Meu nome é Ziloun,
sou o sumo sacerdote desse templo. Sei qual é a tarefa de vocês e tentarei ajudá-los
da melhor forma possível. Agora, Narhen qual é sua dúvida?
– Como sabe meu nome se ainda não tivemos a oportunidade de nos
apresentar? – Perguntou ela espantada.
– Conheço parte de sua história e de sua irmã Ishiá. Tenho conhecimento dos
fatos que envolveram o nascimento das duas e quando isso aconteceu. Sei sobre a
separação de seus pais e sobre os acontecimentos que fizeram cada um deles, ficar
com uma de vocês. Sei como foram criadas e ainda sobre Zarthrus, Mhirfun,
Galler, Grendhel, e também sobre a tarefa de seus guardiões.
Todos ficaram espantados.
– Não se assustem com isso. Sei sobre vocês, muito antes de terem nascido,
devido a uma antiga profecia que hoje está se concretizando em seu mundo e da
qual vocês também têm conhecimento.
– Por que disse do nosso mundo? – perguntou Ishiá. – Por acaso não pertence
a ele também?
– Sim e não. Esse templo é um local neutro, ou seja, ele não pertence a
nenhum lugar, embora pertença a vários outros ao mesmo tempo. Em seu mundo,
ele é chamado de Templo da Visão pelo fato de termos a capacidade, mesmo que
imprecisa, de ver fatos futuros. Digo imprecisa, pois quaisquer ações que tomemos
poderão alterar o fluxo do tempo. Isso se dá também em relação a vocês e à
profecia.
O passado é imutável, mas o futuro pode ser alterado a cada fração de tempo.
Vocês sabem que têm uma missão a cumprir para salvar seu mundo, mas ninguém
pode garantir que terão sucesso, dessa forma, não posso dizer que vocês devam
tomar essa ou aquela atitude, quando determinado fato acontecer, pois algo pode
mudar os acontecimentos e esse determinado fato, talvez, jamais aconteça.
– Por que a entrada do Templo desapareceu quando éramos bebês? –
perguntou Narhen.
– Sabíamos, através de uma profecia, sobre o nascimento de vocês e
esperávamos poder encontrá-las antes que as Sombras o fizessem. Tínhamos a
intenção de salvaguardar a vocês e a seus pais no interior dessas paredes, onde
ninguém as encontraria, a menos que quiséssemos, mas um fato ocorreu e não
permitiu que isso acontecesse. Com o avanço das tropas das Sombras, o medo
passou a tomar conta dos corações dos homens, pois o inimigo era muito poderoso
e numeroso. Embora os homens lutassem para se defender dos invasores, com o
tempo, suas forças decaiam e as Sombras expandiam sua área. Certa noite,
enquanto eu meditava, tentando encontrar alguma forma de lutar contra as forças
sombrias, essa profecia foi revelada a uma sacerdotisa de nome Viathsil. Sua
alegria foi tamanha, que ela logo correu a alertar seu rei.
Pela primeira vez, em vários anos de guerra, teriam um trunfo que poderia
ajudá-los a vencer. Entretanto, quando ela chegou ao palácio, foi impedida de
encontrá-lo, pois ele havia sido ferido em combate e corria risco de morte. Então,
Ghorguiat, o irmão mais novo do rei, a convenceu de que lhe contasse o que sabia.
Ele disse que como o irmão estava enfermo, assumira provisoriamente o comando
do reino.
A sacerdotisa contou-lhe tudo de que se lembrava sobre a visão que tivera.
Ghorguiat exigiu que ela não mencionasse nada a ninguém, pois essa informação
nunca poderia chegar ao inimigo, mas o que ela desconhecia, era que ele era um
homem invejoso e que tinha sede pelo poder que seu irmão exercia. Em função
disso, havia feito um pacto com o Senhor das Sombras para que seu irmão fosse
destronado, não se importando de que forma isso acontecesse, desde que ele
assumisse o trono.
Assim que Viathsil deixou o palácio, Ghorguiat mandou um de seus lacaios
capturá-la enquanto ela regressava ao templo de onde viera e deu ordem para que a
mantivesse prisioneira longe da vistas de todos. Na verdade, ele iria entregá-la ao
Senhor das Sombras com a intenção de reforçar os laços entre eles, sem que
ninguém desconfiasse de sua traição. O Senhor da Escuridão saberia retirar mais
alguma informação valiosa daquela mulher. O plano não deu certo por muito
pouco.
O lacaio de Ghorguiat seguiu as ordens, no entanto, deixou que ela se
afastasse da capital do reino. Quando ela passava por uma floresta, percebeu que
estava sendo seguida e tentou fugir. Ela galopava o mais rápido que podia, mas seu
perseguidor ficou em seu encalço e dela mais se aproximava a cada instante. Ela já
estava bem próxima das montanhas onde vivia. Caso conseguisse chegar lá, iria
despistá-lo. Quando atingiu a base das montanhas, o homem que a perseguia já
estava a menos de cem metros de distância. Ela tinha que conseguir. Viu uma
estreita trilha à sua esquerda que seguia pelo lado montanha. Era uma trilha
perigosa, mas ela não tinha opção e entrou por ela. Seu cavalo não podia ir rápido
devido a grande quantidade de cascalho no solo. Ela continuou a subir com o
homem perseguindo-a, cada vez mais próximo. A distância continuou a diminuir e
o medo deu lugar ao pânico e ela já não conseguia pensar:
– O que quer de mim? Não tenho nada de valor. – gritava ela.
– Isso serei eu quem decidirá. Você não irá escapar e se arrependerá por
tentar fugir. – respondia o homem.
Então, durante a loucura causada pelo pavor, ela fez um movimento errado,
seu cavalo escorregou e ambos caíram no precipício, morrendo com a queda.
Ghorguiat levou o que sabia para o Senhor das Sombras, mas as informações
estavam incompletas. Ele não sabia informar o local exato, nem que seria durante o
inverno que a profecia ganharia vida.
O Senhor das Sombras fez com que ele assumisse o trono, como era o sonho
dele e exigiu que seus homens buscassem pela criança. Queria que ela lhe fosse
entregue viva.
Começou-se então a caçada pela menina com o sinal dos deuses. Uma
nevasca mais forte que o normal atrasou a ida de seus pais até a cidade onde nós os
aguardávamos.
Então o exército negro chegou destruindo tudo. Não podíamos deixar que
invadissem o templo e por isso não tivemos outra opção a não ser cortar a ligação
com seu mundo antes que algum deles entrasse pela porta. Se isso acontecesse não
teríamos mais como nos desligar e com o tempo eles chegariam aos outros mundos
levando sua destruição. Depois que cortamos a ligação com seu mundo, apenas o
Uòhrik poderia novamente abrir a passagem para o templo. Tivemos que aguardar
e orar até que conseguissem nos contatar.
– Mas se abrirmos o portal, os soldados poderão nos seguir. – disse Narhen.
– Não. O Uòhrik abriu o portal, vocês entraram e, em seguida, a ligação com
seu mundo foi desfeita. A única coisa que os moradores de Cirròt podem ver agora
é uma parede de rocha. Nós estamos seguros.
Inúmeras outras dúvidas surgiram e o sacerdote tentou esclarecê-las e outras
inúmeras ainda existiam, mas depois de algum tempo, Ziloun falou:
– Bem, devemos deixar novas perguntas para outra ocasião. O dia já está
virando noite e vocês devem descansar, pois amanhã começará a verdadeira
jornada de vocês.
O ancião ergueu-se de sua cadeira e os outros o seguiram.
Murtghor já os aguardava para levá-los a seus aposentos.
A noite foi longa, pois havia muita informação nova que deveria ser
analisada, mas no final, o cansaço os superou e o sono tomou posse de seus corpos.
Na manhã seguinte, o sacerdote Murtghor bateu cedo em suas portas.
– Por favor, Ziloun os aguarda para tomarem o desjejum.
Seguiram até o mesmo grande salão onde encontraram o supremo sacerdote
no dia anterior.
– Que os deuses lhes proporcionem fartura, sabedoria e harmonia. – disse-
lhes quando os viu aproximar.
– Que a harmonia nunca deixe sua mente, assim como a paz e o equilíbrio. –
respondeu Ishiá.
Nesse momento ela percebeu presas na túnica do supremo sacerdote, quatro
pedras, sendo três dispostas em forma de triângulo com a quarta no centro.
– Pensava que estas insígnias representavam a união das raças que formaram
o antigo conselho, após as guerras entre elas, simbolizando o retorno da paz. –
disse Ishiá.
– De certa forma você está certa. As insígnias da consciência são bem mais
antigas que essas raças, mas também se relacionam com elas. Porém, os assuntos
de que trataremos são bem mais sérios e urgentes.
Se havia alguma outra pergunta, ela foi esquecida de imediato. Enquanto o
ancião continuava a falar, o grupo se alimentava.
– Hoje vocês irão caminhar por terrenos desconhecidos, onde muito
provavelmente encontrarão muitos perigos. Porém, acredito que tenham
habilidades para superá-los.
Ao final desse elevado, junto ao local onde me encontraram, existe uma
escada que os levará a uma trilha até o fundo desse vulcão. Depois que chegarem
ao fundo, devem seguir o mais próximo que puderem do centro da cratera. Tomem
bastante cuidado, pois esse vulcão está apenas dormindo e não, morto.
Cuidado onde pisam. Abaixo do piso ainda existe lava derretida e, embora o
chão pareça firme, não é tão resistente quanto possam pensar e se torna fino e
quebradiço em alguns trechos. Tenho certeza de que não gostariam de mergulhar
em um lago incandescente. Quando chegarem ao outro lado, deverão procurar por
uma estreita caverna formada pela lava que escorreu.
– Ziloun, se o que diz é verdade, vocês correm risco caso esse vulcão entre
em atividade. – disse Grendhel.
– Na verdade, não. Como disse em nossa outra conversa, esse templo
pertence a vários lugares e ao mesmo tempo, a nenhum. Ele está situado em um
local livre da influência do tempo e do espaço.
– Se é assim, por que não retornaram no tempo e resgataram Ishiá e Narhen
quando ainda eram bebês?
– Como eu disse anteriormente, o passado é imutável e embora possamos
visitá-lo, apenas podemos fazê-lo como observadores. Podemos ver, mas não ser
vistos. Por outro lado, se alguém resolver acelerar o tempo, o futuro tornar-se-á
presente para esse alguém e ele jamais poderá regressar para o seu verdadeiro
tempo. Sabemos disso porque no passado, alguns iniciados nesse templo ao
descobrirem essa característica resolveram se aventurar pelo tempo. Eles foram ao
passado e voltaram deslumbrados e quiseram ir ao futuro para descobrir o que
ainda estava por vir. Mas nunca mais retornaram.
Depois de inúmeras tentativas infrutíferas em regressar, perceberam que era
impossível, então, deixaram informações detalhadas do que haviam descoberto
para que ninguém mais passasse pelo sofrimento que eles passaram. Portanto,
aprendemos que devemos viver o presente, analisando nossas atitudes do passado e
procurando corrigir nossos erros para o futuro.
O grupo estava em silêncio.
– Ziloun, se é perigoso passar pela cratera, por que não podemos dar a volta?
– perguntou Narhen.
– A passagem pela cratera é a entrada para Ehrvesth. Foi por esse caminho
que Krufindhor penetrou no mundo dos dragões. Qualquer outra rota os levará a
outro destino e, possivelmente, a um caminho sem volta. Agora chega de conversa,
vocês devem seguir seus destinos.
O grupo pegou seus pertences e se dirigiu para o ponto indicado pelo ancião.
– Lembrem-se: devem permanecer juntos até chegarem ao outro lado. Que os
deuses iluminem seus caminhos e lhes tragam sucesso em sua busca.
Ishiá solicitou à amiga ave que permanecesse no poleiro de Mhirfun. O grupo
desceu por uma escada esculpida na rocha e alcançou uma trilha sinuosa e
escorregadia, seguindo até o fundo por várias centenas de metros. Quanto mais
desciam, mais o calor aumentava.
Narhen olhou para o alto e lhe pareceu que havia bem menos aberturas nas
paredes do que quando olhou pela primeira vez. Ela seguiu na frente com o lobo ao
seu lado, Zarthrus e Galler vinham na sequência e depois Ishiá, Mhirfun e
Grendhel. Depois de alguns minutos de caminhada,
uma fumaça com cheiro de enxofre começou a se espalhar pelo ar, ao mesmo
tempo em que o calor aumentava.
– Estranho, olhando da passarela, não vi essa fumaça. – disse ela.
Ela parou e olhou em volta. Para sua surpresa, apenas a abertura por onde
haviam chegado ainda era visível. Todas as outras desapareceram como se nunca
houvessem existido.
– Parece que estamos chegando ao outro mundo. Vejam, as aberturas das
paredes da cratera desapareceram. Devemos ficar atentos.
– O calor está ficando insuportável. – disse Zarthrus.
– Creio que não devemos ir diretamente para o centro, mas fazer uma
pequena curva. Tenho receio de que se continuarmos nessa direção nos
encontraremos em apuros.
– Ziloun disse que devemos passar pelo centro da cratera, caso contrário
poderemos nos perder e jamais encontrar o caminho de volta.
– Ele disse que deveríamos passar o mais próximo que pudéssemos do centro
da cratera e não pelo centro. Devemos contornar.
– Eu concordo com Zarthrus. – disse Galler. – Se o calor aumentar muito
mais, nem os animais e nem nós resistiremos.
– O que vocês dizem a respeito? – perguntou ao resto do grupo.
– Eu prefiro dar a volta. – respondeu a irmã.
– Mestra Narhen, pelo meu conhecimento do interior da terra, acredito que
estamos nos aproximando muito do olho desse vulcão. Se estiver certo, o piso
ficará muito quente para que qualquer um de nós consiga caminhar, além do que,
as rochas estarão muito frágeis. Penso que devemos contornar.
– Bem, a maioria já decidiu. Mhirfun, como você detém maior conhecimento
sobre as rochas do que qualquer um de nós seria prudente que seguisse na frente e
determinasse o melhor local para atravessarmos. O que me diz?
– Farei meu melhor.
O anão verificou o caminho e retomou a marcha seguindo um pouco para a
direita e, pouco a pouco, o calor diminuiu a um nível suportável. Não conseguiam
andar muito rápido, pois havia muitas rachaduras no piso e de algumas delas
desprendia um vapor muito quente, ficando impossível saltá-las. Em determinado
ponto, visualizaram a lava se movendo por uma abertura no chão. O calor era
imenso e a rocha era incandescente como metal derretido.
– Devemos contornar um pouco mais para a direita, o piso aqui é muito fino.
– disse o anão, enquanto mudava sua direção.
Precisaram parar para descansar algumas vezes devido ao calor, mas mesmo
descansar era difícil, pois o chão era quente para que ficassem sentados por muito
tempo. Em certos trechos, Grendhel e Galler e mesmo Mhirfun se revezavam para
carregar o lobo nos braços, pois o calor do piso poderia queimar suas patas. Narhen
pegou uma pele que trazia em sua bagagem e a cortou em alguns pedaços. Em
seguida as amarrou nas patas do animal como se fossem calçados.
– Sei que lhe são desconfortáveis, mas não conseguiremos carregá-lo por
muito tempo. Isso protegerá suas patas do calor e poderá caminhar com suas
próprias pernas. – disse ela tanto com a mente quanto em palavras.
No início ele achou estranho, mas rapidamente se acostumou. Depois de
várias horas de caminhada, chegaram a um trecho cercado pela lava derretida em
ambos os lados. Era como uma ponte. O caminho se elevou cerca de trinta metros.
Quando chegaram à parte mais alta, puderam vislumbrar o final da cratera,
mas havia outro obstáculo.
Uma fenda com vinte metros de largura impedia o caminho. Suas paredes
eram repletas de rachaduras de bordas afiadas e pontiagudas. Elas desciam até bem
perto da lava derretida, a ponto do chão no fundo da fenda ter uma coloração mais
clara que a parede.
– Teremos de retornar e contornar. – disse Ishiá.
– Não podemos. – disse Mhirfun. – Teremos de caminhar várias horas para
trás e depois nos afastar muito do centro e assim sairemos de nossa rota. Além
disso, temos a mesma chance de nos encontrarmos com outro lago de lava. Porém,
também não temos como saltar essa distância.
– O que devemos fazer então?
– Devemos pensar. Deve haver uma maneira de transpormos essa barreira. –
disse Galler.
– Zarthrus, ainda tem aquela corda que usamos na cachoeira? – perguntou
Grendhel.
– Sim, está em meu alforje.
– O que tem em mente Grendhel? – perguntou Narhen.
– Vejam! As paredes são bem mais próximas umas das outras no fundo.
Posso descer até próximo ao fundo, saltar para o outro lado e escalar a parede do
outro lado. Quando chegar ao topo, prendo a corda em uma rachadura com auxílio
de meu machado. Assim poderão atravessar.
– Não, isso é muito arriscado. Se você cair poderá morrer pela queda ou
queimado no fundo. Além disso, a distância é muito grande para você saltar. Não
podemos arriscar perder nenhum de nós.
– Mas, não temos muitas opções. Não conseguiremos nos aguentar muito
mais tempo aqui. Preciso tentar.
– Talvez eu possa ajudar. – disse Zarthrus.
– Você é muito ágil e salta longas distâncias pelo seu tamanho, mas não
resistirá ao calor lá de baixo.
– Não estou pensando em descer, mas subir. – respondeu o Gnomo.
– Como?
– Simples. Eu sou leve o bastante para que a águia me leve até o outro lado.
Se Grendhel amarrar seu machado em uma das pontas da corda, eu poderei prendê-
lo em uma fenda do outro lado, enquanto vocês ficam com a outra ponta.
– É uma boa ideia, mas ainda temos um problema. Como iremos atravessar o
lobo?
– Primeiro, vejamos se conseguiremos prender a corda do outro lado para
depois tratar desse assunto. – disse Zarthrus.
– Se não existir um local onde prender a corda, teremos de encontrar outro
meio.
– Então, façamos!
O gnomo retirou a corda do alforje e a entregou para Grendhel que a amarrou
em seu pequeno machado tomando cuidado com sua afiada lâmina. Logo em
seguida, o gnomo falando na língua com que se comunicava com os animais
solicitou à ave que o levasse até o outro lado.
A águia então saltou de seu poleiro nas costas do anão e suavemente pegou
Zarthrus pelos braços e o içou para cima. Assim que atravessaram, a ave soltou o
gnomo a alguns centímetros do solo e em seguida pousou ao seu lado.
Zarthrus procurou ao redor e encontrou várias fendas, mas não eram
profundas o suficiente ou suas bordas eram frágeis demais para suportar o peso dos
outros. Quando estava por desistir, encontrou uma um pouco mais abaixo de onde
estava.
Esta teria de servir.
– Pronto, a corda está presa. Encontrem uma forma de prendê-la de seu lado.
– disse ele aos outros.
Grendhel prendeu seu outro machado nas rochas e esticou a corda.
– Bem, a corda está presa. Quem será o primeiro a atravessar? – disse ele.
– Eu. – disse Narhen.
– Não. Eu irei. – disse Galler. – Se a corda suportar meu peso suportará o de
qualquer um de vocês. Além do que, sou mais ágil e caminho com maior leveza.
Do outro lado poderei reforçar as amarrações.
Antes que alguma objeção fosse emitida, ele saltou para a corda,
equilibrando-se de pé sobre ela, com os braços estendidos.
– Parece-me resistente. Me entregue sua bagagem. – pediu ele à Narhen. –
Quero testar um pouco mais de peso. Não atravessem até que eu diga.
Assim que Narhen lhe entregou o que pediu, Galler equilibrando-se sobre a
corda começou a caminhar em direção à outra ponta da corda. No início o elfo
seguiu devagar, mas depois de perceber que a corda resistiria, aumentou sua
velocidade e rapidamente atingiu o outro lado. Ele largou as bolsas que levava e
pegando sua espada aproximou-se da corda.
– O que vai fazer? – perguntou Zarthrus espantado.
– Se a corda permanecer junto à rocha, não tardará a se partir.
O elfo enterrou sua espada na fenda e em seguida ergueu a corda, prendendo-
a no cabo da arma.
– Essa espada não se partirá e nem a corda se romperá na borda da rocha.
Novamente Galler atravessou sobre a fenda.
– Entreguem seus pertences. Será mais fácil atravessarem somente com o
peso de vocês.
O elfo repetiu a travessia e retornou para buscar as bolsas do anão.
– Esperem, – disse Grendhel. – acho que tenho a solução para o nosso amigo
lobo. Mhirfun deixe-me ver o poleiro. Narhen avise ao lobo que não precisa ter
medo, não irei feri-lo. Zarthrus, por acaso teria outra corda em sua sacola?
– Tenho, mas não é tão resistente quanto a primeira.
Grendhel aproximou-se do animal.
– Tenha calma, meu amigo. Logo estará do outro lado.
Grendhel prendeu o poleiro nas costas do lobo de forma que o apoio da águia
ficou acima da cabeça do animal.
– Galler, poderia me ajudar a erguê-lo.
Ambos o pegaram pelo apoio da ave e o suspenderam do chão.
– Acredito que dará certo.
Grendhel passou o poleiro da águia, em forma de gancho, sobre a corda
esticada, de forma que este deslizasse e em seguida, o amarrou com outra corda,
para que o mecanismo de apoio não escapasse, deixando, assim, o lobo pendurado.
Depois, prendeu uma das pontas da corda mais fina, que Zarthrus havia lhe dado,
na base do apoio do poleiro e só então, entregou a outra ponta para o elfo.
– Quando estiver do outro lado, basta puxar o lobo. Espero que tudo ocorra
bem.
Galler atravessou.
– “Meu amigo, agora é sua vez de atravessar. Não tenha medo, que logo
estará seguro do outro lado”. – falou Narhen na mente do lobo.
Com cuidado eles o penduraram na corda e Galler o puxou devagar. Apesar
do medo, lentamente o lobo chegou ao outro lado e Galler o libertou.
– Mais uma vez, suas ideias surpreenderam. – disse Narhen sorrindo. – Fico
feliz que esteja conosco.
– É verdade, suas ideias são ótimas. Agora, será que poderia trazer de volta
esse poleiro? Não sou muito boa em travessias sobre cordas e uma ajudinha não
seria nada mal. – concluiu Ishiá.
Grendhel, novamente de posse do poleiro, prendeu-o não nas costas, mas na
frente de Ishiá.
– Desse jeito, você poderá ajudar enquanto atravessa. O suporte a impedirá
de cair.
Ishiá pendurou-se pelos braços e pernas e, atada à corda pelo suporte preso na
altura de seu peito. Enquanto ela atravessava, Galler recolhia a corda de um lado,
enquanto Grendhel liberava do outro. Em seguida Mhirfun atravessou.
– Agora é sua vez. – disse Grendhel à Narhen. – Eu ficarei para liberar meu
machado.
– Não. Você já ajudou os outros a atravessar, agora é a sua vez. Eu cuidarei
do machado.
– Mas...
– Não. Você ainda não aprendeu que não vai conseguir discutir comigo?
– Está bem.
Grendhel prendeu o suporte e atravessou.
Ela verificou que a arma estava bem presa à rocha e teve de fazer muita força
para liberá-la.
O gnomo voou de volta com a águia.
– Narhen. Ponha de volta a arma na fenda e atravesse. Eu cuidarei de recolhê-
la.
– Você não terá forças para soltá-la se ficar presa novamente.
– Eu não teria tanta certeza.
Narhen colocou o machado de volta na rachadura da rocha e antes que ele
chegasse ao ponto de ficar preso, o gnomo colocou uma rocha como apoio.
– Vá, em breve estaremos juntos novamente. – disse Zarthrus.
Narhen se prendeu no apoio e seguiu para junto dos outros. Assim que ela
estava de pé do outro lado, o gnomo soltou a corda e pediu para que a recolhessem.
Ele puxou a arma, mas com Narhen havia falado, ela ficou presa e ele não tinha
força suficiente para libertá-la. Não adiantava a força que fizesse e o lado que
puxasse a arma não se movia. Grendhel não queria se separar da arma que Liohr
lhe dera, mas não tinha outra maneira, precisavam seguir em frente.
– Zarthrus, deixe o machado e venha. Precisamos seguir viagem.
O gnomo decepcionado olhou os olhos tristes do amigo.
Com raiva dele próprio por não ter tido forças para soltar o machado, deu um
grito e chutou com toda sua força o cabo da arma, para em seguida sair mancando
e resmungando de dor. Estava para pedir para que a águia o levasse de volta,
quando reparou que o machado havia se deslocado um pouco. Munido de nova
esperança ele puxou novamente a arma e dessa vez ela se soltou. Erguendo o
grande machado sobre sua cabeça o gnomo saltava e gargalhava de alegria, se
esquecendo da dor em seu pé. Em seguida a águia o pegou pelos braços e foram os
dois se juntar ao resto do grupo.
– Eu sabia que eu conseguiria. – disse o gnomo
– É verdade, mas creio que deve olhar como ficou seu pé. Acredito que
merece algum cuidado.
– Venha, meu pequeno amigo. Depois do que fez para libertar meu machado,
o mínimo que posso fazer é carregá-lo até se recuperar.
Eles pegaram seus pertences e Grendhel colocou o gnomo em seus ombros e
seguiram em direção ao final da cratera. Nenhum novo incidente ocorreu e à
medida que se afastavam do centro, a fumaça se dissipava, aumentando o campo
de visão. Narhen olhou de volta à parede interna do vulcão, mas era como se a
abertura por onde entraram e todas as outras jamais houvessem existido.
Uma dúvida surgiu: Será que encontrariam o caminho de volta?
O caminho pela ponte sobre o lago de lava era terrivelmente quente.
Até Mhirfun acostumado com o calor no interior da terra se sentia desconfortável.
– Narhen, se o calor continuar ou aumentar, a águia não resistirá. – disse
Ishiá.
– Também sinto o sofrimento do lobo. Mas não vejo uma forma de aliviá-lo.
– A meu ver, parece que faltam poucas centenas de metros. Talvez, se forem
na frente consigam aguentar, mas nesse passo, tenho dúvidas. Veja! O gnomo
também não resistirá muito.
– Tem razão, a águia pode levá-lo, enquanto o lobo vai correndo atrás.
Zarthrus, nem você nem os animais resistirão muito mais a esse calor. Siga com
eles até a margem da cratera. Creio que lá deva estar um pouco menos quente.
– Mas, e se precisarem novamente de mim? – respondeu ele.
– Se precisarmos, Ishiá pedirá à águia que o traga rapidamente.
– Não creio ser uma boa ideia essa separação.
– Também não gostaria de nos separar, mas temo pela saúde de vocês. Vão.
Nós iremos o mais rápido que conseguirmos.
Com relutância ele aceitou e em poucos instantes já se encontrava voando em
direção à margem com o lobo correndo logo atrás. Mais alguns instantes e não
podiam mais ser vistos.
– Devemos apressar nosso passo. Estou me sentindo como um legume sendo
assado junto às brasas.
Eles aumentaram a velocidade dos passos.
– Narhen, os três estão a salvo na margem. Zarthrus pede que nos
apressemos, pois a ponte se estreita no final.
Eles começaram então a correr na velocidade de um trote.
– Não! A ponte está se desfazendo. Zarthrus disse que temos de correr o mais
rápido que pudermos, a ponte está se desfazendo. Está cada vez mais estreita.
– Corra Mhirfun! Corra como jamais correu em toda sua vida! – disse ela ao
anão.
Os cinco dispararam o mais rápido que podiam sobre as rochas irregulares e
em pouco tempo avistaram o final.
A ponte por onde começaram a travessia tinha cerca de cinquenta metros de
largura, mas no final dela, parecia não ter dez e a cada instante, blocos de sua
lateral se soltavam e eram engolidos pela lava.
– CORRAM! DEPRESSA! – gritou o gnomo assim que os viu.
Não foi preciso um segundo aviso.
Eles corriam em fila com Ishiá na frente, seguida por Narhen, Galler,
Grendhel e Mhirfun a alguns metros mais afastados. Os quatro terminaram o
trajeto, mas ainda faltava cerca de cinquenta metros para o anão vencer, quando ele
tropeçou em uma pedra solta e caiu. A essa altura, a largura da ponte já havia se
reduzido à metade.
– Ele não vai conseguir. – disse Narhen.
Nesse momento, Grendhel e Galler se olharam e sem dizer uma única
palavra, largaram seus pertences e correram de volta em direção ao anão.
– VOLTEM! – gritou Ishiá, mas eles já estavam sobre a ponte.
O anão corria, mas não conseguia avançar muito rápido devido às suas pernas
curtas. Grendhel e Galler o alcançaram e segurando um em cada um de seus braços
o ajudaram a correr. Os três corriam o mais rápido que podiam, mas carregar o
anão era como carregar um grande bloco de pedra, porém, conseguiam correr mais
rápido do que Mhirfun sozinho. A distância ia diminuindo assim como a largura da
ponte. Uma rachadura se formou no meio da estrutura. Era agora ou nunca.
– Prepare-se para saltar meu amigo. Use toda a força de suas pernas. – disse
Grendhel e em seguida, sem diminuírem a velocidade, se lançaram no ar em
direção as duas jovens que os esperavam.
Elas os ajudaram a subir alguns lances de rocha e sentaram-se ofegantes
observando o que restava da ponte ser tragado para dentro da lava incandescente.
Depois de alguns minutos, alcançaram o gnomo e os outros dois amigos e, juntos,
seguiram em direção às paredes da cratera como Ziloun havia indicado.
Encontraram várias aberturas. Algumas muito estreitas até para Zarthrus passar e
outras suficientemente altas para que um homem por elas caminhasse sem se
abaixar.
Os integrantes ficaram lado a lado de frente para a parede.
– E agora, por onde devemos seguir? – falou Galler.
– Que tal se cada um pegar uma das entradas e verificar. – disse Grendhel. –
Quem obtiver sucesso comunica aos outros.
– Não podemos fazer isso. Não sabemos quanto tempo teremos de caminhar
até o outro lado e não sabemos o que encontraremos nos túneis. Devemos ficar
juntos. – disse Narhen.
– Por que vocês não tentam utilizar seus braceletes. – falou Grendhel. – Mâth
Thorn foi clara ao dizer que eles indicariam o caminho.
– Mas não sabemos como!
– Ela disse que aprenderiam a utilizá-lo. Acho que é um bom momento para
tentarem.
– Grendhel tem razão minha irmã. Temos que tentar.
– Mas, não tenho a mínima ideia de como começar.
– Pode ser idiotice, mas que tal se imaginar caminhando por uma passagem
para se encontrar com um dragão do outro lado? – disse Grendhel rindo. – Seria
dessa forma que eu tentaria.
– Não custa tentar. – disse Ishiá sorrindo.
– Está bem, vamos tentar.
As duas jovens deram as mãos e se concentraram, em pouco tempo suas
mentes estavam ligadas e ambas se viram sentadas no chão, no centro de um
grande salão circular, como o que encontraram no interior do templo. Havia
inúmeras portas idênticas.
– O que faremos, por qual porta devemos seguir? – perguntou Narhen.
– Não sei, são todas iguais.
– Vou tentar abrir uma delas e descobrir o que tem por detrás.
Narhen levantou-se para sair, quando seu bracelete e o de sua irmã emitiram
um grande brilho. A energia emitida por ambas as joias começou a circundá-las
impedindo que se afastassem.
– A energia está nos prendendo. Não consigo chegar até as portas.
– Então, sente-se novamente e vamos tentar o que Grendhel disse.
A jovem sentou-se novamente, mas a energia continuou a girar em torno das
duas. Ambas imaginaram uma grande porta aberta.
Nesse momento, todas as portas do salão se abriram e cada uma lhes mostrou
um ambiente diferente além de seus pórticos. Em uma viram uma montanha
coberta de gelo com caminhos íngremes. Em outras se viram no fundo de um lago
onde avistavam peixes e outros animais aquáticos ou locais tão secos e com um sol
causticante. Mas, em nenhuma delas, um dragão!
– Não existe um dragão. Mâth Thorn disse que o último morreu há milhares
de anos. Não temos como encontrá-lo se ele já não existe mais. – disse Narhen.
Ishiá voltou seu olhar novamente para a irmã e um pequeno brilho vermelho
junto a seu braço esquerdo chamou sua atenção.
– Minha irmã, você está enganada. Um dragão ainda existe e ele está com
você o tempo todo.
Narhen olhou para o bracelete que Galler lhe dera e viu que ele também
brilhava.
– É verdade. Ele já me protegeu de vários perigos. É como se fosse vivo.
– Mas aqui em nossas mentes ele realmente é vivo.
– Será que ele nos mostraria o caminho que devemos seguir?
– Não sei, mas quem saberia?
– Vamos tentar! Dragão, que me protege e me guarda. Por favor, mostre-nos
qual caminho devemos seguir para encontrar o mundo de seus semelhantes.
Assim que Narhen terminou de pedir, o dragão emitiu um grande brilho
prateado e começou a se desenrolar de seu braço como se fosse uma serpente. À
medida que se afastava ele crescia e voava em círculos como que nadando sobre a
energia dos outros dois braceletes. Ele ficou imenso e já ocupava grande parte do
salão. Ele voava perto das portas observando o que havia além delas. Depois de
alguns giros, ele subiu em direção ao teto para em seguida mergulhar em direção
ao chão, porém antes de se chocar com o piso, efetuou uma curva fechada e passou
entre as irmãs que podiam apenas observar. O dragão manteve a direção e
atravessou por uma das portas.
Nesse exato momento as irmãs despertaram de seu transe e se viram
envolvidas pelas energias dourada e azul dos braceletes dos deuses. As energias se
mesclavam e seguiam em uma direção. Sobre essa energia, flutuava outra prateada
que partia do bracelete do dragão. As três energias seguiam próximas à parede até
entrar em uma das cavernas.
– O que aconteceu com vocês foi incrível. – disse Grendhel. – Uma grande
energia as envolveu e algum tempo depois surgiu a figura de um imenso dragão
sem asas. Ele descreveu alguns círculos, como se estivesse pegando as outras
energias com as garras. Depois seguiu na direção daquela caverna.
– Então um dragão está nos mostrando o caminho. – falou Narhen. – Não
devemos deixá-lo esperando.
Todos seguiram para a caverna. No início, os humanos e o elfo tiveram de se
abaixar para caminhar, mas logo o teto subiu e puderam caminhar normalmente. A
energia dos braceletes dos deuses se dissipou, mas a do bracelete do dragão, não. E
embora tenha se estreitado, permaneceu como uma fina corda prateada a guiá-los
por um labirinto. A escuridão era total, exceto pelo brilho prateado da corda de
energia, e por isso Mhirfun logo tratou de acender duas tochas que trazia consigo.
A caminhada se mostrou demasiadamente longa, apesar do caminho ser bastante
regular. Seguiram até quando o cansaço foi mais forte que eles.
– Devemos descansar. Não sabemos por quanto tempo ainda
permaneceremos nessa caverna. – disse Galler.
– Tenho receio de que se dormir essa nossa corda salvadora desapareça. –
respondeu Narhen
– Se isso ocorrer, vocês duas a ativarão novamente. – concluiu Grendel.
Mesmo lutando para não dormir, no final, o sono venceu.
Quando acordou algumas horas depois, seu medo havia se tornado realidade.
Aos poucos os outros foram acordando.
– Ishiá, a energia do dragão se foi.
– Então vamos chamá-la novamente.
Não foi preciso muito. Quando elas se deram as mãos, os olhos do bracelete
brilharam e a energia prateada novamente indicou o caminho.
O grupo permaneceu naquela caverna por cerca de três dias, marcados pela
quantidade de vezes que acamparam.
Finalmente, após muito caminhar emergiram do lado externo de uma grande
montanha quando um novo dia despertava.
Nesse momento a linha de energia prateada desapareceu.
Realmente não estavam em seu mundo. Havia três luas no céu. Pelas
primeiras paisagens que viram, imaginaram que se tratava de um mundo árido e
rochoso, mas com pouco tempo de caminhada a paisagem mudou, revelando outras
paragens. Caminharam por horas, mas o sol parecia sonolento, pois tinha avançado
muito pouco pela abóboda celeste.
Com certeza, o dia daquele mundo era bem maior do que o de onde vieram.
Eles percorreram quilômetros enquanto ainda era manhã.
– Parem! – disse Ishiá. – Vamos descansar um pouco.
O dia aqui é muito longo. A impressão que tenho é que se estivéssemos em nosso
mundo, já teríamos caminhado um dia inteiro.
– Tudo bem. Mas, vamos primeiro encontrar algum abrigo antes de comer
alguma coisa e descansar.
Caminharam um pouco mais e encontraram uma pequena elevação, onde em
um dos lados, uma grande rocha havia se deslocado proporcionando na parede uma
abertura no formato de concha. A abertura estava protegida do sol e a temperatura
era agradável.
Depois de comer, Zarthrus se voltou para o grupo e disse: – Descansem
todos. Eu farei a vigília.
– Zarthrus, acredito que de agora em diante, não devemos ter apenas uma
sentinela. Os novos mundos são desconhecidos e não temos ideia do que nos
aguarda. Eu farei o primeiro turno com você. – falou Narhen.
– Narhen, você deve descansar e sua irmã também. É preciso que ambas
estejam refeitas para novamente indicar o caminho que devemos seguir.
Descansem. Eu farei o primeiro turno com Zarthrus. – disse Galler.
– Talvez tenha razão. Farei o que me pede.
Duas horas depois, Mhirfun despertou.
– Mestre Galler, farei a próxima vigília. Vá descansar, por favor!
– Obrigado!
– Mestre Zarthrus, poderia me responder por que nunca dorme?
– Não é verdade que não durmo, apenas é que eu e meu povo permanecemos
acordados por muito mais tempo que vocês. As plantas nos fornecem energia e
dessa forma não precisamos dormir demais. Mas chega um momento em que
precisamos de toda a energia disponível, quando estamos para mudar de fase em
nossa vida, quando precisamos ascender, nesse momento, nós dormimos. Podemos
dormir por até dois meses seguidos. Cada gnomo tem um tempo diferente, mas na
medida em que envelhecemos, podemos passar mais tempo acordados e até mesmo
escolher quando iremos dormir.
– Já faz muito tempo que não dorme?
– Por volta de cinco anos.
Com olhar espantado, Mhirfun não prosseguiu com a conversa.
Quando Narhen e Ishiá despertaram, Grendhel já estava em seu posto.
– Creio que dormimos demais. – disse Narhen.
– Vocês necessitavam desse descanso. – respondeu Zarthrus. – Estão
controlando muita energia.
– E por falar em energia. Ishiá venha! Vamos tentar encontrar o caminho!
As duas irmãs sentadas uma em frente à outra, deram as mãos e fundiram as
mentes. Tanto no mundo real, quanto em suas mentes, foram envolvidas pelas
energias dos três braceletes, porém no mundo mental, o bracelete do dragão
adquiria uma forma corpórea e as circundava com várias voltas de seu imenso
corpo, como se fosse uma serpente enrodilhada. Com seus olhos vermelhos ele as
observava como se estivesse aguardando por seu pedido.
Disseram juntas: – Dragão, nós lhe pedimos. Mostre-nos o caminho para o
nosso destino. Mostre-nos onde encontraremos o que viemos buscar.
O ser soprou sobre elas através de suas narinas, uma energia amarela como o
fogo, para em seguida desaparecer. O dragão desapareceu e onde ele estivera,
surgiu uma tela que formava imagens. Nela as meninas visualizaram um campo e
uma grande floresta de árvores imensas logo atrás. Depois, uma montanha com o
pico em forma de chaminé e coberto de neve. Na base dessa montanha havia uma
caverna e no seu interior uma escada de pedra. No topo da escada um grande salão,
em cujo centro havia uma torre e no seu topo, semelhante a um ninho, existia um
objeto dourado que brilhou para elas. Então o sonho se desfez e elas retornaram.
– Devemos seguir para nordeste. – disse Ishiá, assim que retornou.
Pouco tempo depois estavam novamente a caminho.
O sol já havia começado sua viagem em declínio pelo arco celeste.
Quando emergiram em Ehrvesth, não perceberam nenhum sinal de
vida, mas à medida que as distâncias eram percorridas, foram encontrando plantas.
Ehrvesth era um mundo estranho. Tudo era grande, desde o comprimento do dia ao
tamanho das plantas, como o da grama, que chegava até a cintura dos homens.
– Existe uma energia estranha, mas agradável. – disse Zarthrus, que se
mantinha nos ombros de Grendhel.
– Também sinto. – disse Ishiá. – Mas não consigo explicá-la nem indicar sua
origem.
– Ela emana de todos os lugares, do solo, das águas e principalmente das
plantas. – respondeu o gnomo. – Parece que estão nos dando as boas vindas. É
como se nos aguardassem.
Do ponto onde estavam, conseguiam avistar à direita o que parecia ser uma
floresta, ao centro um conjunto de montanhas de picos elevados e uma grande área,
que pela coloração lembrava-lhe um deserto, que começava bem próxima à base
das montanhas e seguia para a esquerda.
– Narhen, me parece que estamos indo na direção certa. Veja! – disse Ishiá
mostrando a floresta ao longe.
Caminharam até quando perceberam que o sol já havia percorrido dois terços
do ponto de zênite até a linha do entardecer.
Calcularam que esse percurso seria equivalente a vinte horas no mundo de
onde vieram. Com esse tempo de caminhada chegaram bem perto da floresta.
– É estranho, mas até agora encontramos apenas plantas. – disse Zarthrus. –
Pensava que por esse mundo ter sido habitado por dragões, deveriam existir outros
animais.
Afinal, eles deveriam se alimentar.
– Julgando pelo tamanho dessa vegetação, não estou muito interessado em
encontrar algum animal. – respondeu Grendhel.
– Mestre Grendhel, apesar de compartilhar do mesmo pensamento, devemos
encontrar algo que possa servir de alimento para nós e para os animais. Nossa
ração está próxima do fim.
– Se encontrássemos ao menos algumas frutas, isso já nos ajudaria muito. –
respondeu Zarthrus.
– Zarthrus, será que consegue se comunicar com essas plantas como fazia em
nosso mundo? – perguntou Narhen.
– Talvez assim consigamos algum alimento.
– Já tentei e não obtive resposta, apesar de parecer que me compreendiam.
Tentarei novamente, mas não aqui. Irei até às grandes árvores. Elas sempre me
respondiam, ao contrário das de menor porte.
– Creio que devemos descansar. A julgar pelo tanto que andamos, ainda falta
um bom trecho até as árvores.
Assim fizeram e, tiveram de caminhar todo o restante do dia para atingir a
margem da floresta. À medida que aumentava a quantidade de árvores, um
perfume de flores começou a ser sentido. E juntamente com o perfume, o zunido
de insetos que não tardaram a serem vistos. Mesmo com o tamanho maior das
plantas, os insetos não se mostravam muito maiores do que os do mundo anterior.
– Bem, pelo menos não teremos de nos preocupar demais com eles. – disse
Grendhel.
As flores de cores deslumbrantes também mantinham basicamente as mesmas
formas e tamanhos. Mas, as árvores eram muito maiores, comparadas com as de
Farthorn que tinham entre quarenta e sessenta metros de altura. Essas de Ehrvesth
pareciam ter no mínimo três vezes o tamanho daquelas do Oceano Verde.
– Vamos acampar aqui, antes de nos aventurar pelas árvores. – disse Narhen.
– Enquanto isso irei ao topo de uma dessas árvores. – disse o gnomo.
– Tome bastante cuidado! Será muito difícil alcançá-lo se precisar de ajuda.
– Não se preocupe, estarei bem. Levarei a águia comigo.
Zarthrus chamou a águia e juntos seguiram em direção às copas. Pouco
tempo depois que o gnomo partiu, um grito agudo foi ouvido ao longe, distante das
árvores. O som fez um fio gelado descer pelas espinhas do grupo.
– Quem será o dono desse grito? – disse Narhen. – Não parece que foi um
inseto.
– Espero que esteja se afastando. Não tive boa impressão. – respondeu Ishiá.
Passados mais alguns instantes e novo grito foi ouvido, porém mais baixo.
– Parece-me que está indo para longe de nós. – respondeu Grendhel. – Mas
por via das dúvidas, acho melhor acender uma fogueira. Os animais geralmente
têm medo de fogo.
Em pouco tempo a fogueira estava acessa e em um pouco mais o gnomo
retornou ao grupo.
– Então, Zarthrus. Conseguiu se comunicar com as árvores? – perguntou
Narhen.
– De certa forma, sim. Não me responderam às perguntas, mas senti que não
me queriam mal. Tentarei novamente, depois que estiverem descansados e
caminhando.
– E quanto àquele grito? De onde estava, conseguiu ver sua origem?
– Não, mas senti um arrepio e não gostaria de me encontrar com quem o
emitiu.
Após comerem algo, definiram a ordem das sentinelas que acompanhariam
Zarthrus e foram dormir. Apesar de relutantes, Narhen e Ishiá aceitaram que
deveriam manter suas forças e novamente não participariam da vigília. Algum
tempo após o grupo ter dormido e ainda durante a primeira vigília, Zarthrus ouviu
um ruído na vegetação próxima.
– Mhirfun, você ouviu?
– O quê? Não ouvi nada mestre gnomo.
– Não está ouvindo um ruído suave, como se alguém estivesse caminhando
com passos abafados e arrastando algo ao mesmo tempo?
– Hum... Não! Não estou ouvindo nada.
– Agora parou. Mas tenho certeza de que ouvi. Permaneça atento, vou
verificar.
– Mestre Zarthrus, creio que não seria prudente nos afastarmos,
principalmente sozinhos. Não conhecemos nenhum dos perigos desse mundo.
Deveríamos ficar todos juntos. É mais seguro.
– Preciso ver o que se trata. Pode ser que quando descobrirmos o perigo seja
tarde demais para uma reação.
– Então, seria melhor acordar os outros!
– Não. Talvez não seja nada importante e os acordaremos sem motivo. Espere
que retornarei depressa.
O Gnomo entrou na vegetação e desapareceu silencioso.
Mhirfun ficou apreensivo e sacou seu machado se aproximando da fogueira,
ficando de costas para ela. Não queria que a luz das chamas ofuscasse sua visão.
Cerca de vinte minutos depois, percebeu um leve movimento na direção onde o
gnomo havia desaparecido.
– Acordem! Acordem todos! Levantem-se. – disse Zarthrus entrando no
acampamento rápido como um raio.
– O que aconteceu Zarthrus? – perguntou o Anão.
– O que foi Zarthrus. – perguntou Narhen. – Qual é o problema? Parece que
viu um monstro.
– Foi exatamente o que vi! Rápido! Juntem suas coisas e fujamos para as
árvores!
Nesse exato momento o bracelete do dragão começou a brilhar e esquentou
tanto que parecia que iria queimar o braço de Narhen. Um novo grito foi ouvido
próximo. Era um grito agudo e um rugido ao mesmo tempo.
– Esqueçam. Larguem suas coisas e corram o mais rápido que puderem! –
gritou o gnomo.
O novo aviso de Zarthrus chegou tarde.

Uma fera semelhante a um lagarto, com mais do dobro do maior cavalo que
conheciam saltou no ar e passou por sobre algumas pequenas árvores pousando
bem em frente ao grupo. Ela tinha uma cabeça relativamente pequena em
comparação com o restante do corpo. Tinha os olhos amarelos e brilhantes como os
de um gato. Uma língua bifurcada saboreava o ar e saía de uma mandíbula repleta
de dentes pontiagudos.
Espinhos desciam por trás de um longo pescoço e seguiam pelo dorso do
animal até próximo ao final da calda que chicoteava o ar. O corpo era coberto de
escamas pontiagudas.
As patas dianteiras eram maiores que as traseiras, se fundiam com as asas,
que eram semelhantes às de um morcego.
Ambas apresentavam grandes e afiadas garras.
O ser os olhava do alto de seu longo pescoço enquanto escolhia qual deles
seria sua refeição. Todos do grupo expuseram suas armas, inclusive o lobo, com os
pelos eriçados e todos os dentes à mostra e a águia com suas asas e bico abertos.
– Que animal será esse? – perguntou Mhirfun. – Será um dragão?
– Não acredito. Mâth Thorn disse que o último morreu há milhares de anos. –
respondeu Ishiá.
O ser lançou a cabeça como uma serpente em direção à Grendhel que saltou
de lado no último instante. Ele tentou golpear o animal com o machado, mas esse
foi tão rápido quanto ele para se esquivar.
Nova investida, dessa vez sobre Galler que também saltou de lado.
– Ele está nos avaliando. – disse Narhen.
Então o ser mudou de tática. Ele emitiu um grito tão alto, que todos tiveram
de proteger os ouvidos com as mãos.
Galler, Zarthrus e o lobo, que tinham a audição mais apurada que os demais,
não resistiram e caíram ao chão.
O Monstro virou-se para Galler com a intenção de abocanhá-lo, mas Narhen
e Grendhel que se recuperaram e saltaram depressa na direção dele para defendê-
lo.
Aquela atitude deixou o animal indeciso. Todas as outras presas que ela
caçava tentavam fugir, mas essas não fugiam e ainda se uniam para se defender.
– Você está bem? – perguntou Narhen ao elfo enquanto ele se levantava.
– Meu ouvido está zumbindo, mas estou bem.
Novamente o bracelete do dragão brilhou e esquentou tanto que Narhen teve
de largar a espada e colocar a mão sobre a joia.
– O que foi Narhen? – perguntou Grendhel.
– Não sei! Parecia que o bracelete iria queimar meu braço. E a sensação não
quer passar. Isso nunca aconteceu antes!
– Ele está chamando sua atenção! Precisa descobrir o motivo. – disse Galler.
– Vamos nos agrupar novamente. – disse Grendhel.
Os três caminharam para perto dos outros sob o olhar do grande animal cuja
calda se agitava ainda mais. À medida que Narhen se aproximou de Ishiá, a
sensação de calor do bracelete diminuiu, enquanto as outras duas joias brilhavam.
– Vejam suas joias. – disse Zarthrus. – Todas estão brilhando. Devem se unir.
– Não podemos. Se fizermos isso estaremos vulneráveis! – respondeu
Narhen.
– Se não fizerem isso talvez nenhum de nós sobreviva.
– Façam o que Zarthrus disse. Nós as protegeremos. – disse Galler.
– Mas...
– Não percam mais tempo!
As duas se olharam e deram as mãos.
No mesmo momento, o grande animal agitou suas asas e deu alguns passos
em direção ao grupo na tentativa de separá-los, mas ocorreu o contrário. O grupo
se fechou ainda mais e gritando
foi em direção ao ser, que recuou.
Em seguida o grande lagarto arremessou sua cabeça contra eles que se
separaram e novamente se uniram brandindo suas armas. De repente, algo chamou
a atenção do ser, que se esqueceu dos homens aos seus pés.
Zarthrus olhou para trás e gritou aos outros: – Recuem! Voltemos para junto
de Narhen e Ishiá.
Eles caminharam de costas sem tirar os olhos do monstro. A energia que fluía
das três joias se mesclou e cresceu, tornando-se bem maior que o ser que os
atacava. Então, uma forma começou a surgir. Era semelhante ao próprio monstro,
porém sua cabeça era mais proporcional ao corpo.
De sua cabeça saiam espinhos que a contornavam. Na ponta do focinho havia
um chifre. Com a boca aberta, inúmeras presas afiadas podiam ser vistas. A
imagem de energia ficou de pé sobre as patas traseiras, mostrou as garras enquanto
abria suas imensas asas. Suas escamas eram pateadas com nuances de azul e
dourado.
O ser verdadeiro também se ergueu nas patas traseiras, mas era muito menor
do que a imagem formada. Ele rugiu desafiando, mas a imagem arreganhou a boca
e dela saiu um jato de energia dourada, semelhante às chamas da fogueira em
direção ao menor. Este por sua vez saltou ao ar se desviando das chamas e bateu
suas asas com a maior velocidade que pôde, para fugir, temendo virar sua presa.
Quando já estava distante, a energia se dissipou e o grande ser prateado
desapareceu.
– Foi uma grande ideia de vocês manipularem a energia para formar um
monstro maior que o primeiro e o afugentar.
– disse Grendhel.
– Não sabemos exatamente como aconteceu. – disse Ishiá. – Ainda há muito
a descobrir sobre esses braceletes.
– Então, não foi intencional?
– Não tenho certeza! – disse Narhen. – Quando conectamos nossas mentes, o
dragão surgiu em nossa volta e ficou nos observando. Parecia que aguardava uma
ordem nossa, mas não sabíamos o que fazer. Nós podíamos sentir a presença de
vocês, seus medos pela criatura e a convicção em nos proteger. Sentimos que a ira
do monstro estava aumentando e que não tardaria a se lançar de uma vez por todas
contra nós. Então, uma única palavra se formou em nossos pensamentos. Dragão.
Nesse momento a energia dos braceletes dos deuses formou um rodamoinho e a
energia prateada do dragão deslizou sobre as outras duas subindo em espiral.
De repente, ele se lançou para fora do vórtice diretamente para baixo. Ele
passou por nós, para em seguida, fazer nova curva e subir pelo centro do
rodamoinho onde estávamos.
Assim que ele se aproximou, abriu sua boca e nos engoliu. A partir daí,
passamos a fazer parte dele e conseguimos ver o que estava ocorrendo com vocês.
– Nossa mente se expandiu e pareceu que crescíamos. Então, percebemos que
estávamos nos transformando em outro ser. Em um dragão. Sentimos uma força
enorme e nós fazíamos parte dela.
– Foi quando aquele animal rugiu tentando nos ameaçar. Pudemos sentir o
medo crescente dentro dele e percebemos que mesmo apavorado ele iria atacar, na
tentativa de se defender.
– Então, sentimos uma fúria crescendo em nosso íntimo, por perceber o que
poderia acontecer com vocês se ele atacasse. Aquela sensação chegou até nossa
garganta e então, ao abrir a boca, uma chama saiu dela.
– Não sabíamos o que iria acontecer, somente desejávamos que a criatura se
sentisse amedrontada e fugisse.
– De qualquer maneira, foi incrível. – disse Grendhel.
– Acredito que com o susto ele não voltará aqui por algum tempo.
– Agora, Zarthrus. Onde você foi que encontrou com aquele monstro? Você
se arriscou demais e também nos colocou em risco. – disse Galler.
– Eu não fiz isso. Todos nós já estávamos em risco. Eu ouvi um ruído de
passos abafados e de algo sendo arrastado sobre a vegetação. Mhirfun não ouviu e
achei melhor verificar antes que o perigo nos alcançasse. Saí na direção do som, e
caminhei por alguns minutos. Então, vi aquele ser que farejava o ar e vinha na
direção do acampamento. Fiquei o observando de longe para não ser visto, mas
alguma coisa o alertou sobre minha presença. Ele parou de provar o vento e olhou
diretamente para mim. Fiquei imóvel, mas ele começou a se aproximar com os
olhos fixos em mim. Meu sangue gelou e não tive outra opção senão correr o
máximo que podia. Por mais que tentasse, não consegui despistá-lo. Ele não seguia
meu cheiro, pois mesmo que o vento soprasse em minha direção, ainda assim, ele
vinha direto a mim. É verdade que o monstro me seguiu, mas ele já estava vindo
para o acampamento.
– Talvez ele estivesse sentindo seu medo e o seguindo. – disse Grendhel.
– Pode ser, mas ele seguia em direção ao acampamento antes mesmo de
sabermos de sua existência.
– Penso que Grendhel esteja certo. Quando eu e Ishiá estivemos ligadas no
dragão prateado, pudemos sentir seus medos. É provável que esse animal também
possa. Quando ouvimos seu grito pela primeira vez, ficamos temerosos em
encontrar com a fera que o emitiu. Esse temor pode tê-lo atraído para nós.
– Mas, ouvimos em seguida outro grito mais distante. Ele estava se afastando.
– É verdade, mas poderia haver outro desses monstros mais próximos e nos
sentiu.
– É possível, então, que tenha sido eu o responsável por indicar o caminho ao
monstro. – disse Mhirfun. – Aquele grito não saía de minha cabeça enquanto
estava de sentinela.
– Não se culpe meu amigo. Todos nós tivemos o mesmo sentimento. –
respondeu Ishiá.
– Deve ser assim que ele busca sua presa. Ele emite um de seus gritos
causando medo na presa e então ele a segue até encontrá-la. Devemos nos manter
bastante alertas. Sempre que os ouvimos, devemos procurar distrair nossas mentes
com outras coisas para não atraí-los. – disse Narhen. – Creio que será difícil voltar
a dormir. Que tal levantar acampamento e seguir mais um pouco? Quando o
cansaço retornar, voltamos a descasar.
O grupo concordou, todos recolheram suas coisas e apagaram a fogueira.
Estavam para seguir viagem quando foram novamente surpreendidos. Vários
outros seres, camuflados com a vegetação surgiram de todos os lados. Tinham o
aspecto humano. Suas alturas ficavam entre os anões e os homens. Eles portavam
lanças, machados de pedra, fundas e um tipo diferente de arma que arremessava
lanças menores semelhantes a flechas.
Eles os cercaram com amas em punho.
O grupo se fechou em um círculo. Grendhel levou a mão ao cabo de sua
espada e imediatamente inúmeras das armas que os cercavam se voltaram para ele.
– Grendhel, nem pense nisso! Largue sua arma lentamente. – disse Galler.
Embora relutante, ele obedeceu. O lobo estava com os caninos à mostra, mas
Narhen lhe pediu que se acalmasse. Logo em seguida, um dos homens saiu da
fileira bem em frente à Mhirfun e Narhen e se aproximou.
– Othos aimhur igihet amstruir. Adda girthrut ihntuo mirzung stoir rafherr
murrar od querhir drumgst eithan.
O– thos aimhur igihet amstruir. Adda girthrut ihntuo mirzung stoir
rafherr murrar od querhir drumgst eithan.
– O quê? Não consigo entendê-lo. – disse Narhen.
– Se entendi corretamente, ele disse algo como, serem do povo da floresta.
Que não querem guerra com os que trazem o grande dragão.
– Como você...
– É certo que a pronuncia está um pouco diferente, mas com certeza é a
língua arcaica dos anões.
– Diga-lhes que buscamos a paz dos mundos. E não queremos guerrear com
ninguém.
– Faz muito tempo que não ouço ou falo dessa forma, mas vou tentar.
Mhirfun respirou e procurou em sua mente as palavras corretas.
– Othos nihor mirzung aimhur igihet. Othos pejuihr sthrump odai chormac.
– Siu apohc neir uda Tahirek, gorthiac iidu Krufindhor.
– Ele disse que é descendente de Tahirek, comandante de Krufindhor.
– Diga que viemos em nome dos descendentes de Krufindhor.
– Othos ivhec oin tuc apohc neir krufindhor. Ao ouvir isso o homem sorriu
e fez sinal aos outros que baixassem as armas.
– Ighiaist. Ighiaist.
– Ele disse que somos amigos.
O homem que lhes falava aproximou-se sorrindo e disse: – Adda Ighiaist odai
iheda adeir!
– Ele está dizendo: Que meus amigos tenham paz e felicidade!
– Quais são as palavras para: “Que meu amigo tenha fartura e prosperidade”?
– Adda Ighiaist odai jamhur yi thleviang!
Narhen repetiu as palavras de Mhirfun para o homem que sorriu ainda mais.
Depois disso todos os outros se aproximaram e os abraçaram sorrindo.
– Oddaehr Ighiaist odai cumssyir etia igihethar amstruir.
– Ele está nos convidando a ir ao seu povoado na floresta.
– Diga que nos honraria muito.
– Riumbhst omhriist.
– Oadhê. Oadhê. – disse o homem gesticulando para que o acompanhassem.
Narhen, Ishiá e Mhirfun seguiram ao lado do homem e os outros logo atrás
com o restante dos homens da floresta na sequência. Caminhavam há algum tempo
quando Ishiá falou.
– Narhen, enquanto estudava para ser uma sacerdotisa, fui instruída em uma
arte estranha, da qual nunca pensei me utilizar. Trata-se de um tipo de magia, a
partir da qual canalizamos nossa energia entre duas pessoas que falam línguas
diferentes e que uma não entende a outra. Dessa forma, as duas pessoas conseguem
se entender conversando em sua própria língua.
– Você quer utilizar esse ensinamento em quem?
– Em todos nós e no povo da floresta. Assim poderemos todos nos entender.
– Você acha que tem energia suficiente para isso?
– Sozinha não, mas se nos unirmos talvez consigamos.
Quando estamos ligadas nossas energias são muito maiores do que a nossa
individual.
– E o que devemos fazer então?
– Primeiro vamos pedir o consentimento.
– Mhirfun, por favor, peça ao... Não sabemos o nome de nosso anfitrião.
– Perguntarei.
– Addoe nimbhaur?
– Ingth. Zhaibor.
– Disse: “Não! Depois!”.
– Por enquanto, essa será nossa resposta. Vamos esperar até chegarmos ao
povoado.
Por cerca de duas horas seguiram em meio de imensas árvores, que de tão
largas seriam necessárias algumas dezenas de pessoas para abraçá-las. À medida
que percorriam uma trilha que não conseguiam enxergar, perceberam que os
aldeões ficavam mais relaxados. Perceberam também como era bela aquela
floresta. Apesar das árvores serem maiores que as de Farthorn, o interior daquela
floresta era muito mais iluminada, fresca e tinha menor umidade. O perfume das
árvores era fascinante.
Passou-se mais meia hora e então chegaram a um grupo de árvores
relativamente mais largas e altas e também mais próximas uma das outras. Junto às
raízes, visualizaram portas que se abriram quando eles se aproximaram. Por uma
delas saiu um homem mais velho, vestindo uma roupa feita de um couro estranho.
Ele tinha o cabelo preso como um rabo de cavalo e trazia um cajado feito de uma
madeira branca com uma grande pedra presa na ponta. Dependendo da direção em
que a luz incidia, a pedra mudava de cor.
– Adda Ighiaist odai iheda adeir! – disse ele estendendo os braços a todos.
– Adda zhiu moargh iheda adeir! – responderam os homens.
– O que eles responderam? – perguntou Narhen.
– Que a paz e a prosperidade habitem em sua morada! – respondeu o anão.
Em seguida o homem que os levou até ali se aproximou do anfitrião.
– Ighiaistair.
O velho olhou para o grupo, observando um a um.
– Oadhê! – disse e se virou para a abertura.
Eles o seguiram e ficaram admirados, pois o interior da árvore era oco e havia
uma escada que subia seguindo a parede interna. Estranhamente, o interior não era
escuro. A parede da árvore emitia uma luz que fazia a parte interna ter a mesma
claridade do crepúsculo.
Enquanto subiam através do vão interno, viram como as madeiras que
sustentavam aquela cidade suspensa eram trançadas e como as moradias eram
construídas, umas sobre as outras, mas intercaladas, ora de um lado, ora de outro.
A partir de determinada altura, o oco da árvore terminava, mas a escada continuava
em outra abertura. Seguiram por ela e se encontraram em uma passarela no meio
da copa da árvore, que a ligava outra e, vindas de diferentes copas outras
passarelas, formando uma rede de caminhos aéreos.
Seguiram por esses caminhos até que chegaram ao ponto onde vários
caminhos convergiam. Esse local era coberto por um emaranhado de cipós grossos
o suficiente para impedir qualquer acesso pelo alto. As únicas entradas se situavam
exatamente onde os caminhos se encontravam. Ao entrarem, se viram em um
imenso salão, e ao invés de uma nova entrada, havia na verdade, uma espécie de
trono muito rústico e sem ostentação. Caminharam até lá, onde o velho se sentou e
fez sinal para que os outros também se sentassem no chão a sua volta.
O ancião então falou em uma língua diferente da primeira que ninguém
entendeu, exceto o homem que os levou até ali e que passou a servir de intérprete.
Por sua vez, Mhirfun traduzia para o restante do grupo. Descobriram que o
ancião chamava-se Ephoes e era o líder daquele povo e que o homem que os levara
chamava-se Oathu e era uma espécie de capitão, um líder de caça.
Narhen apresentou todo o grupo ao velho líder e tentou explicar o motivo de
eles estarem naquele mundo, mas a conversa estava difícil, pois, apesar de Mhirfun
falar um pouco da língua arcaica dos anões, várias palavras eram incompreensíveis
para ele. Ela então solicitou ao rei a permissão de usarem a magia na tentativa de
se entenderem melhor. O homem a analisou profundamente, afinal, ela era uma
completa estranha e queria usar magia sobre o seu povo.
Ele estava relutante em permitir, quando Oathu sugeriu que a magia fosse
utilizada nele primeiro. O rei concordou e disse que se nada de mal ocorresse,
poderiam expandir a magia a todo o povoado, mas se algo de ruim acontecesse,
eles não viveriam para ver um novo nascer do dia. Elas concordaram e, como
prova de que cumpririam a palavra, entregaram suas armas.
Ishiá, então, se aproximou de Oathu e de olhos fechados invocou sua energia.
– “Mãe Terra, irmã árvore, irmão rio e Pai Solar, me emprestem sua energia
para que os pensamentos que eu expressar por minha boca sejam compreendidos
por meu irmão. E que os pensamentos que ele expressar por sua boca sejam
compreendidos por mim.” – pensou ela.
Em seguida, ela estendeu os braços semiabertos em direção a Oathu e deles
saiu uma energia luminosa que o envolveu.
Ishiá abriu os olhos e disse: – Eu me chamo Ishiá. Qual é seu nome?
– Oathu. – respondeu ele.
Um grande sorriso surgiu no rosto de ambos. A magia funcionara.
Com a permissão do rei, Narhen e Ishiá encostaram-se uma nas costas da
outra e conectaram suas mentes. A energia dos braceletes dos deuses brilhou e as
envolveu. Mentalmente Ishiá disse à irmã o que deveria fazer e juntas recitaram a
mesma sequência de palavras. Ao terminarem, abriram os braços até que suas mãos
se tocaram. A energia se expandiu em todas as direções e banhou todos os
moradores daquele povoado e também os participantes de seu grupo. Quando
abriram os olhos, a energia se dissipou.
Elas olharam para o rei que disse: – A energia que nos enviaram era quente e
acolhedora.
– Obrigada! – responderam.
Todos se entenderam sem a necessidade de intérpretes.
A conversa se estendeu por várias horas, enquanto Oathu contava sua história
e ia explicando o porquê de apenas ele conhecer a fundo a língua antiga. Ele era o
único que conhecia a língua dos anões. Esse conhecimento foi passado de pai para
filho por gerações, desde a época em que Tahirek, foi deixado para trás por
Krufindhor, quando este teve que retornar ao seu mundo, antes que a passagem se
fechasse. O líder dos anões também havia se ferido e não tinha condições de
socorrer a todos sendo obrigado a abandoná-los nesse mundo. Apesar disso, deixou
apenas os que estavam à beira da morte.
Tahirek foi o único encontrado ainda com vida pelo povo da floresta. Por
vários dias sua vida equilibrava-se sobre a ponta afiada de uma lança segura pelo
fio de uma aranha. Muito lentamente se recuperou. Quando recuperou a
consciência, sentiu-se traído por seu rei, mas ao poucos, a razão retornou a sua
mente e ele percebeu que Krufindhor não teve outra escolha. A jovem Onishua que
cuidou de seus ferimentos até que ele se recuperasse tornou-se sua esposa. Eles
tiveram dois filhos, uma menina chamada Anishua e um menino de nome
Tahirekir.
Onishua morreu poucos meses depois do segundo parto. Tahirek passou a
cuidar sozinho dos filhos, pois pelo costume do povo da floresta, apenas os pais
podem cuidar de seus filhos. Se ambos os pais morrerem antes que os filhos
consigam sobreviver sozinhos, também eles estarão fadados a morrer. Tahirek se
mostrou muito eficaz e ambos os filhos se tornaram adultos. Tahirek acreditava que
um dia talvez, algum outro anão pudesse chegar àquele mundo e, por isso, ensinou
sua língua aos filhos e os orientou para que eles também passassem o aprendizado
da língua dos anões para as gerações seguintes.
Quando a jovem Anishua estava para se casar, Tahirekir querendo presenteá-
la com uma coroa de flores de Girhietis, uma trepadeira que existia apenas nas
montanhas dos dragões e que permaneciam viçosas por anos a fio, desobedeceu ao
pai e foi sozinho em busca do presente. Tahirek descobriu o feito e foi atrás do
filho porque conhecia os grandes perigos daquela região. Quando finalmente o
encontrou, ele estava acuado por um Izmhur, o mesmo ser que atacou vocês,
viajantes, em seu acampamento. Tahirek precisava salvar o filho e na tentativa de
salvá-lo pereceu sob as garras do monstro.
Tahirekir presenciou toda a luta e viu quando o monstro voou para longe
levando o corpo inerte de seu pai. Conseguiu sair de seu esconderijo e retornou a
duras penas para o povoado, pois também estava bastante ferido. Ele relatou o que
havia acontecido, mas não resistiu aos ferimentos nem à culpa de ter causado a
morte de seu pai. A tristeza foi grande na aldeia, pois Tahirek era muito querido
por todos. Alguns meses depois Anishua se casou e desse casamento nasceu apenas
um menino ao qual ensinou a língua dos anões como seu pai pedira. E assim, a
língua de Tahirek foi passada sucessivamente por inúmeras gerações.
_ Devemos agradecer a Tahirek e sua esperança de ser encontrado por seu
povo, a possibilidade de sermos encontrados por você e seu grupo. – falou Ishiá a
Oathu.
Enquanto conversavam, um grande banquete lhes foi preparado. Sobre uma
grande mesa de pernas curtas foram depositados vários pratos com cogumelos
recheados e assados, frutas cruas e cozidos de legumes e vários tipos de carne.
Preparadas de formas variadas, algumas cozidas com ervas que lhes realçavam o
sabor, outras assadas e regadas com mel ou geleias de frutas, além de pães e bolos.
Havia também panelas com guisados e jarras com vinhos e sucos de frutas.
Trouxeram para o lobo um grande pedaço de carne crua que Mhirfun tratou de
dividir com a águia.
Depois da refeição, Oathu os levou aos aposentos que lhes foram destinados,
onde todos exceto Zarthrus se recolheram. Ele queria saber mais sobre aquele povo
e sobre os diferentes tipos de alimentos servidos, principalmente sobre os
cogumelos.
Quando as duas irmãs despertaram algumas horas mais tarde, foram levadas
ao encontro com Ephoes que as aguardava conversando com Zarthrus.
– Vejo que suas energias já se recompuseram.
– Em parte, a cama de vocês tem um perfume agradável. Nos convida a
permanecer por mais tempo entregue ao mundo dos sonhos. – respondeu Ishiá.
– São preenchidas com as folhas de uma planta especial que exala esse
aroma. Além de ser relaxante, traz tranquilidade aos nossos sonhos, expulsando os
pesadelos.
Eles caminharam pelas passarelas entre as árvores, apreciando a magnífica
vista e a quantidade de pássaros do lugar, cada um mais colorido que o outro.
– Seu povoado é muito diferente dos nossos. – disse Narhen. – Nossas casas
são individuais e construídas no chão.
– No passado, nosso povo também vivia no solo, em cabanas. Habitávamos
uma região muito distante daqui. Nossos ancestrais viviam em uma região muito
depois do grande deserto de Thimaús e, além da grande água, depois dele. Lá havia
muita comida. Cultivávamos o solo e criávamos grandes rebanhos. O povo tinha
tanta fartura que não caçava e não tocava nas florestas além do estritamente
necessário. Com tanta fartura, o povo cresceu, famílias se multiplicavam em
números. Sem que percebessem, foram utilizando cada vez mais as florestas e elas
foram reduzindo. Aproveitavam os locais onde não mais havia árvores para
cultivar.
Mas, chegou um momento que a produção de alimento não era mais
suficiente para todo o povo. O solo se cansou e passou a produzir cada vez menos.
Sem opção, passaram a caçar e as grandes florestas praticamente já não existiam,
ficando apenas pequenos bosques. Os animais foram mortos ou fugiram para
lugares distantes. O solo secou e uma imensa fome tomou conta do povo. O povo
pacífico passou a guerrear pela comida e pela água que, além de preciosa, era
considerada sagrada e se tornou motivo de disputas. Não era possível beber da
grande água, porém dela se retirava muito alimento como peixes e algas.
Com o aumento do povo, até esse alimento ficou escasso. Nesse ponto, os
homens que tiravam seu sustento da grande água, estavam sendo forçados a ir cada
vez mais longe em busca de alimento. Então, não suportando mais a pressão e as
ameaças decidiram fugir com suas famílias e com as famílias dos amigos, em
busca de outra terra para viver novamente em paz. Em silêncio planejaram. Em
determinada data, uma centena e meia de embarcações fugiu durante a escuridão,
levando cerca de cem pessoas em cada uma e todo o alimento que puderam estocar.
Não tinham a menor ideia até onde chegariam, pois ninguém havia navegado para
tão longe.
O tempo foi passando e o alimento que levaram se acabou, passaram a viver
do que conseguiam pescar e da água da chuva que conseguiam recolher. Muitos
morreram na viagem. Tinham que continuar em frente, pois já não havia mais
condição de retorno. Então, depois de longo tempo no mar, avistaram novamente
uma margem onde aportaram. Havia uma uma pequena faixa de árvores, onde
encontraram água para reabastecer, mas não havia alimento. Depois das árvores
havia um deserto que não podiam atravessar. Tinham de continuar seguindo em
frente. Abasteceram os barcos com toda a água que puderam e continuaram
seguindo a costa.
Em certa noite, uma grande tempestade pegou as embarcações desprevenidas.
As ondas enormes e o vento impiedoso jogaram os navios nas pedras. Um pouco
menos da metade das embarcações havia conseguido atravessar a grande água, mas
nenhuma delas suportou a tempestade. Muitas pessoas morreram. De todos os que
começaram a grande viagem, apenas cerca de duzentos sobreviveram. Eles
passaram viver numa pequena floresta na margem do deserto. Não havia água no
solo, mas chovia todos os dias, portanto ela não faltava, mas comiam apenas o que
conseguiam pescar. Precisavam encontrar outro local e para isso teriam de
atravessar o deserto.
Do ponto onde estavam, conseguiam avistar uma cadeia de montanhas. Era
para lá que iriam. Durante algum tempo, secaram parte dos peixes que conseguiam
e os estocaram. Quando conseguiram o que achavam ser suficiente e que
conseguiam transportar, seguiram em direção às montanhas viajando durante as
longas noites e se abrigando como podiam durante os dias. Dessa vez todos
concluíram a travessia. Chegaram às montanhas e encontraram cavernas suficientes
para abrigar a todos. Havia sobrado uma boa quantidade de peixe seco que daria
para alimentá-los por vários dias enquanto procuravam por locais mais
hospitaleiros. Porém, eles não sabiam que naquela região existiam grandes e
ferozes predadores, dragões. O cheiro do peixe seco atraiu o monstro e num
entardecer, enquanto descansavam, ele chegou silencioso. Uma menina chamada
Isyuê brincava perto dos peixes.
O dragão ficou observando aquela pequena criatura estranha que ele nunca
havia visto. O pai da menina despertou e viu aquele ser imenso, coberto de
escamas, com garras e presas imensas e, temendo por sua filha, atacou o monstro.
O ser alado se defendeu lançando o homem longe. Ele estava para devorar o
homem, quando a menina gritou pelo pai. Ao ouvir a criança gritando pelo pai o
dragão parou e olhou para ela que correu e abraçou o pai caído. Alguma coisa
aconteceu, pois o ser recuou alguns passos e não atacou.
A mãe da menina viu o que aconteceu e quando outros homens vieram em
defesa dos dois, o dragão abocanhou parte do peixe e se lançou ao céu. Os homens
decidiram que ali era muito perigoso e voltaram a se mudar. Dessa vez, vieram
para a floresta. Aqui o monstro não poderia voar e os homens teriam como se
defender. O pai da menina morreu e ela se tornou adulta. Mas aquela lembrança do
dragão não ter devorado seu pai e a imagem dos olhos da criatura que pareciam
admirados com o que viam não saia de sua mente. Ela falou várias vezes sobre as
lembranças que tinha, com a mãe, no entanto, ela a proibia de voltar às cavernas.
Porém a curiosidade foi maior e um dia ela fugiu, na tentativa de solucionar a
dúvida que a atormentava. Por que o monstro não a devorou? Ela retornou até a
caverna, mas não encontrou nenhum vestígio da criatura, então pensou que ele
devia habitar no alto das montanhas e começou a vagar por elas em sua busca.
Muito tempo se passou e certo dia, enquanto passava por um grande vale entre as
montanhas, ouviu um grito que gelou seus ossos. O medo tomou conta de sua
mente quando ela viu dois seres bem menores que a criatura que vira quando
jovem, mas com aparência muito mais terrível. Isyuê tentou fugir e se esconder,
mas as criaturas sempre seguiam direto até ela.
Correndo o máximo que pode, chegou a uma pequena caverna onde os dois
seres não conseguiam entrar. Não havia outra saída e os monstros começaram a
cavar aproximando-se dela pouco a pouco. Quando imaginava que seria o seu fim,
escutou um grande rugido. Os dois seres se voltaram e se lançaram ao ar rugindo
em desafio. Isyuê saiu a tempo de presenciar uma batalha no céu. Os dois que a
caçaram estavam agora lutando com a criatura de sua lembrança. Com uma rajada
de fogo lançada de sua boca, a criatura maior derrubou uma das outras duas, que
caiu para a morte, enquanto a outra fugiu. A jovem não se escondeu quando a
imensa criatura a viu e se dirigiu até ela pousando bem na sua frente.
A criatura era tão magnífica que Isyuê trocou o medo pela admiração. A fera
a observava da mesma forma. Uma pergunta se formou na mente da jovem. “Quem
é você, que não me devorou quando era jovem e que me socorreu agora?” Para
espanto de Isyuê ela ouviu: “Sou Amorrtugharr. Sou um dragão.” A criatura
conversava através da mente.
Passado o espanto, Isyuê perguntou: – “Por que não me devorou quando eu
era mais jovem?” – “Porque, caço apenas seres sem inteligência, que utilizam
apenas o instinto para sobreviverem. Além do fato de nunca ter visto ninguém de
sua espécie.”
Eles conversaram por muito tempo e Isyuê ficou sabendo que já não existiam
tantos dragões como no passado. Algo estava mudando. Eles estavam morrendo e
não sabiam por quê. Ao mesmo tempo em que os Izmhur estavam aumentando,
pois haviam poucos dragões para controlá-los. Por fim, descobriram o mal que
causava as mortes dos dragões. Porém não conseguiram exterminá-lo. O local onde
a fonte do mal se encontrava e da qual nenhum dragão podia sequer se aproximar,
pois morreria, estava após uma passagem estreita e profunda no fundo de uma
caverna. Isyuê contou-lhe então a história do que acontecera ao seu povo. Da fuga
pela grande água e tudo o que passaram para que tivessem uma nova chance de
sobrevivência. Sem medo, ela pediu para que ele indicasse o local da fenda, pois
queria ajudá-lo em retribuição por ser salva dos Izmhur.
Como não era um dragão, a magia não iria prejudicá-la. Amorrtughar
percebeu sinceridade em suas palavras e a levou até o local mais próximo que
poderia chegar. Isyuê escalou uma trilha íngreme e entrou em uma grande caverna
e logo encontrou a fenda na rocha. Uma energia maligna exalava de sua entrada,
junto com um cheiro de morte. Por mais que tentasse, ela não conseguiu penetrá-la.
E a cada tentativa sua energia era minada. Mesmo distante, o dragão mantinha seu
contato mental com a jovem e pediu para que ela desistisse, pois se continuasse,
também ela morreria. Isyuê disse que encontraria uma maneira, mas desfaleceu
sem forças.
Temendo pela morte da jovem, o dragão transferiu parte de sua energia para
ela. Nesse momento, algo aconteceu. Isyuê teve uma visão. Uma profecia surgiu
em sua mente e na de Amorrtughar. “Somente os humanos que carregassem a alma
de um dragão poderiam terminar com o mal. Somente eles poderiam fechar a fenda
definitivamente. Somente esses humanos poderiam restabelecer a vida e força dos
dragões trazendo novamente o equilíbrio a esse mundo”. Isyuê despertou e saiu da
caverna.
Devido à sua atitude, uma grande amizade surgiu entre Amorrtugharr e Isyuê
e ela foi levada de volta em segurança ao seu povoado onde os habitantes ouviram
todo o seu relato. Em concordância com o líder do povoado, o dragão disse um
juramento em sua língua mágica. “A partir daquele momento nenhum humano nem
dragão precisaria temer um ao outro, mesmo os que ainda não tinham nascido.
Caso alguém de uma das raças quebrasse esse juramento, ele deveria ser trazido
por seu próprio povo e entregue ao outro para ser julgado e ter sua sentença
executada.”
A partir daí, os dragões mantiveram os Izmhur longe dos humanos. E o
povoado voltou a crescer, mas os dragões continuavam a morrer. Eles perceberam
que seus ovos tinham uma proteção contra o mal e em uma tentativa desesperada,
lançaram sua magia sobre os ovos, para que eclodissem apenas quando o mal fosse
extinto e transferiram a energia de todos para um único dragão. O mais jovem de
todos para que vivesse e tivesse a chance de auxiliar para que a profecia se
concretizasse. O nome do dragão era Èhssthril.
Depois que Oathu contou-me o que as viu fazer, a profecia que foi passada
por gerações a todos os líderes de meu povo me veio à mente. Temos certeza de
que são vocês que restabelecerão o equilíbrio a esse mundo.
– Mesmo que não sejamos nós, faremos o possível para ajudar. – respondeu
Narhen.
Mais uma vez o destino se descortinava frente às jovens. O destino de ajudar
não apenas seu mundo, mas também a esse. O que mais o futuro lhes reservaria?
Narhen e Ishiá se reuniram com o restante do grupo e contaram-lhes
tudo o que Ephoes havia dito.
– Precisamos encontrar uma forma de ajudá-los. – disse Narhen ao final.
– Mas, por acaso ele têm ideia da localização da fenda ou mesmo dos ovos
dos dragões? – perguntou Grendhel. – Não podemos nos atrasar demais em nossa
tarefa.
– Zarthrus, eu e Narhen acreditamos que esta também seja parte de nossa
tarefa. Não poderemos ajudar na libertação de nosso mundo se não ajudarmos
também nesse.
– Bem, analisando o que disseram, a fenda fica na cadeia de montanhas. –
disse Galler.
– O problema é onde. A julgar pelo tamanho de tudo nesse mundo em que
estamos, as montanhas que vimos também serão extensas. – falou Grendhel. – Será
o mesmo que procurar por um grão de ouro no meio do deserto. Talvez nunca
venhamos a encontrar.
– Talvez não, mas tentaremos utilizar nossa energia nessa localização. – disse
Narhen.
– Rogo aos deuses que consigam. – disse Zarthrus.
– Creio que se encontrarmos a fenda e conseguirmos fechá-la, os ovos dos
dragões eclodirão e os dois problemas estarão resolvidos. – disse Ishiá.
– Não seja tão otimista! – disse Grendhel. – Os dragões eram predadores e se
alimentavam de caça. Provavelmente também cuidavam de seus filhotes. Se
fecharmos a fenda antes de localizarmos os ovos, eles eclodirão apenas para os
bebes morrerem de fome ou serem devorados pelos Izmhur. Temos que localizar os
ovos e colocá-los seguros com o povo da floresta para que sejam cuidados até que
consigam se cuidar sozinhos e só depois é que devemos tentar fechar a fenda.
– Mestre Grendhel tem razão. Não podemos simplesmente abandonar os
dragões à sua própria sorte.
– Devemos conversar com Ephoes a esse respeito. Não podemos tomar essa
decisão por eles. – disse Narhen.
– E se eles se recusarem a tratar dos dragões? – perguntou Grendhel.
– Não creio nisso. Eles têm um juramento na língua mágica dos dragões e
devem muito a eles pela proteção do passado. – concluiu Narhen. – Vamos marcar
uma audiência com Ephoes e Oathu.
Ao se encontrarem com ambos no salão nas árvores, expuseram os fatos.
– Como esperam que cuidemos de filhotes de dragões. Eles eram enormes
seres alados que viviam no topo das montanhas. Nós somos pequenos e vivemos
no meio das grandes árvores. Além disso, devem comer uma enorme quantidade de
carne. – disse Ephoes.
– Eles são filhotes e não adultos. – disse Narhen. – Vocês deverão cuidar
deles até que tenham condições de cuidarem de si mesmos. No início comerão
pouco, mas vocês encontrarão um meio de alimentá-los enquanto se desenvolvem.
Além disso, seus pais fizeram um juramento em uma língua mágica e vocês devem
cumpri-lo.
– Mas, não fizemos mal aos dragões.
– Ainda não, mas estarão fazendo se os deixarem morrer!
Ephoes ficou em silêncio. É certo que a luta contra os Izmhur nem sempre era
vitoriosa e o povo não podia se aventurar fora das florestas sem correr o risco de
ser morto, mas há muito se acostumou a sobreviver sem os dragões.
– O que podemos fazer? – perguntou Oathu.
– Ainda não sabemos. Precisamos primeiro localizar os ovos e a fenda.
Somente depois de termos suas localizações é que pensaremos o que fazer.
– Se não sabem onde estão os ovos, por que nos trouxeram esse problema? –
perguntou Ephoes. – Pode ser que nunca os encontrem.
– É verdade, mas se os encontrarmos precisaremos ter condições de resgatá-
los e mantê-los em segurança.
– Então, que os encontre primeiro. – concluiu o ancião.
O grupo deixou o grande salão em companhia de Oathu.
– Não se desapontem com Ephoes. Ele lidera esse povo há muito tempo e
apesar de agora termos fartura, nosso povo já passou muita dificuldade. Ele apenas
não quer que soframos novamente.
– Mas, ele infringiria uma pena de morte aos filhotes de dragão por esse
motivo?
Silêncio.
– Bem, caso encontrem os ovos, creio que deveremos trazê-los para a
floresta. Aqui teremos maior condição deprotegê-los. Os Izmhur não nos atacam
no meio das árvores por que não conseguem voar com facilidade entre os troncos e
nem atravessar as copas das árvores.
– Avisarei assim que os encontrar. – disse Narhen.
O grupo seguiu para os aposentos.
– Ishiá, venha comigo precisamos encontrar esses ovos.
As duas jovens entraram em seus dormitórios para que pudessem libertar suas
energias sem interferências. Passado algum tempo elas saíram do quarto e se
juntaram ao restante do grupo.
– Temos boas e más notícias. – disse Narhen.
– Então fale rápido. Não nos deixe apreensivos. –
disse Zarthrus.
– Conseguimos encontrar o caminho e a localização da fenda nas montanhas.
Também conseguimos visualizar os ovos e o local onde se encontram. – disse
Ishiá.
– Os ovos estão no deserto, em uma formação rochosa circular, semelhante a
um ninho. Eles estão em uma grande caverna abaixo da superfície. – continuou
Narhen.

–E qual seria a má notícia? – perguntou o gnomo.


– Visualizamos o que pareceu ser algumas dezenas de ovos e o local também
está sendo utilizado como ninho pelos Izmhur.
– Essa é realmente uma péssima notícia! – disse Grendhel.
– Precisamos descobrir uma forma de nos aproximar, recolher os ovos e sair
com vida. – disse Narhen. – Grendhel, agora é hora de usar toda sua criatividade!
– Pelo que disseram, temos três grandes problemas. – disse ele. – O ninho se
encontra no deserto, portanto devemos ter condições de chegar e partir de lá.
Precisaremos transportar algumas dezenas de ovos e o principal, devemos ter
proteções contra os Izmhur.
– E qual seria sua ideia?
– Ainda não tenho nenhuma. Mas seja qual for, precisaremos da ajuda dos
moradores da floresta.
O grupo seguiu ao encontro de Oathu e lhe contaram todos os fatos sem lhe
esconder nada. Conversavam enquanto caminhavam pelos arredores da cidade das
árvores.
– Será muito arriscado. Teríamos de atravessar o deserto durante a longa
noite e nos proteger do sol durante o dia. Além disso, seríamos alvos fáceis para os
Izmhur que viajam pelo ar sem nada que os atrapalhe. Como esperam que os
homens transportem água e comida suficientes para a viagem de ida e volta e ainda
carregar os ovos? Seria uma viagem para a morte.
– Oathu, o que fazem quando necessitam transportar quantidades maiores de
algum item? – perguntou Grendhel.
– Não entendo sua pergunta!
– Em nosso mundo, utilizamos carroças, mas, não vi nada semelhante aqui.
– O que são carroças?
– São grandes caixas com rodas, onde depositamos o que desejamos
transportar e as arrastamos puxadas por animais ou mesmo por homens.
– Nós temos algumas caixas para essa finalidade, mas poucas e pequenas têm
rodas por ser muito difícil arrastá-las entre as raízes das árvores. Normalmente as
transportamos nos ombros.
– Mas, carregá-las não seria muito peso?
– Não, essas caixas são construídas com uma árvore especial. As mesmas que
fazemos nossas armas. A madeira é bastante leve e resistente depois de seca. –
disse Oathu entregando-lhe uma de suas lanças.
Grendhel pegou a arma e verificou que realmente era muito leve. Tentou
dobrar a vara nas mãos, mas, embora utilizasse muita força ela quase não se
alterou.
– Nunca vi uma madeira como essa!
– Você não está se esquecendo dos Izmhur? Seríamos lentos e vulneráveis a
eles.
– Não se acrescentarmos algumas defesas. Estou pensando em uma carroça
com couraça. Teríamos defesa contra o sol e contra os Izmhur. Além disso,
poderemos atacá-los com flechas através de aberturas na couraça.
– Mas, como iríamos arrastá-la pelo deserto? Seria muito pesada.
– Essas toras dariam boas rodas e isso diminuiria o peso. Teríamos que
empurrá-la.
– Essa madeira é muito boa de trabalhar. Uma única
pessoa consegue transportar uma grande tora sozinha. A madeira pode ser cortada
ou talhada com facilidade, no entanto, não se quebra.
– É fácil encontrar essa madeira?
– Sim, existe por toda a floresta. Faz pouco tempo que derrubamos algumas
dessas árvores e as deixamos secar para podermos trabalhá-las. Se quiser eu o levo
até elas.
– Grendhel, o que está passando por sua mente? – perguntou Ishiá.
– Por enquanto nada! Primeiro quero ver essas árvores antes de propor
qualquer coisa.
Oathu mostrou-lhe o caminho e em pouco tempo de caminhada chegaram ao
destino. Eram árvores grandes e suas toras bastante lisas e uniformes. O diâmetro
das toras era um pouco maior que Galler. Grendhel observou alguns homens
trabalhando a madeira e viu que a cortavam com grande facilidade.
– Acredito que temos uma chance. – disse Grendhel.
– O que tem em mente? – perguntou Narhen.
– Estou pensando que podemos construir uma carroça grande o suficiente
para levar homens e alimento até o ninho e retornar com os ovos.
– Mas, como a levaremos até lá? Uma coisa tão grande não passaria entre as
árvores.
– É verdade! A menos que as construamos de forma que possamos desmontá-
las para que facilitem o transporte e montá-las quando chegarmos ao deserto.
– Tem certeza de que funcionaria?
– Não, mas é nossa única chance.
– Então, mostre o que está pensando.
Grendhel abaixou-se e com sua adaga, riscou o chão desenhando o que
pensava enquanto o resto do grupo, Oathu e dois trabalhadores de madeira,
próximos, o observavam.
Após todas as explicações ele se levantou.
– É basicamente isso.
Todos se olharam e no final seus olhares se voltaram para Oathu, esperando
uma resposta.
Oathu não sabia o que dizer quando ouviu: – Por que não pensamos nisso
antes! – disseram os dois carpinteiros, um ao outro.
O homem sorriu e disse: – Se esperavam uma resposta, aí está. Mas, antes de
começarmos a construir essa coisa, teremos de conseguir a permissão de Ephoes e
depois a ajuda de muitos braços.
– Então, não percamos tempo. – concluiu Ishiá. O grupo saiu apressado
em busca da autorização do rei. Ephoes ficou relutante, mas Oathu lembrou-lhe de
que se não cumprissem o juramento, todo o povo sofreria, pois, embora os Izmhur
não procriassem com velocidade, estavam em número cada vez maior, enquanto
eles permaneciam presos à floresta.
Depois de algum tempo de discussão, Ephoes finalmente concordou, mas
com uma condição: deveriam primeiro construir a geringonça e testá-la antes de
colocar alguém do povoado em risco. De posse da autorização, o grupo partiu para
o canteiro de obras. Ao chegarem, perceberam que os dois marceneiros que os
observaram anteriormente, estavam cortando as toras que Grendhel pensava em
utilizar para a construção das rodas.
– O que estão fazendo? – perguntou Oathu.
– Estamos construindo uma das rodas da grande carroça.
– Mas, está muito larga. – disse Grendhel. – Tem duas vezes e meia a
espessura que eu havia imaginado.
– Estivemos pensando no que disse. Se quiserem arrastar uma grande
estrutura pelo solo arenoso do deserto precisaram de rodas largas, caso contrário
afundará.
Grendhel percebeu que eles tinham razão e concordou.
– Vocês me convenceram. Mas, teremos madeira suficiente para seis rodas?
– Deixe conosco que faremos suas rodas.
Todos os carpinteiros e marceneiros passaram a trabalhar na construção da
carroça sob as ordens de Grendhel que supervisionava constantemente indicando o
que cada um deveria fazer. Ishiá, Mhirfun e Zarthrus o ajudavam no que podiam.
Narhen e Galler aproveitaram para verificar as armas dos homens de Oathu que
seguiriam no resgate dos ovos.
Eles verificaram que as lanças seriam de grande valia na defesa, mas seria
difícil lançar flechas com bastão, pois, precisavam de espaço para efetuar o
movimento.
Narhen, então, lhes mostrou seu arco e como funcionava. Essa arma era
desconhecida para eles e mostrou-se muito mais eficiente que seus bastões de
lançamento.
Narhen e Galler lhes ensinaram como fazer seus próprios arcos utilizando a
madeira da qual estava sendo construída a carroça e a manejar essa nova arma. Em
pouco tempo, passaram a dominar sua utilização.
Pouco a pouco a ideia de Grendhel tomava forma.
Os trabalhadores da madeira eram muito eficientes em seu ofício e com a
ajuda das armas élficas que eram extremamente afiadas e nunca perdiam o corte, o
trabalho foi agilizado. Enquanto a construção fluía, as outras pessoas do povoado
tiveram a incumbência de preparar os alimentos e reservar a água em tonéis para a
grande viagem.
Todas as vezes que as duas irmãs despertavam após o descanso, elas
meditavam na tentativa de localizar caminho
mais rápido até o ninho, mas sempre se viam no meio dele cercadas por vários
ninhos dos Izmhur.
– Não consigo entender! – disse Ishiá. – É sempre a mesma coisa. Toda vez
que pedimos para que seja mostrado o destino, visualizamos o caminho para a
fenda e depois nos vemos na área do ninho dos dragões, cercadas de Izmhur, e não
o caminho até lá.
– Também tenho pensado nisso e a única conclusão que tive é que devemos
estar perguntando da forma errada. – respondeu Narhen. – Creio que devêssemos
perguntar de outra maneira, de uma forma mais direta.
– Então, vamos tentar.
– Não agora! Devemos pensar de forma clara e já ficamos muito tempo
utilizado nossa energia. Precisamos nos manter para as tarefas com as quais nos
comprometemos.
– Então, tentaremos após o próximo descanso.
Quando se reuniram com o grupo souberam que Grendhel já havia saído há
algumas horas para a área de construção.
Faltava muito pouco para que sua obra terminasse. Talvez dois ou três
períodos de trabalho. Quando novamente se encontraram para o descanso, Ishiá
falou para sua irmã: – Tenho fé que da próxima vez que unirmos nossas mentes,
encontraremos o caminho para o ninho.
– Assim espero! Nosso tempo está se esgotando. A carroça de Grendhel está
quase pronta.
Após o descanso Narhen disse: – Vamos ver o que conseguimos.
As mentes se uniram e novamente se viram cercadas pelas energias dos
braceletes dos deuses e pelo dragão prateado que olhava diretamente para elas.
Quando Ishiá começava a solicitar para que o dragão lhes mostrasse o seu destino,
Narhen a interrompeu.
– Espere! Dragão mostre-nos o caminho que devemos seguir para resgatar os
ovos dos dragões.
Os olhos do ser prateado emitiram um brilho diferente, então soprou uma
névoa de energia sobre as irmãs, que se perceberam nas margens da floresta, sobre
as areias do deserto. Bem no final da floresta, havia uma enorme rocha lisa partida
ao meio. No local da divisão, existia uma árvore mais alta que a rocha, cuja copa a
cobria como que a protegendo. Bem ao lado dessa rocha, via-se o topo das
montanhas logo acima das árvores. Narhen ergueu o braço e apontou em direção ao
deserto a uma distância igual a duas vezes a largura da rocha em relação à
montanha. Seu braço e mão se transformaram no corpo e cabeça do dragão
prateado e se esticou sobre a areia, sempre em linha reta e seguindo as ondulações
das dunas, deslizando a grande velocidade. O dia escureceu e clareou cinco vezes
antes de chegar a um amontoado de rochas em forma de círculo. Porém, ao invés
de seguir para o centro das rochas, o ser de energia efetuou uma curva para a
direita em direção a mais alta das rochas que circundavam a área dos ninhos. Na
sua base, havia uma grande caverna onde uma grande pedra oval lhe tapava a
entrada. O dragão de energia se aproximou pela direita e mergulhouna areia, para
em seguida, atravessar por uma abertura e emergir no interior da grande caverna.
Lá dentro, encontravam-se os ovos.
A imagem se desfez e as duas retornaram de seu transe.
– Conseguimos! – disse Narhen.
As duas não tardaram a contar para o restante do grupo, Oathu e Ephoes.
Os preparativos para a jornada sobre as areias estavam praticamente prontos.
Os alimentos e água estocados, os guerreiros treinados com as novas armas, além
de um grande número de flechas produzido.
Com a notícia da descoberta do local do ninho aumentou-se o empenho na
construção da grande carroça de Grendhel, para que sua construção terminasse
antes do próximo período de descanso. Chegou a hora de Ephoes verificar se a
ideia de Grendhel funcionaria.

Era uma carroça muito superior as encontradas no mundo dos viajantes. A


área destinada à carga era dividida em duas partes, sobre uma estrutura de seis
grandes rodas. Três em cada uma das extremidades. Uma em cada extremidade do
eixo e uma no centro, para distribuição melhor do peso.
Outra diferença era que qualquer um dos jogos de rodas poderiam ser
manobrados, para auxiliar nas curvas. Um jogo de polias, como os existentes nos
barcos, ajudava no controle da direção e mantinham as rodas firmes na posição.
Devido às polias, apenas duas pessoas eram suficientes para virar o conjunto de
rodas que eram independentes um do outro. Isso liberaria os homens para o
trabalho de apenas empurrar a grande estrutura.
Sobre a carroça, havia uma grande concha, semelhante ao casco invertido de
um barco, porém, dessa concha emergiam inúmeras e afiadas lanças com cerca de
três metros de comprimento e grossas como o braço de um homem forte. Toda a
estrutura era recoberta internamente por esteiras trançadas com um tipo de grama
longa e resistente que protegeria o interior do sol. Essas esteiras poderiam ser
retiradas para que pudessem utilizar seus arcos sob a proteção da estrutura. Cada
uma das grandes rodas eram mais altas que Galler, com cerca de um metro de
espessura. Havia dois sulcos por toda a volta de cada uma delas, onde estavam
amarradas grossas cordas para evitar que se quebrassem. A concha era suspensa
cerca de um metro do chão, altura suficiente para que qualquer um dos homens
pudesse entrar e sair com facilidade. Havia espaço suficiente para trinta e cinco
pessoas no interior.
Era uma estrutura jamais vista em nenhum dos dois mundos.
– Aparentemente seu transporte mostra segurança, mas não estará muito
pesado? – disse Ephoes. – Não servirá de nada se não tiverem forças para
transportá-lo.
– O peso não é grande problema. – respondeu Grendhel. – A madeira dessa
árvore é surpreendentemente resistente e leve.
– E como irão transportar essa coisa por entre as árvores?
– Ela foi construída de forma que possa ser desmontada em partes menores
que poderão ser remontadas rapidamente após serem transportados.
– E quando ocorrerá essa viagem? – perguntou voltando-se para as gêmeas.
– Assim que tivermos sua autorização e remontado a carroça do lado de fora
da floresta. – respondeu Narhen.
– Então, vejamos se essa “carroça” resistirá aos Izmhur. Tem a minha
permissão. – disse Ephoes virando-se e afastando-se da área de construção.
Sem perder tempo, Grendhel se aproximou dos marceneiros e carpinteiros
com quem trabalhara e lhes solicitou que desmontassem a estrutura da forma como
haviam combinado, lembrando-se de marcar as partes, para facilitar a remontagem
futura.
Narhen e Ishiá contaram a Oathu todos os detalhes de que se lembravam
sobre o início da visão. A partir das informações, ele pode determinar o ponto de
partida da caravana.
Todos os homens e mulheres que estivessem disponíveis auxiliariam no
transporte das partes de carroça e víveres para a expedição. Em pouco tempo, não
havia mais vestígio algum da grande carroça couraçada no meio das árvores.
Após terem transportado todas as partes da imensa carroça
construída por Grendhel com a ajuda do povo da floresta e de ela ter sido
novamente montada na periferia da floresta, no local indicado pelas duas irmãs e
de todos os víveres estarem alojados no interior da grande estrutura, trinta dos mais
vigorosos guerreiros foram escolhidos para e viagem, incluindo Oathu.
Aos que ficariam, foi destinada a proteção do povoado e a incumbência de
encontrar uma grande caverna para proteção dos ovos quando resgatados. Uma
grande festa foi concedida em honra aos heróis que iriam se aventurar pelo deserto.
Ishiá, no papel de sacerdotisa, rogou aos deuses para que obtivessem êxito na
jornada e o mesmo foi feito pelo feiticeiro do povoado em relação aos seus deuses.
Todos comeram, beberam e se divertiram com canções e danças como se aquilo
fosse feito pela última vez. Terminada a festa, seguiram para suas moradas para um
merecido descanso junto a suas famílias, pois o futuro era incerto e talvez não mais
se encontrassem.
Foi então chegada a hora da partida. Era o alvorecer do grande dia do mundo
de Ehrvesth. O povoado em peso seguiu em procissão ao local onde a grande
carroça couraçada aguardava os homens que lhe dariam vida, fazendo-a caminhar
por sobre as areias. Os vinte e nove guerreiros, mais Oathu, Grendhel, Galler,
Mhirfun, Zarthrus, Ishiá e Narhen tomaram suas posições sobre a proteção da
couraça.
Para o lobo e a águia foram preparados dois locais especiais, onde poderiam
utilizar suas capacidades naturais melhores que as de qualquer homem ou elfo. O
lobo ficou posicionado em uma abertura na parte frontal da couraça, onde seu faro
e audição seriam melhor utilizados e a águia na parte mais alta, onde sua visão
privilegiada alcançaria maior distância. Por lá, ela poderia se lançar ao céu e
retornar à proteção da couraça com maior facilidade.
O início da viagem serviu para que Grendhel verificasse a facilidade e a
versatilidade das manobras que poderiam fazer. Narhen e Ishiá permaneceram no
controle das polias executando o que ele solicitava. A carroça se mostrou tão fácil
em ser conduzida, que apenas metade de sua tripulação era mais que suficiente
para movê-la sobre as areias, mesmo ela estando carregada com alimentos, água,
armas e a outra metade dos guerreiros. Dessa forma, apenas por breves momentos,
aquela grande estrutura deixava de se mover. Como Zarthrus não era grande o
bastante para ajudar na tração da carroça e devido à sua agilidade em escalar, teve a
incumbência de posicionar as esteiras por toda a estrutura à medida que o sol se
levantava em direção ao topo do céu, protegendo os ocupantes.
A cada período de aproximadamente três horas, um grupo descansava
enquanto o outro trabalhava e quando cada um dos grupos completava dois turnos,
era hora de parar, alimentarem-se.
À medida que o tempo passava, os homens se habituavam ao trabalho e
apesar do cansaço conseguiam percorrer com maior facilidade o terreno.
Durante todo o tempo em que o sol demorou a transpor três quartos do céu,
nenhum Izmhur foi visto ou ouvido. Isso deixou os homens um pouco mais
tranquilos, embora soubessem que o encontro seria inevitável. Enquanto alguns
desejavam que esse encontro não ocorresse, outros estavam desejosos por testar a
resistência de sua proteção e suas novas armas contra aqueles monstros alados.
No final da tarde, quando a temperatura se encontrava bem mais amena, Ishiá
solicitou à águia que voasse bem alto, de modo a terem uma visão mais ampla do
que os aguardaria no período da grande escuridão. A ave se lançou ao céu e
utilizando-se de grandes massas de ar quente, elevou-se em espiral e rapidamente
tornou-se um pequeno ponto escuro no grande manto azul. Com sua ligação
mental, Ishiá vislumbrou-se, através dos olhos do pássaro, vários quilômetros à
frente, em um deserto que parecia não ter fim.
De repente um grito fez a ligação mental se quebrar.
Um Izmhur surgiu de repente, viu a águia no céu e voava em grande
velocidade em sua direção. A águia fechou suas asas e se projetou em direção ao
solo. O ser a imitou e também mergulhou tentando interceptá-la, mas a ave tinha
maior facilidade de manobras e se desviou, porém por pouco, pois o longo pescoço
do Izmhur lançou sua cabeça muito perto da águia. O movimento que a ave
desempenhou, deu a ela uma pequena vantagem que soube aproveitar. Ela deteve o
mergulho apenas quando estava bem próximo ao chão, onde o lagarto alado não
poderia se utilizar do mergulho para apanhá-la, devido ao risco de se chocar contra
o solo do deserto. Mas mesmo assim, o voo do Izmhur era muito mais rápido que o
dela. Enquanto ela se dirigia para a proteção da couraça, o ser se aproximava cada
vez mais. Os homens pegaram seus arcos e os armaram com as flechas.
– Esperem! – disse Narhen. – Ninguém dispara até que eu mande. Galler, sua
precisão sempre foi melhor que a minha. Acha que consegue atingir o Izmhur sem
risco para a ave?
– Se ela mantiver o voo reto posso conseguir, mas ainda assim existe o risco.
– Então acerte! Pois ela não conseguirá escapar. O monstro é muito rápido.
Galler vendo que seu arco não conseguiria lançar uma flecha a uma distância
tão longa, pegou um arco maior, feito com a madeira leve da floresta e uma de suas
longas flechas.
– Ishiá! Quando eu disser, mande a águia se desviar.
Ela se concentrou, mas o pânico da ave a impedia de se comunicar. Não havia
mais tempo. Galler retesou o arco como jamais havia feito antes. Parecia que os
músculos de seus braços e costas iriam se romper perante a resistência daquela
madeira. Então, pela abertura na proteção da carroça, uma flecha disparou pelo ar.
No exato momento em que Galler gritou “AGORA”, Ishiá conseguiu um breve
contato com o pássaro ordenando-o “DESVIE!”.
Quando o Izmhur arremessou sua cabeça em direção à águia, o comando de
Ishiá a fez mudar de direção, fugindo novamente ao seu ataque. A ave descreveu
uma curva para a esquerda e para cima. O grande ser ergueu sua cabeça para ver
qual a direção a ave tomara. A flecha de Galler rasgou o espaço e enterrou-se quase
em sua totalidade na base do pescoço do ser, que com um urro de dor e sem
condições de reduzir a velocidade, despencou do ar chocando-se com o solo. Com
a violência do Impacto, o Izmhur rolou várias vezes antes, finalmente, de parar
inerte no chão, cerca de quinhentos metros da couraça espinhosa. A águia
descreveu nova curva e seguiu em direção à proteção, exausta.
Um grito em uníssono surgiu da garganta dos homens, pela primeira vitória
conseguida. Eles gritaram em honra de Galler, mas ele não retribuiu o
cumprimento.
– Por que está se desfazendo dos homens que gritam em sua honra? –
perguntou Oathu irritado. – Os homens estão felizes porque será menos um desses
seres a nos caçar como alimento.
Um grande silêncio seguiu àquela pergunta.
– Desculpem-me, mas não tinha intenção de ofendê-los. Embora tenha feito o
que era necessário ser feito, não me orgulho do que fiz. Nós elfos, somos amantes
da vida e embora tenhamos de participar de guerras e precisemos matar, não nos
comprazemos com a morte. Para nós toda vida é importante, mesmo as de nossos
inimigos.
Aquelas palavras extirparam a ira dos corações dos homens do povoado,
revelando-lhes algo em que nunca haviam pensado.
– Então, somos nós que lhe devemos desculpas! – disse Oathu.
– Não me devem nada. Como lhe disse estou aqui para cumprir uma tarefa e
embora não a aprove, farei o que for necessário para concluí-la. Que seus
sentimentos não sejam afogados. Vocês são livres e têm suas próprias escolhas.
– Galler! – falou Narhen com um sorriso. – Apesar de não estar feliz por ter
causado a morte daquele ser, há de concordar que esta foi a melhor de todas as
vezes que disparou suas flechas, talvez até melhor que qualquer outro elfo jamais
tenha feito.
Galler olhou-a nos olhos.
– Tem razão! – disse retribuindo-lhe o sorriso.
Novamente os homens voltaram a sorrir e conversar sobre o grande feito do
elfo.
– Galler, espero nunca estar em sua mira! – disse Grendhel. – Você acertou
aquele Izmhur em pleno ar a mais de quinhentos metros!
– Essa madeira é realmente formidável. Tem uma resistência espetacular e é
tão leve que podemos compará-la com as armas que meu povo produz. Acredito
que poderia lançar uma flecha ainda mais longe.
– Com armas iguais a essa, um batalhão de bons arqueiros fariam grandes
estragos nos inimigos.
Oathu com alguns guerreiros, mais Narhen e Galler seguiram até o corpo do
monstro que estava deitado parcialmente de lado com as patas para o alto, sobre o
longo pescoço quebrado durante a queda. Uma de suas asas também estava
quebrada e com os ossos à mostra.
– Veja! – disse Oathu. – Você o atingiu bem na base do pescoço e a flecha
entrou quase toda no corpo do Izmhur.
Galler aproximou-se e puxou a flecha do corpo da criatura.
– Vou levá-la. Pode ser útil novamente.
Os homens de Oathu se aproximaram da carcaça e começaram a retirar parte
do couro e da carne.
– O que estão fazendo? – perguntou Narhen.
– Estão recolhendo o couro que é bastante resistente e um pouco da carne que
é saborosa. Infelizmente estamos muito distante do povoado e será um grande
desperdício. Esse Izmhur alimentaria grande parte dos habitantes. Além disso, seus
animais apreciarão um pouco de carne fresca.
– Então se apressem! Não devemos ficar parados por muito tempo. Esses
animais são muito velozes e nos alcançariam rapidamente.
Os homens trabalharam rápido e voltaram ao caminho original.
– Mhirfun!
– Sim, mestre Oathu.
– Por favor, leve esse pedaço de carne e dê aos animais.
Assim que o anão saiu, o líder dos guerreiros começou a trabalhar com o
restante.
Após retalhar a carne em pedaços menores, Oathu pegou uma pequena bolsa
e dela retirou e espalhou sobre cada um dos pedaços o seu conteúdo.
– O que está fazendo? – perguntou Zarthrus. – Por que está espalhando essa
areia sobre a carne?
– Isso não é areia. Meus ancestrais retiravam isso da grande água. Não
podíamos beber dela, por que tinha muito dessa areia dissolvida. Era tanta que se
acumulava nas rochas das margens quando o sol as secava. Meu povo aprendeu
que essas pequenas pedras, se bem utilizadas, melhoram o sabor dos alimentos e
que se cobrirmos completamente um pedaço de carne com elas, a carne dura muito
mais.
– Mas vocês estão muito longe da grande água. Como conseguem essa areia?
– Nós a descobrimos em um local não muito distante na floresta. Observamos
que no local onde brotava essa areia, não crescia nenhuma árvore. Mas por
melhorar o sabor dos alimentos, passamos a utilizá-la em quase todas as nossas
refeições.
– Então, esse deve ser um dos motivos do sabor diferente dos seus pratos.
Oathu não respondeu, mas concordou com um sorriso.
Depois que trabalhou com as carnes, ele estendeu os pedaços de couro que
recolheram dos Izmhur e raspou toda a parte interna, retirando todo o resíduo e em
seguida espalhou as mesmas pedras brancas que havia utilizado na carne, para em
seguida enrolar e amarrar a pele.
– Essas pedras também melhoram a qualidade do couro. – respondeu ele
antes que o gnomo perguntasse.
Zarthrus pegou uma pequena pedra branca e a colocou sobre a língua.
– Que estranho! Essa pedra fez minha boca encher-se da água!
Novamente o líder dos guerreiros apenas sorriu.
A viagem transcorreu tranquila por mais dois períodos de descanso, quando
ouviram novo grito vindo da direção onde haviam deixado a carcaça do Izmhur.
Pouco tempo depois outros gritos foram ouvidos vindos da mesma direção.
– Eles devem ter encontrado a carcaça e é provável que estejam disputando
cada pedaço da carne. – disse Oathu.
– Os Izmhur não desperdiçam uma refeição fácil. Talvez isso os afaste de nós
por algum tempo, já que não precisarão caçar.
À medida que caminhavam, os sons foram diminuindo até desaparecerem por
completo. O sol surgiu e desapareceu por duas vezes sem que nada de novo
ocorresse. Por volta do meio da manhã, do quarto dia, novos rugidos foram
ouvidos, mas apenas um Izmhur foi visto voando distante.
– Devemos permanecer atentos! – disse Narhen. – Quando alguém vir um
deles, ou ouvir os gritos desses monstros deve avisar a todos para que fiquem
atentos. É ainda importante que nesses momentos procurem rapidamente pensar
em coisas agradáveis, afastando a sensação que eles nos causam. Nosso medo é
como um guia para eles.
Alguns quilômetros à frente, um dos guerreiros observou um pequeno ponto
no céu. Ele o observou e percebeu que se tratava de um Izmhur que voava em
direção ao grupo.
– Olhem! Um daqueles desgraçados está vindo em nossa direção.
– Façam todos conforme combinamos. Não pensem no monstro. – disse
Narhen. – Zarthrus, posicione as esteiras de forma a nos proteger da visão do
Izmhur. Quem puder ajudar que estenda também a esteira a sua frente. Pensem em
alguma coisa agradável, mas deixem suas armas à mão. E não façam qualquer tipo
de barulho. Devemos evitar ao máximo qualquer conflito.
Rapidamente todas as esteiras estavam estendidas e a proteção da carroça se
assemelhou a uma carapaça de tartaruga coberta por longos espinhos. O lobo e a
águia se posicionaram na parte interna da carroça, bem próximos ao chão, para
evitar serem atingidos caso uma batalha ocorresse. Em pouco tempo o Izmhur
estava sobrevoando o local onde estavam a uma altura que mesmo Galler com o
melhor dos arcos não conseguiria atingi-lo. O monstro voava em silêncio e o único
som que se ouvia era o bater de suas asas ao longe. Ele voou direto por cima deles
sem dar conta de sua presença.
Quando a distância entre eles voltou a aumentar os homens relaxaram, o
Izmhur emitiu um de seus gritos que pegou alguns dos homens com a guarda baixa
assustando-os.
Aquela sensação foi captada de imediato pelo monstro que modificou sua
direção, iniciando uma curva.
– Não percam a concentração. Pensem em suas famílias que ficaram no
povoado. – sussurrou Narhen.
O ser girava em círculos no céu, olhando em direção ao chão em busca da
origem daquele medo, mas sem nada encontrar. Então, gritou novamente. Dessa
vez, sua cabeça voltou-se diretamente para uma estranha forma no solo do deserto.
Enquanto descia em círculos do céu, gritou mais uma vez. Dessa vez teve certeza.
Havia algum animal com medo por baixo daqueles espinhos. Um dos homens de
Oathu estava se descontrolando e o medo de ser devorado enchia sua alma.
– O Izmhur vai nos devorar um a um! Não conseguiremos fugir!
– Cale-se! – ordenou Oathu.
– Não existe lugar para nos esconder. Seremos mortos.
– Cale-se e acalme-se. Estou mandando. O Izmhur estava cada vez mais
próximo.
– Não vamos sobreviver.
– Tenha calma, homem! Você está atraindo o monstro para nós!
Grendhel se aproximou por trás do homem.
– Desculpe-me. – disse ele.
O jovem, de posse de um bastão de madeira, acertou a cabeça do homem
apavorado, nocauteando-o.
Assim que o homem tombou desacordado, o Izmhur perdeu sua ligação. Ele
estava a cerca de cem metros acima da couraça, olhando em todas as direções, mas
a fonte do medo havia fugido.
Tendo perdido sua presa, o monstro bateu as asas com vigor e voltou a subir
em direção ao céu retomando sua direção de origem.
– Desculpe-me por ter atingido um de seus homens, Oathu!
– Não há o que se desculpar. Você pensou rápido. Eu mesmo já pensava em
matá-lo para que se calasse.
Colocaram o homem desacordado no local de descanso e voltaram a
locomover-se assim que sentiram segurança.
– Pelo que vi, penso que se mantivermos a concentração, talvez consigamos
entrar e sair despercebidos na área dos ninhos. – disse Mhirfun. – Se o monstro não
sentir nosso medo e não nos ver, ele não nos caçará.
– Isso seria o ideal, mas não acredito nisso. – respondeu Galler. – Isso
funcionou com esse, mas penso que eles também devam ter um excelente olfato.
Por algum motivo, talvez na altura em que se encontrava, não sentiu nosso cheiro
ou da comida que levamos.
Mais uma vez a ideia de Grendhel funcionou como uma boa proteção. Mas
por quanto tempo ainda funcionaria? Será que num confronto direto todos
suportariam resistir ao medo?
Após o quase confronto com o Izmhur, o restante do dia e a noite
passou sem incidentes, embora outros Izmhur tenham sido avistados voando ao
longe. Com o sol na parte mais alta do arco celeste, Zarthrus percebeu que no
horizonte à esquerda de onde se encontravam havia uma estranha sombra que
crescia.
– Galler, você que tem a visão melhor que a de qualquer humano, saberia
dizer o que é aquilo? – perguntou o gnomo.
O elfo observou o que Zarthrus lhe mostrara, mas a distância era muito
grande até mesmo para ele.
– Não posso lhe dar certeza, mas me parece que está se formando uma
tempestade no horizonte.
A palavra tempestade despertou Narhen que dormia próxima a eles.
– Sobre o que estão falando?
– Zarthrus me perguntou se saberia dizer o que é aquela mancha no horizonte
e eu disse que parece que uma tempestade está se formando.
Narhen observou por algum tempo e percebeu que fosse o que fosse estava
aumentando, então, algo emergiu de sua memória. Ela já tinha visto algo
semelhante em seu mundo. Uma tempestade de areia enquanto caminhava por
Zarhok.
– Mhirfun, olhe.
O anão olhou na direção que a jovem indicou, lhe confirmando a suspeita.
– Pelos deuses! É uma tempestade de areia e das grandes. Se estiver vindo em
nossa direção, é bom que nos protejamos!
– Todos vocês! – gritou Narhen. – Parem o que estão fazendo e verifiquem se
as esteiras estão bem presas, caso contrário o vento as levará embora. Depois
devem se proteger.
Imediatamente todos correram para fazer o que a jovem havia solicitado. A
cada minuto o céu se tornava mais escuro. Não tardou muito e um vento forte
carregado de areia começou a açoitar a proteção da carroça pela lateral. As esteiras
resistiam bravamente à sua grande força. Porém, a carroça começou a balançar.
Havia o risco de o vento tombá-la.
– Devemos virar a carroça na direção do vento. A frente é mais estreita que a
lateral. Se não fizermos isso, esse vento poderá nos virar. – gritou Grendhel.
– Então, o que estamos esperando? – respondeu Narhen.
– Levantem-se todos, ajudem-me a manobrar a carroça.
Os homens tiveram usar toda a sua força para mover o veículo, e graças às
rodas dianteiras e traseiras apresentarem facilidade para manobras, eles
conseguiram. E foi bem a tempo, pois o vento aumentou ainda mais e graças ao
formato da couraça, semelhante ao casco de uma embarcação, ela se manteve firme
no solo.
O tempo passava, mas a tempestade não diminuía.
Apenas depois de várias horas, o vento mostrou que perdia forças.
Quando a ventania de areia finalmente terminou, os homens e os animais
puderam se levantar e sacudir a poeira.
As esteiras resistiram aos ventos e apenas duas se rasgaram, mas não de
forma que não pudessem ser consertadas. Uma grande quantidade de areia foi
depositada ao redor da estrutura, chegando até o meio de suas rodas, prendendo-as.
Tanto que para voltar a se locomover pelo deserto, teriam antes de libertá-las da
duna que se formou.
O céu estava novamente azul quando começaram o trabalho de colocar a
carroça novamente em seu caminho.
Todos estavam tão entretidos nos afazeres que não perceberam que três
Izmhur voavam em sua direção, quando o piado da águia despertou Ishiá para o
perigo.
– Depressa! Entrem na couraça!
Nesse momento um dos Izmhur gritou e os outros dois responderam.
Estavam a poucas centenas de metros e chegando rápido. Não havia tempo para
estender as esteiras e ocultá-los dos olhos dos monstros. Os homens pegaram suas
armas e se prepararam para o ataque.
– Ninguém se mexa! – sussurrou Oathu.
Os três Izmhur pousaram próximos. O maior aproximou-se desconfiado, pois
havia muitos espinhos ameaçadores e ele vira algumas presas se escondendo
embaixo dos espinhos.
O Izmhur emitiu alguns estalos estranhos e em seguida os outros dois
cercaram a couraça. De repente, o maior gritou diretamente sobre os homens. O
som era ensurdecedor. Zarthrus, Galler e o lobo gemeram de dor, enquanto os
outros apenas taparam os ouvidos. O monstro olhou ao redor e viu que nenhuma
presa tentara fugir.
Então, quando ele se preparava para novo grito, Grendhel, Ishiá e Narhen
dispararam suas flechas atingindo-o na garganta e no pescoço abaixo da
mandíbula. O monstro rugiu de dor, ficou de pé sobre as patas traseiras e tombou
de lado. Em seguida se levantou sacudindo a cabeça, tentando se libertar das
flechas.
– Ataquem! – gritou Narhen.
Todos disparam suas flechas ao mesmo tempo. Os três Izmhur foram
atingidos simultaneamente. Eles abriram as asas e ficaram de pé, mas isso apenas
aumentou a área onde ser atingido. Os monstros se debateram, mas terminaram
mortos. Apenas depois que suas caudas pararam de se mover, os homens deixaram
a proteção da couraça para recolher as flechas. Muitas estavam perdidas por baixo
do enorme peso das criaturas.
– Desta vez, deixem os corpos dos Izmhur em paz. – disse Narhen. –
Devemos recolher as flechas e libertar a carroça o mais rápido possível. Não quero
estar aqui quando outros dessa espécie chegarem, após sentirem o cheiro de
sangue.
– Antes preciso descobrir uma coisa. – disse Galler.
– E o que seria? – perguntou Ishiá.
– Preciso descobrir qual é o ponto mais franco dessas criaturas.
Desperdiçamos muitas flechas que poderiam ser necessárias mais tarde.
O elfo caminhou até o menor dos monstros e sua espada lhe cortou o peito e
o abdômen expondo suas vísceras.
Por baixo do espesso couro do peito, havia uma grande placa óssea que
protegia o coração da criatura de um ataque direto no peito, porém, seu coração era
grande e ficava próximo à base do pescoço. Sem saber, Galler atingiu o coração do
Izmhur que caçava a águia. Provavelmente, quando ele se chocou contra o solo do
deserto já estaria morto.
O elfo continuou a examinar a criatura e percebeu uma pequena mancha entre
os olhos da criatura, na forma de um losango com as arestas arredondadas. Com
sua adaga Galler cortou o couro e percebeu que exatamente naquele ponto os dois
lados do crânio do animal se uniam, em uma pequena cicatriz óssea. Com o cabo
da adaga, ele deu um pequeno golpe que partiu facilmente o frágil osso daquele
ponto. Uma espécie de glândula gelatinosa, que seguia por um tubo ósseo ligando-
se ao cérebro do animal. Galler imaginou que talvez fosse aquela glândula que
permitia o ser detectar o medo de suas presas.
No ponto em que a cabeça ligava-se ao pescoço, em ambos os lados, bem
atrás da mandíbula, havia duas grandes artérias, uma deveria levar o sangue para o
cérebro, enquanto pela outra, o sangue retornaria ao corpo. Se a artéria que leva o
sangue fosse cortada, o animal também morreria rapidamente.
Galler encontrou outros pontos que causariam algum dano, mas não matariam
o animal. Após verificar o primeiro Izmhur, o elfo encontrou as mesmas
características nos outros dois e retornou para ajudar a libertar a carroça das areias
e seguir a viagem.
– Então? O que descobriu? – perguntou Narhen.
– Primeiro, vamos sair desse lugar. Depois explico o que descobri.
Mais algum tempo e com as rodas e as laterais da couraça livres da areia, a
grande estrutura de madeira retomou sua direção. Ninguém descansou e todos os
homens ajudaram a empurrar a carroça pelas areia.
Todos tinham a intenção de se afastarem o máximo que pudessem e o mais
rápido possível dos cadáveres dos Izmhur, com medo de que outros viessem
atraídos pelo cheiro de morte.
Depois de vários quilômetros, quando o sol já se encontrava na descendência,
o grupo parou para descansar e se alimentar. Então, Galler contou a todos o que
havia descoberto sobre os pontos mais vulneráveis daqueles monstros e que,
segundo ele, poderiam derrubá-los. Após descansarem, o grupo voltou a se dividir
em dois para a tração da grande carroça e assim mantê-la em constante movimento,
mesmo durante a noite. As gêmeas foram destinadas ao segundo turno, enquanto
Galler e Grendhel ao primeiro.
Depois de mais algum descanso, as duas conversavam quando perceberam
que suas joias irradiavam um pequeno brilho.
– Ishiá, me parece que nossos braceletes estão querendo nos dizer algo.
As duas deram as mãos e se concentraram.
Assim que suas mentes se uniram, elas se viram cercadas pelas energias dos
braceletes dos deuses e pela enorme imagem do dragão do bracelete. Ele as olhava
nos olhos e antes que se dirigissem a ele, levantou sua cabeça revelando lhes uma
passagem. Nesse momento, as duas se viram sobre a criatura que deslizava no ar.
Assim que atravessaram a passagem, o ser prateado começou a subir em direção ao
céu em espirais. As duas olharam para baixo e viram que sobrevoavam sobre a
couraça protetora. O dragão prateado voou em direção ao ninho de pedra e
rapidamente cortaram o espaço.
O ser de energia estava a grande altitude, de onde podiam ver toda a grande
estrutura circular de rochas. Do ponto onde estavam, a formação rochosa se
assemelhou mais a uma gigantesca coroa que a um ninho. O dragão passou a
descrever círculos no ar ao redor do local, à medida que se aproximava do solo. Ele
se demorou um pouco mais em frente à grande rocha em cujo interior
encontravam-se os ovos. As irmãs puderam ver que no interior da estrutura de
rocha havia vestígios de vários ninhos dos Izmhur, porém poucos estavam
ocupados. Talvez alguns retardatários na função de procriação.
Os ninhos mantinham certa distância entre si e naqueles ocupados, havia ao
menos um dos adultos na proteção de um único ovo ou filhote. Constantemente,
um dos adultos de um ninho ameaçava os outros do ninho mais próximo. Por sorte,
os ninhos dos Izmhur ficavam mais afastados do destino da caravana. Em seguida,
o ser prateado virou em direção à cadeia de montanhas a sudeste de onde estavam.
Ele voou depressa e novamente elas se viram na entrada de uma caverna, em
cujo interior havia uma formação semelhante a uma grande escada de pedra. O
dragão voou em direção ao topo. Atravessaram por outra entrada e se viram no
interior de um grande salão. No meio, a estalagmite em forma de torre. O dragão
de energia foi se enrolando na torre até alcançar seu topo. Narhen e Ishiá olharam e
no centro do patamar do alto da torre, uma peça dourada brilhou. De repente, elas
se viram segurando a pequena peça semelhante a um dente de ouro, com uma
figura vazada. Narhen encaixou a pequena escultura em um dos furos do Uòhrik e
em seguida Ishiá enrolou o tendão da asa de dragão na chave. A peça brilhou por
um breve instante.
Em seguida, elas se viram em uma ravina rochosa na base da cadeia de
montanhas. Ao lado das duas, um enorme dragão de escamas esverdeadas soprou
uma névoa de energia e fumaça em uma das paredes e uma passagem se abriu
revelando outra paisagem. Depois dessa imagem, a visão das irmãs foi se
desfazendo à medida que suas mentes regressavam a seus corpos. Elas despertaram
e perceberam que Zarthrus e Mhirfun as estavam observando.
– O que foi que viram dessa vez? – perguntou o gnomo.
– Vimos nossos destinos. – respondeu Ishiá.
– O quê? – assustou-se Zarthrus.
– Na verdade, os braceletes nos mostraram os caminhos que deveremos
cobrir até os ovos. – disse Narhen. – E também nos mostrou a passagem para o
outro mundo.
– E sabem sua localização? – perguntou o anão.
– Sua localização, sim! Como abri-la, não!
– Não gostei de sua feição. – falou o gnomo.
– Quando a passagem nos foi mostrada, não fomos nós quem a abriu e sim
um grande dragão de escamas esverdeadas. – respondeu Ishiá.
– Mas os dragões adultos estão extintos e os filhotes ainda não saíram do ovo.
– disse Mhirfun.
– Esse é o problema! – disse Narhen. – Será que ainda resta algum dos
grandes dragões?
– É muito pouco provável! – disse Zarthrus. – Talvez vocês tenham visto uma
imagem do passado que apenas lhes indicou a localização da passagem.
– É possível, mas não havia anões e sim, o nosso grupo. A imagem nos
pareceu do futuro e não do passado. – concluiu Narhen.
– O que mais vocês viram? – perguntou o gnomo.
– Vimos que estamos bem perto dos ovos, mas um pouco fora de nossa rota.
– respondeu Narhen levantando-se.
A jovem se aproximou de Grendhel e pediu para que ele corrigisse a direção.
Como já estava na hora do segundo grupo assumir a tração da carroça, Narhen
aproveitou e contou a todos sobre as visões que tiveram.
– O local para onde estamos indo, chama-se Coroa dos Dragões. A área que
era utilizada antigamente pelos dragões, foi reivindicada pelos Izmhur. Existem
inúmeros ninhos deles espalhados no interior da formação rochosa, mas a maioria
está vazia e os ocupados estão afastados de nosso destino. Pelo que percebemos há
cerca de quinze casais cuidando de suas crias ou ovos. Se formos cautelosos, é
possível que consigamos entrar e sair sem sermos vistos. Devemos manter nossas
mentes livres do medo. Não gostaria de lutar contra eles, pois ambos podemos sair
perdendo. Se matarmos os pais, estaremos condenando os filhos.
Depois da conversa, a viagem foi retomada na direção correta. Ocorreram
mais duas trocas na condução antes que as primeiras visões da Coroa dos Dragões
pudessem ser observadas.
Algumas vezes, um Izmhur ou três passavam voando pela grande cúpula
espinhenta, mas sem interromper seu trajeto. Galler suspeitou que quando era
apenas um, seria o macho ou a fêmea em busca de comida e quando eram três,
seriam os pais ensinando o filhote a voar e caçar.
A partir desse trecho a viagem se tornou mais lenta e apreensiva, pois, todas
as vezes que uma das criaturas era vista, a carroça era imobilizada até que a
ameaça se fosse. Gradativamente a carroça se aproximou de seu destino.
Nos últimos quilômetros restantes, o grupo teve de fazer mais força para
tracionar a carroça, pois embora o terreno fosse livre de rochas e o solo mais
compacto, era uma subida constante e tiveram de trocar de lugar algumas vezes
antes do tempo costumeiro. Quando finalmente chegaram, protegidos pelas
grandes rochas que circundavam o local, era o amanhecer do sexto dia. Dirigiram-
se diretamente a maior de todas as formações rochosas.
– Lembrem-se de que Narhen nos falou. – disse Oathu aos seus homens. –
Procurem manter seus pensamentos no povoado, sem perder a atenção no seu
redor. E se você perder novamente o controle, não será um Izmhur quem irá matá-
lo.
Em poucos momentos puderam observar os animais em seus ninhos e como
Narhen havia dito, estavam distante.
Assim que a carroça parou junto à grande rocha, eles localizaram a entrada da
caverna protegida pelo bloco de pedra.
Havia uma pequena passagem onde um homem, para passar, deveria se
apoiar nos braços e pernas.
– Mestra Narhen, deixe-me entrar primeiro. – disse Mhirfun. – Meus olhos
são melhores adaptados para a escuridão que os de vocês. Se existir algum perigo,
minha reação será mais rápida.
Narhen concordou. Mhirfun observou ao redor para ver se havia algum
Izmhur nas proximidades e em seguida entrou pela fenda. Passados alguns minutos
ele retornou à entrada e fez sinais para que o seguissem.
Oathu ordenou a seus homens que em silêncio acomodassem todo o alimento
que trouxeram de forma a permitir a melhor maneira de transportar os ovos e
também entrou pela gruta. Quando as irmãs, o elfo, o gnomo, o lobo e o líder dos
guerreiros entraram pela abertura, encontraram a caverna iluminada por uma das
tochas que o anão levara.
Eles visualizaram vários ovos juntos, próximos ao fundo da gruta. Uma
estranha bruma os envolvia e eles emitiam um brilho quase imperceptível. O
comprimento dos ovos era o mesmo que o comprimento do cotovelo até as pontas
dos dedos de Narhen e a largura dois terços do comprimento.
Ishiá se aproximou e antes mesmos de tocá-los sentiu a energia que emanava
de cada um deles.
– Estão vivos! Dormindo, mas vivos!
Narhen se abaixou e tocou em um deles. Seu corpo foi tomado por uma
sensação de alegria, a mesma de quando uma pessoa recebe o sorriso de uma
criança.
– É verdade, estão vivos! Sabem que estamos aqui e estão felizes com isso.
Galler caminhou por toda a volta verificando quantos ovos havia.
– Existem quarenta e oito ovos.
– Será que conseguiremos levar todos? – perguntou Grendhel.
– Levaremos! Mesmo que tenhamos de deixar parte de nossa comida. –
respondeu Narhen.
– Então, me deixe apressar meus homens para que possamos acomodá-los na
carroça e sair dessa região o mais rápido possível. – disse Oathu. – Esse lugar me
dá arrepios.
Narhen pegou nos braços um dos ovos e a névoa o acompanhou envolvendo-
o.
– Deve ser a magia de proteção dos dragões. – disse Ishiá.
Poucos tempo depois, Oathu retornou com alguns de seus homens.
– Devemos começar a levá-los. O ninho temporário já está preparado.
Os homens formaram um fila e de mão em mão cada um dos ovos foi sendo
transportado. As duas jovens mais seus companheiros de jornada retornaram para
verificar o que Oathu quis dizer como ninho temporário. Encontraram as peles que
utilizavam para se agasalhar cobrindo o fundo da carroça, onde os ovos seriam
colocados. Pouco tempo depois, Oathu retornou.
– Pronto! Todos já foram recolhidos. Podemos tomar o caminho de volta.
– Tem certeza de que todos foram recolhidos? – perguntou Narhen. – Não
podemos deixar ovo algum para trás.
– Tenho certeza!
– Importa-se que eu veja com meus próprios olhos?
– Como quiser.
Narhen olhou ao redor e retornou ao interior da caverna seguido por sua irmã
e Mhirfun.
– O que foi minha irmã? Por que duvidou da palavra de Oathu?
– Não sei, mas algo me diz que ainda faltam alguns.
– Olhe, não tem mais nenhum na caverna!
Narhen olhou em volta e não viu nada.
– Deve ser apenas impressão.
Quando estavam para sair, o machado do anão emitiu um brilho opaco
refletindo as chamas da tocha.
– Esperem! – disse ela. – Mhirfun, apague a chama.
– Como, vocês não conseguirão enxergar!
– Apenas apague.
O anão obedeceu. Depois de alguns segundos a visão dos três se acostumou à
escuridão da gruta.
– Vejam! Aquele brilho ali no alto. Mhirfun pode acender sua tocha
novamente.
Enquanto o anão assim fazia, as duas irmãs aproximaram da rocha e Narhen a
escalou.
– Existem outros dezessete ovos aqui em cima. – disse ela.
– Vou chamar Oathu e seus homens novamente. – falou o anão.
Narhen pegou um ovo e passou para a irmã que o depositou suavemente no
chão.
– Desculpe por não ter acreditado! – disse ele ao entrar.
– Não precisa se desculpar! Venha, ajude a levá-los para a carroça. –
respondeu a jovem.
Quando não havia mais nenhum no alto da rocha, Narhen olhou ao redor
certificando-se de que não havia mais nenhum escondido em outro ponto da gruta.
– Agora meu coração se aquietou. Podemos retornar.
Narhen ainda estava no interior da gruta, quando ouviu um grito diferente.
Um filhote de Izmhur havia fugido de seu ninho e caminhou até bem próximo de
onde estavam.
Ninguém o tinha visto, pois era um pouco menor que um cavalo e as rochas
ao redor o esconderam. A jovem saiu depressa para a proteção da couraça em
busca de seu arco. Assim que ela entrou, viu Grendhel disparar uma flecha certeira
na base do pescoço da criatura que com um grito de dor tombou de lado.
– Por que o matou? Era apenas um filhote assustado!
– Sim, assustado e chamando pelos pais! Devemos sair daqui com urgência!
De repente, um grito foi ouvido bem acima de onde estavam.
– Tarde demais! Eles já vieram atrás do filhote e atrairão outros para cá. –
disse Grendhel.
Dois Izmhur adultos pousaram bem ao lado da cria que jazia imóvel. Eles
rugiam e emitiam estalos chamando-o.
De repente, o macho que era maior ameaçou aproximar-se do filhote morto e
foi agredido pela fêmea, que o defendia.
Os dois começaram a brigar muito próximos da carroça. Suas caudas
chicoteavam o ar a poucos metros de distância.
Aquela reação inesperada dos Izmhur retirou a confiança de vários dos
homens que temeram por suas vidas.
Nesse momento, o macho deixou de lutar e olhou diretamente para onde os
homens estavam. A fêmea o seguiu e rugindo se aproximavam cada vez mais da
proteção. Percebendo o inevitável, Galler pegou seu arco e o retesou.
– Quando eu disser, retirem a esteira.
Narhen e Ishiá também armaram seus arcos.
– Agora!
Grendhel e Zarthrus cortaram as cordas que as mantinham presas na estrutura
e elas caíram ao chão. Por um breve instante o monstro se imobilizou tentando
entender o que estava acontecendo. Foi tempo suficiente para que o elfo mirasse
entre os olhos da criatura e disparasse uma flecha que atravessou a pequena
mancha, atingindo-lhe o cérebro. A criatura desabou sobre suas patas.
Narhen e Ishiá também dispararam na fêmea, que contando mais com a sorte,
as duas atingiram-lhe o pescoço, porém, uma acertou na artéria na base do crânio
rompendo-a.
O Izmhur rugiu e sacudiu a cabeça, espalhando sangue por uma grande área.
Mas não tardou e também tombou agonizando.
– Depressa! O cheiro do sangue atrairá os predadores.
Os homens começaram a empurrar a carroça que devido à descida começava a
aumentar sua velocidade.
Estavam agora a segurando para que não disparasse.
– Vejam, os outros Izmhur estão vindo! – gritou outro homem.
Foi então que Grendhel teve outra de suas ideias.
Saltou para junto da corda com as polias que utilizava para manobrar a
carroça e gritou: – Todos vocês, subam na carroça! Galler assuma a outra corda e
não deixe que as rodas virem.
Sem questionar a ordem, todos saltaram para cima da estrutura que a cada
instante ganhava mais velocidade.
Os Izmhur que se aproximavam não os perseguiram, pois havia comida
suficiente a ser disputada por eles. Graças à pequena inclinação do terreno e a
inexistência de rochas, os longos quilômetros da subida foram sendo deixados para
trás.
Somente quando chegaram à areia mais fofa é que a carroça começou a
diminuir a velocidade até parar completamente.
Estavam há alguns quilômetros da Coroa dos Dragões.
O fato de os homens terem conseguido sair ilesos da região dos
ninhos dos Izmhur e dos três combates contra os monstros onde ninguém se feriu,
além é claro de estarem retornando para casa, deu novo ânimo aos homens do
povoado e eles se empenharam na tarefa de transportar a grande carroça de volta
pelas areias do deserto.
Cada um dos grupos queria mostrar mais vitalidade, força e agilidade que o
outro, se mantendo em movimento por mais tempo. Outro fator que ajudava era
que os víveres haviam se reduzido pela metade, diminuindo o peso. Os ovos dos
dragões eram bem leves se comparados ao tamanho. A carroça percorreu todo o
longo dia de Ehrvesth sem parar um único minuto para descanso. Mesmo o
alimento era preparado e consumido em movimento. Apenas quando a noite se
mostrou, a grande estrutura de madeira se imobilizou. Os dois grupos estavam
muito cansados para continuar.
No ponto onde estavam vez ou outra viam ou ouviam algum Izmhur bem ao
longe, porém, confiantes pelos acontecimentos anteriores, não lhes davam
importância e nem os atraiam com seus temores, deixando que seguissem seus
caminhos.
No trajeto de ida à Coroa dos Dragões, as noites estavam escuras sem a
presença das luas, mas no caminho de volta ressurgiram devagar iluminando o
vasto deserto. Com a chegada das luas e com noites mais claras a quantidade
desses seres aumentou e eles passaram a ser vistos com maior intensidade.
Depois de um descanso maior e da mistura revigorante que Zarthrus lhes
preparou, a carroça voltou a se locomover.
À noite, era mais fácil aos guerreiros do povoado se localizar no deserto graças à
imensidão de estrelas. Por mais dois dias seguiram sem ocorrências. Grendhel
pensava que iriam passar novamente próximos às carcaças dos Izmhur, mas isso
não ocorreu.
– “Ou eles haviam sido completamente devorados,” o que achava improvável
devido aos grandes ossos das pernas e das asas, “ou foram cobertos pela
tempestade de areia.” – pensou ele.
No final da tarde do quarto dia, perceberam algumas formas rochosas que não
tinham visto na ida. Nesse momento perceberam que tinham se desviado da rota.
Mas Quanto?
Teriam de prosseguir até a orla da floresta e depois a acompanhar até o ponto
de onde partiram. Seguiram em frente se aproximando cada vez mais das rochas,
na esperança de conseguir contorná-las sem problemas. Quando estavam a menos
de uma centena de metros das formações, o bracelete do dragão se acendeu como
uma tocha.
Narhen olhou para todas as direções no céu e sobre as areias, até onde sua
vista alcançava e nada encontrou. Mas o bracelete a alertava, cada vez mais, de um
grande perigo se aproximando rapidamente. Então, olhando novamente em direção
às rochas, algo chamou sua atenção. As areias se movimentavam em diversos
pontos e todos convergiam em direção à carroça.
– Alguma coisa nas areias! DEPRESSA! Subam na Carroça! – gritou ela. –
DEPRESSA!
Os homens a olharam sem entender o que se passava, mas aprenderam a não
questionar suas ordens. Vários subiram o mais alto que podiam, porém alguns
ficaram próximos do chão. De repente, as areias abaixo da couraça começaram e se
movimentar como se alguma coisa se locomovesse sob a superfície do solo.
– O que será isso? – perguntou Mhirfun.
– Não sei do que se trata, mas esse bracelete já me salvou várias vezes e não
vou duvidar de seu aviso.
Os seres continuavam a circular sem se mostrar. Embora continuassem a
transitar por toda a área da cúpula, Galler percebeu que alguns se movimentavam
mais devagar quando passavam por baixo do homem próximo ao chão.
– Cuidado! – disse ele ao homem. – Se fosse você procuraria subir um...
Antes de Galler concluir o que dizia um ser estranho, semelhante a um inseto
emergiu do solo em direção ao homem. Seu dorso tinha uma coloração um pouco
mais escura que as areias e era um pouco mais clara na parte de baixo. A parte que
saiu do solo tinha a diâmetro de um homem, assim como sua altura. Tinha
inúmeras pernas na parte frontal e sua cabeça não se ligave ao corpo por um
pescoço, mas parecia uma continuação do mesmo. Não se viam olhos. Na parte
superior e lateral da cabeça, quatro saliências semelhantes a antenas felpudas e
pequenas se abriam como as orelhas de um lobo atento à sua volta. Na parte
frontal, duas outras patas menores se abriram e em seguida uma grande boca
circular repleta de presas e, bem no meio dessa boca, cinco dentes grandes se
abriram em direções diferentes.
O homem se assustou e perdeu o equilíbrio caindo novamente no solo.
Rápido com um raio o ser virou-se sobre ele e o agarrou. O homem gritava
apavorado enquanto tentava desesperadamente manter-se afastado daquelas
mandíbulas.
A duas patas ao lado da boca, com cerdas afiadas nas extremidades, o
agarraram e o cortaram enquanto o levavam até a boca.
Galler pegou seu arco e fez mira, quando outro daqueles seres saiu da areia e
atacou o homem ao mesmo tempo. Então uma flecha cortou o ar e atingiu
o homem na cabeça.
Fora Oathu quem a disparara.
– Por que fez isso? Poderíamos tentar salvá-lo. – disse Galler.
– Sihaus era um bravo homem, mas já estava morto. Apenas reduzi seu
sofrimento.
Os seres da areia mergulharam no solo e arrastaram consigo o corpo inerte do
homem.
Os outros tripulantes da carroça, não perderam mais tempo e subiram o
máximo que podiam.
Outro ser surgiu sentindo o ar com as antenas e com patas frontais e, com a
boca aberta enquanto batia os cinco dentes internos. Galler lançou lhe sua flecha
atingindo o bicho no centro da boca. O ser emitiu um chiado, se contorceu e se
enrolou arrancando a flecha para em seguida desaparecer depressa no solo.
Durante algum tempo os estranhos seres continuaram a caminhar por baixo
da areia, mas ao poucos, o movimento da areia foi diminuindo, à medida que
retornavam em direção à formação de rochas. – O que são essas criaturas?
– perguntou Zarthrus. – Nunca vi nada semelhante a isso!
– Também não sei o que são, mas estou me recordando de umas histórias que
ouvi quando ainda era uma criança. Certa vez, um grupo de caçadores deixou o
povoado em busca de alimento e de novos locais para caça. Passados vários dias,
apenas um retornou. Ele foi encontrado nas margens da floresta por outro grupo
que colhia frutos. O homem estava muito ferido e delirando com febre. Faltava-lhe
uma das mãos e parte da carne de sua perna. Parecia que algum animal tentara
devorar-lhe ainda vivo e ele conseguiu escapar.
Trataram de levá-lo o mais rápido que puderam até o povoado para que
recebesse socorro e contasse o que aconteceu, mas sua febre apenas aumentou
juntamente com seus delírios.
Em um dos poucos momentos de uma aparente lucidez, ele contou que o
grupo estava perseguindo alguns servos do deserto quando foram atacados por
monstros da areia. Esses monstros eram muito rápidos e um a um os homens foram
devorados. Ele viu uma rocha e correu para ela na esperança se salvar. Quando
começava a subir na rocha, apareceu um dos monstros e o agarrou pelas pernas. Na
luta para se salvar, o monstro abocanhou sua mão e a arrancou. O monstro ficou
entretido com a mão o tempo suficiente para que ele conseguisse subir na rocha.
Ele preferia morrer lá em cima a ser devorado vivo. Ao chegar ao topo, ele
desfaleceu devido aos ferimentos e por sorte, não morreu devido ao sangue que
perdeu.
Quando despertou não sabia quanto tempo havia passado e não avistou
nenhum vestígio das criaturas que devem ter seguido em busca de mais alimento.
Ele então desceu e seguiu se arrastando em direção ao povoado, até que foi
resgatado.
Poucos dias depois que contou a história, suas feridas se infeccionaram e sua
febre aumentou, causando sua morte.
Ninguém lhe deu crédito, achando que havia delirado e que seus ferimentos
tinham sido causados por um Izmhur inexperiente, mas que não continuou a caçá-
lo por que já havia matado os outros homens. Agora sei que aquelas histórias eram
verdadeiras. Esse deserto é muito mais perigoso do que imaginávamos.
– Agora temos mais um grande problema! – disse Grendhel. – Como iremos
sair daqui se não podemos pisar no solo para empurrar a carroça?
– Primeiro vamos fazer o que o homem fez. – disse Narhen. – Vamos esperar
para ver se desistem e vão embora.
As horas foram passando e sempre que alguém se aproximava um pouco mais
do solo, logo a areia começava a se movimentar em sua direção, forçando-o a subir
novamente.
– Eu queria saber como é que essas criaturas nos enxergam. – disse Grendhel.
– Elas ficam enterradas o tempo todo. Além do fato de que parecem não ter olhos.
– Talvez sintam o nosso cheiro. – disse Mhirfun.
– É possível! – disse Galler. – Mas, creio que seja algo mais. Quando
estávamos nos aproximando, elas vieram direto para nós. Não acredito que já
tivessem nos farejado.
– Mesmo que seja o nosso cheiro, como saberiam que um de nós estaria se
aproximando das areias. – disse Narhen.
– Essa cúpula mantém preso o nosso cheiro e quando uma brisa passa o leva
para longe. Deveria afastar as criaturas.
– Talvez elas sintam nosso medo como os Izmhur. – disse Oathu.
– Também não acredito nisso. – respondeu Galler. – Estava tudo muito
tranquilo quando elas apareceram.
– Então, o que você acha que elas seguem? – perguntou Narhen.
– Não estou certo, mas penso que primeiro seguem o som de nossos passos
no chão.
– É possível. Isso explicaria a velocidade que se aproximaram de nós
enquanto empurrávamos a carroça. Mas, ao pararmos, eles não perderiam nossas
referências?
– Sim, mas aí entra minha segunda suspeita. Quando estão próximos, eles se
guiam seguindo o calor dos corpos das presas. Desse jeito, saberiam quando
alguém está mais próximo do solo ou mais afastado. Creio que foi assim que
perceberam que Sihaus estava próximo para um ataque.
– Faz algum sentido o que disse. – falou o gnomo. – Mas se isso for verdade,
como é que sairemos daqui. Se nos aproximarmos da areia, eles nos atacarão.
– Precisamos verificar suas teorias. – disse Grendhel.
– E como pensa em fazer isso? – perguntou Galler.
– Oathu, ainda sobrou alguma carne de Izmhur?
– Sim.
– Por favor, veja se consegue acender sua fogueira na carroça. Vou precisar
assar a carne.
– O que tem em mente? – perguntou Ishiá.
– Pretendo aquecer a carne e depois a jogarei o mais longe que puder. Se a
teoria de Galler estiver correta, esses seres serão atraídos pelo som e depois pelo
calor da carne assada.
Oathu acendeu a fogueira e colocou a carne sobre o fogo e em pouco tempo
estava aquecida. Grendhel subiu a certa altura e retirou uma das esteiras.
– Entreguem-me a carne depressa. Com cuidado para não cair.
A carne lhe foi entregue e ele, posicionado no lado externo da couraça, a
arremessou o mais distante que podia.
Quando ela se chocou contra o chão, várias das criaturas que estavam
invisíveis sobre as areias debaixo da carroça seguiram naquela direção. Mas logo
pararam novamente, pois não ouviram mais nada.
– Elas pararam! – disse Oathu.
De repente um dos homens disse: – Olhe! Estão se movendo novamente.
Sob a luz da fogueira, duas antenas felpudas sugiram da areia para em
seguida seguirem direto para a carne. Assim que se posicionou abaixo da carne,
duas patas sugiram e agarraram a carne e em seguida a cabeça da criatura surgiu e
a abocanhou, afundando logo em seguida.
– Suas suspeitas estão corretas. – disse Narhen. – Agora, alguém tem alguma
ideia para sairmos daqui?
– Eu penso que se estiver certo novamente, essas criaturas devam ser mais
ativas durante as longas noites. O calor do sol aquece muito as areias e deve
confundir seus sentidos. Portanto, devemos tentar alguma coisa quando o sol
surgir.
– Mesmo assim, se estiver certo elas poderão seguir o som de nossos passos.
– falou Narhen.
– É verdade, mas somente durante o dia teremos alguma chance. Enquanto
isso, podemos pensar em alguma alternativa.
O período noturno se mostrou muito mais longo do que parecia. As horas
passavam entediantes. Os homens se amarraram na estrutura com receio de cair
enquanto faziam a única coisa que podiam. Dormir. De tempo em tempo uma das
criaturas lhes mostrava sua presença quando exibia suas antenas ou mesmo quando
mostrava sua cabeça acima do solo, procurando por algum descuidado próximo às
areias.
Oathu estava de sentinela quando uma das criaturas surgiu bem abaixo de
onde estava. Ele a observou erguer as antenas e depois retirar a cabeça para fora
movendo-a em todas as direções lentamente, como se estivesse determinando onde
cada um estava.
– Esses seres malditos não dormem nunca. – disse ele. – Já que gostam de
calor, vou dar-lhes o que desejam.
Ele pegou seu arco e em uma de suas flechas amarrou um pedaço de sua
corda. Em seguida a embebeu em um pouco de gordura e ateou fogo.
– Vamos maldita. Abra essa sua enorme boca!
Ao pressentir o calor da chama, a criatura voltou-se para onde ele estava e
abriu sua enorme boca redonda. Oathu retesou seu arco e lançou sua flecha com
todo seu ódio. A flecha cortou acurta distância de ar e enterrou-se profundamente
na garganta da fera. A criatura soltou um chiado e se debateu tentando se libertar
da flecha, mas ela estava muito presa. Ela tentou mergulhar na areia, mas a flecha
enterrou-se mais ainda causando dor.
– Não conseguirá retirar essa, sua maldita! Vai sofrer e pagar pelo que fez a
Sihaus!
Oathu e os outros ficaram observando a criatura se contorcer em vão.
– Vocês se comprazem com o sofrimento dos outros. – disse Galler.
– Não! – disse Oathu. – Apenas estamos fazendo com que sinta o mesmo que
Sihaus sentiu.
– Então, devem terminar o que começaram da mesma forma como
terminaram com o sofrimento de seu amigo.
– E como espera que façamos isso? Não podemos nem nos aproximar do
chão.
Galler retirou sua espada e cortou as amarras de uma das lanças que
protegiam a couraça. Em seguida amarrou a arma na ponta da lança e do alto da
carroça atingiu a criatura cortando-lhe o que lhe parecia ser a cabeça com um só
golpe.
O ser se agitou por mais algum tempo e se imobilizou definitivamente.
– Agora talvez se sintam vingados! – disse e se retirou para o outro lado da
carroça.
Narhen aproximou-se de seu amado e o abraçou.
– Não deve se indispor com esses homens. Eles não têm o conhecimento de
um elfo.
– Eu sei, mas me incomoda a maneira como tratam seus inimigos.
– Mas você os está mostrando o que é certo. Você está acendendo uma chama
na consciência deles.
– Talvez esteja certa. Não devo tentar fazer o tempo passar mais depressa do
que é possível!
– Olhem! Chamou um dos homens. As outras criaturas estão arrastando a
outra morta para debaixo do chão.
– As criaturas do deserto não são de desperdiçar qualquer oportunidade de
comida. Mesmo que tenham de comer seus próprios irmãos. – disse Mhirfun.
Depois desse acontecimento, as horas voltaram a passar lentamente. O sol
ainda estava muito distante.
A sensação de que o tempo não passava era ainda maior para
Narhen, Ishiá, Grendhel, Galler, Mhirfun e Zarthrus, pois do mundo de onde
vieram, um ciclo completo entre um dia e uma noite era muito menor do que
apenas um dos períodos daquele mundo. Eles calcularam que cada ciclo de
Ehrvesth equivalia a aproximadamente cinco do outro mundo. Portando, deveriam
restar cerca de trinta e cinco horas para que o sol novamente surgisse.
O povo da floresta era acostumado a viver livre entre as grandes árvores da
floresta e aquela prisão estava deixando a todos nervosos e algumas discussões
começaram a acontecer.
Oathu teve de intervir algumas vezes, separando os homens para lados
opostos dentro da cúpula. Outros começavam a sucumbir ao desespero do
confinamento já imaginando que não teria saída e todos morreriam. Tanto que um
deles teve de ser mantido amarrado para que não se jogasse nas garras das
criaturas.
Mas, embora lenta, a noite já mostrava sinais de que perdia a batalha para o
dia. O alvorecer anunciava-se. Aos poucos o dia clareou e as primeiras formas a
serem banhadas pelos raios solares foram os topos das formações rochosas. Alguns
dos homens subiram ao topo da estrutura ansiosos pelo calor proveniente do sol.
Quando finalmente os foram alcançados por eles, gritaram eufóricos. O tempo de
se libertarem estava próximo.
De repente, um grito ao longe os lembrou de que o perigo não vinha apenas
do solo, mas também do ar. Logo em seguida um segundo grito. Eram dois Izmhur,
talvez um casal.
Os homens voltaram para dentro o mais rápido que puderam e estenderam as
esteiras se ocultando.
– Fiquem em silêncio e pensem no povoado. – falou um deles enquanto
descia apressado. – Assim eles irão embora e teremos de nos preocupar apenas
com os monstros da areia.
Todos ficaram em silêncio tentando se lembrar de momentos felizes e
distantes no povoado.
– Não! – falou Narhen. – Desculpe-me Galler. Sei que não irá aprovar o que
falarei, mas talvez seja nossa melhor chance de escaparmos. Temos de atrair os
Izmhur para cá.
– Você ficou maluca? – disse Oathu.
– Não! Pensem! Assim que os Izmhur pousarem, o som de seus passos atrairá
as criaturas. Se meu plano der certo, as criaturas da areia irão atacá-los e lutarão
entre si. Assim aumentaremos nossa chance.
– Não me agrada seu plano, mas você talvez tenha razão. – disse Galler. –
Precisamos concluir nossa missão para que todos os mundos sejam salvos.
– Obrigada! – respondeu ela com um sorriso triste devido ao olhar do amado.
– Não percam tempo! – disse Grendhel. – Pensem nos seus maiores medos.
Os homens se esforçaram, mas acostumados a disfarçar esse sentimento, não
estavam conseguindo atrair as feras voadoras que voavam para longe.
– Vamos homens! – gritou Grendhel. – Se não conseguirmos trazer os
Izmhur, é possível que as criaturas da areia nos devorem ainda vivos com fizeram
com Sihaus. É isso que querem que aconteça?
A lembrança da imagem do amigo sendo devorado por duas das criaturas fez
o medo acender dentro de suas mentes como faróis na escuridão.
– Pensou rápido! – sussurrou Ishiá.
– Não. Apenas não quero que terminemos dessa forma.
Ao sentir aquela onda de sentimento, os dois Izmhur fizeram uma curva e
voaram rápido em sua direção. Em poucos minutos já sobrevoavam baixo por
sobre a couraça espinhenta.
Eles circulavam no ar, mas não pousavam. Parecia que pressentiam o perigo
abaixo da areia. Um deles aproximou-se da couraça como que procurando um local
para pousar sobre ela, mas as lanças o desmotivaram. Aquela aproximação
assustou a todos, pois temeram que a proteção não suportasse o peso se os
monstros pousassem sobre ela. Finalmente, sem encontrar outro lugar, os Izmhur
pousaram a alguma distância da carroça.
– Eles sabem que correm perigo, estão avaliando se vale o risco. – disse
Narhen.
– Olhem! As criaturas estão se encaminhando para eles! – falou Mhirfun.
– É, mas eles estão prontos para se lançarem ao céu. – disse Grendhel.
– Infelizmente isso não pode acontecer! – disse Narhen pegando seu arco.
Antes que alguém perguntasse qual era sua intenção, sua flecha foi disparada
e cortou o ar, atingindo o primeiro Izmhur próximo de uma das asas.
O monstro rugiu de dor e levou a cabeça arrancando a flecha. O segundo
saltou, mas outra flecha também o atingiu fazendo-o pousar novamente. O
primeiro abriu suas asas, mas a dor causada pela flecha não permitiu que voasse e
as criaturas chegaram até ele. O segundo também arrancou a flecha, mas antes que
pudesse se lançar novamente ao céu também foi alcançado pelas criaturas que
saiam da areia por todos os lados os agarrando.
Foi uma luta feroz, os Izmhur mordiam as criaturas e as arrancava de sua
proteção, e com as garras as rasgavam, mas para cada criatura morta surgia outra.
Além disso, eles não conseguiam se livrar das que os prendiam pela parte traseira.
Nenhum movimento dos seres da areia era percebido sob a carroça.
– DEPRESSA! – gritou Narhen. – Desçam todos e empurrem. Temos que nos
afastar o mais depressa que pudermos.
O grupo de Narhen desceu ao chão juntamente com Oathu, embora seus
homens temerosos permanecessem em seus lugares.
– BANDO DE COVARDES! – gritou Oathu. – Desçam e empurrem. Ou vão
esperar que as criaturas terminem de comer e voltem a nos caçar?
Como nada aconteceu a eles, todos os homens restantes desceram e
começaram a empurrar a carroça para o mais longe e rápido que podiam da luta.
Algumas criaturas perceberam os passos dos homens e ameaçaram em segui-los,
mas o tumulto da luta contra os Izmhur as fez retornar.
Zarthrus foi o único a continuar a observar a tentativa dos monstros de se
libertarem, porém, aos poucos, as criaturas os arrastavam para dentro das areias.
Foi apenas uma questão de tempo para que seus rugidos fossem calados.
Rapidamente a carroça se afastou daquele lugar mortal, pois, se para tracionar
a carroça era necessário apenas metade das pessoas que ali estavam, foi muito mais
fácil com todos trabalhando juntos. No início, correram o máximo que puderam,
mas depois de algum tempo, sem condições de manter o ritmo, reduziram a
velocidade para a de uma corrida leve e a mantiveram por cerca de uma hora e
meia. Já havia passado um bom tempo desde que o bracelete do dragão se
acalmara. Quando se sentiram novamente seguros e voltaram a parar e descansar.
Aproximadamente uma hora depois o grupo foi dividido e o ritmo foi
restabelecido.
– Vamos tentar não parar de agora em diante. – disse Narhen. – Estamos
bastante atrasados.
Jhiet, o homem que Oathu tinha amarrado para não se jogar na garganta dos
seres da areia, permanecia amarrado. Sua mente não suportou a prisão impetrada
pelas criaturas e se manteve preso àquela situação que já não existia mais.
Ele continuava perturbado e dizendo que não sairiam vivos daquele deserto
maldito. Em alguns momentos ele se mostrava um pouco mais calmo para em
seguida gritar com se algum de seus membros estivesse sendo arrancado.
Zarthrus ministrou uma de suas misturas na tentativa de trazer-lhe a razão,
mas sem sucesso.
– Me preocupa essa situação! – disse Mhirfun. – Se algum daqueles lagartos
voadores passar por nós, eles detectarão o medo desse homem com facilidade.
– Tenho pensado nisso já há algum tempo. – disse Grendhel. – Precisamos
fazer algo ou seremos alvos fáceis.
– Será que o gnomo não teria algo que o calasse?
– Pode ser! Zarthrus! – chamou o jovem.
O gnomo veio ao encontro dos dois.
– O que posso fazer para ajudá-los.
– Será que não teria uma forma de fazer esse homem se calar?
– Dei a ele uma mistura para trazer de volta sua consciência, mas o medo que
sente é muito poderoso.
– Não teria outra coisa que pudesse fazer? – perguntou o anão.
– Alguma coisa que apenas o cale.
– Talvez se o colocarmos em um sono profundo.
Mas, não posso garantir, pois ele pode entrar em um mundo de sonhos ruins.
– Precisamos tentar. Se ele continuar desse jeito, quem vai enlouquecer sou
eu.
– Falarei com Narhen e Oathu.
Depois de conversar com ambos, Zarthrus deu a Jhiet mais uma de suas
misturas. Quase que imediatamente o homem adormeceu.
– Pronto! Agora devemos orar para que tenha apenas sonhos bons. – disse o
gnomo.
O som do silêncio se fez presente. Apenas os passos abafados dos homens
que moviam a grande carroça eram ouvidos. Todos voltaram a respirar mais
tranquilos. Algumas horas mais tarde Jhiet soltou um grito de pavor. O medo de
Zarthrus se concretizara. A mente do homem estava mergulhada em um mundo de
pesadelos. Nesse momento, o que Mhirfun temia também deu sinais de sua
presença. Um grito agudo mesclado a um rugido foi ouvido bem ao longe.
– Precisamos fazer alguma coisa. – disse Mhirfun. – Ele vai atrair o Izmhur.
– Tudo o que podia fazer já fiz. – respondeu o gnomo.
Então, de outra direção novo grito e em seguida outro.
O medo de Jhiet estava atraindo todos os monstros alados nas proximidades.
E o problema apenas aumentou, pois os outros guerreiros começaram a temer por
suas vidas, aumentando ainda mais o farol que guiava os monstros.
– Narhen! – disse Galler. – Talvez você e sua irmã possam fazer alguma
coisa.
– Mas o quê?
– Por que não unem suas energias e tentam curar a mente do homem e
resgatá-lo de seu mundo de trevas.
– Não sei se conseguiremos.
– Apenas saberá se tentar.
– Mas, os Izmhur poderão atacar enquanto estivermos unidas e não
poderemos lutar.
– Se conseguirem ao menos acalmar os sonhos desse homem, talvez não seja
preciso lutar.
Narhen concordou e junto com sua irmã uniram suas mentes.
Assim que suas mentes tocaram a do atormentado, se viram em um local
escuro e caótico. Cenas desconexas se repetiam e se sobrepunham. Em todas elas o
medo e a dor eram constantes.
No meio dessa confusão de imagens, não conseguiam localizar Jhiet, apenas
ouviam seu grito vindo de todas as direções e tentavam segui-lo sem sucesso.
Caminhar por aquela mente era como caminhar por toras flutuando nas
corredeiras de um rio. De mãos dadas, seguiram em direção ao ponto mais escuro
daquela mente.
Do lado de fora, os homens se armaram, pois os Izmhur já se encontravam a
poucos metros e se aproximando rápido.
– Vocês devem manter suas mentes livres do medo. Caso contrário, nossa
chance de sobrevivência se reduzirá. – disse Galler aos homens.
O primeiro dos Izmhur voou por sobre a couraça, efetuou uma curva e
pousou. Logo em seguida, outros se juntaram a eles. O temor dos homens
aumentou. Os grandes lagartos alados haviam cercado a carroça.
Quando um deles ameaçou se aproximar daquela estranha estrutura, um
rugido temível foi ouvido, fazendo com que ele se voltasse para o lado. Um
enorme Izmhur acabara de pousar. Era o maior deles. Os outros o ameaçavam
rugindo e arremessando suas mandíbulas em sua direção. Ele respondia as ameaças
e continuava a caminhar em direção a origem do medo.
Os Izmhur menores tratavam de sair de seu caminho.
O primeiro que havia caminhado em direção à cúpula se voltou para ele
enfrentando-o. Seus tamanhos eram aproximados, mas o último era ainda maior e
tinha inúmeras marcas de mordidas e cicatrizes na altura do peito. Parecia mais
velho e experiente em batalhas que o outro. Uma luta era eminente. A supremacia
do mais velho estava ameaçada.
Narhen e Ishiá continuavam a busca pelo que havia assombrado o homem,
absortas ao que acontecia no mundo físico. As irmãs mergulhavam cada vez mais
fundo naquela mente perturbada, quando se viram nas bordas de um precipício,
onde a cada segundo, a margem se partia, caindo na escuridão abaixo. De repente,
o local onde estavam se quebrou e ambas despencaram no infinito daquela mente e
foram tragadas por aquela loucura.
A luta dos Izmhur, inicialmente, era um teste de aparências, em que um
tentava se mostrar mais forte e confiante que o outro, com a intenção de intimidar o
oponente e evitar a luta. Quando um deles ficava de pé sobre as patas traseiras e
abria as asas, logo o outro o imitava, rugindo com todo seu fôlego. Mas nenhum
dos dois tinha a intenção de ceder terreno.
Depois de algum tempo, os dois monstros saíram do campo das ameaças e o
combate se mostrou feroz. As caldas se agitavam no ar, enquanto os oponentes se
circundavam e se aproximavam. Quando se encontraram em distância de ataque, o
primeiro lançou, como uma cobra, sua mandíbula no pescoço do maior, pegando-o
de surpresa. O maior rugiu e o atacou da mesma forma, fazendo com que o largasse
e recuasse. Os dois voltaram a se avaliar ameaçando-se mutuamente.
Então, erguidos nas patas traseiras lançaram-se com as garras à mostra um
contra o outro. Seus longos pescoços se enrolaram enquanto as asas eram utilizadas
tanto para atacar quanto para equilibrar enquanto as garras tentavam rasgar couro e
carne.
A escuridão era imensa, a única coisa que impedia que as irmãs se perdessem
na escuridão era o fato de estarem de mãos dadas. Caíram pelo que parecia ser uma
vida e então pararam.
Os gritos ensurdecedores do início deram lugar a um silêncio fúnebre.
Os dois titãs digladiavam com garras e presas afiadas e o sangue dos
oponentes banhava o solo à sua volta. Suas caudas com espinhos cortavam o ar e
atingiam com violência os corpos. Nenhum dos homens do interior da couraça
jamais havia presenciado tamanha demonstração de força. A violência dos golpes
era percebida em todos os sentidos.
Os braceletes dos deuses brilharam na escuridão e as irmãs voltaram a se ver.
De repente, um choro, um gemido.
Uma lamentação chegou ao ouvido de ambas. Elas seguiram o som,
clareando com sua energia o caminho por onde passavam.
Um vulto encolhido chorava envolto em seus próprios braços. As irmãs se
aproximaram e o envolveram.
– Não tenha medo! – disse Ishiá. – Viemos resgatá-lo! – falou Narhen.
O homem olhou-as sem acreditar no que via.
– Afastem-se de mim. Querem me enganar e me matar. Afastem-se.
– Está enganado. Estamos aqui para levá-lo de volta. – disse Narhen.
– Levaremos você de volta ao seu lar. Aos seus amigos. – falou Ishiá.
O homem se calou ao ouvir aquelas palavras, mas...
– MENTIRA! Não podem me levar de volta. Estou morto. Já devoraram meu
corpo e agora querem meu espírito.
– Acalme-se. Não está morto. – disse Narhen. – Nenhum de nós está.
– Você está apenas confuso. – falou Ishiá. – Venha conosco e verá com seus
próprios olhos.
O homem as olhava com dúvida e esperança.
O menor dos Izmhur, com o pescoço encolhido e de cabeça baixa, observava
a imponência do maior, que a cada minuto, se mostrava superior. As caudas
continuavam a se mexer de um lado ao outro com toda a excitação da luta. O
menor parecia que finalmente se submeteria, mas em uma última tentativa, lançou
sua boca escancarada em direção a garganta do outro. Se alcançasse seu intento,
seria o fim da luta.
A poucos centímetros de distância o maior desviou sua cabeça, fazendo com
que o golpe passasse ao lado, em seguida, como um raio, atingiu o dorso do
pescoço do oponente, logo atrás da cabeça. Sua mandíbula se fechou e suas presas
se enterraram fundo na carne. O sangue jorrava da boca da fera, tanto do oponente
quanto seu próprio que ao abocanhar o dorso do pescoço, encontrou também os
espinhos que o protegiam. Mas ele resistia à dor e não largava.
O menor se debatia na esperança vã de se libertar.
De repente um estalo e o corpo agitado do menor tombou sem vida. Sua
cauda que havia sido lançada ao ar, continuou sua trajetória descendente.
O homem, com os últimos resquícios de esperança, liberou suas mãos e as
elevou para as irmãs.
A ponta espinhosa da cauda atingiu com violência a lateral da cúpula. Apesar
de resistente, a madeira não aguentou o impacto e se quebrou, exibindo grande
parte do seu interior, ao mesmo tempo, atingindo alguns dos homens próximos,
incluindo Galler, deixando-o inconsciente. O Izmhur maior sacudiu pela última vez
a cabeça do adversário e a largou. Em seguida, elevou a sua e se erguendo sobre as
patas traseiras, abriu suas asas e emitiu um rugido de vitória.
Alguns dos Izmhur menores, ainda inexperientes, levantaram voo temerosos
por suas vidas quando o vencedor da batalha se virou ameaçador em direção a eles.
A experiência novamente venceu.
O Izmhur vencedor voltou-se novamente para a cúpula e pela abertura viu as
pequenas criaturas em seu interior.
Rugindo e exibindo suas presas caminhou em sua direção.
O medo tomou conta dos homens e revigorou a confiança dos outros
monstros que voltaram a se aproximar.
Flechas foram disparadas, mas muitas erraram o alvo, pós as mãos trêmulas
não conseguiam direcioná-las corretamente.
O monstro se aproximava a cada instante. Grendhel e Mhirfun eram um
pouco melhores que os outros homens, mas não chegavam nem próximos à
pontaria das gêmeas ou do elfo.
Suas flechas feriam e retardavam o ataque, mas não o impedia.
– Se ao menos Narhen e Ishiá pudessem nos ajudar, teríamos melhor chance.
– disse o jovem.
– Se Galler não estivesse desacordado, esse monstro já estaria morto. Falou o
anão.
– Zarthrus, como está Galler?
– Ainda está desacordado, mas consegui estancar o sangramento do braço.
Mas outro de nossos homens se foi.
Um estilhaço de madeira atingiu seu coração. Os outros dois ficarão bem.
– Vamos homens, não se deixem derrotar por seus medos. – gritava Oathu. –
Vocês são guerreiros e se tiverem de morrer que morram como tal e não como ratos
assustados.
Mas as flechas continuavam sem direção. Nisso, uma estranha luminosidade
chamou a atenção de Zarthrus, o único que não participava da tentativa de defesa.
– Pelos deuses! – disse ele espantado.
Os braceletes dos deuses começaram a brilhar e seu brilho crescia e girava
como um rodamoinho. O vórtice de energia se expandia em pulsos. As próprias
irmãs pareciam brilhar. De repente uma imensa figura prateada emergiu da união
das duas em direção ao topo da cúpula. Ele passou pela estrutura de madeira e
pelas esteiras como se elas não existissem.
A forma esguia do dragão prateado se ergueu acima da couraça e sua forma
se modificou em um imenso dragão de escamas azuladas e douradas. A figura
subiu ao céu como um raio e depois de circular por sobre os Izmhur, voltou ao
solo, pousando bem na frente do Izmhur que reclamava seu prêmio pela vitória
anterior. Tinha os olhos vermelhos e brilhantes como a lava de um vulcão.
Um violento tornado de areia o envolveu e quando se dissipou, a figura etérea
parecia tão sólida quanto qualquer um que ali estava. O misterioso dragão se
ergueu em suas patas traseiras e abrindo as imensas asas, rugiu furioso, como faria
um dragão verdadeiro que estivesse sendo ameaçado.
Vários Izmhur se lançaram aos céus em fuga, restando apenas três no solo.
Porém, o Izmhur vencedor da contenda anterior e os outros dois não queriam ceder
seu lugar. Os três rugiam em uníssono e se lançaram ao ataque.
O maior dos Izmhur estava mais próximo e atacou do solo enquanto os outros
dois se ergueram em suas asas e mergulharam do ar. O dragão não se intimidou e
com um só golpe de sua pata dianteira decepou e lançou longe o primeiro dos
atacantes. Em seguida, girou a cabeça e lançou uma chama opaca de sua garganta
que confundiu o segundo, que em seguida, foi arrancado do ar por poderosas
mandíbulas. O terceiro tentou se desviar para fugir, mas a cauda, cuja ponta parecia
coberta por lanças, o atingiu derrubando-o sem vida nas areias do deserto.
O dragão voltou a rugir tão alto quanto um trovão de um dia tempestuoso e
saltou ao céu. Quando atingiu algumas dezenas de metros de altura, a energia se
desfez e uma grande quantidade de areia despencou de volta ao deserto. Todos os
homens, incluindo Grendhel, Mhirfun e Zarthrus estavam apavorados com o que
viram.
Lentamente se voltaram para as gêmeas e viram o brilho dos três braceletes
se apagar. Ao lado das irmãs, estavam o lobo e a águia, como fieis guardiões. As
duas que estavam sentadas, desmontaram exaustas cada uma para um lado. Então,
enquanto Grendhel acompanhado do anão e do gnomo corriam para socorrê-las,
todos os homens como se fossem um único indivíduo, soltaram a plenos pulmões,
um imenso grito de vitória.
Durante praticamente toda a manhã daquele mundo, as irmãs
dormiram.
– Elas continuam dormindo. – disse o gnomo.
– O esforço que fizeram foi tremendo. – disse Galler.
– E você? Como está seu braço?
– Melhor! Graças a você e a esse seu pó o ferimento praticamente se
cicatrizou.
– Mesmo assim não deve fazer qualquer esforço com o braço. A cicatrização
interna é um pouco mais demorada que a externa.
Nisso Grendhel se aproximou.
– Os animais não saíram de perto das duas em nenhum momento desde a
batalha. – disse ele. – É como se estivessem compartilhando suas energias.
– Elas necessitam descansar. – disse Mhirfun que também se aproximou
trazendo um pouco de carne de Izmhur para os animais. – Nunca imaginei que elas
teriam tamanho poder.
– Nenhum de nós, meu amigo. Nenhum de nós.
– A ideia de Oathu em dividir seus homens em três grupos foi muito boa. –
disse Grendhel. – Depois da perda de dois de seus homens e dos outros dois
incapacitados, essa divisão se mostrou mais eficiente. Enquanto um dos grupos
descansa, os outros dois trabalham. E trocando apenas um dos grupos, tem sempre
um número maior de braços e pernas para empurrar a carroça. Estamos indo mais
rápido e com menos esforço.
– Se continuarmos nesse ritmo e se mais nada acontecer, recuperaremos
grande parte do tempo que estivemos parados encurralados pelos seres da areia. –
disse Mhirfun.
Passadas mais algumas horas, o cheiro de comida chegou ao nariz de Narhen.
– Tenho fome. – disse.
– E sede. – concluiu a irmã.
– Graças aos deuses! – disse Zarthrus. – Já estava preocupado por vocês não
acordarem.
– O que aconteceu? – perguntou Narhen.
– Vocês não se lembram?
– Lembro-me de estar na mente confusa e desconexa de Jhiet. Que caímos
nos desfiladeiros de sua loucura, mas no final conseguimos encontrá-lo.
– Somente depois de muita insistência ele concordou que o ajudássemos. –
continuou Ishiá.
– Depois, caímos em um sonho estranho. Sonhamos que tínhamos nos
transformado em um enorme dragão, como aquela forma de energia que afugentou
o Izmhur quando chegamos a esse mundo, mas era um dragão verdadeiro. Sólido. –
falou Narhen.
– Saltamos para lutar contra um três Izmhur ao mesmo tempo. Eles nos
atacaram, e nós nos defendemos matando os três. Depois nos lançamos ao céu e o
sonho de desfez. – concluiu Ishiá.
O gnomo deu um sorriso.
– Não foi um sonho. Vocês se tornaram um dragão verdadeiro e mataram os
Izmhur salvando a todos nós.
– Ou quase. – disse Grendhel aproximando-se de Ishiá.
Sem entender o que Zarthrus e Grendhel tinham dito, observaram os outros
de seus companheiros se aproximarem e trazerem Oathu com eles.
– Jhiet. Como está Jhiet? – perguntou Narhen.
– Está descansando. – disse Oathu. – Recuperou sua sanidade graças a vocês.
Mas, preferi que por enquanto continuasse dormindo. Não quero que volte a ter
alguma recaída.
– Nos tornamos um dragão verdadeiro? – perguntou Ishiá. – Não consigo
entender.
– Era verdadeiro, sim. – disse Grendhel. – Tão sólido quanto qualquer de nós
ou mesmo que os Izmhur.
– Mestra Ishiá. Confesso que é muito difícil para um anão dizer que sentiu
medo, mas o rugido do dragão fez minhas pernas tremerem. Nem mesmo quando o
bando de Izmhur nos encurralou, eu senti algo igual. Não sobrou um só pelo de
meu corpo no lugar. Agora entendo o verdadeiro desafio que Krufindhor e seus
homens tiveram de enfrentar.
– Era prateado, mas suas escamas brilhavam azuis e douradas. – disse
Zarthrus. – Era um ser magnífico. Assustador, mas magnífico.
– Por quanto tempo dormimos? – perguntou Narhen.
– Por toda a manhã desse mundo. – respondeu Galler.
– Vocês controlaram uma energia imensa. É natural que estejam exaustas.
– Então ainda falta muito para chegarmos às margens da floresta!
– Não tanto quanto pensa. Oathu efetuou uma nova divisão entre seus
homens e agora, temos sempre mais homens trabalhando que descansando.
As gêmeas quiseram saber mais detalhes de tudo o que aconteceu, pois ainda
era difícil acreditar na história que lhes contaram. A grande carroça manteve seu
avanço rápido pelo deserto e somente quando a noite se mostrou, no final do quinto
dia, eles tiveram certeza de que estavam no caminho certo. Conseguiam vislumbrar
finalmente o pico mais alto da cadeia de montanhas onde outrora viviam os
dragões.
A couraça finalmente se imobilizou para que todos pudessem descansar e se
alimentar.
Os novos grupos de homens que iriam continuar o trabalho já estavam
definidos e os viajantes dos mundos não faziam parte dele. Oathu e seus homens
acharam melhor que eles ficassem descansados para o caso de algum imprevisto
ocorrer. Era evidente para os aldeões a supremacia deles perante aos perigos. O
único que não aceitou ficar parado foi Mhirfun.
– Terão de me amarrar para que eu fique sentado enquanto posso ajudar. –
disse ele tomando seu lugar no solo.
Na verdade, foi uma grande ajuda, pois embora sua estatura fosse mais baixa
que a do povo da floresta, sua força equivalia à força de dois ou três dos homens da
floresta.
Assim como no restante do dia anterior, a noite também correu sem
incidentes. Assim que o alvorecer chegou, puderam visualizar à esquerda, a quase
totalidade da montanha dos dragões. E no meio da manhã, uma linha verde pôde
ser observada no horizonte.
A euforia tomou conta novamente dos corações dos homens. Faltava muito
pouco para chegarem em casa. A águia mostrava-se ansiosa por se lançar aos céus,
mas Ishiá lhe pediu que aguardasse até que estivessem mais perto, não queria que
outro Izmhur voltasse a atacá-la.
Quando finalmente chegaram, o povo da floresta já os aguardava vibrando.
Após uma rápida confraternização, todos do povoado que estavam presentes
participaram do transporte das cargas.
Cada ovo foi acondicionado em cestos nas costas dos carregadores e pouco
tempo depois que chegaram, a grande carroça foi deixada para trás. Assim que
chegaram ao povoado, Ephoes veio recebê-los com sua tradicional reverência.
– Adda Ighiaist odai iheda adeir! – disse sorrindo.
– Adda zhiu moargh iheda adeir! – responderam todos.
Os carregadores descarregaram os cestos com os ovos e com as carnes
salgadas de Izmhur, assim como os couros enrolados.
– Vejo que enfrentaram alguns problemas, mas superaram. – disse o ancião. –
Venham, devem descansar e se preparar, pois um banquete será servido em
homenagem a todos vocês.
Algumas mulheres do povoado pegaram Narhen e Ishiá pelos braços e as
levaram a um riacho de águas frescas e cristalinas para que se banhassem. Oathu e
seus homens foram em outra direção levando com eles o restante do grupo das
gêmeas. O lobo se embrenhou na floresta aproveitando os momentos de um
descanso merecido, assim como a águia, que se lançou ao ar, sem se afastar das
copas das árvores. Algumas horas mais tarde, o grupo voltou a se encontrar.
Vestiam roupas limpas e as mulheres tinham os cabelos penteados e arranjos
de flores presos a eles. A visão das duas em nada se assemelhava as das guerreiras
que deixaram o povoado vários dias atrás. Era uma visão mágica. Todo o povo se
divertiu enquanto foram contados todos os feitos da grande e perigosa viagem.
Prenderam o fôlego quando ouviram o relato de quando um Izmhur perseguiu
a águia e outra vez, pararam de respirar, quando ouviram os detalhes sobre a
perícia de Galler, em abatê-lo com apenas uma flecha. Apertaram as mãos quando
a família dos monstros atacou os viajantes na Coroa dos Dragões. Ergueram as
pernas em suas cadeiras ao ouvirem sobre os seres da areia. E ficaram com a boca
e os olhos arregalados quando escutaram que as irmãs haviam se tornado um
imenso dragão que matou três Izmhur com a rapidez de raio e, com os cabelos em
pé ao ouvirem sobre o rugido de trovão que ele emitiu. Depois das histórias serem
repetidas inúmeras vezes, as pessoas começaram a se retirar.
Narhen e Ishiá se aproximaram de Ephoes.
– Conseguiram encontrar um local onde os ovos possam permanecer
protegidos? – perguntou a primeira.
– Sim, existe uma caverna próxima daqui que deve servir. Essa caverna foi
utilizada por nossos antepassados quando chegaram a essa floresta.
– Gostaria de vê-la. – disse Ishiá.
– Depois que descansarem, eu mesmo as levarei até lá. Mas gostaria de
conversar sobre outros assuntos.
Ephoes quis saber outros detalhes a respeito da viagem, mas sem os floreios
das histórias. As irmãs responderam a todas as suas perguntas e depois se retiraram
aos seus aposentos.
Seus corpos ansiavam por deitar nas camas de folhas relaxantes e
revigorantes daquele povo. O sono foi longo para todos os que participaram da
jornada pelo deserto, mas quando acordaram se sentiram novos e recarregados.
O gnomo, como de costume, não dormiu. Parecia que sua energia não se
esgotava. Como sempre, ele sempre saia em busca de informações sobre a floresta.
Recolhia folhas, flores, raízes, sucos de frutas, seivas variadas e tudo que lhe
informassem ser de alguma utilidade curativa. Absorvia tudo que lhe falavam. Os
detalhes sobre as plantas eram para ele um tesouro inestimável.
Quando despertaram, se não fosse pelo corpo refeito, teriam a impressão de
que tinham acabado de deitar, devido ao tempo passar de forma tão lenta naquele
mundo.
Ephoes fez conforme prometido e junto com Oathu levou os viajantes até a
caverna dos antepassados.
Existia um pequeno córrego que brotava bem ao lado da caverna. A caverna
era um local agradável. Aquecida e com pouca umidade. Atravessando por um
túnel existente no fundo, chegava-se a outra abertura no topo de um pequeno
desfiladeiro de onde se avistava uma grande área de céu aberto.
– Aqui meu povo obteve proteção durante os primeiros momentos em que
chegaram nessa floresta. Se aqui não servir, nenhum outro local servirá. Esse local
é próximo o bastante do povoado, facilitando os cuidados com os ovos. Nossa
parte será honrada no tratado com os dragões.
Ephoes estava sendo sincero. Seria ali a nova morada dos ovos até que o
feitiço matador de dragões fosse destruído.
– Obrigada! – disse Narhen. – Você é um homem de palavra. Esse é um bom
local. É seguro e facilitará aos jovens dragões, quando chegar a hora de voarem.
Os carregadores levaram os ovos para o interior da caverna e embora no
deserto eles tenham sido encontrado sobre a pedra, nessa caverna, colocaram-nos
sobre um verdadeiro ninho de folhas. As mesmas utilizadas na confecção das
camas. Assim que ficaram novamente juntos, a magia em forma de bruma que
envolvia a cada um se mesclou com a dos outros e uma névoa se formou acima e
em volta, que praticamente os teria escondido se não fosse o brilho opaco e
pulsante que emitiam.
– Eles ficarão bem! – disse Ishiá.
– Tenho certeza que sim. – concluiu Narhen.
Depois que todos os ovos foram postos a salvo no interior da caverna, vários
homens do povoado fecharam parcialmente as entradas daquela gruta.
– Isso impedirá que algum outro animal possa invadi-la e que venham a
prejudicá-los, mas não impediria a entrada de um homem. Designarei guerreiros
para a proteção constante da caverna. Caso algum grande mal ameace a segurança
do lugar, soarão avisos e todos viremos em auxílio. Tem minha palavra!
– E nós não duvidamos dela.
Retornaram ao povoado para os preparativos da outra parte da jornada por
aquele mundo. Oathu se aproximou das irmãs, enquanto elas pegavam seus
pertences e após já estarem vestidas novamente para a batalha.
– Oathu, veio se despedir? – disse Narhen.
– Não! Ao menos por enquanto! Gostaria que não partissem com tanta pressa.
Tornaram-se grandes amigos. Queria poder compartilhar com vocês as maravilhas
dessa floresta.
– Você também se tornou nosso eterno amigo, mas precisamos concluir o
trabalho que os deuses nos destinaram. Temos de fechar a fenda na rocha e libertar
esse mundo do feitiço que matou os dragões, para que sua raça novamente floresça
e viva em equilíbrio.
– Além disso, se não concluirmos nossa tarefa, nosso próprio mundo, nossos
pais, amigos e irmãos que lá vivem, estarão condenados à destruição. – disse Ishiá.
– Todos vocês carregam um grande peso. – disse Oathu. – Tenho certeza de
que alcançarão seus objetivos. Tenho orgulho em chamá-los de amigos.
– Nós também! – disse Grendhel que se aproximou e pegou-o nos ombros.
– Selecionei três de meus melhores homens. Nós permaneceremos ao lado de
vocês enquanto estiverem nesse mundo.
– Obrigado, meu amigo! Sua ajuda será de grande valia! – falou Galler.
– E enquanto caminharem conosco, poderão me dar mais informações sobre
as plantas do caminho. – disse Zarthrus.
Todos riram.
– Será um grande prazer, meu pequeno amigo! Será um grande prazer!
Oathu se retirou para se preparar e a seus homens.
– Apesar dos perigos que vivemos, sentirei falta desse mundo! – disse
Narhen.
– Todos nós sentiremos minha irmã!
Com todos os preparativos prontos, a caminhada até a montanha dos
dragões começou. Não havia motivo para se aguardar um novo dia, já que os
períodos de sol ou lua eram tão demorados. Oathu e seus três guerreiros seguiram
como batedores à frente do grupo de Ishiá e Narhen. O caminho mais rápido e
seguro era passando por dentro da grande floresta e, embora existissem vários
perigos possíveis, os guerreiros do povoado já os conheciam.
– Mestre Oathu, todas as árvores tem esse tamanho? – perguntou Mhirfun.
– Não. Apenas no ponto onde estamos e em alguns outros lugares isolados.
As outras chegam ao máximo à metade da altura das árvores luminosas.
– Então, é assim que chamam as árvores onde habitam. – disse Narhen. – Faz
todo o sentido. Saberia dizer de onde vem a luminosidade de seus troncos?
– Não, mas nosso povo acredita que as árvores a absorvem do sol. Quando os
dias estão mais longos, a luminosidade aumenta e quando são mais curtos, ela
diminui gradativamente. É como se elas capturassem a energia do sol e a
guardassem para os períodos de noites longas.
– Pensei que pelo fato de serem tão longos, não existisse diferença entre os
períodos diurnos e noturnos.
– Oh! Não! Temos três períodos diferentes. Um quando o sol se demora mais
a deitar, um de longas noites e outro quando as águas descem sem piedade dos céus
e inunda grande parte da floresta. Nós estamos nos aproximando do período das
noites longas, pois os dias estão do mesmo tamanho que as noites.
– Quanto tempo dura cada um desses períodos? – perguntou Grendhel.
– Aproximadamente oitenta ciclos solares, mas o período chuvoso só começa
na terça parte do noturno e termina antes que se passe um quarto do solar. Essa é a
época mais perigosa para meu povo, pois pode ser pego de surpresa por uma cheia
rápida no meio da floresta e se não tiver um local para subir pode ser arrastado e
morto. Nessa época também, surgem vários outros animais na floresta. Alguns
bastante ferozes. Depois que as águas se vão, podemos cultivar cereais sobre o
limo fértil deixado na terra. Também depois desse período, toda a floresta se
enfeita com flores de todas as cores e frutos de inúmeros sabores. É a hora dos
animais terem suas crias, para que elas cresçam fortes e saudáveis.
– Olhando a beleza atual desse lugar, imagino como deve ser quando está
tudo florido. – disse Ishiá. – Deve ser uma visão maravilhosa.
– Oh! É de encher os olhos e o espírito.
Conversar sobre a floresta com Oathu trazia paz ao coração. Ele amava
aquele lugar com toda a sua beleza e perigos.
O grupo seguia rápido e não demorou muito para sair da região das árvores
gigantes e entrar em um trecho de árvores menores e mais fechadas, algumas
tinham os galhos e troncos cobertos por grossos espinhos. Havia muitos cipós e
trepadeiras, o que dava ao local uma aparência sinistra. Algumas árvores mortas
que se recusaram a deitar, completavam o ambiente.
No momento em que entraram nesse ambiente o lobo que vinha tranquilo ao
lado de Narhen tomou uma postura diferente e alerta. Era como se tivesse entrado
na área sombria de Farthorn, na região dos lobos negros. Narhen imediatamente
percebeu os sentimentos do animal.
– Quais perigos existem nesse lugar? – perguntou.
– Vários. Existem serpentes, porém poucas são venenosas. Sanguessugas tão
grandes que em pouco tempo drenam todo o sangue de uma pessoa, mas o
principal são Ürhairs. Sozinhos já são destemidos e não recuam nem mesmo para
um Izmhur, mas quando estão em bando são terríveis. São grandes e muito ágeis.
Têm presas longas e as duas debaixo são curvas e saltam para fora da boca como
duas adagas. Irritam-se muito facilmente e se avistarmos algum deles devemos ser
silenciosos e sair imediatamente de seu caminho. Já vi um homem fugindo para
uma árvore e dois deles roendo o tronco na tentativa de derrubar a árvore para
alcançá-lo.
– Então, espero que não encontremos com nenhum deles.
– Eles têm algum ponto fraco? – perguntou Galler.
– Não sei dizer. Nas poucas vezes que os vi brigando, eles sempre tentam
pegar o oponente por trás da cabeça. Uma vez, eu e meus homens matamos um
Ürhairl jovem que entrou em nossa área da floresta e causou muitos estragos no
povoado. Foram precisos mais de dez homens e muitas flechas e lanças para
derrubá-lo.
– Devemos atravessar o mais rápido possível o território desses animais. Um
confronto pode ser trágico. – disse Galler. – Qual o caminho mais rápido para
montanhas do dragão?
– Bem, o caminho que estamos seguindo é menos acidentado e de melhor
acesso ao vale anterior à montanha, mas existe um caminho mais rápido. O
desfiladeiro da vingança ou da solidão. A trilha é perigosa e estreita. Os Ürhairs
não se arriscam muito naquela região.
– Porque chamam o local de desfiladeiro da vingança ou da solidão? –
perguntou Ishiá.
– Zimbhour foi um grande guerreiro de nosso povo. O maior de todos. Ele
conseguia arremessar uma lança a mais de sessenta metros e acertar o alvo. Com o
bastão de arremesso, atingiria três vezes essa distância. Lutava sozinho de mãos
nuas contra cinco homens e os derrotava. Era ágil e tinha a força de três homens.
Ele tinha um enorme coração e ajudava a todos. Não aceitava qualquer tipo de
injustiça. Durante muito tempo permaneceu sem companheira, embora todas as
mulheres que ainda não tinham aceitado constituir família sonhassem e flertassem
com ele. Zimbhour não retribuía os olhares e suspiros, pois acreditava que só
deveria fazer isso quando sua alma gêmea fosse encontrada e não queria ter o peso
de um sentimento partido em sua alma. Nosso povo era dividido em dois e cada
povoado se situava em locais distintos da floresta e em raríssimas ocasiões se
encontravam.
Certa vez, enquanto caçava, encontraram alguns membros do outro povoado
em apuros encurralados por dois Ürhairs. Zimbhour arquitetou um plano e
rapidamente junto com seus homens montaram algumas armadilhas. O próprio
Zimbhour serviu de isca para os Ürhairs atraindo-os. Eles mataram os monstros e
salvaram os outros homens. Ele acompanhou Bohiner e seus três companheiros até
o outro povoado, levando consigo as carcaças dos Ürhairs.
Quando lá chegaram, Bohiner o convidou para se hospedar em sua casa, pois
se tornaram grandes amigos. Ele conheceu então Athelya, irmã de Bohiner. Era a
beleza encarnada. Tinha os olhos da cor do cristal azul e a boca rubra Corpo esguio
e cabelos mais negros que a noite mais escura e sua pele era alva. Athelya era doce
como a fruta mais doce, mas sua mente era mais astuta que a maioria dos anciãos.
Quando a viu, Zimbhour imediatamente soube que era por ela que ele esperara. O
sentimento se mostrou recíproco e por isso Zimbhour adiou sua partida para seu
próprio povoado. Porém, vários outros guerreiros também cobiçavam desposar
Athelya, que por diversas vezes, os rejeitou.
Um deles, Barthurk, um guerreiro cruel e inescrupuloso que jurara que ela
seria dele, não aceitou o relacionamento dos dois. Ele tentou influenciar Bohiner
contra Zimbhour, mas sem sucesso. Zimbhour já detinha o consentimento de
Bohiner para conhecer sua irmã e futuramente se unirem.
Barthurk não aceitou e jurou que se ela não fosse dele, não seria de mais
ninguém. Pouco tempo depois, Zimbhour e Athelya se uniram. O sentimento de
um pelo outro era contagiante e quase todos no povoado de Athelya passaram a
gostar cada vez mais do guerreiro, que nunca negava auxílio a quem quer que
fosse, e isso deixava Barthurk cada vez mais irritado.
Zimbhour não dava atenção a Barthurk, imaginando que ele apenas fazia
barulho. O guerreiro queria que sua esposa também conhecesse o seu povoado e
preparou uma viagem pela floresta. Bohiner e alguns de seus companheiros de caça
iriam com eles. Barthurk decidiu que seria a única chance de matar o rival e roubar
sua esposa simulando que a havia salvado.
Com outros dois comparsas arquitetaram um plano e saíram do povoado
algum tempo antes de Zimbhour. Como conheciam qual era o melhor caminho
entre os povoados, armaram a emboscada nessa rota, justamente onde era o local
mais propício de haver Ürhairs, o que reforçaria seu suposto salvamento.
Não tardou muito e Zimbhour, Athelya e o restante do grupo foram vistos.
Barthurk e seus homens capturaram um Ürhairl jovem e quando o grupo se
aproximou o irritaram ao máximo e o libertaram sobre o grupo, imaginando que
Zimbhour iria lutar, enquanto sua mulher alcançaria a proteção das árvores. O
animal investiu com violência sobre o grupo. Zimbhour mandou Athelya subir o
mais alto que pudesse em uma árvore próxima e o mesmo gritou aos outros
homens, mas o Ürhairl foi muito rápido e pegou os dois companheiros de Bohiner
matando-os facilmente e em seguida, partiu em direção a Athelya que estava com
dificuldades em escalar. Zimbhour conseguiu erguer a esposa bem a tempo, mas
não teve tempo para ele mesmo.
O animal o alcançou um pouco acima do solo e o arremessou longe. Barthurk
e o restante de seus comparsas assistiam de uma distância segura na proteção das
copas das árvores. Antes que o animal voltasse a atacar a Zimbhour, Bohiner saltou
ao chão atraindo para si sua atenção. O Ürhairl o atacou furioso. Bohiner
conseguiu atingi-lo gravemente, antes que ele próprio fosse alcançado, ferido e
lançado longe, caindo desacordado.
Zimbhour que se recuperara e correu para ajudá-lo. O monstro se virou e
novamente investiu sobre ele. O guerreiro atingiu mortalmente o peito do animal
com uma lança, mas isso não causou uma morte rápida. O Ürhairl o abocanhou por
sobre o ombro, próximo ao pescoço, e o sacudiu no ar, para em seguida largá-lo
desfalecido e com grandes cortes que geravam grande sangramento. O animal
caminhava seus últimos passos cambaleantes em direção à morte, quando Barthurk
e seus homens invadiram o local e atingiram o Ürhairl acelerando o inevitável.
Quando Athelya desceu da segurança da árvore para o chão, Barthurk mandou que
a segurassem, para que não visse o estado de seu homem e o de seu irmão.
Enquanto Barthurk examinava Zimbhour, um de seus homens se aproximou e disse
que Bohiner e seus homens estavam mortos.
Zimbhour respirava com dificuldade, então Barthurk aproximou-se de seu
ouvido e disse: “– Como não conseguirá contar a ninguém eu lhe confesso. Foi um
plano arriscado, mas fui eu quem jogou esse Ürhairl sobre vocês. Eu sabia que
você daria sua vida por Athelya. Agora eu a levarei em segurança de volta ao
povoado e serei considerado um herói, enquanto você apodrecerá nessa floresta. Eu
tirarei você da cabeça dela e ela me aceitará como companheiro. Seu erro foi não
acreditar quando disse que Athelya seria apenas minha.” Em sua mente, Zimbhour
ardia em ódio, mas não conseguiu levantar um dedo sequer. Barthurk levantou-se
deixando-o para morrer.
“– Não podemos fazer mais nada”. – falou o traidor.
Athelya gritava em desespero para ir ao encontro de seu amado, mas foi
impedida.
“– Precisamos sair o mais rápido possível daqui. Pode haver outros desses
monstros na região e todos corremos perigo”.
“– Temos que levá-los para o povoado”. – disse ela chorando.
“– Será um peso muito grande e nos atrasará. Além do cheiro do sangue atrair
os predadores para nós”.
Barthurk a convenceu e Athelya seguiu com ele de volta ao povoado.
O fio da vida de Zimbhour estava por se romper, mas o ódio por Barthurk o
manteve. Bohiner também não estava morto. Estava ferido, mas de forma menos
grave que Zimbhour e se recuperou mais rápido. Foi ele, mesmo muito ferido,
quem socorreu ao amigo estancando o sangramento.
Quando recuperou a consciência, Zimbhour contou a Bohiner o que Barthurk
lhe confessara. Os dois enterraram os homens e se fortaleceram com a carne do
Ürhairl e de algumas plantas. Em seguida seguiram atrás de Athelya e do traidor.
Chegaram ao povoado, bem no meio da comemoração do heroísmo de Barthurk.
Apesar de triste, Athelya estava ao lado de seu salvador.
“– TRAIDOR!” – gritou Bohiner.
Todos ficaram em silêncio, perante as aparições.
“– Vocês estão vivos.” – disse Athelya, se levantando para correr ao encontro
dos dois, mas Barthurk a segurou pelo braço.
“– Tire suas mãos imundas de minha mulher.”
“– Sua mulher? Vocês estavam mortos quando saímos.”
“– Você pensou que Bohiner estivesse morto e que eu não sobreviveria,
quando confessou a emboscada e a armadilha que montou. Não imaginava que nos
encontraríamos de novo. Mas estamos aqui para acertar contas.”
“– Vocês estão delirando. Eu nunca iria jogar um Ürhairl contra vocês e
muito menos arriscar a integridade de Athelya.”
“– Além de covarde é mentiroso.” Disse Bohiner.
Barthurk se irritou ao ser chamado de mentiroso e começou a perder o
controle. Os dois aproveitaram e continuaram a forçá-lo até que finalmente
confessou. Athelya se afastou de Barthurk retornando para junto de seu homem e
de seu irmão. Barthurk percebendo que não haveria escapatória para ele depois de
confessar disse: “– Se for punido, pelo menos você não estará mais nesse mundo.”
Ele pegou sua lança e a arremessou contra Zimbhour que estava muito ferido
para se desviar com velocidade. Porém, a lança não atingiu seu objetivo. Athelya
saltou na frente e recebeu o impacto da arma. Zimbhour correu até ela, mas já
estava morta. Barthurk aproveitou a confusão para fugir. Barthurk feriu Zimbhour
no corpo e na alma.
O Guerreiro gritou: “– Você não conseguirá se esconder, eu o caçarei até
dentro de um ninho de Izmhur e, nesse momento você sentirá o tamanho de meu
ódio”.
Mesmo ferido, Zimbhour saiu à caça de Barthurk por toda a floresta e,
finalmente conseguiu encurralá-lo.
“– Pensa que será páreo para mim ferido como está?” – falou o criminoso.
“– Eu acabarei com você, nem que seja a última coisa que faça na vida”.
Os dois lutaram e no fim Zimbhour venceu, porém, simplesmente matar
Barthurk não aliviaria sua sede de vingança. A perda da única mulher que amou
retirou toda a misericórdia de seu coração.
“– Você sentirá toda a dor que causou a mim e aos outros”.
Zimbhour amarrou o infeliz e o arrastou pela floresta. Em seguida, na região
dos Ürhairs, o amarrou no oco de uma árvore de forma que quando os animais
atacassem, eles teriam de roer o tronco para alcançar sua vítima. Barthurk sentiria
todo o pavor da morte se aproximando na forma dos dentes dos animais e de ser
estraçalhado vivo. Em seguida, atraiu um dos monstros. Assim que o Ürhairl se
aproximou, Barthurk começou a gritar por socorro, o que apenas aumentou a ira da
fera. Enquanto Zimbhour se afastava do local, podia ouvir os gritos de desespero
do homem e os ruídos medonhos da fera até que finalmente cessou.
Barthurk morrera. Zimbhour não voltou para nenhum dos dois povoados,
nada mais fazia sentido para ele. Seguiu então para o desfiladeiro e lá permaneceu
em sua loucura, sozinho até o final de sua vida. Esse é o motivo do nome.
– Que história triste. – disse Ishiá.
– Como sabe de tudo isso, se ele não mais retornou ao povoado? – perguntou
Grendhel.
– Bohiner era o pai do avô de meu pai. – respondeu e continuou. – Bohiner
procurou por Zimbhour por muito tempo e encontrou os restos de Barthurk e sua
adaga, junto ao tronco roído e manchado por sangue e entendeu o que havia
acontecido.
Algum tempo depois encontrou Zimbhour no desfiladeiro, mas sua mente
havia enlouquecido.
– Qualquer um que passasse o que ele passou também enlouqueceria. – disse
Grendhel.
O grupo ficou em silêncio e caminhou introspectivo por muito tempo.
– Oathu, quanto tempo imagina que demoraremos para chegar ao
desfiladeiro? – perguntou Narhen.
– Não muito. Sem nenhum contratempo, cerca de dois períodos de
caminhada, sem contar esse no qual estamos.
Como Oathu dissera, caminharam sem nenhum contratempo e montaram
acampamento por duas vezes.
A vegetação mudava rapidamente enquanto caminhavam.
As árvores ficavam menores e mais distantes umas das outras. Em
contrapartida, começaram a surgir pequenas árvores, arbustos e gramíneas que em
alguns pontos eram mais altas que Galler, mas no geral, ia até um pouco acima da
cintura de Ishiá.
Passaram próximos a um pequeno amontoado de rochas, Zarthrus percebeu
uma coloração diferente no alto.
– Galler, saberia me dizer o que é aquilo? Aquele brilho?
O elfo que tinha uma visão privilegiada em relação às outras raças disse: –
São flores. Flores nascendo nas rochas.
– Flores brilhando? Esse mundo é realmente maravilhoso! Gostaria de
observar de perto.
Como não sairiam do caminho, fizeram um pequeno desvio até a estrutura
rochosa.
– São os dentes do dragão! – disse Oathu espantado assim que se aproximou
a ponto de distinguir a flor.
– Dentes do dragão? – perguntou Zarthrus percebendo o espanto do homem.
– Sim. Essa planta é muito rara e floresce apenas uma vez a cada cem
períodos solares. Sua seiva pode ser um antídoto para qualquer veneno, ou mesmo,
o mais poderoso veneno.
– Como pode uma planta ser ao mesmo tempo antídoto ou veneno? –
perguntou Narhen.
– Essa planta pode produzir flores vermelhas ou negras. A seiva das flores
vermelhas é o antídoto e a das negras o mais mortal dos venenos. Aquela
informação aguçou a curiosidade do gnomo.
– Preciso chegar até ela. – disse Zarthrus.
Assim que chegaram à base do grande monólito com cerca de quarenta
metros de altura perceberam a dificuldade.
– A rocha é lisa e sem rachaduras. – disse Galler. – A única saliência é o local
onde nasceu a planta. É impossível escalar.
O gnomo correu em torno da rocha e não encontrou nenhuma maneira de
subir. Desapontado se aproximou novamente do grupo quando ouviu Ishiá dizer: –
Por que tanta frustração meu amigo? Nós iremos ajudá-lo.
Ishiá deu um passo para o lado e revelou o anão e em suas costas a águia. O
gnomo entendeu e um largo sorriso surgiu em seu rosto. A águia o pegou pelos
braços e o ergueu sem dificuldade até a saliência no topo da rocha.
O gnomo observou admirado todos os detalhes da planta. Suas raízes se
espalhavam e se agarravam na rocha como garras. As folhas espessas, eram
estreitas junto à base e largas nas pontas, na parte superior eram de um verde
escuro e recobertas com algo semelhante a escamas e na inferior uma tonalidade
esbranquiçada. Um pequeno caule emergia de um ninho de folhas e na sua
extremidade, várias flores semelhantes a presas, algumas vermelhas e outras
negras, que assemelhava o conjunto a uma mandíbula pronta para dilacerar.

Mas...
– Oathu! – gritou Zarthrus. – Existem flores vermelhas e negras. Porém,
existe também uma flor dourada como o sol.
– Não sei o motivo. Não ouvi sobre flores douradas. Isso é algo muito mais
raro.
O gnomo abriu seu alforje e pegou três pequenos frascos. Aproximou o
primeiro da base da flor negra e com suavidade, apertou suas pétalas. Um líquido
escuro e viscoso escorreu com dificuldade. Ele repetiu o processo em todas as
outras flores negras. No segundo, repetiu o processo com as vermelhas, um néctar
rosáceo e perfumado saiu delas. Quando espremeu a única flor dourada no terceiro
frasco, obteve um líquido límpido e luminoso.
Dessa única flor, obteve a mesma quantidade de néctar que todas as negras
juntas. Quando Zarthrus retirou a mão, a flor dourada se desprendeu sem que ele a
puxasse e nela havia duas sementes. O gnomo então guardou os frascos e a flor no
interior do alforje.
Zarthrus virou-se para chamar a águia, mas do ponto onde estava, observou
uma movimentação na vegetação se aproximando do local onde seu grupo estava.
Ele viu alguns grandes animais que lembravam lobos e imediatamente os Ürhairs
vieram à sua mente. Chamou a ave e mergulharam em direção ao solo.
– Depressa! Há vários animais, semelhantes a lobos, vindo em nossa direção
e são bem grandes.
– Podem ser Ürhairs. Estamos contra o vento. – disse Oathu. – Devemos
seguir o mais rápido que pudermos.
O grupo partiu acelerado, mas o vento continuava contra eles.
– Ishiá, peça a águia para voar e se posicionar em uma árvore próxima aos
animais. – disse Narhen. – Através de sua ligação mental, poderá nos dar detalhes
desses animais.
Em seguida a ave alçou voo e seguiu na direção onde Zarthrus os tinha visto,
pousando em uma árvore, cerca de duzentos metros do grupo.
– Eles estão se aproximando rapidamente. – disse Ishiá.
– Pode descrevê-los? – perguntou Grendhel.
– São grandes e musculosos. Parece uma mistura entre porco com um lobo. E
tem duas grandes presas tortas saindo da boca.
– Devemos correr o mais rápido que pudermos, e procurar algum abrigo. –
disse Oathu.
– Irmã, mantenha a águia observando esses animais para não sermos pegos de
surpresa.
O grupo passou a correr, mas a grama alta impedia que eles fossem muito
mais rápido e o anão era o mais prejudicado de todos.
Não havia árvores suficientemente fortes para suportar o peso do grupo e o
ataque das presas dos animais.
O vento continuava a levar a localização do grupo para as feras e elas
continuavam a se aproximar.
– Olhem! – disse Galler. – Aquelas rochas. Se conseguirmos chegar até elas,
talvez consigamos proteção.
Imediatamente o grupo se dirigiu para as rochas, mas ficou ainda mais difícil
atravessar aquelas gramíneas.
– Peguem suas espadas. – mandou Grendhel. – Com elas poderemos abrir
caminho mais rápido do que com as mãos limpas.
Os dois casais sacaram as armas e como Grendhel falara, conseguiram seguir
mais facilmente pela vegetação, mas ainda assim, eram mais lentos que seus
perseguidores. Os animais estavam por volta de cinquenta metros de distância
quando o grupo chegou ao amontoado de rochas.
O gnomo foi o mais rápido a perceber.
– Creio que não foi uma boa ideia termos vindo para cá!
– Por que diz isso. – perguntou Grendhel.
– Parece que viemos direto para as tocas desses animais.
Havia algumas cavernas e a grama estava completamente pisoteada ao redor.
O cheiro de fezes e alguns ossos no chão indicavam que algum predador ali
habitava.
– Não temos escolha, devemos escalar depressa essas rochas. – disse Narhen.
A jovem percebendo que seria difícil conseguirem erguer o lobo pediu a ele
que corresse o máximo que podia e que não tentasse enfrentar as feras,
permanecendo a uma distância segura. O lobo obedeceu e disparou por entre a
vegetação, desaparecendo em seguida.
– As rochas são muito altas. – disse Oathu. – Não conseguiremos subir.
– Não desista. – respondeu Grendhel. – Todos nós conseguiremos.
Grendhel correu e apoiando as costas na pedra, cruzou os dedos.
– Venham. Eu os ajudarei a subir.
Galler sorriu e ficou ao seu lado na mesma posição.
– Será mais fácil para nós dois.
Narhen se aproximou e pisou nas mãos dos dois que a arremessaram para
cima. Ishiá foi a próxima e as duas ajudavam a cada um que era erguido. –
Agora é a sua vez, meu amigo! – disse Galler.
– Mas você não conseguirá saltar essa altura sozinho.
– Jogue a corda de Zarthrus e me puxe.
Grendhel deu um impulso e o elfo o ergueu. Narhen e Ishiá o ajudaram.
Os animais surgiram na área pisoteada enquanto Zarthrus desenrolava sua
corda.Um grunhido agudo foi ouvido e seguido por outros. O elfo preparava-se
para pegar sua espada quando a corda caiu em seus ombros.
– Não fique aí parado. Suba depressa! – falou Narhen.
Galler agarrou a corda e os outros o puxaram. As feras saíram com os pelos
arrepiados e as presas à mostra em disparada em sua direção e saltando na tentativa
de alcançá-lo. Um segundo a mais e o elfo teria sido pego. Do alto da rocha,
puderam ver com detalhes os predadores no solo.
Eram realmente uma mistura de porco e lobos.
Tinham o corpo forte e a cabeça grande com orelhas largas.
Os olhos eram pequenos para a cabeça. O focinho era semelhante ao dos
porcos, mas a calda parecia a dos lobos. Suas pernas também lembravam os
canídeos, mas com os cascos dos suínos. Um pelo espesso e acinzentado cobria-
lhes todo o corpo e das mandíbulas escancaradas, podiam-se observar vários tipos
de dentes que serviam tanto para carnes, quanto para plantas. Era certo que aqueles
animais se alimentariam de tudo o que alcançassem.
Ao redor das rochas, havia seis grandes animais que atacavam, sem sucesso, o
grupo de refugiados.
– Foi minha culpa cairmos nessa armadilha. – falou o elfo.
– Não se culpe. Se não tivesse visto essas rochas, é muito provável que essas
feras tivessem nos atacado antes de alcançarmos alguma árvore. – disse Grendhel.
– Devemos ficar em silêncio e aguardar. Quem sabe eles desistem e vão
embora! – disse Mhirfun.
– Olhe, meu pequeno amigo! – mostrou Oathu. – Estas são suas tocas,
acabamos por invadir o território desses animais. Não creio que desistirão dele
como facilidade.
– Então, devemos esperar e pensar em alguma alternativa, se houver.
O grupo ficou em silêncio e aos poucos os animais foram se acalmando. Do
alto, eles perceberam que o maior dos animais deveria ser o macho dominante e
que os outros deveriam ser fêmeas de seu harém. Ele estava sempre irritado e
procurado algum motivo para se impor sobre o grupo. A situação não estava nem
um pouco confortável e mais uma vez, eles se encontravam encurralados, sem
saída.
O grupo se manteve silencioso o máximo que podia, mas os Ürhairs não
perderam a atenção depositada neles. De tempo em tempo, o macho investia contra
eles incitando os outros a imitá-lo. O tempo passou mais lento que de costume.
A água racionada de seus odres já estava no fim e nenhuma alternativa passou
por suas mentes.
– Não resistiremos muito mais. – disse Oathu. – Em breve teremos de morrer
sobre essa rocha ou arriscar a morte nas presas desses animais.
– Eles não desistem! – falou Narhen. – Se ao menos eles voltassem à floresta
em busca de alimento, mas estão se alimentando da grama ao redor das tocas.
– O estranho é que não existe água nesse local. – disse Galler. – Eles já
deveriam estar com sede. Não queria ter de matar todos esses animais. Fomos nós
quem invadimos o território deles.
– Tive uma ideia! – falou Ishiá. – Creio que seja muito estúpida, mas é a
única que me ocorreu.
– Diga minha irmã. Todas as ideias são de grande valia nessas horas.
– Pensei que se a águia voasse alto, poderia atrair um Izmhur para essa
região. E essa presença talvez afugentasse esses Ürhairs, ou ainda, talvez pudesse
ocorrer uma luta que lhes desviasse a atenção!
– Não teríamos a garantia de que um Izmhur os visse e nem mesmo a de que
eles não se virariam contra nós. – falou Grendhel.
– Não concordo em arriscar a ave desse jeito, embora haja uma possibilidade
de que ela realmente possa distrair os Ürhairs. – disse Narhen.
– Eu havia pensado, que se a águia me levasse até uma árvore próxima, eu
poderia atraí-los, para então ser levado a outra mais distante e repetir o processo,
mas creio que ela não suportaria meu peso por muito tempo.
– Talvez não seja preciso que ela o leve. – disse Narhen.
– Se ela ficar o suficientemente baixo para irritá-los, mas alto o suficiente
para se manter fora do alcance das presas é provável que dê certo. Ishiá peça para
que a águia voe e dê mergulhos próximos ao líder, apenas ameaçando e se
afastando. E sempre que se aproximar deve piar forte. E depois de alguns ataques,
deve pousar naquela rocha. Se for necessário faça novos ataques, mas sempre
retorne para a mesma rocha.
Ishiá pediu para a ave se posicionar na rocha indicada por Narhen e piar.
A vegetação era alta ao redor da rocha, mas não chegava à metade se sua
altura. Os animais não conseguiriam capturá-la. A águia emitiu pios agudos e
longos e em seguida partiu para o blefe.
Em pouco tempo os voos rasantes alcançaram seu objetivo e o macho já não
enxergava os homens, apenas a ave. Todas as vezes que a ave se aproximava, ele
saltava em vão tentando alcançá-la. Aos poucos sua irritação foi aumentando e ele
passou a correr atrás da águia grunhindo e com os pelos arrepiados. Em todas as
ocasiões em que a águia simulava um ataque, partia da rocha e retornava a ela
novamente.
A irritação do macho foi contagiante e pouco tempo depois suas
companheiras também tentavam alcançar o pássaro. Finalmente, o Ürhairl líder do
bando não suportando mais a incômoda ave, partiu em perseguição a ela que
retornava à pedra para pousar.
De repente, o animal emitiu um grunhido agudo e desapareceu na grama alta.
O som foi tão repentino, que a águia se elevou mais alto que a pedra onde pousaria
temendo ser apanhada. A ave então pousou em uma árvore próxima e observou o
local da rocha, procurando pelo Ürhairl.
– O que aconteceu com o animal? – perguntou Mhirfun.
– Ele desapareceu, como que engolido pelo chão. – disse Grendhel.
A pedido de Ishiá, a ave saltou de seu poleiro e voou em torno da rocha,
procurando pelo paradeiro do Ürhairl.
Assim que se aproximou, o mistério foi revelado. Uma grande fenda no solo,
coberta pela vegetação tornou-se uma armadilha natural. Irritado pela ave, o animal
a perseguiu e não viu onde pisara, caindo no fundo da fenda.
A águia pousada na rocha observou o fundo da fenda e viu que o animal
mancava, mas estava vivo. Após Ishiá relatar o que viu, Galler lhe pediu: – Veja se
existe alguma saída da fenda.
A ave voou e a algumas dezenas de metros a saída foi encontrada.
– Fique tranquilo! Existe uma saída.
– Se a águia conseguisse atrair o restante dos Ürhairs para a fenda,
poderíamos sair daqui ilesos, antes que se libertem novamente. – disse Zarthrus.
Novamente a ave voou em direção aos animais ameaçando atacá-los, na
esperança de irritá-los para que a seguissem, mas as fêmeas não tinham o mesmo
temperamento irritadiço do macho e não se importaram com a ave.
– Não está surtindo efeito. – disse Narhen. – Traga a águia para cá, deve estar
cansada.
– Permanecemos ilhados. E sem opções. – disse o gnomo.
Nisso o gnomo enfiou a mão em seu alforje e retirou uma fruta.
– Estou com fome. Alguém quer uma fruta?
Ninguém respondeu. Um dos Ürhairs levantou o focinho, farejando o ar em
busca do cheiro doce que sentira.
– É isso! – exclamou Grendhel. – Zarthrus, ainda tem da mistura que deu a
Jhiet para que dormisse.
– Sim, tenho bastante. Por quê?
– Seria ela bastante forte para colocar esses animais dormindo?
– Com certeza! Mas ainda não entendi como.
– Muito simples.
Grendhel pegou a fruta da mão do gnomo que se irritou.
– Se quer uma de minhas frutas, basta pedir! Não precisa pegar a minha!
– Tenha calma meu amiguinho. Não é o que pensa.
Grendhel lançou a fruta, próximo ao lugar onde havia um Ürhairl. O animal
farejou o ar e rapidamente localizou a fruta e a comeu.
– O que quis mostrar com isso? – continuou o irritado gnomo.
– Uma ótima ideia. – disse Galler. – Talvez não precisemos disparar nenhuma
flecha.
– Ainda não entendi!
– Esses animais comem qualquer coisa e uma fruta doce é muito apreciada.
Se colocarmos sua mistura dentro de algumas frutas e dermos para eles, cairão em
um sono pesado e poderemos sair daqui.
Sem dizer mais uma palavra o gnomo retirou várias frutas do alforje e em
seguida um frasco de boca larga com um líquido dentro.
– Sempre me surpreendo com essa bolsa. – disse Grendhel.
– Cuidado! Se utilizar muito desse líquido, essas feras dormirão para sempre.
Creio que algumas gotas serão o suficiente.
Para Jhiet foi apenas uma.
Com uma adaga, Grendhel fez uma pequena abertura na fruta, por onde
despejou algumas gotas do líquido. Em seguida a jogou para o Ürhairl próximo. A
fera cheirou a fruta e a comeu em seguida. Não demorou muito para que o animal
começasse a cambalear e depois se deitar num sono profundo.
Satisfeitos com o resultado. Repetiram o processo com os outros que agiram
da mesma forma. Antes de descerem da rocha, Galler pegou uma das frutas e jogou
no Ürhairl que comeu a primeira fruta. A fruta o atingiu e ele permaneceu imóvel.
Galler, então, gritou e bateu palmas tentando chamar a atenção de algum
deles, mas todos estavam dormindo. Após essa certificação, o grupo desceu com
cuidado da rocha.
– Nunca pensei que chegaria tão perto de um Ürhairl vivo e solto. – disse
Oathu.
– Devemos nos afastar o mais rápido que pudermos. – disse o gnomo. – Não
sei por quanto tempo continuarão dormindo.
O grupo voltou a seguir, com alívio, seu caminho em direção à montanha dos
dragões e pouco tempo depois o lobo veio encontrá-los. Mais um obstáculo foi
vencido, mas quantos ainda restariam?
Desde que saíram da floresta fechada e entraram na área da grama
alta, a montanha dos dragões, em momento algum, deixou de ser avistada. Para
Narhen, caminhar naquela terra era ao mesmo tempo surpreendente e frustrante. Os
animais e plantas diferentes dos existentes em seu mundo aguçavam sua busca por
aventura, mas os longos períodos de luz e de sombras faziam parecer que o tempo
não passava e que caminhavam sem sair do lugar.
Após terem deixado os Ürhairs dormindo por volta do meio dia, avançaram
sem incidentes pelo restante do dia.
No limiar entre o dia e a noite, estavam no topo da colina que precedia o
grande vale anterior à montanha. A visão era magnífica!
Do ponto onde estavam vislumbravam a imensa montanha dos dragões, com
seu pico semelhante a uma torre de vigília, se erguendo imponente, em direção ao
céu e logo atrás, parte da grande cadeia de montanhas. Daquele ponto em diante, o
terreno era desconhecido até mesmo para Oathu e seus homens.
Ninguém ousava atravessar aquele vale, temendo ser pego por algum Izmhur
e as únicas referências que existiam sobre aquela região, vinham sendo passadas
dos pais para os filhos, através das gerações, a partir dos relatos de Isyuê e,
portanto, não eram confiáveis. A presença dos Izmhur era constante e de tempos
em tempos, ouviam-se seus gritos e rugidos.
O grupo decidiu descer até a entrada do vale antes de montar acampamento.
No ponto onde estavam não havia proteção contra o céu aberto. Nenhuma chama
seria acesa até que encontrassem um abrigo que evitasse que algum predador
pudesse seguir a luz.
Não havia nenhuma trilha a ser seguida, portanto, desceram ziguezagueando
colina abaixo por uma lateral rochosa. Quando já estavam bem próximos ao vale,
encontraram uma caverna estreita e nenhum sinal de que animais a habitassem.
Mhirfun entrou e logo uma luz brotou do interior produzida por uma de suas
tochas.
De início era um corredor estreito, mas logo se abriu em um espaço suficiente
para acomodar a todos.
– Há algo nesse vale que não me agrada. – disse Ishiá. – Mas não sei o que é.
– Também sinto isso. – respondeu Narhen.
– Observei o vale e até onde minha vista alcançou, não encontrei nenhuma
árvore. – disse Galler. – É provável que durante a travessia não encontremos
nenhum outro abrigo. Estaremos expostos ao céu aberto.
– Também não gosto disso. – disse Mhirfun. – Seremos presas fáceis para
qualquer Izmhur que passe voando sobre nós.
– Disso eu discordo, meu amigo! – falou Oathu. – Vocês podem até vir a ser
presas, mas nenhum predador encontrará facilidade em capturá-los.
– Espero que tenha razão, meu amigo! – respondeu o anão.
A conversa seguiu por mais algum tempo até que se alimentaram.
– Devemos descansar agora. Quando despertarmos, teremos ainda uma longa
caminhada pela frente. – concluiu Narhen.
Algumas horas depois, todos se levantaram e saíram da gruta. A posição das
estrelas permanecia a mesma, dando a impressão que estavam pregadas no lugar.
Embora os Izmhur ainda pudessem ser ouvidos, nenhum foi visto.
– Bem, é chegada a hora. – disse Narhen respirando fundo. – Vamos!
Em silêncio o grupo desceu os metros restantes até o vale e para surpresa de
todos, bem na divisa com a colina, deslizava sonolento um riacho de águas
cristalinas e frescas.
– Isso é uma benção! – disse Zarthrus.
– Devemos completar nossos odres. – disse Narhen. – Não sabemos onde
encontraremos outra fonte.
Assim que estava reabastecido, o grupo atravessou o pequeno córrego e
entrou definitivamente na grande planície.
Após alguns quilômetros de caminhada, perceberam que foram enganados
por seus olhos. O grande vale não era plano como parecia. Não havia plantas
porque era completamente rochoso e todo entrecortado por um labirinto de fendas
o que dificultava em muito atravessá-lo. Contornar as aberturas no solo estava se
mostrando muito complicado e demorado.
Enquanto verificava uma maneira de atravessar uma rachadura relativamente
larga, o solo abaixo do anão se partiu jogando-o no interior da abertura. Mhirfun
caiu alguns metros, mas conseguiu se agarrar em uma rocha saliente e assim evitou
se chocar contra o fundo.
– Mhirfun! – gritou Narhen. – Responda!
– Estou bem! – respondeu ele.
– Está ferido?
– Não se preocupem. Estou bem. Não estou ferido. É preciso muito mais que
uma simples queda como essa para me ferir.
– Vamos jogar a corda e puxá-lo de volta.
Enquanto aguardava, a visão do anão se acostumou ao novo ambiente.
– Mhirfun, aí vai. Pegue a corda.
– Esperem um pouco! Quero verificar uma coisa.
– Não! Não deve fazer nada sozinho. Pode ser perigoso!
– Não se preocupem, não irei longe.
Disse e terminou de descer até o fundo da fenda. Para o anão acostumado a
caminhar em galerias subterrâneas, com muito pouco ou nenhuma luz, a pouca
iluminação que chegava ao local onde estava era suficiente para ele observar tudo a
sua volta.
O fundo da fenda era bem mais plano que a superfície, havia bastante
sedimento acumulado, transportado provavelmente pela água das chuvas. Durante
o trecho que caminhou, Mhirfun pode visualizar rochas que se desprenderam das
paredes, mas que não bloqueavam o caminho. Depois de alguns minutos, o anão
retornou ao ponto onde caíra e amarrou a corda na cintura.
– Podem puxar! – gritou ele.
Aos poucos foi elevado até o restante do grupo.
– Não devia ter se aventurado sozinho. – repreendeu Narhen.
– Não havia nada lá embaixo além de mim.
– Mesmo assim, não devia ter se arriscado. Não podemos prever o que
surgirá em nossa frente e pelas provas que tivemos, pode ser algo bastante
perigoso. Prometa-me que não se arriscará novamente sozinho.
A contragosto e com olhar severo por ter sido repreendido, o anão concordou.
– Desculpe meu amigo! Mas sua amizade é muito preciosa para nós! Além
disso, nesse e nos outros mundos, devemos estar juntos.
– Tudo bem, mestra Narhen. Eu dou minha palavra.
– Agora. O que viu lá embaixo?
– Nada! Quer dizer... Havia algumas rochas caídas das paredes laterais e o
fundo da cratera, devido ao acúmulo de sedimento, é plano e firme. Muito mais
fácil de caminhar que aqui em cima. Talvez fosse um caminho melhor a seguir.
– Pode até ser verdade, mas caminhar pelas fendas pode se tornar um
labirinto e nos atrasar ainda mais.
– Caso isso ocorra, ainda poderemos sair e voltar a caminhar na superfície.
A informação do anão era de grande valia, pois estavam gastando muito
tempo em transpor as fendas ou em contorná-las. Depois de discutirem
rapidamente entre eles, decidiram seguir por dentro da fenda. Mhirfun sorriu por
sua ideia ser aceita e foi o primeiro a descer. Em seguida, o lobo foi baixado e a
águia desceu com o gnomo. Quando todos estavam no fundo, Ishiá disse: – Não
gosto desse lugar. Há algo aqui que não me deixa tranquila.
– Tenha calma. – disse Grendhel. – Deve estar apenas apreensiva depois dos
confrontos que tivemos.
– Espero que tenha razão.
Narhen olhou de volta à superfície.
– Também não gosto de ficar aqui. Parece-me um ótimo local para uma
emboscada.
– Porém, aqui teremos mais proteção contra os Izmhur. – disse Grendhel.
A águia voltou ao poleiro nas costas do anão assim que voltaram a caminhar.
Ele ia à frente do grupo carregando seu machado, com o lobo ao seu lado, seguido
por Grendhel, Ishiá, Zarthrus, Oathu e seu grupo, Galler e Narhen na retaguarda.
Grendhel, Oathu e Narhen carregavam tochas. Embora na frente do grupo,
Mhirfun preferisse observar o caminho sem que o brilho das chamas ofuscasse sua
visão. O caminho se mostrou muito mais fácil e caminharam orientados pelas
estrelas que aparentemente não se moviam no céu. Não encontraram nada diferente
por vários quilômetros, dentro daquele labirinto de passagens, até que se
depararam com uma grande ossada.
– Será um Izmhur ou um dragão jovem? – perguntou Zarthrus.
– Não sei dizer! – disse Oathu. – Olhando apenas os ossos, fica difícil
identificar sem encontrar o crânio.
– Ali está! – disse Mhirfun. – Pelo tamanho parece de um dragão jovem.
– Mas, por que será que está tão afastado do resto dos ossos? – perguntou
Ishiá.
– Talvez uma enxurrada o tenha levado para longe. – disse Grendhel.
– Ou, talvez, a enxurrada tenha trazido o corpo, pois o crânio está no terreno
mais alto. – disse Narhen.
– Mas, os ossos não teriam de estar espalhados? – perguntou Zarthrus.
– Isso é o que está me intrigando! – respondeu Narhen.
– Fiquem atentos a qualquer ruído ou movimento. – disse Galler. – Há algo
nesses caminhos que está me incomodando.
Seguiram em silêncio e todo o ruído, mesmo de uma pequena pedra se
desprendendo da parede atraia toda a atenção.
Algumas dezenas de metros à frente encontraram novas ossadas de vários
animais. Nisso o bracelete do dragão brilhou e esquentou.
– Não estou gostando disso! – disse Narhen. – Parece que estamos entrando
no covil de um grande predador.
O lobo emitiu um rosnado baixo e seu pelo se ouriçou.
– O lobo está pressentindo algo! – falou o anão. – Ele ouviu alguma coisa da
qual não gostou!
Todos sacaram suas armas. Nisso um chiado às costas de Narhen a fez virar.
Ela não viu a origem do som, mas algo que pensou ser um vulto se afastando para
as sombras.
– Não estamos sozinhos! – disse ela.
Em seguida, outros chiados foram ouvidos, vindos de vários pontos do
caminho.
O grupo se encontrava numa parte relativamente larga do caminho e de certa
forma, afastado das paredes.
– Olhem! – falou Mhirfun. – Existem muitos buracos nas paredes. É deles
que vem esse som.
– Quem serão esses, que caçam Ürhairs e Izmhur? – perguntou Oathu.
– Esse som se parece com o som de insetos que vivem nas florestas. – disse
Zarthrus. – Mas, muito mais alto.
A suspeita de Zarthrus se concretizou. De uma das aberturas próximas, pôde-
se ver um par de antenas emergindo.
Das tocas mais afastadas da luz, os seres semelhantes a grilos e outros
insetos, com longas ou muitas pernas, começaram a surgir.
Eram insetos enormes, com alguns chegando quase à altura do lobo e outros,
apesar de bem mais baixos, eram muito mais compridos.
O grupo se fechou com as costas encostadas uns nos outros, enquanto era
cercado.
– Parece que não gostam da luz! – disse Galler. – Por enquanto estão se
mantendo afastados, mas por quanto tempo?
– Se ao menos tivéssemos uma maneira de aumentar o fogo. – falou Narhen.
– Essas três tochas não serão suficientes e não durarão por muito tempo.
– Devemos manter essa formação e continuar a caminhar lentamente e tentar
nos afastar desse lugar. – disse Oathu.
– E orar aos deuses que esses seres se afastem enquanto passamos. – falou
Zarthrus.
Quando um dos homens de Oathu pegou seu arco, ouviu:
– Não desperdice suas flechas. – disse Galler. – São muitos e se atacarem não
conseguirá armar seu arco com velocidade.
Mantenha sua lança numa das mãos e sua espada na outra.
À medida que caminhavam, os seres à frente se afastavam e alguns até
retornavam para suas tocas, porém, um número cada vez maior surgia na
retaguarda.
– A culpa é minha! – disse Mhirfun. – Se não tivesse insistido para que
viessem por dentro da fenda, não teríamos caído nessa armadilha.
– Não se culpe meu amigo! – disse Grendhel. – Você deu a ideia e todos nós
concordamos. Você não decidiu sozinho.
– Além do que, conseguimos avançar muito mais do que se estivéssemos na
superfície. – concluiu Ishiá.
De repente a chama de uma das tochas começou a dar sinal de cansaço e a
diminuir. Os insetos perceberam e se aproximaram.
– Pelos deuses! – disse Zarthrus. – Isso não pode estar acontecendo.
Então, um grande inseto caiu do alto da parede em cima de um dos homens
de Oathu, derrubando-o. Rápido como uma flecha, Galler o acertou com sua
espada antes que causasse algum ferimento. O inseto foi dividido em duas partes
que tombaram ao chão se contorcendo em agonia.
O incidente apenas acelerou os acontecimentos. Os outros insetos investiram
contra o grupo e uma das tochas se apagou.
Surgiam seres de todos os lados e tanto homens quanto os animais, usavam
de suas armas para se defender.
Parecia que para cada inseto abatido surgiam outros três.
Na agitação da batalha, outra tocha começou a enfraquecer seu brilho e pouco
depois, também se apagou.
O grupo, além da desvantagem numérica, agora estava entrando de vez no
mundo de sombras que era o território daqueles seres.
A luta era violenta, os insetos atacavam de todas as direções e um dos
homens de Oathu teve um de seus braços ferido pela mandíbula de um inseto.
Outro perdeu parte do pé. Vários cortes e arranhões surgiam a cada instante.
Mhirfun desferia golpes de seu poderoso machado dilacerando inúmeros
daqueles seres. Grendhel o seguia no uso de seu machado e espada. O mesmo
acontecia com Ishiá, Narhen e Galler no uso da espada. Zarthrus utilizava sua
pequena e mortal espada de prata e principalmente sua agilidade, para não servir de
alimento para aqueles seres.
O mais prejudicado era o grupo de Oathu, justamente os habitantes daquele
mundo estranho. Oathu assim como seus homens, eram grandes guerreiros e
lutavam bravamente, mas os ferimentos que sofriam, minavam aos poucos suas
forças. Até que um deles não resistiu e tombou. Os insetos não perderam tempo e o
cobriram de imediato.
Oathu, Galler e Narhen ainda tentaram ajudá-lo matando os que alcançavam,
mas em vão. Pouco depois, os gritos de Lasumhir se extinguiram. O grupo se
juntou novamente em sua defesa enquanto o corpo do homem era devorado bem
próximo deles. O cheiro de sangue atraiu a atenção de grande parte dos seres, que
buscavam conseguir uma parte daquele banquete.
– Não vamos conseguir! – disse outro dos homens de Oathu. – Vamos todos
ser devorados vivos!
– Cale-se, idiota! – gritou Oathu. – Se eu tiver de morrer, levarei muitos deles
antes.
– Se ao menos tivéssemos mais luz.
– Esperem! – gritou Zarthrus. – Por que não me lembrei disso antes?
O gnomo saltou para o meio do grupo.
– Protejam-me enquanto pego uma coisa.
Zarthrus largou sua espada e enfiou a mão dentro de seu alforje.
– Onde está? Onde foi que coloquei aquilo? Aqui! Encontrei.
O gnomo retirou dois cristais lapidados e aparados em um dos lados.
– Ergam-me o mais alto que puderem.
Galler pegou Zarthrus com uma das mãos e o ergueu acima de sua cabeça.
Enquanto era erguido o gnomo juntou os dois cristais, formando uma única peça
que começou a brilhar e a emitir uma luz cada vez mais forte. Uma luz tão intensa
que afugentou os insetos de volta aos seus abrigos.
A visão do que restava de Lasumhir no chão, fez Ishiá virar seu rosto. Ela foi
abraçada por Grendhel.
– Não há mais nada que possamos fazer! – disse.
– Vamos sair daqui. Depressa!
Com o gnomo equilibrando-se nos ombros de Galler, o grupo correu,
seguindo pelo caminho iluminado pelos cristais.
À medida que se afastavam, os ossos de animais foram ficando para trás e
mais nenhum vestígio de morte foi encontrado. Mesmo assim, apenas reduziram o
passo e pararam quando não mais aguentavam correr.
– Zarthrus. Salvou nossas vidas! – disse Narhen.
– Mas minha memória não foi rápida o suficiente e um de nós pagou por isso.
– Ele sabia dos riscos que envolviam essa jornada. – disse Oathu. – Era um
grande guerreiro e sabia que poderia não voltar.
O gnomo entregou o cristal para Grendhel e foi tratar os ferimentos.
– É fabuloso! Nunca imaginei que cristais pudessem emitir luz.
– Nem eu! – disse Zarthrus. – Nem eu!
– Mas, então, como os conseguiu e soube que isso aconteceria se os juntasse?
– Antes de nossa partida da cidade esquecida, fui até a floresta de Farthorn
para pegar todos os materiais curativos que poderíamos precisar durante a viagem.
Estava próximo a um riacho, quando Skarche e duas outras ninfas surgiram. A
rainha das ninfas me disse algumas palavras e me entregou os dois cristais. Ela me
disse que se nos encontrássemos nas trevas, eu deveria unir os cristais e que a
magia faria o resto.
– Ainda bem que se lembrou! – concluiu Grendhel.
Depois dos curativos feitos e de comerem algo, continuaram em direção à
montanha, orando aos deuses que nada mais se interpusesse em seu caminho.
Caminharam praticamente durante todo o restante do período
noturno, parando apenas mais duas vezes e somente no limiar das forças. Sempre
mantinham duas sentinelas e Zarthrus.
Quando as fendas começaram e se estreitar tornando o caminho difícil,
resolveram que era hora de retornar à superfície.
Era o final da madrugada e a visão da montanha com seu alto pico banhado pelo
sol nascente era espetacular.
Finalmente estavam próximos ao final do vale, mas ainda em campo aberto.
Caminharam rápido e, vários quilômetros à frente chegaram à base da grande
montanha.
– E agora? – perguntou Grendhel. – Para onde devemos ir?
– Primeiro devemos encontrar um abrigo e refazer nossas energias. – disse
Zarthrus. – Essa caminhada exigiu muito de todos nós.
Após alguma busca o encontraram. Uma gruta protegida por um amontoado
de árvores.
– É estranho! – disse Oathu. – Eu nunca andei nesse lugar, mas já estive aqui
em sonho.
– Como pode ter certeza de que é o mesmo lugar?
– Não posso, mas sinto. Se estiver correto, devemos encontrar um córrego
raso com águas limpas e muito geladas naquela direção.
– Tem certeza que é esse o lugar que sonhou? – perguntou Ishiá.
– Tenho! Veja aquelas duas rochas estavam em meu sonho. Eu caminhei entre
elas e me deparei com o riacho. Depois dele, existe uma passagem semelhante a
uma escada de pedra, por onde subi.
– Consegue se lembrar de mais alguma coisa? – perguntou Narhen.
– No momento, não! Já faz muito tempo desde o último sonho.
– Sonhou mais de uma vez? – Grendhel perguntou.
– Oh, sim. Foi por vários períodos de sono. E até agora eu não conseguia
entender por quê! Sinto que ainda falta uma parte importante do sonho, mas não
me recordo qual seria. Espero que possa me lembrar à medida que caminharmos.
O grupo fez um breve descanso e seguiu pelo caminho indicado por Oathu.
Assim que chegaram ao riacho tiveram certeza que o sonho era verdadeiro.
– Narhen, veja! A escada do sonho de Oathu.
– Então ele sonhou realmente com essa região.
– Não é só isso. Olhe no topo da escada. É a entrada da gruta da visão que
tivemos, antes de sairmos para resgatar os ovos.
– Tem razão! Se parece mesmo com ela, mas como iremos transpor aquele
paredão? Parece muito liso e a distância é longa entre as paredes.
– Deixe para se preocupar quando chegarmos lá. – disse Galler. – Além disso,
Grendhel pode ter outra de suas brilhantes ideias.
A água do riacho era realmente fria, originada do degelo da neve no topo da
montanha. No leito desse riacho, Zarthrus encontrou inúmeras pedras preciosas.
Esmeraldas, rubis, topázios de várias cores, diamantes e várias outras.
– Esse lugar é incrível! Vejam o tamanho desses rubis e esmeraldas! E esses
diamantes então. Nunca vi gemas como essas, são perfeitas! Poderiam comprar um
reino com essas pedras.
– São realmente lindas, mas não estamos aqui para apreciar ou coletar pedras
preciosas. – disse Narhen.
O gnomo olhou-a severo.
– Não precisa ser rude, minha irmã! – falou Ishiá.
– Desculpe-me, meu amigo! Sei como gosta da beleza das gemas e da energia
que pode retirar delas. Não queria ofendê-lo. Apenas estou preocupada em
terminar nossa tarefa e retornar para o nosso mundo. Já saímos há tanto tempo e
não sabemos o que pode ter acontecido.
– Aceito suas desculpas por conhecer suas preocupações, minha jovem! Mas
há algo que está aguçando minha curiosidade. Não se encontra gemas lapidadas na
natureza e essas joias são lapidadas com um esmero surpreendente. E mais, por que
teriam o trabalho de lapidá-las dessa forma para depois se desfazer delas em um
riacho?
O que o gnomo disse fez todos pensar.
– E quem seria o responsável por esse trabalho? – perguntou Oathu. – Pelo
que sei, não existe nenhum povoado nessa região.
Narhen abaixou-se e pegou uma gema. Uma pedra translúcida de coloração
rósea. Bem ao lado encontrou outra idêntica.
– Vejam. Duas gemas iguais. – disse pegando-a com a outra mão.
Nesse momento, o bracelete do dragão brilhou e se aqueceu de forma
diferente. Não a estava alertando sobre algum perigo. Era aconchegante. Narhen
elevou as duas pedras e as colocou em frente aos seus olhos. A jovem mergulhou
em um transe suave e através das gemas ela observou outras paisagens.
Ela voava por sobre montanhas e florestas. Do topo de uma montanha muito
alta, conseguia ver quilômetros em todas as direções. Até mesmo, uma linha
azulada no horizonte, após o deserto, que ela imaginou ser a grande água. Do outro
lado, via a imensidão da grande floresta.
Então, leve como entrou no transe, saiu novamente dele.
– São os olhos dos dragões!
– O que disse? – perguntou Ishiá.
– Disse que essas gemas, são os olhos dos dragões que morreram há milhares
de anos. Ou melhor, no que se transformaram os olhos dos dragões.
– Como sabe disso?
– Eu vi através delas, mas não com meus olhos. Eu me vi voando muito
acima das nuvens e conheci a grandeza desse mundo. Eu enxerguei pelos olhos de
um dragão. Além disso, ouvi em minha mente as lembranças do dragão a quem
pertenceram essas que estão comigo. Quando um dragão morre, parte da substância
que existe nos olhos dos dragões transforma-se em uma gema e essas gemas
absorvem toda sua magia, suas lembranças, seu senso de justiça. Assim, parte do
que ele foi se perpetuará pela eternidade.
– Isso explica então, a enorme quantidade de energia dessas gemas. – disse o
gnomo.
– A pedra do cajado de Ephoes também é uma dessas gemas. Seu povo
desconhece o poder que tem nas mãos. – falou a jovem. – Mas um poder que
apenas pode ser usado para o bem. Ele não responde à injustiça ou à trapaça. E
seria ainda maior se as pedras gêmeas estivessem juntas.
– Como sabe? – perguntou Grendhel.
– O dragão de meu bracelete me contou.
– Como?
– Eu carrego comigo dois olhos dos dragões. Galler, onde encontrou os rubis
que utilizou nessa joia?
– Pode-se dizer que foram as gemas que me encontraram. Queria muito
presenteá-la com algo, que em cada detalhe, você pudesse sentir o amor que sinto
por você, através de meu empenho em sua confecção. Produzi várias peças antes
dessa, mas todas eram apagadas e sem vida. Estava desiludido, pensando que não
conseguiria uma joia condizente com meu desejo. Certa vez, enquanto participava
de uma viagem de treinamento e observação, me aproximei de algumas rochas um
pouco afastadas de nosso acampamento para sonhar com você. Quando escalava a
rocha mais alta, pisei em uma pedra que se soltou e caiu, partindo-se ao meio. De
início não dei importância, mas enquanto viajava em minhas lembranças, buscando
sua imagem em meu pensamento, um brilho vermelho chamou minha atenção. Ele
vinha da rachadura da rocha que caíra. Desci até ela e quando separei as duas
partes encontrei esses rubis. Eram perfeitos. No mesmo instante visualizei essa
joia. Quando retornamos a Larthimar, trabalhei sem interrupções, por três dias e
três noites, na peça.
Durante todo o tempo de confecção da joia, por várias vezes, me vi recitando
um mantra de transferência e proteção. Não consegui entender o motivo, mas em
momento algum tentei me impedir de pronunciá-lo. Meu povo acredita que os
deuses nos falam através de nossos pensamentos e sonhos. Então, era um deus que
recitava através de mim. No alvorecer do quarto dia a peça estava pronta. Mas
essas gemas não seriam muito pequenas para os olhos de um dragão?
– Pertenceram ao último dos dragões que nasceu nesse mundo. Um dragão
desenvolve sua consciência ainda dentro do ovo e ela é compartilhada com os
dragões à sua volta, principalmente com a de seus pais.
De repente, Narhen começou a chorar.
– O que foi minha irmã? Porque está chorando?
– A magia dos dragões já havia sido lançada sobre os ovos, mas esse dragão
também escolheu entregar sua vida para que a profecia se realizasse. Todos os
dragões, exceto Èhssthril já haviam perecido. A consciência do dragão bebê
alcançou a de Èhssthril e comunicou-lhe o seu desejo. Durante muito tempo,
Èhssthril relutou em atendê-lo, mas no final aceitou. Enquanto estava no ovo,
compartilharam todos os conhecimentos que podiam. Foi chegada a hora do
nascimento. Èhssthril retirou a magia que envolvia aquele ovo. E o bebê dragão
veio ao mundo. Mas assim que veio, a magia maligna o atingiu e ele começou a
definhar no mesmo instante. Horas mais tarde, havia morrido. Passado algum
tempo, Èhssthril retornou ao local e ao lado dos pequenos ossos do dragão bebê,
estavam o par de rubis. Utilizando-se de sua magia, ele enviou os rubis para um
mundo distante, conforme o dragãozinho havia pedido. O restante, Galler já
contou.
O silêncio tomou conta de todos, enquanto o bracelete do dragão voltou a se
apagar.
– Esse fato vem reforçar a urgência de nossa tarefa. Existem criaturas dando
suas vidas para que o equilíbrio seja alcançado e a paz volte a florescer nos
mundos. – concluiu Narhen.
– Devemos então, prosseguir rápido. – disse Ishiá. – Não quero a
responsabilidade de outro inocente morrer por nossa demora.
Sem dizer mais nenhuma palavra, se virou para sair.
– Esperem! – disse Narhen. – Devemos levar o máximo de gemas conosco. O
poder delas irá nos ajudar contra o feitiço maligno.
Então, todos recolheram várias gemas de diferentes tamanhos.
– Zarthrus, poderia transportar as gemas para nós, até que precisemos usá-
las?
– Com certeza, minha jovem!
– Cada um deverá encontrar duas gemas iguais e levá-las consigo. Elas nos
avisarão sobre algum perigo que não tenhamos percebido e nos proporcionarão
maior resistência. Mas lembrem-se, as gemas somente nos ajudarão se
trabalharmos pelo bem e pela justiça.
Não demorou muito e todos estavam com suas gemas e subindo pela escada
de pedra.
Ao chegar ao topo, Narhen percebeu que sua preocupação inicial em relação
ao paredão na montanha era infundada.
Ele tinha cerca de setenta metros de largura, mas existia uma estreita
passagem junto à parede que não podia ser vista do riacho.
A águia voou e pousou do outro lado, enquanto o restante caminhava em fila
através da trilha.
De repente, as gemas que Oathu transportava em uma pequena sacola presa
em sua cintura, aqueceram e brilharam.
O mesmo aconteceu com o bracelete do dragão.
– Tem algo errado! – disse Narhen.
– As minhas gemas também me alertaram! – falou Oathu.
Ele olhou para o céu e viu dois Izmhur voando rápido em sua direção.
– Olhem! Dois Izmhur vindo em nossa direção.
– Depressa! Temos de atravessar antes que eles cheguem.
Eles apressaram o passo, mas o caminho era muito estreito. A distância entre
o grupo e os lagartos voadores diminuía rapidamente.
A caverna era a única proteção que teriam, pois era pequena demais para os
monstros entrarem. Zarthrus foi o primeiro a atingir o outro lado, seguido por Ishiá,
Grendhel, Mirfhun, os dois guerreiros e Oathu.
O lobo seguia cauteloso junto a parede do precipício.
Narhen que seguia atrás pediu que se apressasse. Não tinham muito tempo.
Os três chegaram ao outro lado e entraram na caverna no último instante,
antes de os dois Izmhur se prenderem com suas garras do lado de fora da entrada
da caverna.
Rugindo, tentaram alcançar o grupo. Enfiaram as garras nas frestas da parede
na esperança de aumentar a passagem, mas não conseguiram deslocar nenhuma
rocha.
O grupo não esperou e seguiu para o interior da montanha através do túnel no
fundo da caverna.
Pouco depois perceberam que os dois lagartos pararam de rugir e sibilar.
Provavelmente se foram.
– Que cheiro será esse? – perguntou Mhirfun.
– Agora que falou. Também percebi. – respondeu Ishiá. – É estranho e não
me agrada.
– É o cheiro do mal! – respondeu Narhen. – Sinto que estamos próximos da
origem do feitiço. Devemos ficar atentos. Não sabemos o que podemos encontrar.
Enquanto caminhavam, o cheiro repugnante aumentava e após algum tempo
de caminhada, chegaram a outro grande salão.
Havia duas aberturas nas paredes do salão.
A primeira, à esquerda era escura e a origem daquele odor fétido. Havia uma
estranha névoa cinza que parecia tentar esconder a entrada.
A segunda mostrava outra escada de pedra que se erguia por dentro da rocha.
– Eis nosso próximo trabalho! – disse Ishiá enquanto observava a névoa na
primeira entrada.
Outra vez, o desconhecido se deparava defronte aos viajantes e a presença do
mal estava clara e visível.
A passagem para a torre e para uma das partes do Uòhrik se mostrava livre,
mas para que pudessem continuar suas jornadas pelos mundos, precisariam
primeiro libertar o mundo onde estavam das garras da sombra.
Narhen aproximou-se da estranha névoa.
Dela exalava um cheiro horrível e uma energia carregada que a forçava a se
afastar. Mesmo o brilho das chamas da tocha em sua mão desaparecia no meio
daquela estranha fumaça.
– Existe uma energia ruim nessa névoa! – disse ela. – Quando me aproximo,
sinto algo me afastar novamente. É como se a névoa estivesse forçando meu corpo
a me desobedecer. Além disso, uma sensação de morte corre por meu corpo.
– Não deve ainda forçar a passagem, minha irmã! Isso é magia maligna e
temos de combatê-la com magia boa. Porém, antes de tentarmos destruir a sua
fonte, primeiro precisamos descobrir qual é e onde se encontra.
– Como faremos isso se não conseguirmos entrar?
– Com nossa consciência. É provável que junto ao feitiço de morte exista
outro de repulsa. Toda vez que alguém tentar se aproximar com a intenção de
destruir a fonte do mal, esse feitiço irá repeli-lo. Precisamos nos destituir
completamente dessa intenção e assim, talvez ele nos deixe passar.
– Mas, e se não funcionar?
– Bem, nesse caso, teremos de encontrar outro meio.Devemos unir nossas
mentes e seguir juntas até a origem desse mal. Não quero ter que entrar sozinha
nesse fosso, não sei o que poderei encontrar.
– Basta dizer o que terei de fazer.
Assim que se sentaram no chão, o lobo se aproximou e se sentou junto às
costas de Narhen. O mesmo aconteceu com a águia, que posou junto às costas de
Ishiá.
– Eles vieram nos ajudar. – disse Ishiá.
Quando as irmãs deram as mãos, o bracelete do dragão brilhou, chamando a
atenção de Narhen.
– Espere! O dragão solicitou que todos vocês se sentem em um círculo ao
nosso redor e que mantenham suas gemas uma em cada mão.
O restante do grupo fez o que a jovem pedira e o círculo foi formado.
Nem bem as duas fecharam os olhos e se viram no mesmo salão, cercadas
pelas energias dos braceletes dos deuses e pelo dragão prateado, porém havia algo
diferente.
– Ishiá, você está diferente!
Os cabelos de Ishiá tinham se transformado em penas que seguiam como um
manto sobre os ombros e costas e seus olhos se tornaram amarelos e arredondados.
– Você também, minha irmã!
As feições de Narhen assemelharam-se ao lobo. Seus cabelos tornaram-se
parecido com pelos e suas orelhas, pontudas.
– Minha visão está muito mais clara!
– Minha audição, também!
– Pelo jeito nossos amigos irão conosco onde precisarmos.
O dragão prateado ergueu sua cabeça e deslizou até o teto da caverna, para
em seguida descer até o chão.
As duas o seguiram com o olhar e então perceberam que estavam de pé,
flutuando um pouco acima de seus corpos. Foi a primeira vez que as jovens se
viram e viram os demais membros do grupo.
Eles estavam sentados em torno delas e sobre cada uma de suas mãos havia
uma das gemas que emitiam brilhos coloridos.
O dragão circundou o grupo, formando uma barreira de energia prateada.
Depois olhou para as duas e se virou para a passagem da névoa.
– Devemos ir! – exclamou Ishiá.
As duas seguiram então, para a passagem. Ishiá se aproximou sem problemas,
mas Narhen não conseguia seguila.
– Não consigo. Meus pés não me obedecem.
– Você não se aproximará enquanto mantiver essa vontade de destruir o
feitiço.
– Mas como, se esse é o nosso principal objetivo?
– Não nesse momento. Agora devemos apenas entrar para conhecer nosso
inimigo. Devemos deixar todas nossas armas do lado de fora.
– Não consigo.
– Concentre-se, minha irmã e verá que é muito mais fácil do pensa. Lembre-
se de quando se encontrou com a essência da floresta em Farthorn.
Narhen fechou novamente os olhos e respirou profundamente.
Aos poucos a tensão se dissipou e ela encontrou o equilíbrio.
Quando abriu os olhos, encontrou Ishiá sorrindo e estendendo-lhe a mão. Ela
retribuiu-lhe o sorriso e de mãos dadas penetraram pela passagem. Apesar de
estarem em formas astrais, conseguiam visualizar apenas poucos metros em redor.
Elas seguiram flutuando, por um caminho difícil que descia por degraus irregulares
e passagens estreitas rumo à base da montanha. Não saberiam dizer quanto tempo
havia passado, mas chegaram, por fim, a um lago subterrâneo, de cujo centro,
emergia grandes bolhas fétidas e escuras. Elas caminharam por sobre a água até o
local das bolhas.
– É aqui em baixo. – disse Narhen. – Mas como iremos até o fundo?
– Da mesma forma que chegamos até aqui. Venha.
Ishiá começou então a descer e a entrar pela água.
– Não tenha medo! Não se afogará.
Narhen seguiu a irmã e desceram pelas águas do lago.
Dentro da água a visão melhorou, pois a névoa subia em bolhas não se
misturando a ela. As duas chegaram ao fundo.
– Olhe! Eis a origem do feitiço.
– Parece uma fenda.
Mas à medida que se aproximavam conseguiram enxergar com maior clareza.
A névoa era expelida de um corpo já sem vida há milhares de anos. Esse corpo
tornara-se um portal por onde a magia mortal fluía do mundo das trevas. Apesar de
estar naquele ponto por milhares de anos, a aparência cadavérica havia sido
preservada pela magia.
– Devemos retirar esse corpo daqui. – disse Ishiá. – A escuridão dessa
caverna está alimentando a magia das sombras.
A luz do sol deverá ser suficiente para terminar com o feitiço.
Assim que Ishiá mostrou suas intenções, seu corpo astral começou a se
afastar do cadáver no fundo do lago.
– A magia está me repelindo, não consigo voltar. Venha Narhen, devemos
voltar agora.
Narhen ergueu a mão e pegou a mão da irmã no último instante. Cada vez
mais rápido, a magia as expulsava da caverna.
Quando se viram novamente no grande salão, suas mentes se separaram
retornando cada uma a seu corpo. Todos estavam em transe e à medida que
despertavam, os cristais em suas mãos deixavam de brilhar.
– O que aconteceu? – perguntou Oathu.
– Vocês nos ajudaram a encontrar a fonte do mal. – disse Ishiá calmamente.
– Como?
– Com o auxílio das gemas dos dragões. – respondeu Narhen. – Agora
sabemos qual será nosso objetivo.
– E o que precisaremos fazer?
– No fundo dessa caverna, em meio à total escuridão, existe um lago. No
fundo desse lago encontra-se a origem da magia. Um corpo há muito sem vida, foi
mantido a salvo da decomposição pela força da magia. Magia esta, que por sua
vez, foi alimentada pela escuridão. Precisamos retirá-lo do fundo das águas e trazê-
lo à luz. Acreditamos que apenas isso será suficiente para terminar com o feitiço.
– Mas, então, o que estamos esperando? – disse Mhirfun.
– Não é tão simples, meu amigo! – disse Narhen. – A magia repele qualquer
um que tente se aproximar para destruir o feitiço.
– Mesmo nossas mentes foram repelidas quando apenas pensávamos em uma
maneira de destruí-la. – concluiu Ishiá.
– Além disso, não basta atravessar pela névoa maligna, ainda teremos que
mergulhar nas profundezas do lago para resgatar o corpo.
– Quem arquitetou esse plano, pensou em todos os detalhes para impedir que
alguém se aproximasse. – disse Grendhel.
– Não consigo pensar em uma forma de chegar ao corpo. – disse Ishiá. – O
lago é muito profundo e não sou uma exímia nadadora.
O grupo pensou e várias sugestões foram dadas, porém, nenhuma se mostrava
eficaz em sua totalidade.
– Se ao menos não existisse o lago, nossa chance seria maior. – disse
Zarthrus.
– O que disse Zarthrus? – perguntou Galler.
– Nada! Apenas resmunguei em voz alta.
– Mas, talvez sua ideia esteja certa. – respondeu o elfo.
– Qual ideia? – perguntou o gnomo.
– Concordo com Galler. – disse Grendhel.
– Algum dos dois poderia, por favor, explicar? – perguntou Narhen. – Creio
que perdi uma parte.
– Simples! – disse Galler. – Se o lago não existisse, seria mais fácil alcançar o
corpo.
– Mas o lago existe.
– É verdade! – disse Grendhel. – Mas para ele existir, é necessário que seja
alimentado por alguma nascente. E da mesma forma, o excedente da água deve sair
por algum lugar.
– Se conseguirmos localizar por onde a água sai e pudermos aumentar essa
vazão, o lago poderá ser drenado. – concluiu Galler.
– Assim terão um obstáculo a menos.
– Como esperam encontrar a saída da água? – disse Zarthrus.
– Bem, talvez seja mais fácil para mim e Narhen.
– Podemos tentar. – disse a irmã.
Eles voltaram a se sentar em círculo, tendo os animais às costas das irmãs,
expondo, em seguida, cada um, as suas pedras. Não tardou e as formas astrais
estavam novamente suspensas acima do grupo.
Dessa vez, como não tinham a intenção de se aproximar do cadáver, as duas
irmãs, em suas formas astrais, entraram sem nenhuma barreira, através da densa
neblina negra e rapidamente chegaram ao lago e mergulharam nas águas.
– Este lago é grande, como iremos encontrar por onde a água sai? –
perguntou Narhen.
– Acho que devemos nos separar e dar uma volta por toda a margem.
– Certo!
– Não encontrei nada! – disse Ishiá.
– Creio que encontrei um dos locais por onde a água entra. Ela surge bem
próxima à lâmina da água, escorrendo por algumas pedras.
– Talvez exista uma passagem submersa.
– Vamos tentar mais uma vez. Se não encontrarmos, desistiremos dessa ideia.
As irmãs voltaram a se separar e percorreram cada uma, direções opostas no
fundo do lago.
Nada.
Ishiá se aproximou de Narhen.
– Não obtive sucesso. A água deve sair infiltrando-se na rocha.
Narhen estava um pouco para a esquerda em relação à entrada da gruta e
quando estava para desistir, seus ouvidos aguçados de lobo chamaram-lhe a
atenção.
– Ouça!
– O quê?
– Um barulho distante de água batendo na rocha.
– Não ouço nada.
– Venha, vou seguir o som.
Elas mergulharam e por detrás de uma formação encontraram uma passagem.
Suas formas astrais não tiveram problema em seguir pela estreita abertura através
da parede de rocha.
Havia uma continuação do lago anterior, porém suas águas chegavam até
uma grande rocha que lhe represava o caminho, cuja direção seguia para o fundo
de um precipício interno nessa nova câmara.
– Aqui está a origem do som. – disse Narhen. – Se encontrarmos outra forma
de chegar até aqui, talvez seja possível remover essa rocha e libertar a água.
As duas se ergueram no ar e começaram a vasculhar.
– Aqui! – disse Ishiá. – Existe uma passagem!
As duas seguiram por uma trilha que parecia circundar todo o lago. O túnel
serpenteou por algum tempo e finalmente chegaram a uma fenda estreita, por onde
nem mesmo Zarthrus poderia passar.
Não havia outra opção e Narhen resolveu atravessar por ela.
Para sua surpresa, elas chegaram à outra passagem do grande salão. Logo
atrás da escada de rocha que as levaria até a torre e onde também se encontrava o
item que buscavam para completar o Uòhrik.
Assim, mais uma vez, as duas retornaram aos seus corpos e todo o grupo
despertou.
– E então? Encontraram o que procuravam? – perguntou Oathu.
– Sim, mas não sei se conseguiremos chegar lá. – respondeu Narhen. –
Encontramos o local por onde a água deixa o lago. Fica atrás de uma das paredes e
dentro de outra gruta.
– Existe alguma maneira de chegarmos até lá? – perguntou Galler.
– Existe um pequeno túnel que nos levaria direto, mas está bloqueado. – disse
Ishiá.
– Ele está localizado logo atrás da escada de rocha da outra abertura. Mas é
uma fenda muito estreita, até para Zarthrus.
– Deixe-me vê-la. – disse Mhirfun. – Se a passagem é estreita, talvez consiga
aumentá-la para que todos nós passemos.
– Siga-me! Vou lhe mostrar. – falou Narhen.
Não só o anão a seguiu, mas todo o grupo. O anão subiu até a abertura.
– O ar que vem dessa fenda é fresco. – disse ele. – Deve ser por isso que não
há daquela névoa pegajosa e fedorenta nessa passagem.
– Em nossas formas astrais não tínhamos percebido a brisa. – disse Ishiá.
Mhirfun voltou a examinar a abertura.
– Havia uma passagem maior aqui, mas um desmoronamento a fechou.
Vejam, existem muitas pedras soltas.
Afastem-se. Vou tentar remover algumas rochas.
– Tenha cuidado, meu amigo! – disse Narhen. – Não quero que outro
desabamento se transforme em seu túmulo.
– Terei cuidado.
O anão, com toda sua perícia e conhecimento, retirou as pedras menores e
pouco a pouco a passagem foi se abrindo.
Restou apenas uma rocha maior, grande, que ainda impedia a passagem de
um homem. Ele analisou tudo ao redor e, então, pegou seu machado.
– Não é uma de nossas picaretas, mas deverá servir.
Depois de quatro fortes e precisos golpes, Mhirfun retirou duas pedras que
apoiavam a grande rocha.
– Zarthrus, agora é a hora de vermos o quanto é forte a sua corda.
O gnomo retirou a corda de seu alforje e o anão amarou-a na parte de cima da
rocha.
– Todos vocês devem puxar com força! – disse, jogando a outra extremidade
para o grupo. – Tenham cuidado e puxem apenas quando eu avisar.
O anão enfiou seu machado na fresta para servir de alavanca.
– A G O R A! – gritou, enquanto forçava a alavanca.
O grupo puxava com toda a força.
– A rocha cedeu alguns centímetros, mas não o suficiente.
Ele se posicionou do outro lado e repetiu a manobra.
Fizeram isso algumas vezes, até que finalmente, a rocha tombou e caiu da
abertura.
Ficaram atentos, na expectativa de outro desabamento, mas esse não ocorreu.
– A passagem está livre! – disse o anão, satisfeito.
O grupo atravessou por ela e seguiu pelo túnel, que em certos pontos era
apertado, mas todos conseguiram alcançar o local que as irmãs mencionaram.
– Mhirfun, o que acha? – perguntou Narhen. – Acha que conseguiremos
libertar o lago?
– Acredito que sim. Essa parede parece ser toda formada em calcário, que é
muito menos resistente que a rocha lá de trás. Se atingirmos os pontos certos, a
própria força da água fará o resto.
O anão amarrou-se na corda e desceu pela parede externa, analisando cada
pedaço de rocha.
– Fiquem atentos para me puxar a qualquer sinal de problema. – disse ele.
De posse de seu machado, ele golpeou a rocha em vários pontos, arrancando
grandes pedaços da pedra.
Grendhel, Galler, Oathu e seus homens o substituíram na função, mas
nenhum tinha a resistência do anão no ofício de cortar a rocha. À medida que o
trabalho avançava, a água minava cada vez mais através da parede enfraquecida.
– Não deve demorar muito mais tempo. Fiquem atentos!
Nem bem Mhirfun terminou de dizer, a rocha emitiu um rugido baixo. A
água agora era esguichada pelas fendas.
– Podem me erguer! – disse após mais algumas pancadas.
Assim que subiu disse: – Não há mais nada a fazer daquele lado. Vocês
devem se afastar e segurar firme a corda, caso eu venha a cair!
Sem entender direito o que ele dissera o grupo se afastou.
Mhirfun atravessou para o outro lado da pequena cachoeira e de pé na borda,
passou a bater com toda força as costas de seu machado contra a face interna da
parede. Depois de várias pancadas, novo rugido foi ouvido na rocha. A água saia
cada vez com mais força das frestas. O anão atravessou de volta e retornou a
sequência de golpes. Novo rugido e outro seguido por um pequeno tremor.
– Só mais um pouco. Só mais um pouco.
O anão, então, bateu seu machado com toda a força que lhe restava. Novo
rugido da rocha foi ouvido, mas dessa vez não cessou. A água percebeu que a
liberdade estava próxima e forçou sua passagem.
O anão saltou em direção ao grupo, no momento exato que o chão onde
pisava começou a se desintegrar.
A parede que impedira o caminho da água já não existia mais. Fora lançada
com força no fundo do precipício. Uma grande cachoeira se formou. O trabalho de
esvaziar o lago estava feito, restava agora descansar e esperar até o próximo passo
a ser dado.
De volta ao grande salão, o grupo se alimentou e descansou.
Precisariam de toda a energia para o objetivo seguinte. Descansaram junto à
segunda entrada, onde a brisa repelia a neblina do mal.
– Ishiá, tenho pensado muito e ainda não consegui encontrar uma forma de
nos aproximarmos do corpo sem sermos repelidas pela magia.
– Isso também tem me preocupado.
– Agora que já sabemos onde se encontra a fonte do feitiço e retiramos sua
proteção de água pensei que seria mais fácil, mas o simples pensamento de destruir
aquele corpo me causa uma sensação tão desagradável que preciso desviar meu
pensamento.
– Também sinto o mesmo. Essa magia é mais forte do que pensei. Já ensaiei
alguns contra feitiços, mas não consigo nem mesmo terminá-los. Essa mesma
sensação me invade e é insuportável. Quem criou essa magia soube protegê-la
muito bem.
– Por que vocês não tentam unir forças com o dragão prateado. – disse
Zarthrus. – Talvez assim consigam forças para suportar essa sensação.
– Ótima ideia Zarthrus. – respondeu Narhen. – Ishiá, vamos unir nossas
mentes e convocar a consciência do dragão.
– Não sei! Alguma coisa me diz que não devemos fazê-lo. Tenho uma
sensação ruim quanto a isso.
– Deve ser apenas impressão causada pelo feitiço.
– Tudo bem! Vamos tentar. Mas todos vocês deverão nos ajudar.
O grupo se posicionou em torno das duas com suas gemas nas mãos. Os
guardiões das irmãs tomaram seus lugares.Narhen fechou os olhos e mergulhou em
sua mente. Ishiá por sua vez, não estava muito segura sobre a atitude e demorou
um pouco mais.
Nesse intervalo, ela pode perceber a grande luminosidade emitida pelas
gemas, enquanto seus portadores permaneciam em transe. Até mesmo as gemas
que se encontravam no interior do alforje do gnomo brilhavam e seu brilho podia
ser percebido. Ishiá fechou seus olhos e entrou no mundo astral.
– Por que demorou irmã? Precisamos ser rápidas.
– Não consegui me concentrar com facilidade, mas agora estou pronta.
– Então, vamos!
As duas se viraram para o grande ser prateado que sempre protegia suas
mentes.
– Dragão, precisamos de sua força para atravessar a muralha de energia e
destruir a magia que exterminou seus irmãos. – disse Narhen.
O Dragão ergueu a cabeça e se aproximou de Narhen, observando-a como
nunca havia feito. Pela primeira vez, Narhen sentiu como se estivesse a ponto de
ser devorada por um grande monstro.
Depois de analisá-la, o ser prateado se virou para Ishiá e fez o mesmo, porém,
se demorou por mais tempo, percebendo a dúvida da jovem.
– Vamos! – disse Narhen. – Sem sua força não conseguiremos romper a
barreira de energia que protege a origem da magia maligna.
O ser ergueu a cabeça e voltou a olhá-la do alto.
– Por favor, precisamos de sua ajuda.
Então, o corpo esguio e prateado do ser que as envolvia, começou a se fechar
como uma serpente que enlaçava sua presa. O abraço da criatura se fechava cada
vez mais.
Aquela situação era estranha. O dragão prateado nunca as tratara daquela
maneira.
A dúvida de Ishiá aumentava, mas quando estava por desistir e tentar retornar
a seu corpo, as três mentes se uniram em uma só.
– Estamos unidos como queriam. – ouviram a voz do dragão em suas mentes.
– Vocês terão toda a minha força para ajudá-las.
O grande dragão mergulhou, então, em direção à névoa negra, em grande
velocidade, porém a barreira o impediu de prosseguir.
Com grande fúria, ele tentava morder e enfiar suas enormes garras, mas nada
que fazia mostrava resultado.
Quanto mais lutava para abrir caminho, mais espalhava aquela névoa.
De repente, a força do grande ser começou a se esvair.
Ele, porém, não cessava de atacar a barreira.
Quando finalmente parou, as mentes das irmãs puderam perceber o quão
poderosa era aquela magia. Elas sentiram a névoa penetrar no corpo que agora lhes
pertencia, como se fosse milhares de adagas perfurando ao mesmo tempo.
– Narhen! Precisamos desfazer essa ligação.
– Não! Temos que encontrar uma maneira de entrar.
– Não está vendo? Se continuarmos nessa forma, nenhum de nós sobreviverá.
– Mas...
– Narhen, se insistirmos, a energia do dragão se perderá para sempre.
Narhen então percebeu que sua irmã estava certa.
– Dragão! – disse ela. – Perdoe-me por ter insistido nessa luta idiota. Perdoe-
me por tê-lo feito sofrer.
Com um grande estalo em suas mentes, a união se desfez e as mentes das
irmãs foram lançadas de volta a seus corpos, que não resistindo ao impacto,
tombaram desfalecidas.
A energia de retorno foi tão violenta, que todos os outros companheiros que
formavam o círculo de energia foram atingidos.
Narhen estava caída em uma terra árida sob um sol forte que lhe queimava o
rosto. Ela não conseguia abrir os olhos e não tinha forças, nem mesmo para erguer
os braços. Muito lentamente, sua força retornou e ela finalmente pôde olhar em
volta. Estava sozinha. Tentou se levantar, mas seus braços e pernas não respondiam
ao seu comando.
– Estarei morta?– pensou. – Onde estão todos?
Mesmo sem sair do lugar, as paisagens se modificavam rapidamente.
– Que lugar será esse?
Outra vez tudo ficou escuro.
Quando abriu novamente os olhos, estava no topo de uma montanha. O frio
era imenso e não havia com o que se agasalhar.
– Onde estou? Devo estar morta e os deuses devem estar castigando meu
espírito pelo mal que fiz. Por não ter completado minha tarefa. Sofrerei assim por
toda a eternidade.
A jovem se encolheu e abraçou as próprias pernas, chorando
compulsivamente.
– Me desculpe! Eu não queria que ninguém sofresse. Eu queria apenas
completar minha missão. Eu apenas queria que a paz retornasse aos mundos.
Quanto mais chorava, mais culpada se sentia.
Então, no meio de todo aquele frio, uma sensação agradável a envolveu. O
frio desapareceu e a jovem então, pôde abrir seus olhos. O dragão prateado estava
envolvendo-a em um abraço.
– Por que está chorando, criança?
– Dragão, me perdoe! Não quis lhe causar nenhum mal.
– Não me causou! O que sou é apenas a lembrança do que meus antepassados
foram. O que me resta, vive dentro das gemas de seu bracelete. Apenas poderei ser
destruído se as duas pedras forem destruídas. Minha energia pode se esvair por
algum tempo, mas retornará. Ao contrário de você e sua irmã que são seres vivos.
Se a mente de vocês for apagada, seus corpos se desintegrarão. Se permanecessem
por mais tempo unidas a mim, seria fatal para ambas.
– Então, me perdoa?
– Não tenho o que perdoar. Infelizmente, vocês estavam com tanta ânsia em
destruir o mal, que não abriram suas mentes para mim. Do contrário, eu lhes teria
alertado para o perigo que corriam. A única maneira que encontrei foi mostrar-lhes.
– Mas, agora não importa mais. A missão fracassou.
– Estás enganada. A missão apenas fracassará se desistires dela!
– Mas, como posso ser útil se estou morta?
– Não estás morta. Apenas te encontras no mundo astral. Tua linha da vida
permanece ligada a teu corpo. Deves retornar à tua missão.
– Mas se não conseguirmos destruir a fonte do feitiço, de nada adiantará.
– Tenha confiança em ti mesma, da mesma forma que eu confio em ti. Deves
retornar aos teus companheiros. Juntos vocês encontrarão um meio de alcançar seu
intento.
– Mas, não sei onde estou. Como poderei encontrar o caminho de volta?
– Deve seguir o chamado do coração. Lembre-se. Sempre que se unirem a
mim, deixem suas mentes livres ao meu contato. Juntos seremos um.
A imagem do dragão se desfez e Narhen se viu novamente sozinha.
– Devo seguir o chamado do coração. O que será que ele quis dizer com isso?
Narhen olhava em volta e não via nada.
– “Deve libertar sua mente e ouvir com a alma.” – lembrou-se do que sua
irmã um dia lhe dissera.
Ela então fechou os olhos e procurou afastar todos os pensamentos ruins.
De repente, ouviu Galler:
– Narhen... Narhen... Volte para nós. Volte para mim.
Então, sentiu algo úmido tocando sua face. Lentamente abriu os olhos e viu o
lobo lhe lambendo a face.
– Olá, meu amigo! Estou de volta.
– Graças aos deuses! – disse Galler. – Temia que não mais acordasse.
– Não posso fazer isso. Tenho uma missão a concluir e muitos dependem
disso. Quanto tempo estive ausente?
– Por cerca de três dias.
– Onde está Ishiá?
– Estou bem, minha irmã! Mas ainda recuperando minhas forças, o que,
graças à Zarthrus, não tardará.
– Desculpe-me por minha imprudência. Poderia ter matado a nós duas.
– Não fique assim, minha irmã! A decisão também foi minha. O dragão
também alcançou minha mente enquanto estava desacordada e falou sobre os
riscos que corremos.
– Mas, fui eu quem insistiu que tentássemos. Não medi as consequências.
– Nenhuma de nós duas poderia saber que no momento em que nossas três
consciências se unissem na forma de um dragão que habitou esse mundo, o feitiço
nos localizaria e nos atacaria. Quem poderia imaginar que esse feitiço fosse tão
forte a ponto de atacar, até mesmo, uma forma astral?
– Mas...
– Não tem, mas! Agora deve descansar. Precisaremos de toda nossa energia
para derrubar esse feitiço. Zarthrus irá lhe trazer aquela mistura revigorante feita
por ele.
Ishiá afastou-se deixando Narhen, Galler e o lobo sozinhos.
– Ele não se afastou de você um único instante. – disse Galler. – Você tem um
amigo fiel.
Narhen voltou-se para o lobo e o acariciou.
– Eu sei. Se não fosse por vocês dois, eu ainda estaria perdida dentro de
minha própria mente.
– Nós dois?
– Sim, enquanto ele me mantinha com sua energia, eu ouvi sua voz me
chamando e guiando de volta para você. Eu ouvi com meu coração, que também é
seu.
– És minha eterna amada.
– E você, o meu eterno amor!
– Ham! Ham! Desculpe-me incomodá-los, mas você precisa beber essa
mistura. – disse o gnomo aproximando-se.
– Mais uma vez você nos deixou preocupados. Espero que não se arrisque desse
jeito outra vez.
– Quanto a isso, meu pequenino amigo, não posso prometer. Se for necessário
entregar minha vida para que a paz volte aos mundos, entregarei de bom grado.
– Isso todos nós o faremos. Mas espero que se esse momento tiver de surgir,
que ele demore muito tempo ainda.
– Com certeza, não será por agora. Ainda temos que viajar por alguns
mundos.
Narhen tomou a mistura perfumada de flores, frutas e raízes do gnomo.
– Zarthrus, esta mistura não é a mesma que tomei em outras ocasiões.
– Tinha certeza de que notaria a diferença.
– Está mais perfumada e doce. Quase não se nota o sabor amargo das raízes.
– É uma adaptação da receita antiga. Eu acrescentei algumas frutas e flores
desse mundo, depois que colhi algumas informações com o povo da floresta.
– Está muito saborosa!
– Notará também que seu efeito é mais rápido. Ainda não cheguei à mistura
ideal, mas os resultados são satisfatórios.
A jovem terminou de beber o conteúdo do copo e o devolveu ao gnomo.
– Obrigada!
– Deve descansar agora. Volte a dormir, assim o poder da mistura será mais
efetivo.
O gnomo se retirou.
– Ficará comigo? – perguntou ela ao elfo.
– Sempre. Descanse enquanto velarei por seu sono.
Narhen aconchegou-se no colo de Galler enquanto ele lhe acariciava o rosto e
cabelo. Não demorou e novamente mergulhou no mundo dos sonhos.
Ela se viu caminhando em Larthimar, de braços dados com Galler. Trazia
preso nos cabelos um arranjo de flores, à moda dos elfos. A alegria era imensa.
De repente, duas crianças passaram correndo por ela.
Um menino de corpo forte e cabelos escuros e ondulados e uma menina de
cabelos claros e presos também no estilo dos elfos. Eles corriam felizes, brincando
um com o outro. Então pararam e voltaram correndo em direção ao casal. O
menino saltou para os braços de Galler e a menina para os de Narhen.
Os traços do menino se assemelhavam aos de Lihor, o que ficava ainda mais
realçado devido aos olhos azuis. A menina trazia os traços dos elfos, mas nos olhos
as características da mãe. O momento era mágico. Havia felicidade em toda a
volta. Narhen despertou com um grande sorriso no rosto.
– Pelo visto, tiveste um sonho bom! – disse Galler.
– Sim, meu amado! Tive um sonho feliz.
– E com o que sonhaste?
– Sonhei com o motivo de estarmos nessa jornada. Sonhei com nossos filhos.
Ela olhou para o bracelete do dragão, que brilhou e emitiu um calor
aconchegante.
Aquela sensação feliz deu ânimo e revigorou ainda mais o desejo de Narhen
em concluir a missão que foi destinada a ela, sua irmã e a todos os outros
companheiros de jornada.
Estavam no caminho certo.
Após o longo período de descanso e da mistura ministrada por
Zarthrus, as irmãs estavam novamente recuperadas.
Mhirfun aproximou-se das duas e disse: – Mestras, Ishiá e Narhen. Temos
mais um problema.
Nossas provisões estão no fim. Devem durar apenas mais dois dias e a
comida dos animais menos tempo, ainda.
– Resolveremos uma coisa por vez! – disse Narhen. – Se não conseguirmos
destruir logo o feitiço, sairemos dessa caverna em busca de novas provisões.
– De qualquer forma, teremos de nos abastecer antes de atravessarmos o
portal para o outro mundo. – disse Ishiá.
– Sei que está preocupado, meu amigo! Mas daremos um jeito nessa situação.
– concluiu Narhen.
O anão afastou-se resmungando para si mesmo.
– Irmã, conseguiu pensar em alguma coisa para quebrar o feitiço?
– Não! Tudo que tentei até agora foi repelido.
– Tenho a impressão de que estamos fazendo algo errado. A resposta está tão
perto de nós que não a enxergamos.
– Também sinto isso.
O grupo se reuniu discutindo e dando ideias, não se importando se pareciam
malucas, afinal, foi uma ideia maluca que esvaziou o lago que protegia a fonte do
mal. Porém, nada que diziam abria uma porta de esperança para chegarem até o
corpo.
A desilusão retornava ao coração de todos! Então, Ishiá observou Infahir, um
dos homens de Oathu, brincando com suas gemas. Todas as vezes que ele as
encostava, não tardava para que as pedras começassem a brilhar, emitindo luz.
– Mas é claro! Por que não nos lembramos disso antes? – pensou ela em voz
alta.
– O que foi minha irmã? O que está claro para você?
– Talvez não tenhamos que retirar o corpo de seu abrigo. Talvez baste levar a
luz até ele.
– Como? – disse Grendhel. – Levariam meses para construir um túnel na
rocha. Isso se tivéssemos homens e ferramentas suficientes.
– Vocês não estão entendendo. Lembram-se de quando estávamos dentro das
fendas no vale e fomos atacados por aqueles insetos gigantes?
– As rochas luminosas de Zarthrus! – exclamou Narhen.
– Isso mesmo. Ela emitiu uma luz muito mais forte que nossas tochas. Talvez
ela seja forte o suficiente para afastar as trevas. Acho que devemos tentar. Zarthrus
poderia me emprestar os cristais das ninfas?
O gnomo enfiou as mãos no alforje e pegou as pedras.
– Que interessante! – disse o Gnomo. – Não tinha me dado conta, mas essas
gemas são semelhantes as dos olhos dos dragões.
– Estava desconfiando disso! – comentou Ishiá.
– Por quê?
– Estava observando Infahir se divertindo com suas gemas e reparei que elas
emitiam luz quando eram unidas, da mesma forma que aquelas dadas pelas ninfas a
Zarthrus.
Narhen pegou suas próprias gemas e as uniu. Após alguns segundos, um
brilho se formou e se transformou em luz. Não tão forte quanto as gemas de
Zarthrus, mas clareou todo o grupo.
– Creio ser essa a resposta que procuramos. – disse a jovem.
Narhen separou suas gemas e guardou-as; em seguida, pegou as pedras de
Zarthrus e se aproximou da névoa escura. Assim que ela as uniu, uma luz forte e
penetrante foi crescendo se expandindo. Aos poucos, toda a neblina fétida foi se
dissolvendo, dando lugar à luz.
Quando restava apenas a fumaça negra de dentro da passagem, Narhen disse:
– Eis, a força que precisávamos! Com essa luz chegaremos até a origem do mal.
O grupo se preparou para seguir e foram todos pegando suas próprias gemas.
– Esperem! – disse Ishiá. – Devemos ir apenas nós duas. Quero que fiquem
unidos e em prontidão para alguma eventualidade.
– Mas queremos ajudar! – disse Zarthrus.
– Eu sei meu amigo, mas...
– Olhem! A luz está enfraquecendo. – disse Narhen.
– E as trevas retornando! – falou Grendhel. – Afastemo-nos de volta à outra
entrada.
– Não compreendo! – disse Narhen. – Quando caminhávamos pelo vale, a luz
das gemas não perdeu sua intensidade e clareou nosso caminho por muito mais
tempo.
– Provavelmente, porque naquele momento, ela não teve que lutar com uma
força tão forte.
– Mestra Ishiá! Que tal se juntássemos as nossas gemas? Elas sozinhas não
geram uma luz tão forte quanto aquela gerada por vocês duas, entretanto, todas
juntas, talvez ajudem.
– Talvez tenha razão! Afinal, dois é mais forte que um!
Ishiá pegou suas gemas e as juntou. Assim que elas começaram a brilhar, as
grandes joias nas mãos de Narhen tiveram também sua luz aumentada.
– Vejam! A luz aumentou.
– Agora está claro! – disse Ishiá. – As consciências dos dragões estão se
unindo. Se eles podiam fazer isso dentro dos ovos com todos à sua volta, então
também deviam poder se unir com os que partiram e, assim, compartilhar
conhecimento.
Ishiá aproximou suas gemas mais e mais das de Narhen, aumentando ainda
mais a luz.
– Quando chegarmos ao lago deveremos unir todas as gemas que trouxemos
e assim formar uma luz tão forte quanto a do sol. – concluiu ela.
– Por favor, tenho um pedido a fazer a todos. – disse Narhen. – Gostaria que
vocês ficassem com suas próprias gemas e que se protegessem enquanto
estivermos longe. Algo me diz que quando entramos por aquele caminho, esse
feitiço irá atacar qualquer um que estiver próximo. E com certeza, a melhor defesa
será a luz das joias.
– Zarthrus, poderia nos entregar as outras gemas que recolhemos no riacho?
– Posso, mas como irá transportá-las até o local? – recolhemos muitas.
– Poderia nos emprestar seu alforje?
– Ele seria inútil para vocês. Somente um gnomo consegue encontrar o que
procura dentro dessa bolsa mágica. Qualquer outro ser encontrará apenas uma
sacola vazia.
– Mesmo alguém que seja iniciado no mundo místico?
– Nesse caso, pode ser ainda pior, pois esse insistirá em procurar por algo e
sua mente se tornará prisioneira.
– Então deverá vir conosco!– disse Narhen. – Os outros devem montar uma
barreira de luz e ficar atentos. Vamos.
Os três caminharam até a abertura da névoa.
– Lembrem-se! – disse Ishiá. – Nenhum de nós deve pensar em causar
qualquer mal à névoa ou ao corpo no fundo do lago. Isso irá fortalecer a magia e
nossa energia se esgotará mais depressa.
Narhen segurou as grandes gemas com uma das mãos e suas outras duas com
a outra, enquanto Ishiá e Zarthrus apenas as deles. Quando todas estavam
luminosas, a luz da maior voltou a clarear com intensidade, afugentando as trevas.
Os três penetraram pela abertura e seguiram serpenteando por um túnel
estreito. À medida que avançavam os que ficaram do lado de fora acompanhavam a
luz que os três carregavam desaparecer a cada curva que faziam.
Quando não havia mais nenhum traço de luz na abertura por onde passaram,
o receio de Narhen se concretizou. A magia em forma de névoa aumentou de
forma rápida no grande salão.
– Recuem todos para a outra passagem. – disse Galler. – Lá teremos maior
proteção.
Eles correram até a entrada.
– Aqui! Formem uma linha de proteção com as gemas bem na entrada. Isso
deve nos proteger. Espero.
A luz das gemas criou uma barreira, mas na câmara maior, a escuridão
crescia a cada instante. E como ondas, investia contra a proteção.
Os segundos tornavam-se minutos e os minutos horas.
Os três continuavam seguindo pela passagem.
– Em nossa forma astral esse caminho não parecia tão longo. – disse Narhen.
– Na forma astral, podemos atravessar grandes distância apenas com o
pensamento. – falou Ishiá. – Por isso parecia tão perto.
Continuaram seguindo em silêncio e pouco tempo depois...
– Devemos estar perto. – falou Zarthrus. – Já posso ouvir a água crepitando
nas rochas.
– Seus ouvidos são muito mais sensíveis que os nossos, meu amigo. – disse
Narhen. – Mas creio que tem razão, pois sinto um frio estranho e úmido.
No grande salão a névoa crescera a tal ponto que a luz das gemas iluminava
apenas poucos metros de distância.
De repente, o brilho das gemas começou a pulsar e a cada pulso diminuía de
intensidade.
– O que estará acontecendo lá dentro? – perguntou Grendhel em voz alta. –
Por que a demora?
– Se demorar muito mais, o brilho das gemas se extinguirá e junto a ele nossa
proteção. – disse Galler.
Os três finalmente chegaram ao lago. Ele não estava completamente vazio e
era bem grande.
– Narhen veja! – disse Ishiá. – Ainda existe muita água escoando e muitas
poças grandes.
– Não estou muito preocupada com isso. Não tem problema eu me molhar
um pouco para chegar até aquela mancha escura.
– Não se esqueça de mim, – disse o Zarthrus. – sou um gnomo da floresta e
não das águas.
– Não se preocupe meu amigo! – disse Ishiá – Eu o levarei!
As duas analisaram as margens e perceberam que não havia outra forma de se
aproximarem sem ter que se molhar.
– Precisaremos da corda. – disse Narhen. – É muito perigoso saltar para a
água. Não dá pra saber qual é a profundidade.
O gnomo retirou a corda e Ishiá a amarrou nas rochas.
– Zarthrus, por favor, suba em meus ombros. – disse Narhen. – Quero manter
as gemas unidas.
– Está bem, mas tome cuidado para não escorregar.
Eles desceram e Ishiá os seguiu. A água estava na cintura e o fundo era
irregular.
A névoa tomava conta de cada fresta e apenas a luz das gemas a impedia de
se aproximar. Com muita dificuldade no caminhar e tendo que nadar em alguns
pontos, chegaram ao corpo. No local a água chegava à altura do pescoço de Ishiá.
– Teremos que mergulhar. – disse Narhen.
A luz da gema alcançou o corpo, mas a água a filtrou fazendo apenas com
que não mais fosse expelida a névoa.
– O que teremos de fazer?
– Criar uma barreira de luz ao redor do corpo. – disse Ishiá.
De repente, ouviu-se um ruído e então, uma grande rocha se desprendeu do
topo da caverna, caindo dentro do lago, junto à fenda por onde a água saía.
O impacto foi tão grande que destruiu a parede que separava as duas câmaras.
A água foi libertada da pequena passagem passando a sair com violência. Formou-
se uma forte corrente puxando tudo em direção ao precipício.
As irmãs e Zarthrus começaram a ser puxados e o solo do fundo da lagoa,
repleto de sedimentos, não oferecia apoio. Precisavam se segurar em algo, caso
contrário, seria o fim.
Narhen percebeu uma rocha de calcário próxima a ela. Sem pensar duas
vezes, pegou sua espada élfica e com toda a força de que ainda dispunha, cravou-a
na rocha. Narhen, segurando no punho da espada, esticou seu braço e no último
instante, pegou a mão se Ishiá.
– Segure firme! – disse ela.
A correnteza era forte, mas a água escoou rápida e alguns minutos depois,
estavam as duas com os pés apoiados no chão.
– Ainda bem que pensou rápido. – disse Zarthrus.
– Ainda bem que era uma espada élfica, caso contrário, teria se partido sob o
efeito do nosso peso.
Mais alguns momentos e a água estava na altura do joelho e corria bem mais
devagar e apesar da grande correnteza ocorrida, o corpo permaneceu no mesmo
lugar.
– Onde estão as grandes gemas de luz? – perguntou Narhen assustada.
– Eu as guardei assim que percebi a rocha caindo do teto. – disse o gnomo.
As únicas gemas à mostra eram as de Ishiá e o brilho delas estava quase se
apagando e por consequência, as trevas aumentavam.
Rapidamente, o gnomo retirou as gemas de Narhen e as que lhes foram
entregues pelas ninfas e a luz retornou forte, afastando novamente a neblina.
Eles caminharam até o corpo e Zarthrus desceu dos ombros de Ishiá para uma
rocha próxima.
– Ishiá, segure as gemas para que Zarthrus possa pegar as outras.
Quando os três pares de gemas se juntaram, uma luz muito forte foi emitida.
Eles ouviram um chiado vindo do corpo mumificado. O corpo se contorceu e
encolheu um pouco.
– Depressa, precisamos acabar logo com isso. – disse Ishiá.
Zarthrus foi retirando as gemas do alforje e Narhen foi unindo-as e colocando
em volta do corpo. A cada gema acrescentada aumentava a luz e o corpo se
encolhia.
Narhen foi fechando o círculo ao mesmo tempo em que também colocava as
gemas luminosas sobre o corpo. Por fim acrescentou também as suas e as de Ishiá e
as maiores no centro.
Nesse momento uma luz tão forte foi emitida, que os três tiveram de se virar
e tapar os olhos com as mãos. Mesmo assim, suas vistas permaneceram ofuscadas
por algum tempo.
Os segundos se passaram e o brilho diminuiu a um ponto suportável. Quando
os três olharam para o corpo, perceberam que não restava mais nenhum vestígio
dele. Havia se desintegrado.

.* * *

O Brilho das gemas do restante do grupo pulsava cada vez mais fraco. As
trevas avançavam impiedosas. Uma a uma as gemas se apagavam e então veio a
escuridão.
A névoa fétida cobriu tudo. Os olhos ardiam como se algum objeto afiado os
estivesse cortando lentamente. Ela penetrava pelas narinas dos homens e dos
animais com se fosse um ferro em brasa atravessando a carne. Não havia mais ar
nos pulmões e a morte já lhes sorria, então, sem aviso a dor desapareceu.
Estavam todos estendidos no chão, arfando com violência e as lágrimas
lavavam os olhos. Encontravam-se em completa escuridão e sem forças para se
levantar, mas da mesma forma que a respiração se acalmava, suas forças
retornavam.
Lentamente o brilho das gemas também regressava, voltando a iluminar o
interior da caverna.
Já de posse do controle de seus corpos, o grupo se olhava e sorria, sem dizer
uma única palavra.
O riso se tornou gargalhada. E foi nesse clima que as irmãs e o gnomo foram
recebidos no grande salão.
– O que aconteceu? Por que essa alegria? – perguntou Zarthrus.
– Vocês conseguiram! – disse Grendhel. – Destruíram a origem do feitiço.
– E na hora certa! – concluiu Mhirfun.
– O que quer dizer com isso? – perguntou Ishiá.
– Nada! – disse Galler. – Venham descansar e nos contem o que aconteceu.
Narhen e Ishiá fizeram um relato do que acontecera e depois Galler contou o
que havia acontecido com eles.
– Graças aos deuses, conseguimos destruir a origem da magia. – disse Ishiá.
– Se tivessem demorado apenas mais alguns minutos, não restaria nenhum de
nós para prosseguir com vocês. – disse Galler.
– Se, por acaso, ainda houver alguma prova semelhante a essa, ninguém
ficará para trás. – disse Narhen. – Venceremos ou morreremos todos juntos.
Respirando aliviado, o grupo permanecia sentado no interior da segunda
passagem, aos pés da grande escada de rocha.
No topo dessa formação encontrava-se o primeiro dos itens do Uòhrik. Mas
haveria algo mais esperando por eles?
Chegou o momento de subirem ao outro salão.
– Narhen! – disse Grendhel. – Temos um problema. Você disse que não
deixaria ninguém para trás, mas receio que isso não será possível.
– Por que diz isso? Não deixarei ninguém.
– O lobo. Ele não conseguirá escalar essas rochas.
– Ele não precisará escalar. Nós o amarraremos da mesma forma que fizemos
para atravessar a fenda sobre o vulcão e depois o içaremos para cima.
– Não creio que sua ideia seja sensata. O risco de feri-lo é grande. Seria
melhor que ficasse nos esperando aqui em baixo. Afinal, teremos de descer
novamente.
– Não quero deixar ninguém para trás.
– Mestra Narhen, mestre Grendhel tem razão. Seria muito mais prudente que
o lobo ficasse aqui em baixo. Se a corda se partir por algum motivo o perderemos.
– De qualquer forma, não podemos deixá-lo sozinho aqui em baixo.
– Se me permitir ficarei com ele. – disse o anão.
– Não quero me separar de ninguém. Caso alguma coisa aconteça enquanto
estivermos separados eu não me perdoaria.
– Narhen! – disse Galler. – Deve usar do bom senso.
Teríamos muito trabalho para levá-lo e o mesmo para trazê-lo de volta. O que
Grendhel e Mhirfun dizem faz todo o sentido.
– Mas,...
– Mestra Narhen, eu também não me dou bem com lugares altos. E terei certa
dificuldade para escalar esses degraus.
– Irmã! Também vejo coerência no que dizem.
Narhen o observou com atenção.
– Está bem! Não queria me separar novamente, mas me convenceram, porém
não deverão ficar sozinho. Oathu! Seus homens poderiam ficar em companhia de
Mhirfun e do lobo?
– Eles ficarão, mas eu irei com vocês.
– Sua companhia será muito bem vinda. – conclui ela.
– Então, que comecemos. Teremos uma grande subida.
– Mhirfun! – disse Narhen. – Caso ocorra algum problema, deve gritar por
ajuda e desceremos o mais rápido possível.
– Não se preocupe. Ficaremos bem.
O anão os observou subindo, degrau por degrau, até que apenas o brilho das
gemas pudesse ser visto. A subida se mostrou muito mais longa e difícil do que
pensavam.
– Tenho que admitir que estavam com razão. Seria loucura trazê-lo.
Um longo tempo depois e exaustos pelo esforço, resolveram parar em uma
saliência mais larga.
– Nunca pensei que seria tão difícil subir por uma escada! – brincou
Grendhel. – Queria ter a agilidade de Zarthrus.
Ele salta de um degrau ao outro como se não fosse nada.
– Se não tivesse prometido à Narhen que ficaríamos juntos, já teria chegado
lá em cima e visto o que nos aguarda.
– Não se apresse sem motivo, meu amigo! Já estou farta das surpresas que
esse mundo nos reserva a cada instante.
– Irmã, não devemos reclamar. Algumas delas foram muito valiosas.
– Tem razão, mas gostaria de já estar no outro mundo. Sinto falta do nosso e
gostaria de saber o que está acontecendo por lá.
– Tudo a seu tempo, minha irmã! Tudo a seu tempo.
Voltaram a escalar e algumas horas mais tarde estavam a poucos metros da
entrada.
– Finalmente podemos enxergar o fim da escada. – disse Grendhel.
– Graças aos deuses. Pensei que essa escalada não terminaria nunca.
Com as forças revigoradas pela visão da abertura, chegaram finalmente à
passagem no topo da escada.
– Espero que consigamos encontrar o objeto com facilidade. – falou Ishiá.
– Eu também, porém, tenho a impressão de que não será tão simples. – disse
Narhen.
Atravessaram por um pequeno túnel e emergiram em outro grande salão. Por
alguma razão, havia uma luz tênue que clareava o ambiente.
Era imenso. As paredes eram muito altas e lisas. Não conseguiam precisar a
quantos metros estaria o teto. Não havia estalagmites nem estalactites. O chão era
plano, como se tivesse sido trabalhado por mãos e não uma formação natural. Era
possível posicionar um grande exército entre aquelas paredes.
No centro do grande salão, havia uma única e solitária torre cujas verdadeiras
dimensões somente puderam ser confirmadas ao se aproximarem.
– Eu sabia que não seria tão fácil. – disse Narhen. – E agora? Alguma
sugestão para chegarmos ao topo?
A torre circular era praticamente lisa, exceto por ondulações que seguiam
pela circunferência. Era feita de uma rocha diferente do restante da caverna. Não
havia onde se segurar para a escalada.
O grupo se espalhou em torno do monólito procurando por alguma abertura
ou rachadura que pudesse ser utilizada, mas sem sucesso. Narhen pegou a espada e
atingiu com força a estrutura lançando faísca ao ar. Apenas um pequeno arranhão
ficou no lugar.
– Essa rocha é mais dura que granito. Não será possível cavar apoios para
subir. – disse ela.
Todos olhavam para o topo da estrutura sem encontrar um meio de alcançá-
lo.
– Talvez a águia possa levar Zarthrus até o topo e ele consiga pegar o item. –
disse Grendhel.
– Então, Zarthrus, que acha de voar até lá em cima? – perguntou Ishiá.
– A seu dispor! – respondeu ele.
– Espere! Estou com uma estranha sensação. – disse Narhen.
– E com razão. Seu bracelete está brilhando. – falou o elfo.
– Não acredito que esse desafio deva ser vencido com um simples voo! –
exclamou Narhen. –Existe algo mais.
– Bem, então pedirei à águia apenas que faça um voo de reconhecimento. –
respondeu Ishiá.
Logo em seguida a águia se lançou em direção ao topo da torre. Quando a
ave estava a pouca distância de seu objetivo, uma rajada de vento a atirou em
direção ao solo.
Pega de surpresa, a ave despencou, mas no meio da queda, retomou o
controle do voo. Ela voou afastando-se da torre e depois voltou a subir, até que
estivesse numa altura maior que a estrutura e voltou a se aproximar. A poucos
metros do local de pouso, outra rajada de vento a atingiu afastando-a novamente. A
águia planou e mergulhou em direção ao solo.
– Como pensei. – disse Narhen. – Teremos que encontrar uma maneira de
escalar.
O grupo voltou a circundar a torre testando as ondulações, mas não havia
frestas para se prender com os dedos.
Por fim, Grendhel disse: – Creio que encontrei uma maneira.
– Então diga rápido. – disse Narhen.
– Todos nós devemos subir ao mesmo tempo.
– Como? Não entendi!
– Vou explicar. Zarthrus, por favor, empreste-me a corda.
O gnomo a entregou.
– Todos! Fiquem em volta da torre e mantenham a mesma distância de cada
um dos companheiros ao seu lado.
Quando todos estavam posicionados, Grendhel pediu que não saíssem do
lugar. Ele pegou a corda e deu duas voltas ao redor da torre, passado pelas costas
de cada um. No final, amarrou as duas pontas para que não se soltassem e assumiu
seu lugar.
– Pronto! Devem segurar a corda em suas costas. Quando eu disser, todos
deverão apoiar os pés nas ondulações. A corda nos manterá unidos. Devemos dar
um passo por vez e ao mesmo tempo. Vamos começar, mas lembrem-se: não
devem dar um passo muito grande.
O grupo pisou na ondulação da torre e forçou para subir. Como Grendhel
havia dito, a corda os manteve unidos e conseguiram subir um passo em direção ao
topo.
– Parece que deu certo como suas outras ideias. – disse Narhen.
– Deu certo, mas não se esqueçam, temos que dar um passo por vez. Se um
cair levará todos os outros com ele. Sigam meu comando para cada passo. Zarthrus
se quiser subir nessa torre, deve subir em meus ombros.
O gnomo saltou nos ombros de Grendhel e a cada comando do jovem,
avançavam um passo por vez. Em poucos minutos estavam próximos do destino.
Assim que chegaram à borda superior, ocorreu o primeiro problema não calculado.
Estavam todos apoiados pelos pés e sustentados pela corda. Qualquer um que
tentasse se aproximar iria afrouxar a sustentação derrubando todos os outros.
Estavam em uma situação difícil.
– Não tinha pensado nisso. – disse Grendhel.
– Talvez não seja tão complicado quanto pensa. – disse Galler. – Basta que
todos nós puxemos as cordas lentamente com os dois braços ao mesmo tempo.
Assim diminuiremos a circunferência.
Fizeram como Galler havia dito e todos pisaram juntos na área circular. No
centro dessa estrutura, havia uma pequena formação semelhante a um ninho e
sobre ela, um objeto dourado.
Narhen e Ishiá se aproximaram. O objeto era semelhante a uma presa, com
alguns desenhos desconhecidos, semelhantes à runas. Ishiá levou a mão e o pegou,
porém havia uma parte enterrada na rocha. Ela forçou, mas o objeto não se mexeu.
– Está preso! – disse ela.
– Deixe-me tentar.
Narhen também tentou e não obteve sucesso, assim como todos os outros
depois dela.
– Não acredito que chegamos até aqui e não conseguiremos retirar o objeto
da rocha. – disse Grendhel.
– Não, Grendhel! Com certeza existe uma maneira, apenas não é a força. –
respondeu Ishiá.
Todos se sentaram em torno do objeto, pensado em uma forma de como
pudessem retirá-lo e vez ou outra, alguém se aproximava e olhava todos os
detalhes no objeto a procura de algo que os ajudasse a resolver aquele impasse.
Finalmente, algo foi encontrado.
– O que seriam essas marcas? – perguntou o gnomo.
– Que marcas? – perguntou Ishiá.
– Estes pequenos buracos ao redor do ninho.
– Não deve ser nada. – disse Grendhel. – Deve ser apenas um detalhe no
desenho do ninho deixado por quem o esculpiu.
– Não! Zarthrus tem razão! – disse Ishiá. – Esses buracos devem ter algum
significado. Vejam! Deles saem pequenos sulcos que se ligam ao desenho do ninho
e seguem até o objeto. E se repararem, a quantidade de sulcos que chega ao objeto,
corresponde à mesma quantidade de buracos.
– Mas, se é assim, qual seria a finalidade? – perguntou o gnomo.
– Isso eu ainda não sei.
– Talvez... – disse Narhen.
– Continue irmã! O que está pensando?
– Bem, estamos no mundo dos dragões e aqui, muito mais que a força, é a
magia que tem nos ajudado. Talvez, precisemos utilizar de magia. A magia dos
dragões.
Narhen pegou uma de suas gemas dos dragões e tentou encaixá-la na pequena
abertura, mas não serviu. Então ela uniu as duas e em seguida tornou a encaixá-las,
mas, ainda assim, elas não se prenderam. Os outros também tentaram com as suas
e também não conseguiram.
– Não deu certo! – disse Galler. – Todas são pequenas.
– Mas existem outras. Zarthrus, vamos testar todas as gemas que estão em
sua sacola.
– Vocês não as deixaram no fundo da caverna? – perguntou Galler.
– Não! Queríamos que permanecessem ao ar livre como as encontramos.
Livres como os dragões que um dia foram. Pensávamos em devolvê-las ao riacho
onde as encontramos.
O gnomo retirou todas as gemas da sacola.
– Procurem por gemas grandes. – disse Narhen.
Encontraram seis pares, cada uma de uma cor.
Narhen pegou o primeiro, uniu as pedras e tentou encaixar. Não entrou. O
formato era diferente.
Ela então testou na outra abertura e dessa vez, a gema se encaixou
perfeitamente.
– Está no lugar! – exclamou ela, ao ver o brilho pulsante na cor das gemas,
incrustado na rocha.
Cada um dos outros pegou um par e repetiu o processo feito por Narhen.
Quando a última abertura foi preenchida, a energia colorida das gemas caminhou
pelos sulcos se mesclando uma a outra em direção ao objeto. Assim que as
energias se juntaram no objeto, ele começou a brilhar e a se soltar da rocha e em
seguida, ergueu-se a alguns centímetros no ar.
Era uma visão mágica. Narhen se aproximou e o pegou. Nesse instante o
brilho desapareceu e as gemas se soltaram de onde estavam.
– O primeiro dos itens. – disse Narhen com um grande sorriso.
O objeto não se soltava por que a parte que estava dentro da rocha era igual a
que estava fora, separadas por um eixo. Eram duas presas.
– Devemos colocá-lo no seu lugar definitivo. – falou Galler.
– Tem razão. Zarthrus, me entregue o Uòhrik.
– Temos que retirar o tendão do dragão. – disse Ishiá assim que o pegou.
Segurando, cada uma delas, em uma das extremidades, respiraram fundo e
deixaram suas energias fluírem para o objeto. Imediatamente, o tendão do dragão
se desenrolou sozinho.
Quando Narhen olhou novamente para o objeto dourado em forma de dentes,
ele tinha se dividido em dois. Ela os encaixou um de cada lado dos primeiros
orifícios do Uòhrik. Então, deixando novamente a energia fluir para a chave dos
mundos disse:
– O que for amarrado pelo tendão do dragão não mais se soltará.
O tendão voltou a se enrolar na chave, deixando à mostra as duas presas.
Uma de cada lado.
– O primeiro dos itens está no lugar. – disse Ishiá. – Devemos agora
encontrar a passagem para o outro mundo e continuar nossa viajem.
Grendhel se aproximou da borda da torre e disse sorrindo: – Então, o que
estamos esperando. Virou-se e saltou para fora da torre.
– GRENDHEL! – gritou Ishiá saltando em sua direção.
Narhen e Galler fizeram o mesmo e para surpresa do grupo, Grendhel estava
de pé no chão ao lado da torre a a cerca de um metro de distância.
– Mas, como? – perguntou Ishiá.
– Não sei! – disse ele. – Mas creio que essa torre nunca foi mais alta que isso.
É provável que a magia tenha nos iludido a pensar que era muito mais alta. Como
não há mais a necessidade de proteger o objeto, a magia se desfez mostrando a
verdadeira estrutura.
– Grendhel. – disse Ishiá zangada. – Nunca mais repita isso!
– Desculpe. Não quis assustá-la, não farei isso outra vez! Prometo!
Em pouco tempo todo o grupo estava de volta ao grande salão na base, juntos
a Mhirfun e ao lobo.
– Conseguimos Mhirfun. – disse Narhen. – O primeiro dos itens já está em
seu lugar no Uòhrik.
– Graças aos deuses. Agora poderemos, finalmente, seguir para o próximo
mundo.
– Sim. Mas ainda precisamos encontrar o local onde Èhssthril tombou.
– Isso não será um problema. – falou Oathu. – Eu conheço o local e os levarei
até lá. Fica próximo ao grande vulcão.
Com grande satisfação, o grupo seguiu novamente para fora da caverna.
– Devemos ficar atentos. – disse Galler. – Aqueles Izmhur podem estar nos
esperando.
Ao saírem da escuridão da caverna perceberam que era manhã de um novo
dia. Tinham permanecido por todo um dia e noite daquele mundo no ventre da
montanha. Mas, ainda havia outra coisa. Algo estava diferente. Os gritos
constantes dos Izmhur haviam se silenciado e os únicos dois que foram vistos,
estavam voando rápido para longe da montanha.
Era como que soubessem que os dragões retomariam seu lugar no trono
daquele mundo.
Ao chegar ao riacho, Narhen pediu ao gnomo que lhe entregasse as gemas e
estava para colocar as primeiras de volta às águas cristalinas e frias, onde foram
encontradas quando uma voz tocou sua mente. Logo em seguida, Narhen disse ao
grupo: – Devemos manter as gemas de cada um. Elas ainda nos serão úteis desde
que não sejam usadas para o mal.
Zarthrus, por favor, guarde-as novamente. Ainda existe uma tarefa para a
qual precisaremos da ajuda dessas gemas.
Os viajantes seguiram em direção ao grande vale e embora estivessem
receosos de reencontrar os insetos gigantes, conseguiram fazer a travessia durante
o dia, sem que nada ocorresse. O mesmo ocorreu na região dos Ürhairs, por onde
passaram encontrando apenas antigos rastros. A cada trecho percorrido,
aumentava-lhes a dor por separarem-se dos novos e valiosos amigos, pois sabiam
que se aproximava a hora de deixarem aquele mundo.
O retorno à floresta foi tranquilo e sem incidentes.
– Antes de retornar ao povoado, gostaria de verificar o estado dos ovos. –
disse Narhen.
– Eu também! – disse Ishiá.
– Creio que esse seja o desejo de todos! – concluiu Galler.
– Não sei se devemos. – disse Oathu. – Penso que deveríamos nos encontrar
antes com Ephoes.
– Porém, o caminho até o povoado passa pela caverna. Precisamos nos
encontrar com os bebês dragões e seguir por lá, e se isso acontecesse antes de
continuarmos nossa viagem, facilitaria!
– Além do que, fomos nós os responsáveis pela destruição do feitiço e pela
libertação dos dragões. – disse Grendhel.
– Vamos Oathu. Não nos demoraremos.
– Está bem! Passaremos por lá antes de seguir para o povoado.
O grupo manteve sua marcha e no final da noite do segundo dia, após terem
deixado a montanha dos dragões, estava próximo à base da montanha onde se
localizava a caverna dos ovos.
– Ouçam! Estão ouvindo esses rugidos e grunhidos. – perguntou Narhen.
– Sua audição está melhor. – disse Galler. – Eu acabei de ouvir e não
imaginava que alguém mais pudesse ter ouvido.
– Será que minha ligação espiritual com o lobo esta me alterando
fisicamente?
– Algo realmente está acontecendo, minha irmã. Também percebi uma
melhora em minha visão.
– Espero que esses novos sentidos continuem depois que terminarmos nossa
tarefa. Mas, de qualquer forma, estou ouvindo alguns grunhidos estranhos. Parece-
me que são os bebês dragões!
– Veremos em breve. Essa trilha nos levará até a entrada da caverna.
Ao contornarem a trilha avistaram uma grande agitação.
Homens traziam veados da floresta, legumes, frutas e até um grande Ürhairl
abatido para junto da caverna. Ephoes estava junto à entrada da caverna de onde
emergia o enorme turbilhão de rugidos agudos, grunhidos e lamentos. Subitamente
a algazarra se desfez, deixando o líder do povoado e todos os carregadores sem
nada entender.
– O que aconteceu aí dentro? – perguntou Ephoes.
Então, antes de obter alguma resposta ouviu: – Olhem! Os viajantes dos
mundos estão de volta.
Ephoes virou-se e viu Oathu, Narhen e Galler caminhando lado a lado e, logo
atrás vinha o restante.
– “Que a paz e a prosperidade habitem em sua morada.” – saldaram a
Ephoes.
– “Que meus amigos tenham fartura e prosperidade!” – disse ele em resposta.
– Graças aos deuses retornaram. Esses filhotes de dragão estão nos deixando
malucos. O que fizeram para que ficassem em silêncio?
– Nós? Nada! – respondeu Narhen. – Acabamos de chegar. Mas creio que
tenho a resposta.
Narhen aproximou-se da entrada de caverna e sentiu um forte cheiro de carne
em decomposição.
– Que cheiro horrível.
– Esses filhotes, comem muito pouco do que lhes damos e o restante acaba
por se desperdiçar e estragar. Apenas deixam que retiremos as carcaças quando
trazemos outra fresca.
– Mas, não é óbvio? – disse Narhen. – Será que vocês nunca cuidaram de
filhotes?
– É claro que não! – disse Ephoes zangado. – Não retiramos os filhotes de
suas mães e segundo nossa tradição, não nos envolvemos nos assuntos da mãe
natureza.
– Mas, essa é uma situação diferente. – disse Ishiá. – Precisam aprender a
intervir para que o equilíbrio retorne a esse mundo.
– E o que acha que devemos fazer? – disse Ephoes.
– Devem cuidá-los da mesma forma que cuidam de seus filhos. – disse Ishiá.
– Devem cortar o alimento em tamanhos menores, do mesmo modo como
fazem as aves predatórias. – disse Galler. – Os filhotes ainda não sabem como fazer
isso.
– Além disso, as aves não deixam as sobras de comida no ninho. – falou
Grendhel. – Os restos podem atrair outros predadores enquanto estiverem fora
caçando.
– Precisamos limpar essa caverna antes de começarmos a alimentá-los
novamente. – falou Narhen.
– Tragam essas caças frescas. Vou mostrar como devem fazer, isso é se
Ephoes me permitir. – concluiu Grendhel ao observar a irritação do ancião.
O líder do povoado estava irritado com sua autoridade sendo questionada,
mas a atitude de Grendhel amenizou um pouco a situação.
– Tudo bem. Podem fazer o que eles pedem. – disse e se afastou em direção
ao povoado.
Narhen ameaçou segui-lo, mas Oathu a impediu.
– Deixe. Eu irei falar com ele. Será mais fácil ele me ouvir.
– Mas... Tudo bem. Você tem razão.
Oathu saiu ao encontro de Ephoes e Narhen retornou para ajudar aos aldeões
na limpeza da caverna.
Antes de começar a cortar a carne, Grendhel observou o tamanho dos filhotes
e depois cortou tiras de carne da carcaça do Ürhairl.
Quando Narhen entrou na caverna, os olhos dos filhotes a acompanharam e o
bracelete do dragão brilhou.
Ainda não detinham a grandeza e imponência de um animal adulto, mas
mostravam que não tardariam a obtê-las. Os filhotes caminharam até ela
desengonçados e a circularam.
Narhen não teve medo quando um deles se aproximou mais que os outros, a
cheirou e depois lhe lambeu a mão. A língua era áspera, mas carinhosa. Ela pensou
que talvez fosse possível um dragão adulto retirar a carne dos ossos apenas com a
língua.
Os filhotes ainda não apresentavam as grandes presas e garras dos adultos,
nem os chifres e espinhos pelo dorso. Narhen acariciou o filhote atrevido sentindo
suas escamas e imaginando como seria a poderosa armadura natural quando ficasse
mais velho.
O bracelete voltou a brilhar e Narhen ergueu-se de seus joelhos e saiu da
caverna.
– Zarthrus, preciso de você!
O gnomo entrou na caverna e se deparou com miniaturas de dragões
praticamente do seu tamanho.
– Narhen, eles estão se aproximando. Espero que não me confundam com
comida.
Narhen sorriu.
– Também espero que não.
Ao chegarem novamente ao centro do círculo de filhotes, ela lhe pediu:
– Entregue-me as gemas.
– O que vai fazer com elas? – perguntou Grendhel.
– O dragão de meu bracelete pediu para que as guardasse e agora pede que as
use.
Ela se aproximou de uma rocha no solo e depositou as gemas, à medida que o
gnomo lhe entregava.
Assim que se afastou, os dragões bebês circundaram a rocha com as gemas
brilhantes e ali permaneceram observando-as até que toda a caverna estivesse
limpa e livre das carnes em decomposição.
– Mestra Narhen, o que eles estão fazendo? – perguntou Mhirfun.
– Estão compartilhando sua consciência com a dos dragões que já não estão
entre nós.
Algum tempo depois, um dos filhotes deixou o círculo e caminhou até
Narhen. Era o mesmo que a lambera.
– O que está fazendo amiguinho? Está com fome?
O bracelete voltou a brilhar, assim como, o bracelete dos deuses e, Narhen,
sem perceber, mergulhou em sua própria mente. Para sua surpresa, Ishiá também
estava lá.
– Como é possível? – perguntou Narhen. – Não estávamos perto uma da
outra.
– Também não sei o que está acontecendo. Não acreditava que poderíamos
unir nossas mentes, estando distantes uma da outra. O meu bracelete dos deuses
brilhou e quando percebi já estava aqui.
A energia dos três braceletes as envolveu e a imagem do dragão prateado se
formou. Alguns minutos depois, elas despertaram.
– Mhirfun, me ajude a desenhar um grande círculo com as gemas. O dragão
de meu bracelete me pediu.
Quando os dois terminaram o trabalho, o filhote se aproximou e entrou no
círculo. Ishiá também se aproximara, assim como todos os outros, inclusive, o lobo
e a águia.
– Morin e Zarthrus, venham! Precisaremos, também, da ajuda de vocês!
Narhen e Ishiá se sentaram em lados opostos do lado de fora do círculo de
gemas, seus guardiões aos seus lados e depois, todos os outros.
– Quando o dragão sair do círculo, devem lhe dar comida. – disse Ishiá a
Infahir, um dos homens de Oathu que os acompanhou à montanha dos dragões.
– Todos também devem utilizar suas gemas. – disse Narhen.
As pedras brilharam e todos entraram transe. O brilho aumentou a tal ponto,
que nenhuma das pessoas do povoado conseguiu olhar na direção deles. Passaram-
se alguns minutos e o brilho se reduziu.
Do meio do círculo e da luz, emergiu um dragão bem maior que aquele
pequeno filhote que entrou.
Vários dos aldeões fugiram assim que o novo ser emitiu um rugido surdo e
caminhou para fora do anel de gemas.
Infahir ofereceu os pedaços de carne a um dragão um pouco menor que um
cavalo. Ele comeu toda a carne que estava na caverna e retornou ao centro da luz.
Enquanto o brilho voltava a aumentar, Infahir saiu depressa da caverna em busca
de mais alimento.
Não havia tempo para cortar a carne em tiras, então, resolveu cortar o Ürhairl
em pedaços grandes e depois, com ajuda de outro homem, arrastou o grande cervo
da floresta para o interior da caverna.
O brilho diminuiu e novo dragão surgiu. Dessa vez, estava aproximadamente
do tamanho de um Izmhur adulto. As gemas se apagaram e o grupo despertou sem
forças de seu transe, enquanto o grande ser se aproximou dos restos do Ürhairl e o
devorou com osso e tudo. Depois comeu uma parte do cervo, para em seguida
retirar pedaços de carne e distribuir aos outros filhotes.
Logo em seguida, o dragão caminhou até a entrada da caverna.
Alguns homens, inclusive Infahir, entraram temerosos em sua frente para
impedi-lo de sair, mas o simples mostrar de dentes do dragão os fez recuar.
O dragão saiu da caverna e os poucos aldeões que ainda estavam do lado de
fora, correram em direção à floresta.
Ele abriu suas grandes asas ao sol por alguns instantes e em seguida as
experimentou, causando uma grande ventania.
Então, depois de um grande salto e batidas de asas o ser afastou-se da
montanha galopando no vento.
Lentamente o grupo de Narhen se recuperou.
– O que aconteceu? – perguntaram Mhirfun e Zarthrus ao mesmo tempo.
– O filhote de dragão se tornou um grande dragão e se lançou ao céu.
– Pare de dizer bobagens, homens. – falou o anão. – Nenhum ser pode crescer
tão rápido.
– Mas esse cresceu. E era tão grande quanto um Izmhur adulto.
– O que eles dizem é verdade. – disse Ishiá.
– Mas como? – perguntou Zarthrus.
– Pela magia e por nossas energias. – respondeu Narhen.
– Todas as nossas energias reunidas, mais as energias das gemas dos dragões
e as de nossos braceletes fizeram com que esse filhote se desenvolvesse muito mais
rápido que o normal. Ele assumiu o papel de ajudar a encontrar comida para seus
irmãos e de protegê-los.
– Por que não usam novamente a energia para fazer todos os outros
crescerem? – perguntou Infahir.
– Por que não podemos. – disse Ishiá. – A magia que protegeu os ovos,
também foi a responsável pelo crescimento rápido, porém, ela foi totalmente
utilizada no desenvolvimento desse único dragão. Ele foi o escolhido quando a
magia de proteção foi lançada. Por isso, não podemos fazer mais nada.
– Vocês deverão continuar a ajudá-lo em suas tarefas, até quando todos os
outros filhotes deixarem a caverna para retomarem seus lugares nesse mundo. –
concluiu Narhen.
– Agora devemos retornar ao povoado. – disse Ishiá.
– Precisamos conversar com Ephoes. Poderia nos acompanhar até lá? – pediu
a sacerdotisa a Infahir.
– Sim. Sigam-me.
O grupo se voltou para uma última olhada nos filhotes. Para surpresa de
todos, os filhotes fizeram-lhes uma reverência em agradecimento pela liberdade.
Com a certeza de que o objetivo tinha sido alcançado, o grupo seguiu em direção
ao povoado nas árvores.
O grupo se reuniu com Ephoes.
– Desculpe-me Ephoes! – disse Narhen. – Não era nossa intenção ofendê-lo
ou desrespeitá-lo na caverna.
– Desculpas aceitas. Sei que estão cansados da viagem e não é preciso dizer
que obtiveram vitória em sua jornada, temos boas provas disso. Devem descansar
agora e se refazer. Depois conversaremos e me contarão todos os detalhes.
– Obrigada! – respondeu Narhen.
Os amigos se retiraram em direção aos seus aposentos.
Oathu os aguardava na porta do grande salão do topo das árvores.
– Vejo que basta ficarem a sós para que algo aconteça. – disse ele.
– Então já sabe do dragão?
– Sim. Não seria o líder de caça se não soubesse de tudo o que acontece.
– Tem razão. Venha! Precisamos conversar. O grupo todo entrou nos
aposentos de Narhen e Ishiá.
– A tarefa pode não parecer fácil e não é. O dragão se chama Issrrhiathurr e
apesar de grande, é apenas um bebê.
Ele se escolheu para proteger seus irmãos e alimentá-los enquanto estivessem
indefesos. Ele não crescerá mais até que sua mente e seu corpo se encontrem em
equilíbrio. Portanto, mesmo com a ajuda das gemas dos dragões a lhe mostrarem o
caminho a seguir, é bom não esquecer que nele ainda existe a imprudência e a
precipitação de uma criança. Você deve de algum modo lhe conquistar a confiança
e através de sua experiência, ajudar-lhe em seu desenvolvimento.
– Mas, como farei isso?
– Não existe uma fórmula. – disse Ishiá. – Terá de encontrar, por si só, o
caminho.
– Tenha fé em si mesmo. Saiba que poderá contar com a ajuda das gemas dos
dragões.
– Você é um grande e valoroso homem. – disse Galler. – É a pessoa certa para
essa tarefa.
Oathu deixou a área dos aposentos, pensativo com o que acabara de ouvir.
Como um simples homem poderia ajudar no desenvolvimento de um dragão?
Depois de refeitos, todos se encontraram para uma refeição com Ephoes,
Oathu e os outros dois companheiros que retornaram das montanhas.
– Espero que estejam todos bem! – disse Ephoes.
– Estamos! – respondeu Ishiá. – Obrigada!
– Agora, gostaria que me contassem todos os detalhes a respeito dessa grande
façanha.
Durante toda a refeição Ephoes ouviu os relatos de cada um.
Quando ouviu a respeito do ataque dos insetos e da morte brutal de Lasumhir,
a tristeza cortou o coração de todos.
– Lasumhir era vigoroso e um grande guerreiro. – disse Ephoes. – Ele não
será esquecido. Mas... Continuem!
E eles retomaram aos relatos sem omitir nenhum detalhe.
– E essa é toda a história. – disse Narhen. – Agora gostaria de lhe pedir mais
dois favores.
– E quais seriam eles?
– O primeiro diz respeito às gemas que deixamos na caverna. Elas não devem
ser retiradas de perto dos filhotes. Gostaria que elas fossem fixadas nas paredes da
caverna, em toda a volta. Isso trará alguma tranquilidade aos filhotes. Mesmo
vocês poderão obter auxílio, através do contato com a consciência coletiva dos
dragões.
– Mas como faremos isso? Não somos detentores da magia que carregam.
– Não se preocupem! – disse Ishiá. – No momento correto saberão.
Entretanto, tenham o conhecimento de que as gemas só poderão ser usadas para o
bem e para a justiça. Elas não responderão ao mal.
– O segundo favor é que precisaremos novamente dos serviços de Oathu,
para nos acompanhar até o portal que nos levará ao mundo seguinte.
– Quanto a isso, não se preocupe! – disse Oathu. – Já mencionei a Ephoes
meu desejo. Nós três os acompanharemos até onde dormem os ossos de Èhssthril.
Terminada a conversa, todos saíram para efetuar os preparativos da última
jornada naquele mundo.
Zarthrus partiu para a floresta, em busca de novos medicamentos e de se
reabastecer daqueles que habitualmente carregava, na companhia de Fhurgin, um
curandeiro idoso e risonho, em cuja companhia poderia compartilhar a mesma
paixão pelas plantas. Fhurgin , por sua vez, encontrou no gnomo, um grande
amigo. Quando retornou várias horas mais tarde, o grupo já o estava aguardando.
– Desculpem a demora, mas as plantas deste mundo são incríveis. Sentirei
muita falta das novas amizades que adquiri. Tanto dos homens quanto das plantas.
– Todos nós sentiremos pequenino. – disse Grendhel. – Todos nós.
Quando deixaram seus aposentos pela última vez Narhen disse: – Sentirei
falta desta cama.
– Realmente. É muito agradável dormir nesse colchão.
– Talvez não demore muito para que possam descansar novamente sobre um
leito com essas folhas. – disse Zarthrus. – Estou levando comigo uma pequena
muda e algumas sementes dessa árvore. Se tudo correr bem, em alguns anos,
poderão dormir novamente sobre um colchão desses.
Ao chegarem novamente ao solo da floresta, encontraram todos os aldeões os
aguardando.
– Vocês cumpriram com sua palavra e livraram este mundo da magia maligna
e agora, os dragões reencontrarão seu lugar nesse mundo e o equilíbrio será
restaurado. – disse Ephoes. – Serão considerados amigos de nosso povo por toda a
eternidade. Nós lhe somos gratos por nos ajudar a cumprir nosso acordo com os
dragões. Tenham certeza de que os filhotes serão bem cuidados, assim como as
gemas com as quais nos presentearam. Nós iremos fazer da caverna um templo
destinado à justiça e à sabedoria.
– Nós não pediríamos outra coisa. – disse Galler. – Saibam que estamos
partindo deste mundo e que onde quer que estejamos vocês estarão sempre
conosco.
– A amizade de vocês nos acompanhará por toda a eternidade! – disse
Narhen.
Então, as pessoas que se tornaram mais próximas daquele grupo de viajantes,
deles se aproximaram, abraçando-os com ternura. Depois de terminados os
cumprimentos, o grupo voltou-se para Oathu e seguiram a ele e seus homens para
fora do povoado. Narhen então se voltou para o povo.
– Adda zhiu moargh iheda adeir! – disse ela para todos em reverência.
– Adda Ighiaist odai iheda adeir! – disseram todos em resposta.
Sorrindo, ela seguiu em direção aos outros que a esperavam.
Eles caminharam por todo o final da tarde até o início da noite.
– Uma coisa da qual não sentirei falta desse mundo é o tamanho dos dias e
das noites. – disse Grendhel. – Dá-nos impressão que aqui o tempo é preguiçoso.
– Para mim, as grandes noites me lembram a escuridão das cavernas. – disse
Mhirfun.
– Oathu, falta quanto tempo para chegarmos ao nosso objetivo? – perguntou
Narhen.
– Cerca de três períodos de descanso, talvez quatro. Não posso lhes dar muita
certeza, pois estive apenas uma vez nesse lugar, quando ainda era bastante jovem.
Já haviam saído do perímetro da floresta há algum tempo e caminhavam na
região de grama alta.
– É estranho, quando chegamos aqui, caminhamos um longo trecho desde a
passagem do vulcão até a floresta, sem ver nenhum sinal de vida. – disse Grendhel.
– Agora, não consigo me acalmar, pensando que poderemos dar de cara com algum
Izmhur ou um Ürhairl, assim que contornarmos alguma colina.
– Isso é possível! – disse Oathu. – Principalmente por estarmos em um
campo aberto, mas algo está diferente. O único vestígio que tivemos de um Izmhur
foi quando deixamos a montanha do dragão. É como se eles soubessem que os
dragões estão de volta e estivessem fugindo para o lugar de onde vieram.
– E onde seria isso? – perguntou Mhirfun.
– Não sabemos, mas acredito que deva ser do outro lado do deserto. Seria
muito bom se fosse verdade.
– Então, esperemos que seja. – disse Zarthrus. – Não quero outra visão
daquela que tive na primeira vez que vi um e, muito menos, a possibilidade me
tornar um petisco para eles.
– Creio que não precisa se preocupar meu amigo! – disse Grendhel. – Mesmo
para um petisco, você seria muito pequeno.
– Só de pensar que ele pudesse escolher você a mim, isso seria um grande
consolo! – respondeu o gnomo.
Houve risos e depois silêncio, pois todos pensavam em tudo pelo qual
passaram desde que ali chegaram.
Oathu realmente se enganara a respeito da distância que deveriam percorrer.
Tiveram de caminhar por toda a noite que estava fresca e durante quase todo o
percurso havia vegetação; nos dois últimos períodos da longa noite daquele mundo,
atravessaram uma região árida, mas com presença de vida. Vez ou outra toparam
com algum roedor, insetos, ou mesmo, cobras se esgueirando pelas fendas das
rochas.
No alvorecer, avistaram algumas montanhas fumegantes um pouco à
esquerda de onde estavam.
– Vejam! – disse Oathu. – É para lá que vamos.
Havia três vulcões próximos uns aos outros.
– Quando disse que os ossos de Èhssthril estavam em um vulcão, pensei que
fosse o mesmo por onde chegamos. – disse Zarthrus. – Mas vejo que são outros.
Caminharam ainda um bom trecho do início da manhã, antes de chegarem a
base do primeiro. O solo exalava calor e de algumas rachaduras, jatos de vapor
eram expelidos com violência.
– Esse local é muito instável, por isso é bom nos mantermos afastados daqui.
Atravessaram uma pequena faixa acidentada e caminharam por uma encosta,
contornando parte do vulcão. Em seguida, desceram novamente em direção ao
segundo vulcão e pouco tempo depois, num terreno elevado, encontraram uma
fenda na terra e por ela entraram serpenteando entre rochas.
Finalmente se depararam com um grande crânio na entrada de uma gruta.
A mandíbula era grande suficiente para guardar um homem em seu interior e
as grandes presas mostravam o quanto feroz deveria ter sido o animal quando vivo.
Dois longos chifres, curvos para frente, emergiam do topo do crânio e vários outros
menores o contornavam, voltados para cima. Por último, um único e curto chifre se
sobressaia na ponta do focinho. Atrás do crânio, se encontrava o restante dos ossos.
Olhando para eles, era fácil identificar a posição que o dragão tomara para
seu último e derradeiro sono.
Sem dúvida nenhuma, Èhssthril teria sido um ser magnífico!
– Bem! – falou Zarthrus. – Chegamos até aqui. Gostaria de saber como é que
continuaremos. Alguém saberia me dizer?
Os olhares seguiram na direção de Narhen e Ishiá.
– Não faço ideia! – disse a segunda.
– Se ao menos, a visão que tive me revelasse mais alguma coisa! – falou
Narhen.
– Pense. Veja se consegue se lembrar de mais alguma coisa. – disse Galler.
– Já pensei e repensei sobre minha visão, desde o momento que entramos
nessa fenda, mas a única coisa, da qual consigo me lembrar, é do grande dragão, de
pé, a nossa frente, soprando na parede de rocha, e fazendo surgir ali, a passagem
para o outro mundo.
– Por que, então, vocês não perguntam ao dragão do bracelete? Talvez ele
lhes dê alguma ideia. – disse Grendhel.
As irmãs se olharam.
– Não custa tentar. – disseram juntas.
Elas se sentaram, deram-se as mãos e em pouco tempo estavam unidas no
mundo mental. E embora se vissem envolvidas pelas energias dos braceletes dos
deuses, não viram o dragão.
– Não entendo! Por que nosso amigo prateado não está aqui? – disse Narhen.
– Será que fizemos algo que o desagradou? – disse Ishiá.
Narhen, então, olhou para seu braço e observou na joia prateada que o
contornava: O Dragão estava de olhos fechados!
– Dragão, fizemos alguma coisa em desacordo com sua consciência?
Durante alguns instantes nada mudou e quando as irmãs já se preparavam
para retornar ao mundo físico, o ser prateado despertou e se desenrolou do braço de
Narhen. E enquanto se afastava crescia e se elevava. Então, mergulhou de volta e
as envolveu.
– Nós o procuramos mais uma vez, pois precisamos saber como abrir o portal
para o outro mundo e pensamos que tinha nos abandonado.
– “Por que esse sentimento em seus corações? Não se preocupem! Eu
seguirei com vocês por todos os caminhos que trilharem. E as acompanharei em
todos os mundos que atravessarem. Estava unindo minha consciência com a de
todos os meus irmãos. Talvez seja essa, a última vez que isso aconteça. Agora
estou pronto para seguir em frente”.
– Mas, o que devemos fazer para abrir o portal? – perguntou Ishiá.
– “Dessa vez, nada! Devem apenas aguardar e quando o dragão estiver com
vocês, deverão unir as consciências de suas gemas com a dele para que a magia
seja forte o suficiente e abra o portal”.
Ao dizer isso a imagem se desfez e as irmãs despertaram.
– O que aconteceu? O dragão disse como abrir o portal? – perguntaram o
anão e o gnomo ao mesmo tempo.
– Ele nos disse que devemos aguardar até que o dragão esteja conosco e que
deveremos unir as consciências de nossas gemas a dele para que a magia aumente e
ele abra o portal. – respondeu Narhen.
O tempo passou e eles aproveitaram para descansar e se alimentar. A
impaciência começava a espetar.
– Tenha calma, minha amada! – disse Galler. – Devemos ter paciência.
– Sua natureza o ajuda, porém eu não consigo ter essa calma.
– É verdade, mestre Galler! Até eu me sinto impaciente.
– Mas vocês, anões, passam dias discutindo sobre um mesmo assunto. Para
mim, seriam até mais pacientes que um elfo.
– Nós, anões, entramos em muitas e longas discussões a respeito do que
devemos ou não fazer, mas quando já está definido, não conseguimos ficar
parados.
– De qualquer forma, não podemos fazer outra coisa, senão esperar. – disse
Grendhel. – Portanto, sugiro que descansem o máximo, já que não fazemos ideia
do que iremos encontrar no outro mundo.
Nem bem Grendhel disse essas palavras, um rugido poderoso foi ouvido no
céu.
– Será que um Izmhur está se aproximando? – disse Zarthrus.
– Não! – disse Oathu. – Esse não é o som de um Izmhur.
Todos ficaram apreensivos pelo que estava se aproximado, então,
mergulhando pela fenda, entrou um grande dragão que com duas batidas poderosas
de suas asas pousou bem no meio do grupo. Era Issrrhiathurr, o dragão bebê
escolhido para guardião de seus irmãos.
– Então não era Èhssthril que estava em minha visão. Era você!
Ele olhou para Narhen e lhe fez uma reverência. Narhen retribuiu-lhe.
Mentalmente, ele se comunicou com todos.
– “Venho lhes agradecer por terem libertado a mim e a meus irmãos de
nossas prisões. Por terem destruído o feitiço, que por tanto tempo, exterminou
minha raça, devolvendo-nos assim, a liberdade! Somos eternamente gratos a vocês.
Saibam que não serão apenas lembrados como amigos dos dragões, mas como
irmãos. Agora devem seguir seu caminho e libertar os outros mundos para que
finalmente encontrem o equilíbrio do seu próprio mundo. Desejo que tenham força
a cada passo e confiança em vocês mesmos, para que cada prova que surgir na
frente de vocês seja cumprida e que os deuses permitam que um dia voltemos a nos
encontrar. Permitam que as consciências de meus irmãos possam me ajudar a lhes
mostrar o caminho”.
Todos inclusive Oathu e seus homens retiraram suas gemas e as ergueram em
direção ao dragão.
As gemas se iluminaram.
O dragão ergueu-se em suas patas traseiras e levantou a cabeça aspirando o
mais profundo que podia, então, voltou a apoiar as patas dianteiras no chão, abriu
as asas e esticando o pescoço em direção a parede de rocha, soprou-a.
Imediatamente uma abertura surgiu revelando através dela outra paisagem.
– “Devem seguir através dela. No outro mundo, encontrarão o que procuram
e o que deve ser feito. No final, outra passagem lhes será revelada”.
Narhen, Ishiá, Galler, Mhirfun, Grendhel e Zarthrus caminharam até a
entrada e voltaram-se para Oathu, seus homens e para o dragão e disseram: – Adda
zhiu moargh iheda adeir.
Disseram isso e atravessaram o portal em companhia do lobo e da águia.
Fim do livro Três
(***)

Caminhando rápido e entretido em seus pensamentos, o gnomo não percebeu


quando Goorrgum deu seu último respiro, abandonando de vez essa terra. Também
não percebeu quando o dono da teia, onde ele estava preso, chegou para levá-lo.
Uma aranha pequena, do tamanho de um cão mediano, aproximou-se
depressa de sua teia quando percebeu que um pássaro havia sido capturado. Ela
estava feliz e esperava ficar ainda mais depois de picá-lo e vê-lo sofrer até o último
suspiro.
Quando ela se aproximou, percebeu que o velho pássaro já estava morto e
ficou decepcionada por isso.
– Ssssss! Que azar! Ssssss! O pássaro é muito velho e não resistiu. Ssssss!
Não poderei vê-lo sofrer! Sssssss!
Mas, por fim, se conformou e picou-o assim mesmo, para que o veneno
penetrasse sua carne e a dissolvesse, enquanto o levava para sua toca.
Ao fazer isso, sem perceber, encostou na cabeça da ave e se contaminou com
os esporos do fungo que ficaram no bico do pássaro quando ele comera da bolsa do
gnomo.
– Ssssss! Devo voltar depressa, antes que chegue alguma de minhas irmãs
querendo roubá-lo de mim! Sssssss!
A jovem aranha procurou voltar mais rápido e discretamente para sua toca,
mas não percebeu que uma aranha maior a observava.
– “Ssssss! Ora! Ssssss! Hoje a sorte está comigo! Ssssss! Duas presas de uma
só vez. Ssssss!” – pensou ela.
Ela permaneceu imóvel e escondida enquanto a menor se aproximava. No
momento que a aranha maior iria atacar, ela foi descoberta, acabando com a
surpresa. A maior saltou sobre a menor, que se desviou bem na hora, mas na fuga,
deixou cair o pássaro.
– Ssssss! Desgraçada! Ssssss! Conseguiu me localizar no último instante e
conseguiu fugir. Ssssss! Porém, ao menos deixou algo em seu lugar. Ssssss! Não é
grande coisa, mas vai me alimentar até amanhã. Sssssss!
A aranha pegou o embrulho de teias do chão e com suas quelíceras
venenosas, testou a consistência da carne. Já estava um pouco dissolvida, então,
começou a devorá-la ali mesmo.
Outra aranha ouvira o barulho da tentativa frustrada da caça e se aproximou.
Ela viu que a primeira, estava comendo e por serem do mesmo tamanho, foi exigir
que o prêmio fosse repartido. Como a primeira não concordou, começaram a lutar
por ele.
A luta foi feroz e vários minutos se passaram, até a que a primeira
conseguisse acertar um golpe e arrancar uma das patas da segunda.
Essa, por sua vez, percebendo que sua chance havia diminuído, resolveu
deixar o campo de batalha e fugir. No ardor da batalha, ambas acabaram por
esquecer o motivo da contenda e assim que a luta terminou seguiram de volta para
suas tocas, deixando o corpo da ave no chão.
Durante o restante da noite, aquele pássaro foi encontrado e disputado por
várias outras aranhas, até que, finalmente, foi conquistado por uma aranha enorme
que o levou consigo.
Todas as aranhas que tiveram contato com a ave e participaram das disputas
por ela, acabaram sem saber, contaminadas pelo fungo antes de retornarem às suas
moradas, quando a alvorada se anunciava.

(***)
Apêndice A
Para facilitar a leitura e o entendimento – principalmente de nomes – criei
esse apêndice.
Deixo claro que não sou linguista, historiador ou tenho qualquer outra
formação que me dê conhecimento para criar uma língua.
Tudo o que foi escrito veio em forma de inspiração desde a primeira palavra
até o último ponto do último livro.
Tenho certeza de que a pronúncia de algumas palavras parecem complicadas,
normalmente por tentarmos associá-la a algum idioma que já conhecemos,
portanto, abaixo verão algumas orientações sobre a fonética das palavras desse
livro.
Então lá vai:
Entendam que a divisão silábica nem sempre estará correta e servirá apenas
para ajudar na pronuncia e que a letra maiúscula para indicar a sílaba tônica.
O ‘rr’ causa o efeito de um rosnado ou de um R um pouco mais arrastado que
na palavra rato;
O ‘ss’ tem a sonoridade de um sibilo, com o ar sendo soprado entre os dentes
de forma um pouco mais prolongada;

Amorrtugharr: a-morr-tu-garr, líder dos dragões que devido a amizade com


Isyuê fez o pacto de apoio mútuo com os homens da floresta luminosa. Obs: O ‘rr’
causa o efeito de um rosnado ou R um pouco mais arrastado que na palavra rato;

Anishua: a-nI-chu-a, primogênita de Tahirek e Onishua e também ancestral


de Oathu;

Asirl: a-zÍr-u, mãe de Narhen e Ishiá e espoda de Liohr;

Athelya: a-tE-li-a, irmã de Bohiner e companheira de Zimbhour, assassinada


na frente de seu amado, o que causou os sentimentos de vingança e posterior
loucura em seu amado;

Barthurk: bar-tUr-k, armou um emboscada para Zimbhour, na tentativa de


mata-lo e simular o salvamento de Athelya e assim, toma-la como companheira.
Por seu plano ter falhado, assassinou a jovem na frente de seu amado e terminou
caçado e morto por Zimbhour;
Bohiner: bo-I-ner, salvo por Zimbhour, se torna seu amigo e apresenta sua
irmã que se torna companheira do guerreiro;

Ehrvesth: er-vEs-t, mundo original dos dragões;

Èhssthril: Éss-triu, mais jovem dos dragões nascidos antes do feitiço que
levou a morte a todos os outros dragões já nascidos e escolhidos por eles (os
dragões restantes) para que protegesse os ovos até que a profecia fosse iniciada e
para isso, concentraram toda a magia dos dragões restantes nesse jovem dragão.
Obs: O ‘ss’ causa um efeito de sibilo em sua pronuncia;

Ephoes: e-fo-Es, líder do povo da floresta luminosa;

Galler: gA-ler, elfo guerreiro e irmão de leite de Narhen, por quem nutri um
grande amor correspondido;

Grendhel: grEn-del, guerreiro amigo de Narhen e companheiro de Ishiá.


Encontrou na guerreira e seu pai uma forma de fazer algo para mudar a situação de
seu povo.

Girhietis: gui-rri-E-tis, trepadeira que gerava flores de longa duração e que


existia apenas na montanha dos dragões;

Infahir: i-fa-Ir, outro dos companheiros de Oathu;

Ishiá: i-chi-Á, gêmea de Narhen, criada Phart Halor (pArt Alor), depois de
ser salva com sua mãe se tornou sacerdotisa.

Issrrhiathurr: iss-rri-a-tUr, filhote de dragão escolhidos pelos outros filhotes


como representante e que deveria ser o primeiro a crescer para ajudar na proteção
de seus irmãos e dos homens.

Isyuê: is-chu-Ê, jovem que causou a união entre os homens e os dragões, no


passado;

Izmhur: Iz-mur, espécie de lagarto alado, semelhante a dragões, que não


sopram fogo e que utilizam do medo para perseguir suas presas;
Jhiet: ji-Et, homem do grupo de Oathu que surtou devido ao medo pelos
Izmhur e ficou preso em sua loucura até ser salvo pelas gêmeas, que invadiram sua
mente para libertá-lo;

Krufindhor: cru-fIn-dor, antigo rei anão que recebeu em sonho a obrigação


de construir o Uòhrik e através de seus sucessores, entregar em mãos para as
jovens profetizadas;

Lasumhir: la-zu-mIr, homem de Oathu que foi morto e devorado pelos


insetos gigantes;

Liohr: li-Ór, melhor ferreiro da região de Cirròt (ci-rrÓ, com t mudo), senão
o único;
Mâth Thorn: Mât Torn (Mãe Verde), entidade elementar e origem de toda a
floresta de Farthorn (far-tOrn, o oceano verde). Foi ela quem informou sobre a
tarefa das irmãs em completar o Uòhrik (u-O-ric, chave de portais para os mundos
irmãos).

Mhirfun: mir-fUn, anão braço direito do líder de seu clã e dono de um


imenso coração, embora tenha a resistência de uma rocha. Se tornou um grande
amigo de Narhen e solicitou ser o representante de seu povo na grande jornada;

Narhen: nA-ren, guerreira criada em Larthimar (lar-ti-mAr), uma cidade


élfica, após ser salva com seu pai;

Oathu: o-a-tU, capitão de caça do povo da floresta luminosa e braço direito


de Ephoes;

Onishua: o-nI-chu-a, mulher do povo da floresta luminosa que tomou


Tahirek como companheiro;

Sihaus: si-rrA-us, homem do grupo de Oathu, que foi morto por ele quando
foi capturado e estava sendo comido vivo pelos seres da areia;

Skarche: s-cAr-che, rainha das nifas da água no mundo dos homens;

Tahirek: tai-rEc, único soldado de Krufindhor que sobreviveu no mundo dos


dragões após ser abandonado quase morto e se tornou ancestral de Oathu;
Tahirekir: tai-re-quIr, segundo filho de Tahirec e Onishua;

Thimaús: ti-ma-Us, grande deserto do mundo dos dragões;

Ürhairl: u-rA-ir-u (plural U-ra-ir-s), fera do mundo dos dragões, mistura


entre lobo e javali, porém, bem maior que ambos e que não teme nem mesmo um
Izmhur;

Viathsil: vi-At-sil, sacerdotisa que previu a chegada dos bebês que poderiam
derrotar o Senhor das Sombras e retornar a paz para seu mundo;

Zarhok: za-rOc (Serpente de fogo), como é chamado o grande deserto do


mundo dos homens;

Zarthrus: zar-trUs, gnomo grande amigo de Narhen e Liohr, abdicou de ser


governante de seu povo para acompanhar como representante de sua gente, na
jornada para encontrar e completar o Uòhrik;

Ziloun: zÍ-lon, sumo sacerdote do templo da visão, esculpido nas paredes do


vulcão extinto Urttor (Ur-tor);

Zimbhour: zIm-bor, maior guerreiro e caçador do homens no mundo do


dragões, que depois de traído e vingado, passou o restante de sua vida preso em sua
loucura nas montanhas da vingança ou solidão;
Apêndice B
Esse apêndice foi criado apenas para ajudar a entender um pouco a pronuncia
da língua arcaica dos anões e falada pelo povo da floresta luminosa.
Uma observação é referente a letra ‘H’: apesar dela estar presente em muitos
dos nome e de palavras, na maioria das vezes não existe um som relativo a ela,
como por exemplo na palavra em inglês house, onde o H tem som de R.
Não vou me pegar no significado das frases, pois Mhirfun já se encarregou
disso durante o decorrer da história, portanto, segue as pronuncias.

Othos aimhur igihet amstruir.: O-tos ai-mUr i-gui-Et amis-trUr. Obs.:


apesar de na última sílaba da frase existir a letra ‘i’, ela não é prenunciada;

Adda girthrut ihntuo mirzung stoir rafherr murrar od querhir drumgst


eithan.: A-da guir-tru in-tU-o mir-zUn isto-Ir ra-fer mur-rAr od que-rir drUm-guis
ei-tAn;

Othos nihor mirzung aimhur igihet.: O-tos ni-rrOr mirzUn ai-mUr i-gui-
Et:

Othos pejuihr sthrump odai chormac.: O-tos pe-ju-Ir istrUm o-dAi cOr-
mac;

Siu apohc neir uda Tahirek, gorthiac iidu Krufindhor.: si-U a-pOc ne-Ir
U-da Tahirek, gor-ti-Ac i-i-du Krufindhor;

Othos ivhec oin tuc apohc neir krufindhor.: O-tos I-vec on tU-c a-pOc ne-
Ir Krufindhor;

Ighiaist: i-gi-As-t;

Adda Ighiaist odai iheda adeir: A-da i-gi-As-t o-dAi i-Ê-da a-dê-Ir;

Adda Ighiaist odai jamhur yi thleviang: A-da i-gi-As-t odAi jam-Ur i-i tle-
vi-Na;

Oddaehr Ighiaist odai cumssyir etia igihethar amstruir.: o-da-Er i-gi-As-t


o-dAi cum-xi-Ir E-tiai i-gui-e-tAr am-istrUr;
Riumbhst omhriist.: ri-um-bU-chch om-ri-Is;

Oadhê: o-a-dÊ;

Addoe nimbhaur?: a-dOi nim-bÔr?;

Ingth. Zhaibor.: In-gui. za-I-bor.;

Adda zhiu moargh iheda adeir.: A-da zI-u mo-Arg i-Ê-da a-dê-Ir;

Ighiaistair: i-gi-As-tar;
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