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ANARQUISMO

ZEN
A ideia de falar sobre Anarquismo e uma possível relação
o Zen não é nova, mas o que pretendo aqui, mais do que
teorizar, é compartilhar uma experiência, uma sensação e
também preocupações. Depois de passados alguns anos de
movimento anarquista em diferentes vertentes tenho
acumulado vivências que me levaram a explorar outras
áreas, normalmente distantes da prática anarquista, como
as práticas do budismo e mais especificamente o Zen. Na
real sempre fui bem cético, tendendo a uma hiper
racionalização de tudo, chegando bem perto da frieza. Fui
resgatando a sensibilidade, a crença na intuição. Mas,
para me ajudar, achei na leitura de Capra, com “O Tao da
Física”, o caminho pra entrar nesse universo, porque não
conseguia o acesso direto, precisava como de um guia
racional me dizendo que aquilo fazia sentido e faz,
muito. A relação entre a Física Quântica e as práticas
orientais retratada no livro é suficientemente explícita
para qualquer cético. Assim, a cabeça racional abriu suas
portas para o conhecimento milenar e natural do Zen.
As preocupações:
Coisa que parece muito comum no rolê anarquista é a
galera com a cabeça completamente destruída por tretas
internas e externas, enfim, pela grande merda que o mundo
parece ser. E o que a gente faz com isso? Em geral
convive, vai empurrando ou rola até uma romantização, uma
ideia antiquada de beleza na dor, no sofrimento e na
angústia. Abri mão disso há um tempo, mas ainda vejo
rolando e já fui tirado pra hippie, pra buena onda e sei
lá o que, de boa com tudo isso, só não vejo mesmo a
necessidade de se torturar pra ter força na prática
anárquica. Gostaria de ver compas tocando o terror nas
ações e em equilibrio quando atuando em outras esferas da
vida. Essa é a essência do que tento colocar aqui. A
destruição que queremos não pode ser a nossa própria,
precisamos estar bem pra atingir o inimigo, senão é só
questão de tempo para desparecermos. Principalmente no
movimento insurgente tenho visto uma espécie de vício
pela ação, provocando uma “abstinência” quando não rola
ou levando a ações arriscadas, não pensadas. Tenho comigo
uma gama de estratégias e práticas das mais variadas,
todas com sua devida importância, destruir e criar fora
do dualismo. Por isso essa análise, quando vejo compas
que se voltam apenas pra ação direta destrutiva (que é
excelente) percebo a inatividade que se abate quando não
é o momento de executá-la e penso que poderia ser melhor
aproveitado esse tempo, na construção da autonomia
alimentar, por exemplo. Quem lida com plantação ou
produção de artigos diários pra fugir das grandes
indústrias e do capital, geralmente se aproxima mais de
um equilíbrio. Outra característica comum no nosso dia a
dia é o sigilo. É sempre um risco falar sobre o que
fazemos, mas é importante. Precisamos criar espaços e
achar tempo pra falar como nos sentimos. Experimentei a
mistura de destruição e autodestruição, agora me vejo
melhor, me quero bem e busco essa sensação, a superação
da necessidade de sentir-se mal para atacar. Atacar por
saber que é o certo a se fazer.
Equilíbrio para nós, caos para a sociedade.
As relações entre Zen e
Anarquismo
“Shinkan-taza é um estado elevado de consciência onde não
se está tenso nem preocupado, e certamente nunca
indiferente. É o estado de espírito de alguém que encara
a morte. Imaginemos que está envolvido num duelo de
samurais, similar aos que se realizavam no antigo Japão.
Ao enfrentar o seu oponente, você está continuamente
atento, preparado, pronto. Quando menospreza, ainda que
momentaneamente, a sua vigilância, será derrubado no
mesmo instante. Uma multidão junta-se para assistir à
contenda. Já que não está cego, você vê-os pelo canto do
olho, e porque não está surdo, ouve-os. Mas nem por um
instante a sua mente é absorvida por estas impressões
sensoriais.“

Essa citação feita no “Tao da Física” sobre a meditação


ativa do zen, pra mim é uma ótima definição de como
gostaria de me sentir pra atuar nos combates de uma vida
anarquista. Quebra a ideia de uma ascenção espiritual que
te afasta da realidade, mas oferece um entendimento do
teu processo interno que te permite aproveitar o teu
máximo na luta. Uma das coisas que me afastava de um
conceito (equivocado) de Budismo era formar a imagem de
um monge meditando em algum lugar distante, chegando ao
nirvana sozinho enquanto o mundo pega fogo. Mas, com
novas leituras e novo entendimento consigo imaginar outro
fim para esse processo. O equilíbrio interno que permite
enxergar o desequilíbrio que nos cerca e o caminho
necessário para reequilibrá-lo. “Jamais indiferente”.
Também me atrai para essa ideia o foco na experiência.
Não se lê o zen, não se estuda o zen, se sente. Se busca
todo dia até que se torne o zen. Não se trata de uma
disciplina militante ou de uma teoria, mas sim de se
perceber, de sentir o que passa na nossa mente, no nosso
corpo, entender nossos porquês, compreender que forças
nos movem, se nos energizam ou nos sugam. Também é
importante lidar com o dualismo de outra maneira. Sabemos
que existe um desequilíbrio no mundo, mas vivemos nele e
saber viver nesse mundo é importante para conseguir
transformá-lo. Essa ideia não pode ser interpretada como
a aceitação das coisas como são, mas como o fim da
dicotomia entre agir/não agir. Não devo sentir culpa por
viver nesse mundo, é o que existe nesse momento e devo
vivê-lo da melhor forma possível para poder atuar na sua
transformação. Sinto isso como um confronto com as ideias
niilistas europeias que tem muita força no movimento. Se
trazem algo de interessante como a destruição de valores
morais engessados e tradicionais das sociedades, também
destrói mentes ao oferecer como resultado o desespero.
Isso levou à produção de obras literárias, teatrais e de
todo tipo de arte, mas para a prática da luta social
diária trouxe a paralisia, a imagem bela e triste de uma
pessoa isolada que enxerga o “mundo real” e sofre com o
absurdo que esse mundo representa. Ou que somos todos
Sísifos carregando pedras montanha acima apenas para que
caiam de novo. Ao mesmo tempo que acredito em evitar
criar expectativas, evitando a frustração, penso que para
mover-me em direção à algo preciso sentir que esse algo
pode ser melhor.

QUEBRA NO TEXTO PRA FALAR


SOBRE UMA CRISE DE ANSIEDADE
A busca é o equilíbrio, mas tá bem no início. Enquanto
preparava esse material passei por uma crise forte de
ansiedade que serviu pra mostrar algumas coisas. Primeiro
a não achar que entender ou vislumbrar algo é ser, se
tornar. Não sou o zen. Tem muita coisa a ser trabalhada e
provavelmente uma vida seja pouco pra chegar lá. Segundo,
sabendo que vão rolar crises, que se tire algo bom delas,
porque sim, as crises de ansiedade, as frustrações, as
dores que passamos trazem elementos para transformarmos
em arte, o lance é sublimar. São coisas que talvez não
consigamos acessar em outro estado de espírito. E
terceiro, lidar e aprender a passar por elas com algum
aprendizado, tentar algo novo. Eu aprendi que podia
desenhar o que sentia e isso será acrescentado nesse
material, desenhos que sem essa crise não existiriam.
Voltamos à relação do zen com a anarquismo.
O entendimento do zen como a radicalidade do budismo
aparece no conceito de “Bodisatva”, que seria a atitude
consciente de buscar o nirvana sem ego, compreendendo a
unidade entre todos os seres e assim agindo para o
despertar coletivo. Também é importante salientar o
caráter anti-elitista desse conhecimento, transmitido
através do contato, da experiência direta e não de mil
teorias, livros e coisas que não estão ao alcance de
qualquer pessoa. A capacidade de entender o sofrimento e
porque ele é causado está em cada pessoa, não se descobre
isso lendo, mas talvez numa conversa. A simplicidade é o
caminho para enxergar como se equilibrar em meio ao caos
e ainda atuar no equilíbrio externo. E acho que encerro
esta parte do projeto, pois pretendo continuar, com uma
citação de Capra:
“Em Zen, satori significa o sentir imediato da natureza
de Buda em todas as coisas. Em primeiro lugar, e como
fator primordial, estão os objetos, os acontecimentos e
as pessoas envolvidas na vida quotidiana, de tal forma
que ao enfatizar os aspectos práticos da vida, o Zen não
deixa de ser profundamente místico. Viver completamente o
presente e dar uma atenção completa aos acontecimentos
diários é uma forma de se atingir satori, sentir o
maravilhoso e o mistério da vida em cada ato:

Quão assombroso é isto, quão misterioso! Eu transporto


combustível, eu elevo água.

A perfeição Zen é então viver, natural e espontaneamente,


a vida diária. Quando se pediu a Po-chang para que
definisse Zen, ele disse, -quando estou esfomeado como,
quando estou sonolento durmo-. Embora isto pareça simples
e óbvio, como muitas outras coisas no Zen, é na realidade
uma tarefa muito difícil. O reconquistar da naturalidade
da nossa natureza original requer longo treino e
constitui uma grande realização espiritual. Nas palavras
de um famoso ditado Zen: Antes de se estudar Zen, as
montanhas são montanhas e os rios são rios; enquanto se
estuda Zen, as montanhas deixam de ser montanhas e os
rios deixam de ser rios; mas uma vez atingido o
conhecimento, as montanhas são novamente montanhas e os
rios novamente rios.

Precisamos conversar mais, harmonizar nossos grupos de


afinidade para fortalecer nossa luta!
Desenhos Pós Crise

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