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O Despertar da consciência marcial

Uma conexão entre o Zen budismo, o Ving Tsun


Kung Fu e o estado de fluxo
Copyright © Renan Raad, 2020
Todos os direitos reservados.

Título original: Zen, Ving Tsun e a Escola de Habilidades


Marciais

ASIN: B08FJD61FP

Preparação: Renan Raad


Revisão: Eloise Torres
Diagramação: Renan Raad
Capa: Renan Raad

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reproduzida ou usada de qualquer forma ou por qualquer meio,
eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópias, gravações ou sistema
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escrito, exceto nos casos de trechos curtos citados em resenhas
críticas ou artigos, com referência da fonte.

2020
Todos os direitos desta edição reservados a Renan Raad
Edição do próprio autor

Fone: 55 (31) 9-98910415


E-mail: raadrenan@me.com renanraad@gmail.com
Instagram: @renanraad
Os Seis Pilares da Escola de Habilidades Marciais
Prefácio
Introdução
Origens do Zen Budismo
Possível origem do Kung Fu Ving Tsun
Surgimento da minha Escola de Habilidades Marciais
Takuan Sōhō
A mente comum e a Mente Liberta de Takuan
Cartas de Takuan
Yagyu Munenori
Mihaly
Cartas sobre o Zen e a espada
O Zen e a Espada
Mover-se depois para chegar primeiro
A mente que jamais se fixa é a Mente Zen
O Fluxo não pode ser detido por nada
Vários inimigos lhe atacam
Kannon e a mente
A árvore e suas folhas
A mente do principiante é a Mente Zen
A Mente Zen é a mente do principiante
Samsara é Nirvana, Nirvana é Samadhi, Samadhi é
Presença, Presença é Foco e Foco é Fluxo.
Não-Mente é a Mente Zen
O princípio e a técnica
Sem treino, sem Ving Tsun
Relações pessoais no Ving Tsun
Ação imediata e espontânea
Timing perfeito é espontaneidade, o Poder do Ímpeto
Mais ação menos mente, mais corpo menos
pensamentos
Mais prática menos teoria
O não-pensar e a não-mente de Yagyu
É preciso abandonar a mente fixa
O caminho de Yagyu
O espelho
Ataque a mente fixa do oponente
A concentração não é o ápice do Ving Tsun
A mente apegada
Uma mente presa não é livre
Apenas golpeie
Aparências da mente
O Vazio e o Eu
Esqueça de si mesmo
A Não Espada de Munenori
A mente fixa e a Mente Liberta de Yagyu Munenori
O primeiro estágio
O segundo estágio
Retornando à mente
Onde devo situar minha mente?
Não situe a mente em um só lugar
Takuan e um artista marcial
A mente do Ving Tsun é a Mente Zen
Takuan aconselha Yagiu Munenori
Conceitos similares do Ving Tsun, Zen e o estilo de
Yagiu Munenori
O estado de fluxo (Flow) e o Ving Tsun
Flow nos atletas
Benefícios do Flow
Conclusão
Prefácio
“Os antigos katas dos ryus baseavam-se na idéia de lutar com
uma espada verdadeira até a morte: vencer ou perder, vida ou
morte. Isso era chamado de shinke-shobu, em que vitória ou derrota
dependiam da iniciativa do combate, chamado sen. Sen é um
estado de espírito com o qual o golpe da espada é administrado
rápida, precisa e fortemente a fim de tirar a vida com um simples
golpe. Uma vez iniciada a contenda, o samurai sabia que somente
três resultados eram possíveis: aiuchi, katsu ou male, que significam
respectivamente: morte mútua, vitória ou derrota. Esse tipo de luta é
chamado de tradição antiga ou Koryu . “ Darrell Max Craig (The
Heart of Kendo)

Craig, que no Kendô é um renshi de Dan 6, propõe que:

“neste tipo de duelo, havia uma chance de cinquenta por


cento de ser morto ou seriamente ferido, independentemente da
experiência do espadachim.” A vitória era decidida em um piscar de
olhos. Nesse rápido segundo, até um mestre espadachim poderia
perder,caso perdesse a concentração ou se tornasse confiante
demais.
Ainda, de acordo com Craig: “As aberturas para matar seu
oponente aparecem e desaparecem rapidamente. É preciso atacar e
defender com um golpe de espada…” Uma vez, seu mestre lhe
disse que muitas artes marciais resultam desse tipo de espírito e
completou: “...acompanhando o golpe do seu inimigo com sua
mente, sua força espiritual e seu poder físico, no exato momento do
ataque, junto e de uma só vez, quando você sente - não vê - a
abertura no movimento de seu oponente.” Traduzindo: quando você
sente a abertura você ataca.

Sendo assim, vou citar, a seguir, alguns princípios básicos


para todo estudante das Habilidades Marciais. São eles:

1. Eliminar o medo
2. Não ter medo de perder
3. Não ter medo de ser atingido
4. Não ver, mas sentir a abertura
5. Ímpeto
6. Vida/Morte
Introdução
​Miyamoto Musashi nos deixou várias orientações de como lutar
em Shinken-Shobu, ou melhor, o verdadeiro caminho das
Habilidades Marciais:

1. Toda técnica deve ser feita com uma combinação.


2. Os dois pés devem se mover. Nunca mova um só pé.
3. Mantenha a flexibilidade.
4. Programe suas técnicas de acordo com o seu tamanho
e conforto.
5. Não favoreça somente uma técnica.
6. O momento para atacar é quando o seu oponente
pisca, toma ar, fica tenso ou vacila. Esse instante é
chamado de Suki. Suki é uma distração da mente. É perder
o foco.
7. Não deve haver nenhuma intenção; deve simplesmente
acontecer. Isso é Zen.
8. Nunca considere perder. Mantenha uma mentalização
superior. Se pensar que irá perder, você irá.
9. Quando não há intenção não há pensamento.
10. Mantenha seu equilíbrio.

​Este livro é o produto das experiências místicas que vivi através


das Habilidades Marciais. Se você é praticante de alguma
Habilidade Marcial vai encontrar neste livro uma visão diferente e
um objetivo diferente para treinar. Em minha escola, priorizamos o
treinamento de um determinado estado mental, que reflete uma
incrível Habilidade Marcial. Se você é praticante de Meditação, vai
encontrar neste livro um outro caminho para o topo da montanha,
um caminho através de uma incrível Habilidade Corporal.
​ credito que não exista mais a necessidade de se escrever
A
novos livros a respeito das artes marciais e muito menos de
meditação. Precisamos apenas voltar aos antigos escritos,
esquecidos pelo tempo, e estudá-los novamente. Com certeza, não
é necessário criar nada novo, mas é fundamental decodificar os
ensinamentos do passado para a linguagem contemporânea.

​ s Habilidades que alcançamos através do Treinamento


A
Marcial, pode nos levar a dois caminhos diferentes e, ao mesmo
tempo, iguais, basta que, para isso, o praticante tenha sido instruído
adequadamente.

​ m 2010 me tornei Mestre de Kung Fu, porém, nunca me senti


E
satisfeito com meus conhecimentos. Tudo o que será lido neste livro
é o resultado da minha vivência de dezoito anos em meditação e
dos meus trinta anos de treinamento Marcial.
As Habilidades Marciais que ensino são todas simples e diretas.
Visam encerrar uma luta de forma rápida e, também, visam
horizontes de experiências místicas. Todos os meus ensinamentos
de combate devem ser usados na vida cotidiana. Devemos ser mais
diretos, mais objetivos, não fixar a mente e apenas fluir como as
brisas da primavera.

Tais Habilidades Marciais são totalmente fundamentadas na


prática do fluxo, que é uma capacidade que todo praticante deve
desenvolver para manter os movimentos e as técnicas sem a
interrupção de sua mente. Todo o meu treinamento é fundamentado
neste ponto, no qual o praticante é levado a desenvolver mente e
corpo de forma dinâmica e fluida, ou seja, agir e reagir em uma luta
ou em uma situação cotidiana da melhor forma possível.

Contudo, este tipo de treinamento também propicia condições


para o desenvolvimento de outras habilidades, incluindo a
possibilidade de se ter experiências místicas, como ocorre na
prática de diversas linhas de meditação. Digo isso considerando que
os exercícios que desenvolvi ao longo destes anos me propiciaram
as mesmas experiências místicas que tive durante os anos de
prática de meditação isolada.

A luta na Escola de Habilidades Marciais dispõe da mesma


metodologia de uma meditação, pois, o exercício pode ser
enquadrado em duas categorias: a de meditação “passo a passo” e
a de “meditação direta”. Na primeira, o praticante desfruta tanto de
momentos em que sujeito e objeto são percebidos (eu e o outro),
como momentos em que nem sujeito nem objeto são notados
(Mente Absoluta), existindo apenas o “fluir” do exercício.

​ urante o treinamento de qualquer exercício, a estagnação no


D
curso de sua execução, acarreta em sua interrupção. Todavia,
quando ambos os praticantes entram em sintonia, sujeito e objeto
desaparecem e a realidade se manifesta em sua plenitude, como
ocorre em diversas práticas meditativas. No entanto, é importante
frisar que, na maioria das vezes, a experiência transcendental não é
experimentada durante a prática dos exercícios, mas ocorre em
outros momentos, normalmente triviais, como pode ser conferido em
diversos relatos de outras práticas, tanto orientais quanto ocidentais.

​ sse livro é sobre os estados mentais da “Mente Fixa” e da


E
“Mente Absoluta”. Buscando referências em antigos mestres das
artes marciais, Monges Ancestrais e outros autores
contemporâneos, coloco meus ensinamentos em evidência:

As Habilidades Marciais podem ser usadas para se alcançar a


Mente Absoluta.

​ amos analisar vários autores e teorias como a Teoria do


V
Estado de Fluxo (Flow) de Mihaly Csikszentmihalyi, psicólogo
húngaro. Também usaremos os textos do famoso monge Zen
Takuan Soho, renomado monge do século XV no Japão Feudal, que
foi o responsável pela educação de Musashi, um dos maiores
samurais de todos os tempos e vamos também utilizar os textos de
Yagyu Munenori, Mestre da arte da Espada Japonesa.
​ s Habilidades Marciais Chinesas e Japonesas, visam o estudo
A
e treinamento do combate, mas também são consideradas por
inúmeros mestres, como um estilo de vida.

Takuan:

“​ Existem muitos exemplos em que as Habilidades Marciais e o


Zen concordam entre si, em que as Habilidades Marciais podem ser
entendidas por meio do Zen. Ambos especificamente abominam o
apego, a estagnação ou o fixar em algo… Não importa o tipo de
tradição secreta herdada ou o tipo de técnica usada, se sua mente
para em uma técnica, você será derrotado em um duelo.
Independentemente das ações do seu oponente, cortar ou estocar,
é uma disciplina essencial que a mente nunca pare.”

​Espero que o leitor possa, em algum momento de sua vida,


com a ajuda deste livro ter a tão intensa experiência da Mente
Absoluta.

​ sclareço que, como não se trata de uma obra com intenções


E
acadêmicas, optei por uma certa liberdade no que se refere às
citações, sem maiores preocupações com normas técnicas.
Origens do Zen Budismo
​ Zen Budismo tem suas origens nos ensinamentos de
O
Bodhidharma, vigésimo oitavo Mestre Ancestral da linhagem que se
inicia em Xaquiamuni Buda (o primeiro Buda a se ter registro), que
teria emigrado da Índia, para a China por volta do séc. VI d.C. e se
instalado no famoso Templo Shaolin.

​ odhidharma possuía um olhar bastante particular em relação


B
aos ensinamentos de Buda. Sua ênfase na prática da meditação
sentada e experiência direta, se opunha à discussão teórica e
filosófica dos textos clássicos do budismo.

​ s ensinamentos de Bodhidharma dão origem a novas


O
linhagens de prática, que terminam por influenciar decisivamente o
surgimento do Zen. Para o Zen Budismo, a verdade está na vida
cotidiana e neste sentido, a iluminação (Satori) não é um objetivo a
ser alcançado, mas, uma realidade a ser relembrada. Já somos
iluminados, ainda que não saibamos disto, e prática e iluminação
não podem ser separadas uma da outra. Este é o sentido da prática
Zen Budista
Possível origem do Kung Fu Ving Tsun
​ lenda conta que, há cerca de 200 ou 300 anos atrás, uma
A
mulher chamada Yim Ving Tsun estava sendo forçada a se casar
com um militar. Decidiu então fazer uma aposta com ele: se ela o
derrotasse em uma luta, poderia manter sua liberdade.

​ ma sacerdotisa Zen Budista, do Templo Shaolim chamada Ng


U
Mui, ficou sabendo da situação e resolveu ensinar a ela uma nova
técnica que havia desenvolvido. Yim Ving Tsun venceu com sucesso
a luta, manteve sua liberdade e viveu para espalhar o seu
conhecimento.

​Esse pequeno trecho tem uma importância significativa para


este livro. Pelo fato de ter sido criado por uma sacerdotisa Zen, o
Ving Tsun possui, em sua essência, os ensinamentos deste sistema
Budista.
Surgimento da minha Escola de Habilidades
Marciais

Minha escola surgiu da união de diversos fatores. A primeira


experiência transcendental que tive, ocorreu dias após eu ter lido o
livro “O Poder do Agora” de Eckhart Tolle. Eu estava chegando à
minha escola de Kung Fu e, quando coloquei a mão na maçaneta
da porta de entrada, experimentei uma liberdade e clareza
inexplicável. Foi como se eu tivesse despertado de um sonho. Todas
as fronteiras foram derrubadas de uma vez. Totalmente
transcendental. A sensação de totalidade era inimaginável. Porém,
eu só consegui perceber o que havia experimentado depois que
tudo passou, quando voltei a minha reduzida e mesquinha mente
fixa, e comecei a conjecturar e conceituar sobre o que tinha
ocorrido.

​ sse sentimento de totalidade e ausência de um eu separado,


E
só durou um instante, mas deixou uma cicatriz imensa em minha
mente. Fiquei tão impressionado com a experiência que comecei a
estudar todo tipo de livros sobre o assunto. Tentei de tudo para ter
aquela experiência novamente. Infelizmente, todos os meus
esforços foram em vão.

​ pós inúmeras tentativas frustradas de se ter a experiência


A
novamente, eu acabei encontrando vários pontos em comum em
todas as práticas que estudei. A meditação, a repetição de mantras,
as orações religiosas, o estado de fluxo de Mihaly, as Habilidades
Marciais, a dança, a escalada, entre outras práticas, podem
propiciar diversas experiências transcendentais.

​ odas essas práticas cultivam o terreno para que a experiência


T
de integração total com o Universo ocorra, dado que todas essas
metodologias possuem vários pontos em comum. Um ponto
marcante e, que é possível observar em todas elas, é que depois de
um certo tempo sendo realizadas, pode acontecer a fusão entre
sujeito e o objeto da prática, levando a pessoa a ter a diversas
alterações na percepção de seu eu e da percepção do restante do
universo. Em muitas destas ocasiões podem ocorrer estados de
êxtase e também estados transcendentais. Porém, apenas as
metodologias meditativas e religiosas têm como objetivo essa
vivência, levando seus praticantes a terem diversos tipos de
experiências místicas com mais frequência do que nas outras
práticas.

​ m relação a todos os outros sistemas, a ocorrência de estados


E
de êxtase ou estados ainda mais profundos, se torna praticamente
impossível, acontecendo de forma totalmente casual, visto que
esses sistemas não possuem estas experiências como seu objetivo.
De toda forma, é preciso dar um direcionamento para que a mente
do praticante possa descobrir os próprios meios e caminhos para se
atingir estas experiências.

​ minha Escola possui vários objetivos, porém, o mais nobre é


A
a capacidade que meu sistema tem de poder propiciar experiências
místicas. Tudo isso está embasado na prática diária de meus
métodos.

​ s Habilidades Marciais devem ser usadas por pessoas éticas


A
para que elas possam alcançar a Mente Absoluta. Ao longo do livro,
vou apresentar vários relatos de praticantes de Habilidades Marciais
e de outras práticas que irão solidificar a sistemática de minha
Escola.

​ E.H.M (Escola de Habilidades Marciais) possui um sistema de


A
combate moderno. O aprimoramento do condicionamento físico é
totalmente voltado para o desenvolvimento neuro muscular para
luta. Esta é uma das características mais marcantes de minha
Escola Marcial. Além disso, a aquisição de valores éticos e morais é
uma lei em minha instituição.

O sistema de aprendizagem tem suas origens no Ving Tsun


Kung Fu, porém, ao invés de ser uma aprendizagem indireta e
demorada como ocorre no Ving Tsun “tradicional”, onde 90% do
treinamento não possui aplicação direta, em minha Escola todo o
conteúdo do seu sistema é diretamente aplicável em um combate,
seja ele mental ou corporal.

​ E.H.M leva seu aluno a um rápido desenvolvimento e, em


A
pouco tempo, sou capaz de formar indivíduos confiantes, capazes
de se defenderem tanto física como emocionalmente.

​ importante é treinar, o que de fato funciona. Esse é o


O
verdadeiro caminho das Habilidades Marciais. Não adianta nada
treinar técnicas que não irão funcionar. Para isso, é preciso que o
ambiente de treinamento e o treino em si mesmo sejam ferramentas
para tornar o corpo e mente especializados em combate.
Takuan Sōhō
​ akuan nasceu em 1.573 na aldeia de Izushi, província de
T
Tajima. Embora nascido de uma família de samurais do clã Miura,
Takuan entrou num mosteiro Budista Jodo aos 10 anos de idade.
Aos 14 anos passou à prática da escola Rinzai do Budismo Zen e
com apenas 35 anos tornou‐se o abade do Daitokuji, grande templo
Zen de Kyoto.

​ e acordo com a Organização Takeuchi Yoshinori, Takuan


D
Sōhō foi um monge Zen, estudioso, poeta, mestre do chá, calígrafo,
pintor em nanquim e professor da Habilidade da Esgrima no espírito
Zen da não-mente. Formado no Zen de tradição Rinzai no templo de
Daitoku-ji, seus reais professores foram o monge e estudioso do
templo Gozan, Monsai Tonin e o tempestuoso Itto Shoteki, seu
mestre espiritual, que o conduziu à experiência mística. Takuan foi
conselheiro de nobres e plebeus, instruindo o xogum e o imperador,
sendo também amigo e Mestre de Miyamoto Musashi, um dos
maiores Samurais de todos os tempos.

​ egundo William Scott Wilson, por ter vivido em uma época de


S
extrema violência, que culminou na famosa Batalha de Sekigahara,
em 1.600, Takuan conhecia tanto a paz quanto o conflito que
marcaram a vida dos guerreiros de sua época. Isso fez com que ele
percebesse semelhanças na prática da espada e do Zen. Assim
como fez com outras Habilidades, Takuan buscou unificar o espírito
do Zen à Habilidade da Espada.

​ cott Wilson garante que a Esgrima e o Zen já existiam havia


S
tempo no Japão, porém, com a abordagem de Takuan, as duas
coisas chegaram a uma verdadeira união, e seus escritos e opiniões
sobre a Espada tiveram uma influência extraordinária sobre os
rumos que a Habilidade Japonesa da Esgrima tomou. Os textos
apresentados aqui, fazem com que o indivíduo se volte para o
conhecimento de si mesmo e à Habilidade de viver.

​ irmando a união do Zen e da Espada, a obra de Takuan


F
influenciou os escritos de grandes mestres daquela época e deu
origem a um grande número de textos que continuam a ser lidos e
aplicados, como o Heiho Kadensho de Yagyu Munenori e o Gorin no
Sho de Miyamoto Musashi.

​ sses samurais tinham estilos diferentes de esgrima, porém, as


E
suas conclusões são absurdamente semelhantes, reunindo
intuições e entendimentos de nível elevadíssimo.

​ usashi se expressou através da "liberdade e espontaneidade".


M
Yagyu através da "mente comum que não conhece regras" e
Takuan se expressou por sua "mente liberta". Eu me expresso
através da Mente Absoluta.

​ ara Takuan, a culminação do Caminho não eram a morte e a


P
destruição, mas o despertar da consciência e a vida. O conflito, visto
segundo uma mente "liberta", não somente dá vida, como a dá em
abundância.
A mente comum e a Mente Liberta de Takuan
​ e acordo com Takuan a “mente fixa” é aquela que pensa
D
numa direção determinada, qualquer que seja o objetivo de seu
pensamento. Quando existe na mente um objetivo, surgem a
discriminação e os pensamentos. Quando a mente se fixa num
determinado lugar e permanece ligada a uma coisa e não pode ser
usada livremente, ela se torna a “mente fixa”, que é como o gelo,
com o qual não é possível lavar as mãos nem os pés. A “mente fixa”
é aquela que, pensando em alguma coisa, congela‐se num único
lugar.

​Quanto à “mente liberta” (Mente Absoluta), Takuan afirma que


esta não permanece em um lugar determinado, é a mente que se
estende por todo o corpo e por todo o ser. Por não permanecer num
lugar determinado, a “mente liberta” é como a água que flui para
todo lugar, preenchendo o corpo inteiro, ela pode ser enviada para
onde quer que se seja, podendo ser usada para lavar as mãos, os
pés ou qualquer outra coisa. Não abriga nem discriminação, nem
pensamento, mas caminha pelo corpo inteiro e preenche o ser como
um todo. Não se situa em lugar nenhum. Takuan diz que quando
está bem desenvolvida, a “mente liberta” não se fixa em nada nem
sente falta de nada. Isso indica que a “mente liberta” possui um
desenvolvimento, ou evolui, através do treinamento.

​ minha Escola possui todos os atributos necessários para que


A
o praticante possa desenvolver e cultivar uma mente livre. Qualquer
estagnação na execução do exercício acarreta em perda do Fluxo.
O mais importante durante o treinamento de uma Habilidade Marcial
é conseguir manter o Fluxo constante e de forma ininterrupta.

​ xiste um ponto bastante paradoxal para se atingir a “mente


E
liberta”. Quando você pensa em eliminar os próprios objetivos e
pensamentos, sua mente ficará presa nesta empreitada. Porém, se
a pessoa não pensar a respeito, a mente irá eliminar os próprios
pensamentos por si só, se transformando em uma “mente livre”.
Que não precisa de controle algum. Se a pessoa sempre tratar sua
própria mente desse modo, chegará um dia em que ela entrará no
“estado absoluto” por si mesma. Aquele que procura atingir o estado
de “mente liberta” à força, jamais o atingirá.
Cartas de Takuan
​ onge Takuan escreveu várias cartas ao seu amigo
M
espadachim Yagyu Munenori ao longo de sua vida. Ele compara o
Zen à Habilidade da Espada. Diz que as duas práticas são uma e a
mesma coisa. O Zen não pode ser expressado por palavras, só
pode ser experimentado.

​ a mesma forma uma Habilidade Marcial autêntica, só pode ser


D
compreendida quando experimentada com profundidade. As cartas
são bastante complexas do ponto de vista ocidental. Devido a este
fato, vou aos poucos interpretando e clareando o que Takuan quer
dizer sobre as Habilidade Marciais e o Zen. Não é uma tarefa fácil.
Precisei de muito estudo e prática para conseguir ter a experiência
da Mente Absoluta durante meus treinamentos Marciais. Hoje, o
Fluxo já não me escapa mais, consigo seguir livremente, porém,
sempre preciso me adaptar para não cair em estagnação, afinal, a
vida é impermanente.
Yagyu Munenori
​ agyū Munenori nasceu em 1571 e morreu em 1646. Foi o
Y
espadachim, fundador da Escola Yagyū Shinkage-ryu de Edo, que
ele aprendeu com seu pai Yagyū “Sekishusai” Muneyoshi. Este foi
um dos dois estilos oficiais de Espada patrocinado pelo shogunato
Tokugawa, sendo Ittō-Ryu o outro.

​ cott Wilson diz que, provavelmente, a base filosófica e


S
psicológica do estilo de Yagyu, o Shinkage-ryu, possa ser
classificado como Zen Budista. O Zen costumava estar presente nas
explicações de Munenori sobre as atitudes mentais corretas para
um praticante da Esgrima. Frequentemente, Yagyu citava os velhos
mestres Zen para ajudar ou aprofundar o entendimento de seus
alunos. Wilson afirma que é difícil dizer quando Munenori encontrou
Takuan Soho pela primeira vez, o homem que influencia a sua vida
com o Zen. Mas, reconhece que ao longo dos anos, os dois mestres
se tornaram amigos próximos e companheiros, e que Takuan teria
uma extraordinária influência no pensamento de Munenori sobre sua
própria Habilidade Marcial.

​ agyu Munenori, chefe da Escola de Esgrima Yagyu Shinkage


Y
e Mestre de duas gerações de xoguns, recebeu diversos conselhos
dados por Takuan através de cartas, nas quais combinam os
aspectos práticos, técnicos e filosóficos do Duelo. De maneira geral,
os textos não tratam somente da técnica, mas do modo pelo qual o
“a mente fixa” se relaciona com “a mente liberta” e como, durante
uma luta, o indivíduo pode vir a tornar‐se um todo unificado. Estes
textos foram dirigidos à casta dos Samurais.

​ cott Wilson nos lembra que. no fim do período Muromachiu


S
(1336-1568), as Escolas de Habilidades Marciais começaram a
proliferar como nunca no Japão. Muitas destas Escolas buscavam
inspiração nos deuses, Budas e entidades sobrenaturais. O estilo
Yagyu Shinkage-ryu foi um dos representantes dessa tendência, e
Yagyu Munenori, herdeiro das técnicas de Matsumoto, Ikosai,
Kamiizumi e Sekishusai, aprofundou e organizou o sistema de
psicologia e das técnicas dessa Escola de Esgrima.

Conforme Scott Wilson:

“​ Em 1632, Munenori registra o seu sistema no Heiho Kadensho,


um tratado que é tanto um catálogo das técnicas do clã Yagyu,
como também uma explicação dos princípios ocultos de tais
técnicas. É, ao mesmo tempo, um guia rápido de referência, uma
fonte meditativa para eliminar problemas psicológicos e uma base
filosófica para usar a espada como um instrumento de vida em vez
de morte.”

​ omo foi dito, as Habilidades Marciais orientais vão além de


C
sua prática e são vivenciadas em muitos aspectos da vida, como
pode ser lido nesta passagem de Munenori em seu tratado Heiho
kandensho:

“​ Não faz sentido pensar que as Habilidades Marciais são


apenas para matar os homens… Não ter conflitos em suas
relações… Organizar os móveis de sua casa… Assuntos de âmbito
nacional… Tudo isso são Habilidades Marciais da mente.”
Mihaly
​ ihaly Csikszentmihalyi nasceu em 29 de setembro de 1934
M
em Fiume, então parte do Reino da Itália. Cresceu na Europa, onde
teve contato com a Segunda Guerra Mundial entre os sete e dez
anos de idade. Com o passar dos anos, Mihaly percebeu que
poucos adultos que ele conhecia foram capazes de resistir às
tragédias ocasionadas pela guerra e, como poucos deles puderam
levar uma vida minimamente normal, contente, satisfeita, feliz, uma
vez que, seus trabalhos, suas casas e sua segurança foram
destruídas pela guerra.

Esta teoria será abordada mais à frente.


Cartas sobre o Zen e a espada
​ xistem vários textos de Takuan e Munenori que estão
E
alinhados com a teoria do Flow de Mihaly. Através destes textos
farei uma conexão com a sistemática de desenvolvimento de minha
Escola.

​ e acordo com Takuan, ignorância significa a ausência de visão


D
correta, isto é, a ilusão. Para o Monge, a ilusão surge quando a
mente se fixa em algo, ou seja, quando nossa mente se prende a
determinados pensamentos, sentimentos, estados mentais,
emoções e não consegue avançar, ficando presa nestes processos.
Porém, quando esta mesma mente sofre destes estados mentais,
mas, não é presa por eles e flui livremente sem se sujar na poeira
mental, ela se torna a Mente Liberta (Absoluta), o mais alto grau que
a mente humana pode alcançar.
O Zen e a Espada
Takuan para Munenori em carta:

“​ Nos termos da sua própria Habilidade Marcial, quando você


percebe a Espada que vem lhe cortar, se você pensar em enfrentar
essa Espada tal como ela está, sua mente vai se fixar na Espada
segundo a posição em que ela se encontra, seus movimentos se
perderão e você será atingido pelo oponente. É isso que significa
fixar‐se. Embora veja a Espada que vem lhe cortar, se a sua mente
não for detida por ela e você se adaptar ao ritmo da Espada que
avança, se você não pensar em abater o oponente e eliminar de
si todo pensamento ou julgamento, se, no instante em que você vê
o golpe da Espada e sua mente não for minimamente detida e
você avançar e arrancar dele a Espada, então, a Espada que vinha
lhe atingir será a sua própria Espada e, de modo contrário, será a
Espada que atingirá o seu oponente.”

Comentário:

​ sta passagem é bem obscura, por isso vou tentar interpretá-la


E
da forma mais simples possível:

​ m uma luta, quando você percebe o soco vindo em direção ao


E
seu rosto, se, por um instante sequer, você pensar em enfrentar
esse golpe, sua mente vai se congelar, ou melhor, se fixar no golpe,
e você será atingido pelo oponente. Isso acontece porque quando
você pensa sobre qual ação deve executar, você cria uma barreira
entre você e a ação. É isso que significa fixar‐se. Ou seja, se você
não eliminar de si todo pensamento ou julgamento, se sua mente
não for minimamente detida por qualquer coisa, será o seu golpe
que irá atingir o seu oponente.

​ ssa passagem demonstra como a visão de Takuan está


E
alinhada a teoria do Flow de Mihaly e a partir deste ponto o livro
conecta todos estes grandes mestres ao treino e objetivos da minha
Escola de Habilidades Marciais.
Mover-se depois para chegar primeiro
Takuan continua:

“​ No Zen, diz‐se que isso é agarrar a Espada e ferir aquele que


vinha te ferir. A Espada é uma arma. A essência disso é que a
Espada que você arranca do seu adversário é a Espada que irá
golpeá-lo. É isso que, no seu estilo, se chama "lutar Espada sem
Espada". Quer pelo golpe do inimigo, quer pelo seu próprio golpe;
quer pelo homem que golpeia, quer pela Espada que corta; quer
pela posição, quer pelo ritmo, se a sua mente se desviar de alguma
maneira, suas ações não serão perfeitas, e isso pode fazer com que
você seja morto. Você não deve situar a sua mente dentro de si.
Conter a mente dentro do corpo é algo que só é feito pelos
principiantes, no início do treinamento. Quando a mente se fixa
em qualquer um desses lugares, você se torna uma casca vazia… A
mesma coisa se aplica ao Zen, chamamos esse ato de fixar a mente
de ilusão. Por isso dizemos, a aflição de repousar na ilusão."

Comentário:

​ uer pelo golpe do inimigo, quer pelo seu próprio golpe, se a


Q
sua mente se fixar de alguma maneira, ou se você se distrair, suas
ações não serão perfeitas, e isso pode fazer com que você seja
morto.

​ mesma coisa se aplica ao Zen, Takuan chama esse ato de


A
fixar a mente ou se distrair de ilusão. O sofrimento surge quando a
mente se fixa em algo. O estado de Fluxo não se manifesta quando
sua mente se fixa. Em uma luta você não vence o combate se tiver
algo em sua mente.

​ a minha Escola, nos movemos depois para chegarmos


N
primeiro. Isso quer dizer literalmente que preferimos que o
adversário ataque primeiro.
A mente que jamais se fixa é a Mente Zen
Takuan:

“​ Imóvel é aquilo que não se move. Sabedoria é a sabedoria da


inteligência. Embora se diga que a sabedoria é imóvel, ela não o é
como um objeto inanimado, um pedaço de madeira ou uma pedra.
Ela se move como a mente está habituada a mover‐se, para frente e
para trás, para a esquerda e para a direita, nas dez direções e rumo
aos oito pontos. A mente que jamais se fixa é chamada sabedoria
imóvel.”

Comentário:

​ resença é sinônimo de “imóvel” neste caso. Se manter


P
presente pode implicar em ter um sujeito que presencia e observa
um determinado objeto que é observado. Porém, este tipo de
presença expressada por Takuan, é especial: ela surge quando
sujeito e objeto se fundem e desaparecem, restando apenas algo
que presencia a si mesmo. Quanto à “sabedoria da inteligência”,
Takuan se refere à impermanência, a mudança contínua de todas as
coisas. O melhor conceito que encontrei para me referir a sabedoria
da inteligência foi o estado de fluxo de Mihaly, o Flow. A mente que
se encontra em Fluxo é uma mente espontânea e livre. Por isso, ele
diz que a mente que jamais se fixa é chamada de “sabedoria
imóvel”.

​ omo essa passagem é bastante paradoxal, uma característica


C
do Zen, podemos também interpretar da seguinte forma:

​ mente se move como está habituada a mover‐se, fluindo sem


A
parar. Os pensamentos e julgamentos surgem duram um certo
tempo e em seguida desaparecem, dando lugar para outros
pensamentos surgirem. Porém, observe também que existem
espaços vazios entre os pensamentos. A mente que jamais se fixa é
a mente que está em Fluxo constante, impermanente, assim como é
a Mente Absoluta.
O Fluxo não pode ser detido por nada
Takuan:

“​ Irresistível é aquilo que não é detido por nada. Imóvel é olhar


para algo e não fixar a mente. Isso porque, quando a mente se fixa
em algo, o peito se enche de juízos e é agitado por vários
movimentos. Quando esses movimentos se esgotam, a mente
fixada se move, mas na verdade não se move de maneira alguma.”

Comentário:

​ Fluxo não é detido por nada. Apenas presenciar é ter a


O
capacidade de olhar para algo e não fixar a mente, sem julgar ou
pensar sobre o objeto. Quando apenas presenciamos, não existe
sujeito que presencia e objeto que é presenciado, pois o observador
é o objeto observado. Porém, quando a mente se fixa em algo, ela
começa a conceituar, interpretar e se enche de juízos, tornando-se
altamente agitada e limitada. Quando você conseguir permitir que
esses movimentos se esgotem por si mesmos, a Presença surge e
a mente flui sem ser interrompida, manifestando a Mente Absoluta.
Vários inimigos lhe atacam
Takuan prossegue:

“​ Suponha que dez homens, cada um deles com uma Espada,


lhe atacam repentinamente. Se você se desviar de cada Espada
sem fixar a mente em nenhuma ação, e passar de cada um ao
seguinte, sua ação será perfeita para cada um dos dez. Embora a
mente aja dez vezes contra dez homens, poderá a ação deixar de
ser perfeita se a mente não se fixar em nenhum deles e você reagir
a cada um deles sucessivamente? Suponha, porém, que a mente se
detenha perante um desses homens. Embora você consiga se
desviar da Espada, quando o próximo homem vier, sua ação não
será mais perfeita e você morrerá.”

Comentário:

I​magine que dez homens repentinamente lhe atacam. Se você


se desviar de cada golpe sem fixar a mente em nenhuma ação, e
fluir de um oponente ao seguinte, sua ação será perfeita para cada
um dos dez. Porém, imagine que, por um instante, você pare e tente
compreender o que está acontecendo. Você pensa e conjectura
sobre o golpe que vem, embora seja até possível se desviar do
primeiro golpe, quando o próximo homem vier, você certamente será
golpeado. Isso acontece porque a mente comum não é capaz de se
adaptar imediatamente as situações, ela sempre prefere avaliar
primeiro para depois reagir, e no caso de uma luta, isso significa
perder a sua vida.

​ sse tipo de situação é observada em todos os treinos em


E
minha Escola. Em muitos momentos, meus alunos tentam entender
intelectualmente os movimentos que estão acontecendo, sejam
deles ou de seu parceiro de treino. Isso acarreta em interrupção do
Fluxo do exercício, impedindo que a Mente Absoluta se apresente
tal como ela é, simples e direta.
Kannon e a mente
Takuan:

“​ Considere a Kannon de Mil Braços (imagem de uma deusa


mística que teoricamente teria infinitos braços), que tem mil braços
saindo de um só corpo. Se a mente se fixar no braço que segura um
arco, os demais 999 serão perfeitamente inúteis. É porque a mente
não se detém num determinado lugar que todos os braços são úteis.

Quanto a Kannon, por que ela tem mil braços ligados a um só


corpo? Essa figura foi criada com a intenção de revelar aos homens
que, mesmo que um corpo tenha mil braços, cada um deles será útil
se a sua mente não se fixar. É porque a mente não se fixa num
determinado lugar que todos os braços são úteis.”

Comentário:

​ Kannon de Mil Braços é uma imagem tradicional do Budismo.


A
Esses braços representam a mente, sempre cheia de mil
pensamentos em movimento e cheia de oscilações. Apesar de
continuar sendo uma passagem obscura para nossa mente
ocidental, a explicação de Takuan começa a ficar mais clara. A
mente flui livremente porque não se fixa em nenhum lugar.

​ uando treinamos uma Habilidade Marcial, nossa mente deve


Q
estar calma e livre de qualquer pensamento. Contudo, estamos
frequentemente tentando entender as técnicas e os movimentos, o
que dificulta nos concentrarmos na execução pura do exercício.
Quando atuamos com a mente livre de qualquer tipo de estado
mental, a prática Marcial é verdadeiramente manifestada. É preciso
que sua concentração seja completamente consumida pela prática,
ao ponto de que à própria consciência não seja mais notada por ela
mesma. É preciso praticar com todo seu corpo e sua mente,
completamente absorto naquilo que se está fazendo, a fim de não
deixar nenhum tipo de rastro mental. Você precisa se consumir
inteiramente na prática, não devendo ficar resíduo algum depois de
se ter treinado. Esse é o verdadeiro caminho das Habilidades
Marciais.
A árvore e suas folhas
Takuan:

“​ Suponha que você se depare com uma árvore. Se olhar para


uma única folha vermelha, não verá nenhuma das outras. Quando o
olho não se volta para nenhuma folha em particular e você olha a
árvore com a mente absolutamente vazia, o olho é capaz de captar
um número ilimitado de folhas. Mas quando uma única folha prende
o olhar, é como se as demais folhas não estivessem lá. Aquele que
compreendeu isso é idêntico à Kannon de mil braços e mil olhos.”

Comentário:

​ bserve uma árvore. Se você observar apenas uma folha, não


O
irá ver nenhuma das outras. Mas quando você não se volta para
nenhuma folha em particular, e apenas observa a árvore, sua mente
é capaz de captar um número ilimitado de folhas. Mas se uma única
folha prender o seu olhar, é como se as demais folhas não
estivessem lá.

​Por mente completamente vazia, Takuan quer dizer uma mente


que não julga, que não cria valores ou pensamentos tentando
caracterizar aquilo que ela observa. Ou seja, uma mente que não se
prende a um sujeito e um objeto, uma mente que apenas observa.

​ uando se pratica o Ving Tsun você se torna um com o Ving


Q
Tsun. Não há sujeito e objeto, há somente este agir que não deixa
rastros. Treine simplesmente pelo ato de treinar, se esquecendo
completamente das sensações físicas que experimenta durante a
prática, bem como dos estados mentais que surgem nela.
Esquecendo tudo acerca de você mesmo e de sua prática o
caminho se apresenta. A mais elevada forma de praticar o Ving
Tsun é apenas praticar. No verdadeiro treinamento do Ving Tsun não
há nenhum caminho em especial, não há nada fixo e permanente,
existe somente o fluir infinito do universo.
A mente do principiante é a Mente Zen
Takuan:

“​ De qualquer modo, quando um homem pratica a disciplina e


parte do território do principiante rumo à sabedoria, ele termina por
voltar a cair de novo no nível do principiante... Isso tem uma razão
de ser. Mais uma vez, podemos nos referir à tua própria arte
marcial. Como o principiante nada sabe a respeito da postura
corporal ou de como empunhar a espada, sua mente não se fixa em
lugar nenhum… Se alguém o golpeia com a espada, ele enfrenta o
ataque sem ter nada em mente.”

Comentário:


O principiante está totalmente absorto no combate,
provavelmente tomado pelo medo, ele se torna totalmente focado,
observa atentamente seu adversário sem chegar a nenhuma
conclusão, em um piscar de olhos ele golpeia perfeitamente o alvo.
Já presenciei este tipo de situação inúmeras vezes, seja na rua em
um combate real ou em algum treinamento de arte marcial.
A Mente Zen é a mente do principiante
Takuan:

“​ A medida que ele estuda várias coisas e aprende as diversas


posturas, a maneira de segurar a espada e o lugar onde concentrar
a mente, sua mente se fixa em muitos objetos. Nesse ponto, quando
ele quer golpear um oponente, seu desconforto é muito grande.”

Comentário:

​ neste ponto que o principiante perde sua espontaneidade e


É
acabada deixando escapar de suas mãos a capacidade de agir de
maneira livre. Mas, o caminho é assim. Durante o processo de
aprendizagem, o aluno precisa introjetar todas a técnicas e
comportamentos de combate. Porém, é como disse Takuan, nesta
fase a mente do praticante se fixa em muitos objetos e perde a sua
liberdade, tornando seu corpo rígido e tenso, impossibilitando as
adaptações espontâneas e naturais do corpo. Desta forma, quando
o seu treinamento começa, sua mente tende a avaliar os
movimentos e não é mais capaz de agir perfeitamente como na
primeira vez. Se sua mente conseguisse manter a postura de
“apenas golpear” ele já chegaria a condição de maestria em um
único instante.

​ lgo similar acontece em nossa vida. Nascemos e logo somos


A
alguém, temos personalidades e gostos. Sofremos e vivemos uma
vida isolados da nossa verdadeira natureza. No entanto, esta nunca
mudou. É somente porque colocamos uma viseira na frente de
nossos olhos é que não conseguimos enxergar o que realmente
somos. Mas, se praticamos algum caminho rumo ao despertar da
consciência, voltaremos, inevitavelmente, ao início, ao lugar onde o
eu não existe, ao vazio total, ou melhor, à completude e unidade de
todo universo, à Mente Livre.
Samsara é Nirvana, Nirvana é Samadhi,
Samadhi é Presença, Presença é Foco e Foco é
Fluxo.
Takuan:

“​ A ignorância e as aflições do princípio, o lugar de repouso e a


sabedoria que vem depois tornam-se uma só coisa.”

Comentário:

​ ignorância, o sofrimento, a iluminação, a alegria, o ganho e a


A
perda, o samsara e o nirvana, a mente fixa e a Mente Livre se
tornam um só, porque nunca deixaram de ser uma só mente.
Não-Mente é a Mente Zen
Takuan:

“​ A função do intelecto desaparece, e chega‐se ao estado de


Não‐Mente. Quando se chega ao ponto mais profundo, os braços,
as pernas e o corpo já sabem o que fazer, mas a mente não tem
nenhuma participação nisso… Embora mãos, pés e corpo se
movimentem, a mente não se fixa em lugar nenhum e a pessoa não
sabe onde sua mente está.”

Comentário:

​ “eu” desaparece e a mente não se fixa mais. Quando se


O
alcança o Flow (fluxo) e a mente se liberta, o corpo já sabe o que
fazer. A mente, por sua vez, não tem nada a ver com isso. Essa
passagem é maravilhosa. Inúmeras vezes eu já orientei os meus
alunos que a mente não tem nenhum lugar durante a prática do Ving
Tsun. É preciso se entregar completamente ao treinamento. Deixar
que o próprio Ving Tsun guie o caminho.

​ preciso que o praticante se entregue de tal forma ao


É
treinamento, que o resultado de sua prática não seja um objetivo a
ser alcançado. A prática do Ving Tsun deve ser direcionada do
resultado para o não resultado. Isso quer dizer que precisamos nos
libertar da necessidade de se ter resultados. É extremamente difícil
realizar este tipo de prática, porém, o Ving Tsun só se manifestará
por completo quando a mente estiver livre de estagnações.
O princípio e a técnica
Takuan:

“​ Existe o caminho que diz respeito ao princípio e um caminho


que diz respeito à técnica. O princípio é como já expliquei: quando
se chega, nada se percebe. É como se a pessoa se tivesse desfeito
de toda concentração.”

Comentário:

​No Ving Tsun, o que diz respeito ao princípio é fluxo. O caminho


que diz respeito à técnica são os ciclos de exercícios pré-
determinados que executamos. Porém, o fluxo não se manifesta
sem os exercícios e os exercícios não podem manifestar suas
funções sem que o fluxo esteja ocorrendo.

​ uando se chega ao estado de fluxo através do Ving Tsun,


Q
nada é percebido. É como se o praticante deixasse de existir por
alguns instantes. Ele somente age e reage, sua mente não interfere
em nada no processo, esse é o caminho que diz respeito ao
princípio, de acordo com Takuan.
Sem treino, sem Ving Tsun
Takuan:

“​ No contexto da sua própria arte marcial, o treinamento que diz


respeito à técnica é aquele que, quando praticado muitas e muitas
vezes, faz das cinco posturas corporais uma só. Muito embora o
você conheça o princípio, é preciso você se torne perfeitamente livre
no uso da técnica. E muito embora você possa ser agilíssimo em
empunhar a espada que carrega, tampouco atingirá a maestria se
não compreender os aspectos mais profundos do princípio. A
técnica e o princípio são semelhantes às duas rodas de uma
carruagem.”

Comentário:

​No Ving Tsun, o treinamento que diz respeito à técnica é aquele


que, quando praticado muitas e muitas vezes, faz dos cinco
exercícios um só (Poon Sau, Ciclo de Lap Sau, Chi Sau, Goh Sau e
Sparring). Muito embora você conheça a Mente Liberta, é preciso
que você se torne perfeitamente livre da técnica. E muito embora
você possa ser habilidoso, tampouco irá atingir a maestria se não
compreender os aspectos mais profundo da Mente Liberta. A
técnica e o fluxo são os dois lados de uma mesma moeda.
Relações pessoais no Ving Tsun
Em nosso corpo existe um segredo há muito esquecido.
Uma linguagem perdida dentro de nós. A linguagem corporal.
Nossos ancestrais devem ter se maravilhado tanto com a
capacidade de se comunicar através da fala, que acabaram se
esquecendo da origem da comunicação, a linguagem corporal.
Atualmente, nós nos comunicamos quase exclusivamente através
da linguagem falada. E nosso corpo continua falando através do
nosso Inconsciente. O que sentimos sempre se manifesta de
alguma forma.

Precisamos nos lembrar que dizemos muito com o nosso


corpo. Só a nossa face possui centenas de conformações que
querem dizer algo. E sabe o que mais? Já temos registrado em nós
como ler esta linguagem. Na verdade, já sabemos falar
fluentemente a linguagem corporal. O problema é que nós nos
esquecemos disso. Acreditamos mais no que falamos, do que no
que sentimos.

No Ving Tsun, nossos ancestrais sempre estudaram


profundamente esse ponto. Naquela época, saber a linguagem
corporal era questão de vida ou de morte. Saber qual
comportamento iria se manifestar em alguém antes mesmo que ele
se manifestasse podia salvar a vida de um Mestre. Em um duelo, a
linguagem corporal conta tudo sobre a pessoa. Eu, por exemplo, em
pouco tempo de duelo consigo perceber traços da personalidade de
uma pessoa.

Mas, e fora de uma luta real? Como nos dias de hoje. É


mais provável que iremos a óbito em um acidente de trânsito do que
em uma luta. Por isso, precisamos mais uma vez atualizar o Ving
Tsun. Trazer sua energia para perto de nós. E como fazer isso?
​ e você estiver presente neste exato momento terá um insight.
S
Você já percebeu que quando está conversando com alguém seu
corpo está sentindo algo? Já
parou para observar o que você está sentido agora? Para saber
o que o outro está sentido é preciso primeiro aprender o que você
está sentindo.
​Então no Ving Tsun usamos o duelo para aperfeiçoar nossa
autopercepção. O que eu sinto quando a faca vem em minha
direção. Medo? Medo de ser cortado? Medo de cortar? Vontade de
cortar? O que você está sentindo nesse exato momento? Sinta…
​O duelo é o “treinamento Yang” do Ving Tsun, o Shikantaza é o
“treinamento Yin” do Ving Tsun. Apesar de nas linhas meditativas o
Shikantaza é uma meditação totalmente Yang. Repare: o relativo no
absoluto. Tudo é assim.
Ação imediata e espontânea

Takuan:

“​ Existe um intervalo em que não há espaço sequer para um fio


de cabelo. Para falar disso, tomemos como exemplo a sua arte
marcial. Intervalo é quando duas coisas se juntam uma à outra, e
nem algo da espessura de um fio de cabelo pode ficar entre elas.
Quando batemos as mãos em palma e, no mesmo instante,
soltamos um grito, o intervalo entre o bater de palmas e o gritar não
deixa espaço sequer para um fio de cabelo. Não se trata de bater
palmas, pensar em gritar e então fazê‐Io; isso resultaria num
intervalo entre as duas coisas. Batemos as mãos em palma e, no
mesmíssimo instante se produz um som. Do mesmo modo, se a
mente se fixar na espada com a qual um inimigo vai te golpear,
haverá um intervalo e tua ação será perdida. Mas, se nem um fio de
cabelo puder introduzir‐se no intervalo entre a espada do oponente
e a tua ação, a espada do teu oponente tornar‐se‐á a tua própria. O
mesmo se diz nas discussões sobre o Zen. No Budismo,
abominamos a fixação da mente que permanece ligada a isso ou a
aquilo. Chamamos essa fixação de aflição. É como uma bola que
flutua sobre uma corrente de água que se move rapidamente:
respeitamos a mente que flui dessa maneira e não se fixa nem por
um instante num determinado lugar.”

Comentário:

​ akuan se refere a ação imediata e espontânea. Para aprender


T
a lutar é preciso que isso fique bastante claro. Não existe tempo
para pensar e em seguida agir, é preciso agir imediatamente quando
surgir uma abertura ou quando você está prestes a ser golpeado.
Em um combate real, esse é o único tipo de ação que deve existir
se você quiser sobreviver.
​ m relação a Mente Livre, isso se aplica da mesma forma.
E
Quando nos fixamos nos pensamentos que surgem eles se tornam
uma aflição. É claro que devemos usar os pensamentos, mas como
ferramenta, como um mecanismo de trabalho. O problema surge
quando confundimos a nossa verdadeira natureza com os
pensamentos. Acreditamos que somos aquilo que pensamos. Que
tudo o que surge em nossa mente é o nosso eu verdadeiro. Não há
engano maior que isso. Somos algo muito além dos nossos míseros
pensamentos.

​Quando não sabemos onde a nossa mente está, ela é.


Timing perfeito é espontaneidade, o Poder do
Ímpeto
Takuan:

​ á também a ação da fagulha e da pedra, que é semelhante ao


H
que acabei de dizer. No mesmo instante em que golpeamos a
pedra, aparece a fagulha. Como ela aparece no mesmíssimo
instante em que golpeamos a pedra, não há intervalo nem
interstício. Também isso equivale à ausência do intervalo que fixa a
mente. Seria um erro compreender isso como simples rapidez.
Antes, o que isso salienta é que a mente não deve ser detida pelas
coisas. Revela que, mesmo com velocidade, é essencial que a
mente não se fixe. Quando a mente se fixa, ela é capturada pelo
oponente. Por outro lado, se a mente contempla o fato de ser rápida
e se move velozmente à ação, ela é capturada por sua própria
contemplação.

Comentário:

​ esta passagem Takuan se torna mais claro. Ele diz que a


N
mente, assim como o artista marcial, não deve se fixar ou
“congelar”, e que isso não tem nada haver com velocidade, mas sim
com seguir o fluxo do momento.

​ eveja essa parte: “Como ela (a faísca) aparece no


R
mesmíssimo instante em que golpeamos a pedra, não há intervalo
nem interstício. Também isso equivale à ausência do intervalo que
fixa a mente”. Basta nos referirmos à nossa arte marcial para que
fique bem claro: não existe intervalo na mente de um lutador quando
ele ataca o seu oponente. Takuan diz que isso equivale à ausência
do intervalo que fixa a mente. O lutador não sabe onde sua mente
se encontra no momento do golpe, esse é o ponto, essa é a Mente
Livre.
Mais ação menos mente, mais corpo menos
pensamentos
Takuan:

“​ É essencial que a mente não seja detida… Nós respeitamos a


mente que não se fixa. A mente que não se fixa não é movida nem
pela cor nem pelo cheiro. Não importa que a forma dessa mente
imóvel seja reverenciada como um deus, respeitada como um Buda
ou chamada de Espírito do Zen ou Sentido Último; se a pessoa
pensar e depois falar, mesmo que pronuncie palavras de ouro ou
versos misteriosos, isso não passará da aflição do lugar de
repouso… Quando se é chamado, a hesitação quanto ao porquê e o
para quê do chamado é a aflição do lugar de repouso. A mente que
se fixa, ou é movida por algo, é lançada na confusão, tal é a aflição
do lugar de repouso, e tal é o homem comum. Ser chamado e
responder sem intervalo é a sabedoria de todos os Budas. O Buda e
todos os seres não são duas coisas.”

Comentário:

I​sso acontece em todas as minhas aulas de Ving Tsun. O


praticante tenta entender racionalmente a técnica ou o movimento
que ele está fazendo. A maioria dos praticantes me fazem essas
perguntas durante a execução do exercício: para que este
movimento? Porque fazer assim? Ou, o praticante me diz: “espera,
deixe-me pensar onde devo colocar meu braço.” Ou, “mas você
disse outro dia para fazer deste jeito e agora muda de novo?” Tudo
isso é um grande problema para o aprendizado do idioma Ving Tsun
e para o surgimento da Mente Liberta. Todas essas perguntas
podem ser feitas, e devem ser, mas fora do exercício. Quando se
está realizando o exercício, em especial o Chi Sau, o praticante
deve se entregar completamente ao momento e agir de acordo com
as circunstâncias. O Mestre irá guiá-lo da maneira correta, sem a
necessidade de se falar nada. É o corpo que precisa aprender a
como agir, a mente não tem nenhum lugar aqui. Seja mais corpo e
menos mente, mas, no fim, abandone os dois e alcance o lugar
onde nem corpo nem mente são percebidos.
Mais prática menos teoria
Takuan:

“​ Pode‐se explicar a água, mas nem por isso a boca ficará


molhada. Podem‐se fazer longas dissertações sobre a natureza do
fogo, mas o corpo não se aquecerá. Sem tocar na água verdadeira
e no fogo verdadeiro, ninguém pode conhecer essas coisas.
Mesmo a explicação de um livro não o tornará compreensível… Não
se chega à compreensão da sua verdadeira natureza a partir da
explicação de outra pessoa...Se a pessoa não clarear perfeitamente
o que é a sua própria mente, ela não terá a compreensão.”

Comentário:

​ Ving Tsun, o Zen e a vida são sobre ter a experiência, sobre


O
viver o momento, sentir com todo seu ser, aquilo que se está
fazendo. Não é possível aprender uma arte marcial lendo um livro, é
preciso ir na escola e praticar o caminho. A mente é uma
maravilhosa ferramenta, mas não se confunda com sua ferramenta,
você é muito maior que ela.

​ mente distraída, frequentemente se fixa a idéias do que seja


A
a prática do Ving Tsun. Quando você está preso em uma ideia
dualista, do que seja a prática do Ving Tsun, sua mente se fixa ao
objeto em questão e sua mente original não pode fluir. Não devemos
nos fixar nos resultados, devemos somente praticar, os resultados
aparecem no momento certo, independente de nossas intenções.
O não-pensar e a não-mente de Yagyu
Munenori:

“​ Use o pensamento para atingir o Não Pensar. Use a conexão


para desconectar.”

Comentário :

​ unenori deixa claro que é somente através da nossa mente


M
que iremos alcançar a Mente Liberta. Não é de outra forma, em
algum lugar especial ou no futuro. É sempre aqui e sempre agora,
neste momento e neste lugar. A Mente Liberta só pode ser
alcançada através da mente fixa, pois é a mente fixa que tem a
propriedade de direcionar sua vontade a um objetivo específico.

​ ormalmente, tudo o que fazemos em nosso dia a dia, é para


N
se alcançar determinado objetivo. Estamos sempre presos.
Direcionar a mente do resultado para o não resultado é o caminho e
a prática do Ving Tsun. Se você executa o Ving Tsun pelo simples
ato de praticar, sem nenhum esforço em especial, o caminho se
manifesta por completo. Não há você e o caminho, não há o
caminho e você, não há nem mesmo o ato de praticar. Há somente
a ação que não deixa nenhum rastro. No momento em que você faz
um esforço extraordinário para alcançar determinado objetivo, surge
uma energia exagerada, um ingrediente extra que destempera a
prática, e isso acaba se tornando um obstáculo entre você e o
caminho. O Ving Tsun enfatiza a simplicidade acima de todas as
coisas. Devemos sempre nos libertar dos excessos, seja no
treinamento ou em nosso dia a dia.
É preciso abandonar a mente fixa
Munenori:

“​ O preliminar e o profundo foram estabelecidos em dois níveis


para esse uso. Quando se treina a disposição de espírito preliminar
da mente e se adquire disciplina suficiente, a fixação é deixada para
trás sem sequer haver o pensamento de tê-lo feito. No Zen, a
fixação é desprezível. O monge que deixa a fixação para trás,
contudo, pode se misturar com a poeira dos assuntos mundanos e
não se denegrir, ele está livre no que quer que faça, e não
permanece em lugar nenhum. Conhecedores de todos os Caminhos
dificilmente podem ser chamados de mestres se, por trás de suas
várias técnicas, ainda não se separaram da fixação.”

Comentário:

​ esmo que você tenha uma habilidade inigualável, se a sua


M
mente ainda se apegar a preferências, desejando isso ou rejeitando
aquilo, suas ações não serão livres, você ainda terá a agonia de não
se sentir satisfeito. A incompletude manterá a sua mente atada
pelas amarras dos pensamentos e o sofrimento sempre estará
presente.
O caminho de Yagyu
Munenori:

“​ Um monge perguntou a um respeitável ancião: “O que é o


Caminho?”. Ele respondeu: “Sua mente comum, este é o
Caminho.”... Apliquemos isso ao mundo das artes marciais. Ao
praticar o arco e flecha, se sua mente estiver ocupada com o
pensamento de atirar com o arco, sua mira será desordenada e
você errará. Ao usar a espada, se sua mente estiver ocupada com
pensamentos de praticar a espada, sua atitude não será ideal. Ao
praticar caligrafia, se sua mente estiver ocupada por pensamentos
de escrever, o pincel estará incorreto. Não importa que rumo você
siga, se tem em seu peito um rumo absoluto, não será o verdadeiro
Caminho. O homem que não tem absolutamente nada em seu
interior é um verdadeiro Homem do Caminho.”

Comentário:

“​ O Homem que não tem absolutamente nada em seu interior é


um verdadeiro Homem do Caminho.” O que seria não ter nada em
seu interior? Uma condição a ser alcançada? Um estado mental
diferente do natural? Ou a condição natural do ser humano? De toda
forma, em todos os relatos e textos apresentados aqui, o conceito
ou fato que mais se repete é sempre este: a ausência de percepção
de um eu, durante o decorrer de uma prática em que o estado de
fluxo se manifesta. Esse fato é o “Alfa” e o “Ômega” deste livro.

​Enquanto houver em sua mente alguma meta em particular o


Ving Tsun, não se manifestará por completo. A princípio, você pode
pensar que não havendo objetivos claros a serem alcançados, ou
uma trilha segura e precisa para seguir o caminho, você não saberá
o que fazer. Mas, o caminho do Ving Tsun consiste em praticar sem
ter em mente um propósito determinado.
​ Ving Tsun é a expressão marcial da vida. É a vida em si
O
mesma se expressando. Nunca sabemos ao certo o que vai
acontecer a cada momento, e mesmo assim nós nos jogamos na
vida e nos deixamos nos levar por ela, tendo consciência disso ou
não. Quando você se abandona totalmente na prática, se
esquecendo de si mesmo e abandonando corpo e mente, o Ving
Tsun se revela por completo.
O espelho
Munenori:

“​ O interior de um Homem do Caminho é como um espelho:


imóvel e perfeitamente transparente. Portanto, ele possui a não-
mente, e em todas as coisas, nada lhe falta. Esta é a mente comum.
Um homem que realiza tudo com a sua mente comum, pode ser
chamado de mestre.

​ ão mente, não significa não possuir nenhuma mente. É


N
simplesmente a mente comum que não se fixa… E sem pensar
realmente sobre isso… nesse momento, você não será
autoconsciente e sua mente não estará ocupada com o que você
está fazendo… Quando estiver no estado da Mente Livre, você
acertará o alvo todas as vezes.”

Comentário:

​ espelho não tem imagem própria, ele reflete tudo aquilo que
O
surgir diante de si. O homem que pratica o caminho também é
assim. Não tem preferências, se adequa a situações que surgem a
cada momento, sem ter predileções de qualquer espécie. É
espontâneo e genuíno no agir. “Não-mente, não significa não
possuir uma mente”, significa que o praticante não interfere nas
funções de sua mente, ele apenas deixa que ela siga o seu
caminho. Mas, o praticante não faz isso pensando em fazer, caso
contrário ele estaria preso no ato de deixar a sua mente fluir.
Quando o praticante atinge o ponto no qual ele flui livremente ele só
toma consciência deste fato logo após terminar sua prática. Ele
pensa assim: “Ah! É isso!”, e as gargalhadas são soltas no ar.
Ataque a mente fixa do oponente
Munenori:

“​ Golpear o lugar que não se move é chamado de atacar no


Vazio. O Vazio não se move porque não possui forma e o significado
é nada mais que golpear no lugar em que não se mexe.”

​ omentário: Basicamente o que Munenori que dizer é que o


C
artista marcial precisa golpear o ponto de estagnação de seu
oponente, o lugar onde seu oponente se fixou por um instante, onde
sua mente se fixou. Com bastante experiência prática, é possível
perceber em que momento o oponente se distrai, o que é o mesmo
que se fixar a mente em algo. A distração nada mais é que a mente
indo em determinada direção e se prendendo a algo.
A concentração não é o ápice do Ving Tsun
Munenori:

“​ Quando você concentra sua mente em algo, e não permite


nenhuma agitação de quaisquer direções… Este é um recurso para
acalmar a mente agitada... Contudo, essa condição da mente, dura
apenas enquanto se realiza a meditação… quando termina você
retorna mais uma vez ao seu estado de confusão mental… Esse é
um treinamento inicial… O treinamento mais profundo é: liberte sua
mente, deixe-a ir aonde ela deseja… Não deixe que ela pare em
lugar nenhum… Se golpeia uma vez com sua espada, não a deixe
parar neste golpe… Ao libertar a mente, deixe-a ir aonde deseja.
Libertar a mente significa deixá-la ir, não deixá-la parar em lugar
nenhum… Se sustentar uma mente tão liberta a esse ponto, seus
movimentos serão livres.”

​ exatamente como no treinamento das artes marciais. No Ving


É
Tsun, deixe seu corpo fluir, não permita que sua mente se fixe em
lugar nenhum, apenas flua.

​ eja que Munenori afirma que você precisa limpar da sua


V
mente o que aprendeu, ou seja, é preciso ter aprendido algo para
poder limpar a mente desse algo. Então, não se inicia o caminho
limpando-se a mente, mas sim, preenchendo-a com teorias,
práticas, formas e exercícios deste caminho para, só depois de se
ter aprendido, poder limpar a mente.

​ Siu Nim Tao e o Chum Kiu possuem tudo o que o praticante


O
de Ving Tsun precisa. Esse é o estudo completo do caminho, tudo o
que vem depois serve para melhorar, corrigir ou refinar os conceitos
básicos das duas formas iniciais. Depois que os conceitos básicos
foram entendidos pela mente e corpo do praticante é que ele deve
adentrar o portal do fluxo, limpando sua mente e fluindo livremente
pelo caminho de todos os mestres e ancestrais do Ving Tsun.
A mente apegada
Takuan:

“​ Não importa o que a pessoa faça, quando ela gera a mente


que pensa sobre algo, a mente se fixa nesse algo…. A mente
apegada nasce da mente que se fixa. Também o ciclo da
transmigração nasce daí...A fixação transforma‐se nos laços da
vida e da morte...Portanto, deve‐se gerar a mente que não tem lugar
onde se fixar… O significado da palavra seriedade está em conter a
mente e não enviá‐Ia a outros lugares… O que ocorre nesse nível é
uma constrição da mente, e não se permite sequer um til de
negligência. A seriedade não é o nível mais profundo do Zen.”

Comentário:

​ palavra seriedade, nesta passagem, é sinônimo de


A
concentração. “Se concentrar em conter a mente e não enviá-la a
outros lugares”. Takuan diz claramente que a concentração em
determinado ponto do corpo ou qualquer outro lugar não é o nível
mais profundo do Zen, muito pelo contrário é apenas mais uma
prisão da mente. Isso é fantástico, pois, sempre aprendemos que o
foco ou a concentração seriam o ápice do treinamento. Não são.
Uma mente presa não é livre
Takuan:

“​ É como um gato que caçou um filhote de pardal. Para evitar


que isso aconteça de novo, o gato é amarrado com uma corda e
permanece sempre preso. Se a minha mente está amarrada como
um gato, ela não está livre e, provavelmente, é incapaz de atuar
como deve. Quando o gato está bem treinado, a corda é
desamarrada e deixa‐se que ele vá para onde quiser. A essa altura,
mesmo que os dois estejam juntos, o gato não vai mais caçar o
pardal. Esse é o sentido da expressão "gerar a mente que não tem
lugar de repouso". Embora eu solte minha mente e a ignore, como
faço com o gato, embora ela possa ir aonde quiser, é assim que se
usa a mente de modo a não fazê‐Ia fixar‐se.”

Comentário:

​No Ving Tsun seguimos o mesmo caminho. A concentração é


feita apenas no início do treinamento. Os exercícios específicos
devem ser feitos somente no início do treinamento, depois que a
mente aprendeu determinada técnica é preciso libertar a mente,
deixá-la livre permitindo que o fluxo se manifeste por si só, e desta
forma, o Ving Tsun pode se tornar o caminho do praticante.
Apenas golpeie
Takuan:

“​ Tomemos um exemplo da tua própria arte marcial. A mente


não é detida pela mão que empunha a espada. Completamente
alheia à mão que empunha a espada, a pessoa golpeia e corta seu
oponente. Ela não situa a mente no adversário.”

Comentário:

​ esta passagem, Takuan já se refere à mente livre, que não


N
precisa mais se concentrar em nada. O artista marcial simplesmente
golpeia e acerta seu oponente, sem nenhum bloqueio ou fixação de
sua mente, e também sem nenhuma concentração em especial.
Apenas golpeie!
Aparências da mente
Munenori:

“​ A mente fixa parece similar à Mente Livre, mas a Mente Livre é


mestre de seu corpo, e todas as suas múltiplas habilidades estão na
mente. As funções e movimentos dessa mente são suas atividades.
Quando a mente não se move, é o Vazio. Quando o Vazio se
movimenta é a mente. Quando o Vazio se move, torna-se a mente.
É quando mãos e pés entram em jogo.”

Comentário:

​ urante um combate ou treino, quando você não sabe mais


D
onde se encontra sua mente, você luta perfeitamente e de acordo
com as circunstâncias.
O Vazio e o Eu
Takuan:

“​ O oponente é o Vazio. Eu sou o Vazio. A mão que brande a


espada, a própria espada, é o Vazio. Compreenda isso, mas não
deixes que a tua mente seja capturada pelo Vazio.”

Comentário:

​ oponente é vazio, eu sou vazio, a mão que brande a espada


O
é vazia. Vazio de que? De um eu, de uma personalidade, de algo
separado do universo. Tudo é vazio de um eu inerente,
consequentemente, tudo é um só eu manifesto em diversas formas.

​ sta passagem pode confundir muitos estudiosos e leitores.


E
Takuan está falando da mente Liberta, da mente única e completa,
da mente Buda, onde tudo é um só. A palavra vazio se refere a esta
mente que é una, por isso, tudo o que existe é vazio de uma
entidade separada, ou seja, não possui um “eu independente”. Esse
é o ensinamento Zen mais difícil de ser compreendido e
principalmente de ser aceito, pois, é neste momento que o
praticante do Zen ou do Ving Tsun compreende que não existe um
“eu isolado” dentro dele, existem apenas formações mentais,
criadas pelas sinapses cerebrais, e seu fluxo constante, nada mais.
Com a morte da pessoa, essas sinapses que aparentavam ser algo,
deixam de existir. Somos fluxo constante, sem um eu fixo e
permanente. O que passa de uma vida para outra não é um “eu”,
mas sim os movimentos desta mente que estava viva.

​ e acordo com Wright, autor do livro “Porque o budismo


D
funciona”, a meditação pode enfraquecer o vínculo entre
percepções e pensamentos por um lado e, por outro, com os
sentimentos, as ressonâncias afetivas que normalmente os
acompanha. Isso quer dizer que se o praticante de meditação, de
Ving Tsun ou de qualquer prática que leve ao estado de fluxo,
conseguir enfraquecer esses vínculos, e as percepções se tornarem
cada vez mais livres de associações afetivas, isso pode acabar
mudando sua visão de mundo. As coisas teriam a mesma aparência
externa, mas seria como se algo em seu interior tivesse mudado, ou
seja, ele deixa de perceber o seu eu de forma isolada e passa a
percebê-lo em tudo.

​ right afirma que a idéia budista de vazio partiu da mente de


W
pessoas que meditavam muito profundamente, ao ponto de que a
tonalidade afetiva normal do mundo teria desaparecido quase por
completo. Ele diz que, talvez quando os sentimentos associados às
diversas coisas desvaneceram, elas tenham parecido
transformadas.
Esqueça de si mesmo
Takuan:

“​ Esquece por completo da mente, e farás bem todas as


coisas… Quando a mente se fixa nas mãos e nos pés, nenhum dos
teus atos é único e singular. Se você não se desfizer por completo
da mente, nada do que fizeres será bem feito.”

Comentário:

​ e você não for capaz de esquecer de si mesmo e apenas


S
praticar o Ving Tsun, tudo será em vão. O fluxo não se manifestará e
tão pouco a Mente Liberta. Confie no treinamento de deixe os
resultados de lado. Não se prenda a pensamentos de auto
aprimoramento, ou qualquer classe de pensamentos, se entregue
ao treinamento sem esperar pelos resultados, eles virão como
consequência de seu esforço.

​ Ving Tsun é algo que se expressa por si mesmo, não que se


O
entende intelectualmente. É algo que acontece, não que se adquire.
É porque o praticante busca obter a técnica, através da prática
rígida e formal, que ela se torna um grande problema. Quando o
treinamento deixa de ser o caminho, tudo se perde. Quando o lugar
de poder, o status, os níveis de treinamento, os níveis hierárquicos
dominam a mente do praticante, ele perde por completo a
capacidade de manifestar o Ving Tsun.
A Não Espada de Munenori
Munenori:

“​ O que chamo de Não espada não é a arte de tomar a espada


do oponente, mas sim ser apto a usar todas as ferramentas
livremente. Quando o combatente não tem espada e quer capturar a
do seu oponente e utilizá-la, qualquer coisa ou objeto que tenha por
perto, mesmo que seja apenas um leque, será capaz de derrotar a
espada do adversário. Essa é a verdadeira essência da Não
Espada.”

Comentário:

​ o Ving Tsun temos dois treinamentos que nos possibilitam agir


N
da mesma forma. O bastão e as facas treinam o praticante de Ving
Tsun a ser capaz de usar qualquer tipo de objeto como arma. Seja
uma caneta ou uma cadeira, todo tipo de objeto pode servir como
arma, tudo depende das circunstâncias.
A mente fixa e a Mente Liberta de Yagyu
Munenori

Munenori:

“​ Dito isso, nas artes marciais, suas ações não o levarão a nada
se você tem uma mente que é correta, mas possui corpo e membros
que não estão de acordo com essa mente. Ainda que seja possível
para os seus movimentos físicos não estarem de acordo com o
Caminho na vida cotidiana, se não compreender o Caminho nas
artes marciais, você não se realizará. E ainda que não se perca
dessa mente nas suas diversas atividades e que possa estar de
acordo com ela na execução de diferentes artes, ela não irá se
manifestar em outras coisas. Quando o fizer conscientemente e agir
de acordo, você será um homem realizado que atingiu o Princípio de
todas as coisas. Quando essa mente é transmitida para apenas uma
arte ou habilidade, um homem é chamado de habilidoso em
qualquer Caminho que estude. Seria difícil, no entanto, chamá-lo de
realizado.

Existe um poema que diz:

É a própria mente em si
Que leva a mente a desnortear-se;
Dessa mente,
Não seja esquecido.

Isso pode ser explicado da seguinte maneira:



É a própria mente em si: essa mente é a mente distraída, a
mente indesejável, que se fixa. Ela desvirtua a Mente Liberta.
Que leva a mente a desnortear-se: a mente citada aqui é a
Mente Liberta, a que é iludida pela mente distraída.

Dessa mente: esta é a mente que se fixa.

Não seja esquecido: isso se refere à Mente Liberta. E o verso


diz que não devemos confiar a Mente Liberta a mente fixa.

​ ossas mentes contêm tanto a Mente Liberta quanto a mente


N
fixa ou iludida. Se você tem a Mente Liberta e é capaz de conduzir a
si mesmo de acordo com ela, tudo fica correto e direto. Mas, se a
Mente Liberta é encoberta, distorcida e suja pela mente distraída,
tudo o que você fizer será distorcido.

​ Mente Liberta e a mente fixa não são como preto e branco,


A
não são facilmente distinguíveis quando colocadas lado a lado. O
que chamamos Mente Liberta é a face original que você tinha antes
de seus pais terem nascido. Não possui forma, não nasce e não
perece. Sua forma é o que é dado no seu nascimento por seus pais,
mas seria difícil afirmar que a sua mente, que não tem forma,
nasceu deles. Com o nascimento de um homem ele é provido de um
corpo… Se conseguirmos alcançar a Mente Liberta, seremos
mestres das artes marciais. Todas as coisas obedecem a esse
princípio.”

Comentário:

I​números praticantes de todas as artes marciais e mais


especificamente do Ving Tsun, param de praticar o caminho depois
de terem recebido o seu “certificado de mestre”. Querem viver do
status da maestria e isso é inconcebível para um praticante
autêntico desta arte marcial. Essa é a verdadeira morte do artista
marcial. Quando se interrompe a prática do Ving Tsun, seja por
qualquer motivo, o Fluxo deixa de se manifestar e o Ving Tsun
morre. Por ser uma arte viva, o Ving Tsun está mudando a todo
momento, está em constante evolução. A única coisa que não muda
no Ving Tsun é o Fluxo, pois o próprio Fluxo é impermanente. Nunca
pare de treinar, nunca pare de praticar o caminho.
O primeiro estágio
Takuan:

“​ A mente é corrompida e fixada pelas coisas, por isso, nós


somos aconselhados a não deixar que isso aconteça, e advertidos a
sair em busca dela para fazê‐Ia voltar a nós. Esse é o primeiríssimo
estágio do treinamento... O controle estrito da mente é algo que só
se faz no princípio. Porém, quando a mente, senhora do corpo, se
extraviou por um caminho vil, por que não sair em busca dela para
fazê‐Ia voltar a nós? Isso é perfeitamente razoável. Mas… a
tendência geral é a de que a mente, quando amarrada, acaba por se
cansar sendo incapaz de atuar como deve.”

Comentário:

​ primeiro estágio do treinamento é conseguir não se distrair,


O
impedir que a mente tenha contato com objetos e lugares insalubres
e se apegue a eles. É preciso total concentração. Toda vez que se
perde o foco é preciso estabelecê-lo imediatamente.
O segundo estágio
Takuan:

“​ Quando a mente já não se fixa nas coisas, ela já não é


corrompida por elas e pode ser bem utilizada. Deixe‐a livre para
correr por onde bem quiser. O efeito da constrição da mente é fazê‐
la perder a liberdade. Quem permanece assim a vida inteira jamais
atingirá o nível mais alto. Na verdade, nem sequer sairá do mais
baixo. Durante o treinamento, é bom fixar na memória as palavras
de Mêncio: "Buscai a mente perdida." O grau supremo, porém, está
contido no que disse Shao K'ang‐chieh: "É essencial perder a
mente."

Comentário:

​Uma vez que a concentração é alcançada, o praticante precisa


dar mais um passo, o derradeiro passo em direção ao
desconhecido. É como se jogar em um precipício. Vencer o medo e
soltar as amarras da mente, ser o Fluxo.

​ m um segundo momento, quando a mente não é mais


E
corrompida por qualquer tipo de objeto ou lugar, a mente pode ficar
livre para ir onde bem entender. É isso que quer dizer os ditos de
Shao Káng, “é essencial perder a mente”.
Retornando à mente
Yagyu:

“​ Se você golpeia com a sua espada e pensa: acertei!, sua


mente irá parar naquele ponto. Isso, entretanto, pode ser perigoso.
Se sua mente não retornar do lugar de onde você aplicou o golpe,
fatalmente você ficará distraído e será atingido pelo segundo golpe
do seu oponente. Sua iniciativa se reduzirá a nada. Com o segundo
golpe do seu oponente, você será derrotado.”

Comentário:

​ etornar à mente significa o seguinte: se você golpeou, não


R
deixe a sua mente naquele lugar. Em vez disso, depois do golpe,
traga-a de volta e observe seu oponente… O significado de retornar
à mente é não para-la onde golpeou, mas, puxá-la de volta para si.
Ou, no último estágio da mente, é não retornar a sua mente de
modo algum, mas atacar impiedosamente uma segunda e terceira
vez, sem permitir ao menos que seu oponente balance a cabeça...
Entre o primeiro e segundo golpe, não deve haver intervalo em que
caiba nem mesmo o movimento de um único fio de cabelo. Essa é a
mente com a qual o artista marcial acertou, acerta e acertará
novamente.

​ e acordo com Munenori, os males da mente são as fixações,


D
no Zen isso é chamado de “apego”, e é extremamente abominado.
Munenori afirma que, se sua mente é apegada e para em um lugar,
você não enxergará o que está olhando e sofrerá uma derrota
inimaginável. Ele diz que a pausa do espírito é na verdade uma
doença.

​Quando você está treinando com um parceiro, ele pode assumir


uma postura de não aceitar o treino, mas não tente convencê-lo a
aceitar o treino. Não discuta corporalmente, apenas deixe que as
objeções corporais que ele expressa sejam manifestadas até que a
própria pessoa perceba algo errado nisso. Talvez este seja o ponto
mais importante no treinamento do Ving Tsun. Não tente impor sua
técnica ao outro, em vez disso, entre no fluxo da própria pessoa. Se
você sentir que ganhou a “luta”, não está na prática correta.
Tampouco é certo agir como se tivesse perdido. De maneira geral,
tendemos a impor nossa técnica, mas na prática do Ving Tsun, não
há propósito especial em se impor. Por vezes você acerta um golpe,
outras vezes você é golpeado, eis o caminho.
Onde devo situar minha mente?
​ nde devemos situar nossa mente? Seja nas práticas
O
meditativas ou nas artes marciais, em que lugar devo colocar minha
concentração? Meu foco? Estas são perguntas que eu me fiz por
longos anos e só realmente consegui as respostas após inúmeras
experiências transcendentais. Em uma delas, eu estava praticando
Chi Sau, um exercício do Ving Tsun, que abomina toda e qualquer
forma de estagnação durante sua execução, e consegui fluir
livremente, sem nenhuma interrupção. Quando o treino acabou, me
dei conta de que eu não sabia onde minha consciência estava, eu
não tinha idéia de onde tinha ido parar minha concentração.
Também não sabia o que eu estava pensando ou sentindo naquele
momento. Eu só sei que nada havia sido registrado por minha
mente.

Takuan:

“​ Se a pessoa situa sua mente na ação do corpo do oponente,


sua mente será capturada pela ação do corpo do oponente. Se ela
situa sua mente na espada do oponente, sua mente será capturada
por essa espada. Se ela situa sua mente em pensamentos sobre a
intenção do oponente de golpeá‐la, sua mente será capturada pelos
pensamentos sobre a intenção do oponente de golpeá‐Ia. Se a
pessoa situa sua mente em sua própria espada, sua mente será
capturada por sua própria espada. Se ela situa sua mente na sua
própria intenção de não ser atingida, sua mente será capturada por
sua intenção de não ser atingida. Se ela situa sua mente na postura
do oponente, sua mente será capturada pela postura do oponente.”

Comentário:

​ uando estamos praticando um exercício nas artes marciais, é


Q
claro que existe um processo didático que precisa ser vivenciado
pelo aluno. Existe uma metodologia e um sistema a ser seguido.
Porém, depois da compreensão da técnica ou do exercício, não
devemos mais usar nossa mente durante a execução. Abandone
esse hábito tolo de tentar entender tudo. É preciso se entregar ao
exercício e deixar que o corpo encontre por si só a coordenação
motora necessária. É como usar uma jangada para atravessar um
rio, depois de se ter atravessado, a jangada não serve mais para
nada, na verdade, ela se torna um estorvo quando precisamos
andar em terra firme. Deste modo, apenas se deixe levar pelo fluxo
do exercício e tudo ficará claro.
Não situe a mente em um só lugar
Takuan:

“​ ...Situar a mente num só lugar é cair na parcialidade.


Parcialidade é a preferência por um determinado lugar… Quando a
mente prefere um determinado lugar e tem aversão por outro, ela é
chamada mente parcial. A parcialidade é abominável. Ser detido por
qualquer coisa – o que quer que seja – é cair na parcialidade, e é
algo abominado por todos aqueles que trilham o Caminho...Vamos
supor que você determina um único lugar onde situá‐Ia, quando
tentar tira‐Ia desse lugar, ela permanecerá ali e não terá função.”

Comentário:

​ e nos concentrarmos em um ponto do corpo, perdemos o


S
outro. Se me concentro em chutar meu oponente me esqueço de
socá-lo, e assim por diante.
Onde quer que eu coloque minha mente eu acabo por perder a
percepção do todo. Então, podemos fazer uma pergunta: é possível
se concentrar no todo? Ou nossa mente seria pega também por
essa ideia?
Takuan e um artista marcial
Takuan:

“Certa vez, uma artista marcial disse:

‘​Onde quer que eu situe a minha mente, minhas intenções


ficam presas ao lugar para onde ela vai, e eu perco o combate. Por
isso, situo minha mente logo abaixo do umbigo e não a deixo
vaguear. Dessa maneira, sou capaz de mudar de acordo com as
ações do meu oponente.’

Respondi:

I​sso é razoável, mas segundo o ponto de vista mais elevado do


Zen, situar a mente logo abaixo do umbigo e não deixá‐la vaguear,
não corresponde a um alto nível de compreensão, mas a um nível
baixo… Supõe-se que você concentre sua mente abaixo do umbigo
e não à deixe vaguear, sua mente ficará presa ali. Você não terá a
capacidade de avançar e será como um escravo, sem liberdade
alguma.”

Comentário:

​ odo sistema marcial possui uma metodologia de


T
desenvolvimento. O iniciante deve aprender determinados
movimentos e exercícios a fim de ter um direcionamento na arte
marcial. Mas, é como Takuan disse, no início o aprendiz perde a
espontaneidade e se apega aos métodos. No Ving Tsun temos o Siu
Lim Tao como a primeira forma a ser aprendida e em seguida o
Chum Kiu. Formas são como os Katas do Karatê, porém, no Ving
Tsun os movimentos das formas não possuem aplicação técnica,
elas são abstratas, ensinam o corpo a ter um determinado
comportamento marcial. Nesse meio tempo, o praticante aprende
alguns exercícios. Depois que o básico foi apreendido ele só precisa
melhorar a coordenação motora e ter mais experiência. É nesta fase
que entram as observações de Takuan. Não existe nenhum lugar no
qual devemos nos concentrar. Nem na base, no corpo, ou em
qualquer outro lugar. Não existe um lugar no qual devemos colocar
nossa atenção e deixá-la ali.

Takuan:

“Isso o levou a outra pergunta:

“​ Se o ato de situar a mente abaixo do umbigo me deixa preso e


incapaz de agir, ela não tem utilidade nenhuma. Sendo assim, em
que parte do corpo devo situar a mente?’

Respondi:

​ e colocar a mente na mão direita, ela será capturada pela mão


S
direita e o corpo perderá sua capacidade de ação. Se a colocar no
olho, ela será capturada pelo olho e o corpo perderá sua capacidade
de ação. Se colocar no pé direito, ela será capturada pelo pé direito
e o corpo perderá sua capacidade de ação. Não importa onde
posicione sua mente, se colocá-la num só lugar, o restante do corpo
perderá a capacidade de ação.

Pergunta:

Então, onde situar a mente?’

Eu respondi:

.​..mais tarde, à medida que os dias vão passando e o tempo


vai se acumulando, de acordo com a sua prática, nem as posturas
do corpo, nem as maneiras de empunhar a espada terão
importância. Sua mente se torna simples como era no princípio,
quando ele nada sabia e ainda tinha tudo por aprender. Nisso se vê
o sentido de se dizer que o princípio é igual ao fim. O Zen, quando
se chega à sua profundidade, é semelhante ao homem que nada
sabe do Buda.”

Comentário:

​ por esse motivo que sempre digo: o mestre nunca deve


É
perder sua mente de principiante e nunca deve parar de praticar,
caso contrário, irá perder a sua capacidade de ser livre e
espontâneo como uma folha que é levada pelo vento do outono.
Depois de anos de prática, o aluno de Ving Tsun é capaz de fluir
livremente em um combate, sem se prender a qualquer tipo de
fixação.

Takuan:

“​ ...dessa maneira, penetrando na tua mão, ela realizará a


função da mão. Penetrando no teu pé, ela realizará a função do pé.
Penetrando no teu olho, ela realizará a função do olho… Portanto,
deixa de lado os pensamentos e a discriminação, liberte sua mente
para fora do corpo inteiro e não a fixes nem aqui nem lá, e então,
quando ela visitar os vários lugares, ela realizará a função própria e
agirá sem erro.”

“​ ...quando a pessoa não pensa, onde devo situá‐la?’, a mente


preenche o corpo inteiro e é capaz de atingir qualquer lugar que
seja…Senão se concentrar em lugar nenhum, ela irá a todas as
partes do teu corpo e o preencherá inteiramente… O esforço de não
fixar a mente num único lugar, eis a disciplina. Não fixar a mente é o
objeto e a essência. Não situando a mente em nenhum lugar ela
estará em todos os lugares.”

Comentário:

​ sse é o caminho de todo artista marcial e, de acordo com


E
Takuan, é o caminho de todo praticante Zen.
“​ O esforço de não fixar a mente num único lugar, eis a
disciplina. Não fixar a mente é o objeto e a essência. Não situando a
mente em nenhum lugar ela estará em todos os lugares.” Takuan
A mente do Ving Tsun é a Mente Zen
​ mesmo acontece no Ving Tsun: quando você tenta interpretar
O
o que está ocorrendo no Chi Sau você perde a mente do Ving Tsun.
Mas, se você apenas executar o exercício com seu mestre ou
parceiro de treino, e se ater, única e exclusivamente, em agir de
acordo com as circunstâncias, a mente do Ving Tsun se manifesta
por si mesma e de maneira completa.

​ esta forma, podemos concluir que a mente do Ving Tsun e a


D
mente Zen, são uma e a mesma mente. O objetivo do praticante é
conseguir levar a mente do Ving Tsun para o seu dia a dia.
Conseguir agir de acordo com as circunstâncias, se tornando livre,
espontâneo, dinâmico e satisfeito a cada momento de sua vida.

​ Ving Tsun é constituído de 90% de treinamento do Chi Sau.


O
Isso significa que o Chi Sau é a medula espinhal do Ving Tsun, é a
essência última, não nascida, não criada e que nunca irá
desaparecer, pois nunca surgiu.

​ orém, não basta praticar o Ving Tsun para se alcançar a


P
mente Zen. É preciso ter o direcionamento moral e ético. Seguir os
preceitos Zen e se orientar adequadamente. O Ving Tsun sem ética
e moral não serve para nada e pode se tornar a pior arte marcial
que existe, inflando de maneira significativa o Ego do praticante, e o
distanciando ainda mais de sua verdadeira natureza.

​ busca por uma habilidade marcial cada vez mais eficiente e


A
dinâmica faz com que o Ving Tsun se torne um sistema perfeito para
o desenvolvimento da “mente Zen”- a mente de principiante - e,
mesmo que você treine somente para alcançar a “mente Zen”, você
se tornará um exímio artista marcial, porque para se conseguir
alcançar a “mente Zen” através do Ving Tsun é preciso fluir
livremente no Chi Sau e isto é uma tarefa extremamente difícil.
Diz um velho poema:

“Pensar: ‘Não vou pensar’ –


Também é algo que está nos pensamentos.
Simplesmente não pense sobre não pensar em absoluto.”
Takuan aconselha Yagiu Munenori
​ esta carta, Takuan dá conselhos éticos e morais a Yagiu. É
N
um texto de uma beleza única. Todos os ensinamentos contidos
nestes pequenos trechos extraídos da carta original são pérolas
éticas e morais daquele que trilha o caminho das artes
marciais.Todo artista marcial pode se beneficiar desses
ensinamentos. Takuan, sempre com sua mente direta e objetiva,
orienta Yagyu a seguir o caminho do bem, o caminho da mente livre
e o caminho Zen.

​ , espero que o caro leitor Zen ou praticante de Ving Tsun


E
possa se beneficiar de tamanha sabedoria.

“​ Há algo que tenho meditado somente nos meus momentos de


solidão e sobre o que devo aconselhar‐te. Sei que isso não passa
de uma opinião minha, humilde e questionável, mas sinto que este é
o momento correto; logo, devo escrever aquilo que vejo.

​...Se o espírito da tua arte marcial estiver correto, a função de


toda a tua mente será livre, e mil inimigos estarão sujeitos à tua
espada… Ninguém fora de ti é capaz de discernir se a tua mente
está correta ou não. O bem e o mal estão presentes em cada
pensamento que surge....corrija a mente, discipline o corpo… não
alimente ressentimentos pelos outros nem os aponte como
culpados... aparta‐te do caminho da sensualidade, seja austero
como pai e aja de acordo com o Caminho. Existe uma canção que
diz: É a própria mente que leva a mente ao extravio; da mente
jamais te descuides.”
Conceitos similares do Ving Tsun, Zen e o estilo
de Yagiu Munenori
​ xiste um conceito básico e por isso mesmo extremamente
E
importante no Ving Tsun e que foi destacado por Munenori em seu
manual. É o fundamento no qual Munenori apoia seu estilo e é
também o fundamento de todo Sistema Ving Tsun. Sem este
conceito os praticantes de Ving Tsun podem se tornar habilidosos,
mas nunca serão verdadeiramente realizados, independente de
suas habilidades.

​ treinamento do Chi Sau é feito com o intuito de transcendê-lo


O
totalmente. Se o praticante for bem orientado e repetir
exaustivamente o Chi Sau e as várias técnicas que o envolvem,
chegará um ponto em que sua ação estará em seu corpo e
membros e não em sua mente. Com tempo e experiência, o
praticante de Ving Tsun não saberá onde está sua mente, acabando
por transcender a prática e todas as técnicas são executadas com
total liberdade. Munenori diz que esse é o significado definitivo de
todos os Caminhos. O treino feito de forma sistematizada, leva o
praticante a condicionar a técnica ao ponto torná-la completamente
natural. Com isso, ela passa a ser executada sem a interferência da
mente. É preciso levar o exercício ao limite para que o praticante de
Ving Tsun possa, por fim, fluir livremente.

​ obre estes conceitos William Scott Wilson diz que mesmo que
S
o aluno pratique esgrima, arco, caligrafia ou cerimônia do chá,
qualquer entendimento consciente da prática que permanece na
mente causará apenas conflito durante sua execução.

​ preciso que o praticante treine com total foco, em absoluto,


É
até que a prática deixe de existir. Isso ocorre porque o praticante e a
prática se tornam um, sendo que sujeito e objeto desaparecem por
se fundirem. Em suma, qualquer coisa que permanecer na mente,
torna-se um bloqueio para que os movimentos e as técnicas possam
fluir livremente.

​ unenori vai mais além e afirma, categoricamente, que


M
qualquer estagnação ou fixação da mente é uma doença:

“​ Pensar apenas em vitória é doença. Pensar apenas em usar


artes marciais é doença. Pensar apenas em demonstrar resultados
do treino é doença, assim como pensar apenas em atacar ou
esperar um ataque. Pensar de maneira limitada apenas em livrar-se
do mal é doença. O que quer que permaneça em absoluto na mente
deve ser considerado doença.”

​ utro conceito usado pelo Zen e que Munenori utiliza em seu


O
estilo é o do Vazio. De acordo com Wilson, para Munenori, o
entendimento do Vazio vai além do conceito, e na verdade, é o
transcender do pensamento conceitual. Quando um praticante
alcança o entendimento intuitivo do Vazio, ele é capaz de ver o
existente e o não existente, o interior e o exterior, o ativo e o inativo.
Desta forma, ele é capaz de julgar os movimentos e as táticas do
oponente enquanto elas ainda estão abaixo da superfície, ainda não
manifestadas em ações.

Existe uma passagem muito interessante a respeito do tema


citado acima:

“​ Numa tarde de primavera, já na velhice de Munenori, ele se


sentou em sua varanda, completamente absorto no desabrochar
das flores de cerejeira. De repente, prevendo o perigo atrás de si,
ele se virou para olhar em volta. Para sua surpresa, apenas o pajem
responsável por cuidar da bainha da espada do seu mestre surgiu e
ajoelhou-se calmamente atrás dele. Nada estava errado. Esse
incidente deprimiu Munenori, já que havia dedicado toda a sua vida
a apurar seus sentidos sobre perigos e ameaças. Ao perceber o
humor do mestre, o pajem perguntou o motivo. Enquanto Munenori
explicava, o pajem curvou-se profundamente, desculpou-se, e
confessou que ao observar a abstração do seu mestre naquela cena
de primavera, imaginou por apenas um momento se um espadachim
tão talentoso quanto Yagyu Munenori poderia ser atacado e morto
enquanto ele se encontrava num estado de tamanha concentração.
Munenori ficou bastante satisfeito com essa revelação. O assunto,
então, nunca mais foi mencionado.”

​ ilson diz que algumas pessoas podem considerar isso puro


W
misticismo, mas ele afirma que essa é uma maneira de pensar
apoiada pela filosofia Zen e confirmada pela história de Munenori.
O estado de fluxo (Flow) e o Ving Tsun
​ partir deste ponto vou propor uma conexão entre o estudo de
A
Mihaly, os ensinamentos de Takuan e os textos de Yagyu à prática
do Ving Tsun, com a finalidade de mostrar ao leitor os pontos em
comum, embasando minha teoria. Seguiremos os passos da
pesquisa de Mihaly para tornar nosso estudo mais compreensível e
sistematizado.

​ ihaly ficou interessado em entender o que contribuiu para que


M
algumas pessoas que vivenciaram a guerra pudessem levar uma
vida que valia a pena ser vivida. Ele tentou, ainda na infância e
adolescência, ler e estudar sobre filosofia e também se envolveu
com a arte e a religião, e muitas outras formas que ele via como
possíveis respostas àquela questão. Em determinado momento, ele
acaba encontrando, por acaso, a psicologia.

​ intrigante ver como o Mihaly fica interessado em buscar as


É
respostas de suas perguntas oriundas da guerra, assim como
ocorreu com Takuan e Yagiu. A guerra foi o divisor de águas para
todos estes mestres.

​ ihaly conta que estava em um resort de esqui na Suíça. A


M
neve havia derretido e não dinheiro suficiente nem para ir ao
cinema. Ele descobriu, ao ler os jornais, que haveria uma
apresentação de alguém, em um lugar que ele havia visto no centro
de Zurique, no qual o palestrante falaria sobre discos voadores de
graça. Como não tinha dinheiro ele, decidiu ir e ouvir de graça
alguém falar sobre discos voadores. Acontece que o homem que
falou na palestra daquela tarde era alguém muito interessante.
Mihaly narra que, ao invés do homem falar sobre pequenos homens
verdes, ele falou sobre como a psique dos europeus havia sido
traumatizada pela guerra e que agora eles estavam projetando
discos voadores no céu. Mihaly conta que o homem também falou
sobre como as mandalas da antiga religião Hindu eram meio que
projetadas no céu como uma tentativa de reconquistar algum senso
de ordem depois do caos da guerra. Ele começou a ler os livros
daquele homem depois daquela palestra. Aquele homem era
ninguém menos que Carl Gustav Jung.

​ ihaly vai, então, para os Estados Unidos e começa a estudar


M
psicologia. Ele começa a tentar entender quais são as raízes da
felicidade humana. Com sua pesquisa ele chega a determinados
dados que demonstram que a falta de recursos básicos, de recursos
materiais, contribuem para a infelicidade, porém, ele chega a uma
outra conclusão bastante inesperada e interessante. O aumento dos
recursos materiais, além de um determinado nível básico, não
aumentaram a felicidade destas pessoas.

​ iante destes dados, sua pesquisa começa a focar em


D
entender como os seres humanos alcançam estados de felicidade e
satisfação. De que forma isso acontece, e como chegar a esta
felicidade na vida cotidiana.

​ ihaly concentra seus estudos em pessoas que trabalham com


M
a criatividade como os artistas, cientistas e em seguida os atletas,
tentando entender o que fazia com que sentissem que valia a pena
viver suas vidas, fazendo coisas que muitos deles não esperavam
que fossem trazer fama ou fortuna, mas que davam significado e
valor às suas vidas.

​ le começa a conectar os dados de sua pesquisa e chega a


E
determinados pontos em comum. O primeiro deles é que todos os
entrevistados descrevem um certo estado de “êxtase” durante a
execução de suas práticas, sejam elas, artísticas como a
composição poética, seja nos estudos em análises científicas ou
durante as práticas esportivas, como quando um artista marcial está
hiperconcentrado em seu treinamento de luta.
​ ara Mihaly, o êxtase é essencialmente uma analogia para um
P
estado mental no qual você sente que não está fazendo suas rotinas
comuns do dia a dia. Para ele o êxtase é um mergulho em uma
realidade alternativa.

​ egundo Mihaly, o que sabemos a respeito das civilizações


S
antigas, que foram ápices da mente humana, é na verdade sobre
seus êxtases e não sobre sua vida cotidiana. Sejam elas a
civilização Grega, Hindu, Egípcia, Chinesa, Maias entre outras.
Temos conhecimento a respeito dos templos que eles construíram,
nos quais as pessoas podiam ir para experimentar uma realidade
diferente. Sabemos a respeito dos seus teatros, arenas, circos.
Estes são os restos das civilizações e são os locais que as pessoas
iam para experimentar a vida de uma forma mais concentrada, mais
ordenada.

​ orém, ele observa em sua pesquisa, que vários dos


P
entrevistados não precisavam ir a nenhum lugar específico para
experimentar o êxtase. Ele dá o exemplo de um músico, que
necessita apenas de um pedaço de papel no qual possa escrever
pequenos símbolos, e conforme ele faz isso, ele pode imaginar sons
que não existiam antes nessa combinação específica. Então,
quando o músico chega a determinado ponto de começar a criar,
uma nova realidade surge para ele, este é um momento de êxtase,
ele entra em uma realidade diferente. De acordo com Mihaly,
durante a entrevista, o músico disse que, para ele, a experiência é
extremamente intensa, sente quase como se ele próprio não
existisse.

​ ihaly afirma que quando uma pessoa está realmente


M
envolvida no que ele chama de “processo completamente
arrebatador” de criar algo novo, ela não tem sobra de atenção
suficiente para monitorar seu próprio corpo e mente. Para o músico
seu corpo e mente desaparecem, sua identidade desaparece de sua
consciência. Neste momento ocorre a fusão entre o sujeito e o
objeto, e o músico se torna a música. De acordo com o pesquisador,
isso acontece porque o cérebro do músico não tem mais atenção
“sobrando”, ou suficiente, assim como nenhum de nós tem, durante
o mesmo processo, quando se está fazendo algo muito bem, que
requer muita concentração e ao mesmo tempo perceber que se está
vivo. Então a existência é “temporariamente suspensa”.

​ neste ponto que a teoria de Mihaly se conecta com os textos


É
e relatos de Takuan, Yagyu e também com o treinamento do Ving
Tsun. Para que o praticante de Ving Tsun possa fluir livremente em
uma luta, ele precisa transcender o seu eu, ir além do além, ter a
sua existência que temporariamente se torna suspensa, somente
desta forma é possível lutar com maestria.

Yagyu:

“​ Ao esquecer o seu treinamento e perder a sua mente, você


terá ainda menos consciência de si. O lugar em que chegou é a
perfeição do Caminho. Nesse nível, você entra através do treino e
chega à sua própria ausência.”

​ e acordo com Mihaly o ser humano se encontra


D
completamente satisfeito em sua essência quando se encontra em
estado de fluxo. Não há medo, ansiedades, desejos, ou qualquer
forma de estados mentais, existe apenas o fluir da mente, e neste
ponto o ser se encontra completo. Não mente, mente liberta, mente
livre e estado de fluxo são sinônimos.
No decorrer da entrevista, o músico continua seu relato dizendo
que suas mãos parecem se mover sozinhas durante o processo de
composição e que quando isso acontece a música simplesmente
flui. Obviamente esse processo, espontâneo e automático que o
músico descreve, pode tão somente acontecer àquele que tem
muita prática e desenvolveu a técnica.

Yagyu:

“​ Quando o homem manuseando o arco esquece-se da sua


mente que está manipulando o arco e lança a flecha com a mente
livre de quando não está fazendo nada, o arco estará apropriado. Ao
praticar com a espada use sua mente livre que não faz nada disso
ou absolutamente nada. Assim, não importa o que faça, você o fará
com tranquilidade.”

​ ihaly diz que, em sua pesquisa, tem sido uma espécie de


M
truísmo no estudo da criatividade a ideia de que você não pode criar
nada em menos de dez anos de imersão técnica e de conhecimento
num campo em particular. Seja na matemática ou música, leva esse
tempo para estar apto a iniciar a mudança em uma maneira que
seja melhor do que seu estado anterior.

Yagyu:

​“Quando você começa a estudar, há algo em sua mente. Você


está bloqueado por esse algo, e tornar-se difícil realizar qualquer
coisa. Se limpar de sua mente o que aprendeu, isso também se
tornará nada e, quando executar as técnicas dos vários Caminhos,
elas virão facilmente, apesar do que tenha aprendido e sem se
oporem a tais ensinamentos. Quando executar uma ação você
estará em harmonia com o que aprendeu sem sequer ter
consciência disso.”

​ utros pontos começam a se conectar na pesquisa de Mihaly.


O
Em um dos casos, um poeta descreve a mesma ausência de
esforço, e o sentimento espontâneo que você obtém quando entra
no estado de êxtase. O poeta descreve a experiência: “como
abrindo a porta que flutua no céu”, uma descrição muito similar à
que Albert Einstein deu de como ele imaginou as forças da
relatividade quando ele estava lutando para entender como ela
funcionaria.

Yagyu:

“​ Você deve entender que este é o caminho das artes marciais.


A essência do significado de ampliar o conhecimento é a disciplina
de, exaustivamente, aprender centenas de métodos com a espada e
dominar perfeitamente as posturas, modo de usar os olhos, e outras
técnicas. Quando tiver percorrido diversas práticas e nenhuma delas
restar em sua mente, exatamente esse espaço da mente em si será
o coração de todas as coisas…. Desta forma, haverá ação nos seus
braços, pernas e corpo, mas nenhuma em sua mente. Nem mesmo
terá ciência de onde sua mente está e, nem demônios nem
heresias, serão capazes de encontra-la. O treinamento é realizado
com o propósito de atingir este estado. Quando não há
absolutamente nada em sua mente, tudo se torna simples de
realizar. O estudo de todos os Caminhos é feito pelo bem de fazer
uma limpeza completa da sua mente. Afinal, no início o homem não
sabe absolutamente nada e não possui absolutamente nada em sua
consciência.”

​ omo muitas pessoas que Mihaly entrevistou, em mais de trinta


C
anos de estudos, descreverem esse processo como uma fluidez
espontânea, ele começou a chamar essa experiência de “fluidez” e
cunhou o termo Flow, definindo-o como:

“​ Flow é o estado onde corpo e mente fluem de maneira


extremamente harmônica, estar completamente envolvido em uma
atividade em si, onde o ego desaparece, o tempo voa e toda ação,
movimento e pensamento segue inevitavelmente o anterior.”

​ m estado ideal de motivação intrínseca, originando um


U
sentimento de engajamento, satisfação e de que suas habilidades
estão sendo expressadas em seu nível máximo. Outra característica
marcante do Flow é que as preocupações são temporariamente
esquecidas durante o seu processo.

Munenori:

“​ A iluminação da mente fixa é difícil de se conseguir por meio


de livros ou ser alcançada ao se ouvir sermões. Desde tempos
remotos, a humanidade tem escrito livros e dado sermões, e seus
feitos assemelham-se ao Dharma tanto na palavra escrita como
falada. Ainda assim, diz-se que são raros aqueles que possuem a
Mente Liberta.

​ s várias habilidades e maravilhas do homem são todas


A
trabalhadas na mente. Mente esta que habita tanto o Céu como a
Terra. A isso chamamos mente do Céu e da Terra. Quando essa
mente se move, traz trovão, relâmpago, vento e chuva… Nuvens
coloridas fora de estação, neve e granizo, ou até mesmo chuva
gelada ocorrem em clima quente, dando ao homem todo tipo de
aflição.

​ endo assim, esse Vazio está no Céu e na Terra, e ele é o seu


S
mestre, está no corpo de um homem, e ele é o mestre desse corpo.
Se dançamos, ele é o mestre da dança. Se executamos nô, ele é o
mestre do nô. Se praticamos artes marciais, ele é o mestre das
artes marciais… Se esta mente está em harmonia, toma posição
apropriada no corpo e reside na sua estadia original, todos os
Caminhos serão executados com liberdade.”

Mihaly descreveu algumas condições para que o Flow possa


acontecer. São elas:

​ - Objetivo claro: As metas da prática precisam ser claras,


1
objetivas e o feedback precisa ser imediato. O indivíduo deve ter
conhecimento preciso das tarefas que vai executar de momento a
momento. É preciso ficar claro se pessoa está conseguindo ir de
encontro a sua meta.

​ - Equilíbrio: Precisa existir equilíbrio entre a dificuldade da


2
ação e a habilidade da pessoa, sendo que os desafios precisam ser
elevados e equivalentes. A pessoa sabe que é totalmente capaz de
realizar a atividade, porém, suas habilidades devem ser desafiadas.

​ - Refinamento: A pessoa precisa ter a sensação de controle,


3
ter a habilidade de controlar o próprio desempenho.
​ - Anatman: Ausência de um “eu”. Sujeito e objeto se fundem.
4
A atividade e o praticante se tornam um.

​ - Presença: Tudo ocorre no presente momento. Cessam-se as


5
noções sobre passado ou futuro. A atenção se volta totalmente para
o presente. A consciência não tem espaço para fatos do passado ou
do futuro.

​ - Distorção da experiência temporal. Percepção de que o


6
tempo passa mais rápido, ou mais lento ou até mesmo para.

​ - Perda da autoconsciência reflexiva e transcendência das


7
fronteiras do self. Suspensão temporária da consciência de si
mesmo, isso pode conduzir a autotranscendência.

​ - A expectativa se torna autotélica. A atividade é tão


8
gratificante que o objetivo final passa a ser apenas uma justificativa
do processo. A condição autotélica ocorre quando a prática não
possui propósito ou finalidade para além de si mesmo, cujo
significado existe somente para si mesmo, sem uma necessidade
específica, a prática pela prática. A pessoa realiza a atividade
porque é intrinsecamente recompensadora, sem visar objetivos
externos.

​ m resumo, o equilíbrio entre desafio e habilidade, fusão de


E
ação e consciência, clareza de objetivos, feedback imediato e
inequívoco, concentração na tarefa em questão, paradoxo do
controle, transformação do tempo, perda da autoconsciência e
experiência autotélica.

​ u seja, para se alcançar o Flow, é preciso que haja um


O
equilíbrio entre o desafio da tarefa e a habilidade do executor.
Quando a tarefa é muito fácil ou muito difícil, o Flow não ocorre. O
nível de habilidade e o nível de desafio devem ser equivalentemente
altos. Mihaly também salienta que, no momento em o Flow
acontece, a pessoa pode não sentir o prazer imediato da prática,
pois, perde o sentido de autoconsciência. Porém, ao retornar ao seu
estado natural e lembrar da experiência, a pessoa tem a tendência
de querer repetir a experiência.
Flow nos atletas
​ ihaly observa, em seus anos de pesquisa, que essa
M
experiência também acontece com pessoas de outras atividades.
Uma de suas alunas conduziu um estudo com alguns dos mais
destacados atletas do mundo naquela época, chegando aos
mesmos relatos relacionados a experiência de Flow.
É neste ponto que estabeleço uma relação com a ideologia da
minha escola de Ving Tsun. Temos dois objetivos práticos e
totalmente interdependentes. Você pode começar a treinar o Ving
Tsun para aprender a lutar, e quando estiver bom o suficiente
perceberá que estará em Flow, alcançando a satisfação pessoal e o
êxtase. Ou você pode começar a treinar porque decidiu
experimentar o êxtase do Flow, e percebe que ao longo do tempo
você acabou adquirindo uma incrível habilidade de luta. O Ving Tsun
ensinado em minha escola pode propiciar ao praticante tanto a
experiência de êxtase, espontaneidade, liberdade, satisfação que o
Flow produz, quanto uma habilidade excelente de luta.
Benefícios do Flow
​ amei (psicólogo pesquisador do Flow na PUCRS) afirma que
K
os estudos de Mihaly concluem que o Fluxo tende a ocorrer quando
as habilidades de uma pessoa estão totalmente envolvidas em
superar um desafio que está no limiar de sua capacidade de
controle. As experiências ótimas frequentemente envolvem um fino
equilíbrio entre a capacidade do indivíduo de agir e as
oportunidades disponíveis para ação. Se os desafios estão altos
demais, a pessoa fica frustrada, em seguida preocupada e mais
tarde ansiosa. Se os desafios são baixos em relação às habilidades
do indivíduo, ele fica relaxado, em seguida entediado. Se, tanto
desafios quanto as habilidades são percebidos como baixos, a
pessoa se sente apática. Mas, quando altos desafios são
correspondidos por altas habilidades, então é mais provável que o
profundo envolvimento que estabelece o fluxo ocorra.

​Segundo Kamei, a experiência de Flow vale pela satisfação de


lidar com situações difíceis e desafiadoras, ter feedbacks positivos
sobre o seu desempenho e perceber que é possível controlar a
situação, se concentrar na atividade, esquecer por alguns
momentos todos os problemas da vida cotidiana, não notar o tempo
passar e sentir as fronteiras do eu se expandirem.

​ ara Mihaly, uma das consequências do Flow, seria o


P
crescimento pessoal: o indivíduo passa a se sentir melhor durante e
após a experiência, pois, quando a sensação de fluir cessa, nos
sentimos mais ‘integrados’ do que antes, não apenas internamente,
mas também no que se refere às outras pessoas e ao mundo em
geral. Para continuar em Flow, é preciso progredir e aprender novas
habilidades, ascendendo sempre a estágios de maior complexidade.

​ lém disso, Kamei afirma que o Flow fortalece a autoestima.


A
Imediatamente após uma experiência de fluxo, a autoestima fica
mais alta do que em outros momentos. As pessoas relatam que têm
mais êxito, que se sentem melhor e que estão vivendo acima de
suas próprias expectativas e das expectativas dos outros. Em
resumo, quando a atividade flui de forma agradável, a sensação é
de que o tempo passa muito rápido. O indivíduo encerra a atividade
em um estado emocional positivo, com a autoestima elevada.

​ pesquisa de Mihaly contou com mais de oito mil pessoas,


A
incluindo desde frades dominicanos a freiras cegas, guias do
Himalaia e pastores Navajo, que amam o que fazem. E,
independente da cultura e do nível de educação, ele chegou à
conclusão de que existem várias condições que parecem estar lá
quando a pessoa está em Flow.

​ á o foco que, uma vez tornando-se intenso (hiperfoco), leva


H
para um tipo de êxtase, com um sentido de clareza, de saber
exatamente o que se quer fazer em cada pequeno momento,
obtendo-se um feedback imediato. A pessoa sabe o que tem que
ser feito é possível de se fazer apesar das dificuldades, e o sentido
de tempo desaparece, ela se esquece de si mesma e se sente parte
de algo maior. E uma vez que essas condições estão presentes, o
que ela fizer se torna valioso por si mesmo.

​ or fim, Mihaly chegou a conclusão de que as pessoas são


P
mais felizes quando estão em um estado de fluxo e que a vida faz
total sentido e lógica quando o Flow é alcançado.
Conclusão
​Levei cerca de oito anos para me formar como Mestre e durante
este período conheci uma Monja Zen Budista que me apresentou
uma forma de praticar meditação, era o famoso Zazen que significa
meditação sentado. Tive poucos encontros com a monja, mas foi
suficiente para que eu pudesse ver que ali estavam as respostas
para minhas perguntas.

​ ratiquei Zazen sistematicamente por cerca de três anos, e tive


P
algumas experiências místicas. Uma delas era ter encontrado
muitos pontos em comum com o estilo de arte marcial que eu treinei
por tanto tempo.

​ epois de me formar como mestre tive uma pequena escola


D
que não deu certo. Eu queria ensinar o verdadeiro Ving Tsun, aquele
que respondia às perguntas da crise existencial. Porém, não era
esse o interesse de nenhum aluno que tive e preferi fechar a escola.
Passei cerca de dois anos buscando informações mais acuradas a
respeito do budismo no Ving Tsun até que um dia percebi que o
objetivo principal deste estilo de arte marcial era o despertar da
consciência.

​ o comentar com um outro mestre, amigo meu, sobre a minha


A
percepção a respeito do budismo e do Ving Tsun, ele me enviou um
documento confirmando a minha descoberta.
Transcrevo-o aqui na íntegra:

“​ O mestre de Ving Tsun Moy Yat (1938-2001), discípulo de


Mestre Ip Man, disse que aprender Ving Tsun e Zen (Chan) são uma
e a mesma coisa. Ele também disse: "O Caminho de Ving Tsun
Kung Fu não pode ser codificado nem pode ser condensado em
regras a serem seguidas. É o suficiente, se você pode encontrar
algo que é usado a partir de minhas reflexões diárias sobre kung fu.”
​ stas palavras são igualmente aplicáveis ​ao Zen. Podemos
E
também dizer que tudo que é aplicado ao caminho Zen é aplicável
no Ving Tsun. Lembre-se que salas de treinamento e técnicas raras
são meras panaceias deste mundo mundano, para o abrigo é
suficiente se proteger da chuva e a comida é suficiente para se
satisfazer a fome.

​ stes são os ensinamentos de Buda e da forma de Ving Tsun


E
Kung Fu. Isso não significa que você deva se esforçar para ser um
santo, mas sim que você deve sempre tentar usar seu
conhecimento e sabedoria para se melhorar.

​ en (Chan) é uma prática, uma rigorosa auto-formação. No


Z
Ving Tsun, se não tiver a atitude que a própria vida diária é, a prática
do caminho se torna apenas um formulário , uma mera filosofia.

​ Ving Tsun descende do Zen (Chan) e a própria prática foi


O
largamente inspirada pelas austeridades do Zen (Chan).

​ onges ,como Je Shim, freira Ng Mui que era uma devota Zen,
M
e sua discípula e sucessora, Yim Ving Tsun, viveram de acordo com
os princípios do Zen.

​ á muitas maneiras de se colocar a prática em nossas vidas os


H
ensinamentos dos grandes mestres do passado.

​ o Zen, a verdade é perseguida através da disciplina da


N
meditação, a fim de realizar a iluminação, enquanto que no Ving
Tsun usamos o treinamento nos procedimentos reais de aprender e
aplicar técnicas para atingir o mesmo fim .” Por Grão Mestre Miguel
Hernandez

​ ste documento foi importante pra mim, e isso me impulsionou


E
a escrever este livro. Acredito que o objetivo maior deste livro, ou
seja, comprovar que o Zen e o Ving Tsun são uma e a mesma coisa
e que a minha Escola de Habilidades Marciais ensina este mesmo
caminho, tenha sido atingido.
Renan Raad 10/08/2020
Os Seis Pilares da minha Escola de Habilidades
Marciais

1. Presença (Disciplina)
2. Foco (Equilíbrio)
3. Fluxo (Adaptação)
4. Toda técnica é impermanente (Impermanência)
5. Toda técnica é ditada pelo oponente. (Não eu)
6. Toda técnica segue um fluxo. (Nirvana)

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