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bell hooks
“Você tem que confiar que toda amizade não tem fim, que existe uma
comunhão de santos entre todos aqueles, vivos e mortos, que
verdadeiramente amaram a Deus e uns aos outros. Você sabe por
experiência como isso é real. Aqueles que você ama profundamente e que
morreram vivem em você, não apenas como lembranças, mas como
presenças reais.” (Henri Nouwen, The Inner Voice of Love, 1996)
O amor nos faz sentir mais vivos. Vivendo em um estado de falta de amor,
sentimos que podemos estar mortos; tudo dentro de nós é silencioso e imóvel. Nós
ficamos indiferentes [unmoved]. “Assassinato da alma” [soul murder] é o termo que
os psicanalistas usam para descrever esse estado de morte [living dead]. Ele ecoa a
declaração bíblica de que “qualquer um que não conhece o amor ainda está na
morte.” Culturas de dominação cortejam a morte. Daí o contínuo fascínio pela
violência, a falsa insistência de que é natural que o forte prenda os fracos, pois os
mais poderosos podem atacar os impotentes. Em nossa cultura, a adoração da
morte é tão intensa que fica no caminho do amor. Em seu leito de morte, Erich
Fromm perguntou a um amigo querido por que preferimos o amor à morte ao amor
à vida, por que “a raça humana prefere a necrofilia à biofilia”. Vindo de Fromm,
essa questão era meramente retórica, pois ele passara a vida explicando nosso
fracasso cultural em abraçar plenamente a realidade de que o amor dá significado
à vida.
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hooks, bell. Loss: loving into life and death. In: All About Love: new visions. Nova Iorque:
HarperCollins, 2000, p. 189-205. Tradução para uso didático por Vinícius da Silva
(viniciuxcostasilva@gmail.com). Outras traduções de hooks podem ser encontradas em:
medium.com/@viniciuxdasilva.
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morrer que vemos diariamente nas telas de televisão, seja uma das maneiras pela
qual nossa cultura tenta aquietar esse medo, conquistá-lo, de nos deixar à vontade.
Escrevendo sobre o significado da morte na cultura contemporânea, Thomas
Merton explica: “A psicanálise nos ensinou algo sobre o desejo de morte que
permeia o mundo moderno. Descobrimos que nossa sociedade afluente é
profundamente viciada no amor à morte... Em tal sociedade, embora muito possa
ser dito oficialmente sobre os valores humanos, sempre que houver, de fato, uma
escolha entre os vivos e os mortos, entre homens e dinheiro, ou homens e poder,
ou homens e bombas, a escolha será sempre pela morte, porque a morte é o fim ou
o objetivo da vida.” Nossa obsessão cultural com a morte consome [a] energia que
poderia ser dada à arte de amar.
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mensageiro da morte que quer a nossa vida. Esse medo irracional é uma expressão
de loucura se pensarmos na loucura como significando que estamos fora de contato
com a realidade. Mesmo que tenhamos mais chances de sermos feridos por alguém
que conhecemos do que por um estranho, nosso medo é direcionado ao
desconhecido e ao estranho [unfamiliar]. Esse medo traz consigo intensa paranoia
e uma constante obsessão pela segurança. O número crescente de comunidades
fechadas em nossa nação é apenas um exemplo da obsessão pela segurança. Com
guardas no portão, os indivíduos ainda têm grades e elaboram sistemas internos
de segurança. Os americanos gastam mais de trinta bilhões de dólares por ano em
segurança. Quando permaneci com amigos dessas comunidades e perguntei se
toda a segurança é em resposta a um perigo real, eles disseram “não realmente”,
que é o medo da ameaça, e não uma ameaça real, que é o catalisador de uma
obsessão com segurança que beira a loucura.
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manter os valores da propriedade e a honra patriarcal branca. Os espectadores são
encorajados a sentir simpatia pelo dono da casa branca que cometeu um erro. O
fato de que esse erro levou à morte violenta de um jovem inocente não se registra;
a narrativa é redigida de uma maneira que encoraja os espectadores a se
identificarem com aquele que cometeu o erro fazendo o que somos levados a sentir
que todos nós podemos fazer para “proteger nossa propriedade a qualquer custo
de qualquer sensação de ameaça percebida.” É com isso que a adoração da morte
se parece.
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compartilhamos com eles o reconhecimento mútuo e a pertença no amor que a
morte nunca pode mudar ou tirar. Sou grato por ter conhecido um amor que me
permite abraçar a morte sem medo de incompletude ou falta, sem senso de
arrependimento irremediável. Esse é um presente que você deu. Eu aprecio isso;
nada muda seu valor. Ele permanece precioso.” Amar faz isso. O amor nos capacita
a viver plenamente e a morrer bem. A morte se torna, então, não um fim para a
vida, mas uma parte da vida.
Em sua autobiografia, The Wheel of Life, publicada logo após sua morte,
Elisabeth Kübler-Ross conta a história de seu despertar para a compreensão de que
podemos enfrentar a morte sem medo: “Nestes primeiros dias do que se tornaria
conhecido como o nascimento de tanatologia – ou o estudo da morte – a minha
maior professora era uma faxineira negra. Eu não me lembro o nome dela..., mas o
que chamou minha atenção para ela foi o efeito que ela causou [“she had”] em
muitos dos pacientes mais gravemente doentes. Cada vez que ela deixava seus
quartos, notei que havia uma diferença tangível em suas atitudes. Eu queria saber
o segredo dela. Desesperadamente curiosa, eu literalmente espiei essa mulher que
nunca tinha terminado o ensino médio, mas que conhecia um grande segredo.” O
segredo que essa sábia mulher negra conhecia, que Kübler-Ross se apropriava
positivamente, era que devíamos fazer amizade com a morte e deixar que ela fosse
nosso guia na vida, encontrando-a sem medo. Quando a faxineira negra, que havia
vencido muitas dificuldades em sua própria vida, que perdera entes queridos à
morte prematura, entrou nos quartos dos moribundos, trouxe consigo a disposição
de falar abertamente sobre a morte, sem medo. Este anjo sem nome deu a Kübler-
Ross a lição mais valiosa de sua vida, dizendo-lhe: “A morte não é um estranho para
mim. Ela é uma velha, [uma] velha conhecida.” É preciso coragem para fazer
amizade com a morte. Encontramos essa coragem na vida através do amor.
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oferecem pela maior parte de suas vidas. Eles se dão aceitação, o amor
incondicional que é o núcleo do amor-próprio. Em seu prefácio à Intimate Death,
Marie De Hennezel descreve o testemunho de como a aproximação da morte pode
permitir que as pessoas se tornem mais plenamente auto atualizadas. Ela escreve:
“No momento da absoluta solidão, quando o corpo se rompe na borda do infinito,
começa um tempo separado que não pode ser medido de maneira normal. No curso
de vários dias, algo acontece, com a ajuda de outra presença que permite que
desfloração e dor se declarem, os moribundos apoderem-se de suas vidas, tomem
posse deles, liberem sua verdade. Eles descobrem a liberdade de serem fiéis a si
mesmos.” Esse reconhecimento no leito de morte do poder do amor é um
momento de êxtase. Nós teríamos sorte se sentíssemos esse poder todos os nossos
dias e não apenas quando esses dias terminassem.
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Quando eu era pequena, nossa mãe falava com facilidade sobre a
possibilidade da morte. Muitas vezes, quando deixamos para amanhã as coisas que
poderiam ser feitas hoje, ela nos lembrava de que “a vida não é prometida.” Essa
era sua maneira de nos incitar a viver a vida ao máximo – a viver de modo que
ficássemos sem arrependimento. Fico sempre surpresa quando amigos e
desconhecidos agem como se qualquer conversa sobre a morte fosse um sinal de
pessimismo ou morbidade. A morte está entre nós. Ver isso sempre e apenas como
um assunto [subject] negativo é perder de vista seu poder de crescer [enhance] a
cada momento.
O amor não conhece [a] vergonha. Amar é estar aberto ao luto, ser tocado
pela tristeza, até a tristeza que é interminável. A maneira como nos afligimos é
formada por saber se conhecemos o amor. Uma vez que o amor nos permite
abandonar tanto medo, também orienta a nossa dor. Quando perdemos alguém
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que amamos, podemos nos lamentar sem vergonha. Dado que o compromisso é
um aspecto importante do amor, nós que amamos sabemos que devemos manter
laços na vida e na morte. Nosso luto, deixar-nos afligir pela perda de entes
queridos, é uma expressão de nosso compromisso, uma forma de comunicação e
comunhão. Saber disso e ter a coragem de reivindicar nossa dor como uma
expressão da paixão do amor não torna o processo simples em uma cultura que nos
negaria a alquimia emocional da dor [grief]. Grande parte de nossa suspeita
cultural de pesar intenso está enraizada no medo de que o desencadeamento de tal
paixão nos surpreenda e nos afaste da vida. No entanto, esse medo geralmente é
mal orientado. Em seu sentido mais profundo, a dor é uma queimação do coração,
um calor intenso que nos dá consolo e liberação. Quando negamos a expressão
completa de nossa dor, ela se torna um peso em nossos corações, causando dor
emocional e doenças físicas. O luto é, na maioria das vezes, implacável quando os
indivíduos não se reconciliam com a realidade da perda.
O amor nos convida a chorar pelos mortos como [um] ritual de luto e
celebração. Ao falarmos [com] nossos corações de luto, compartilhamos nosso
conhecimento íntimo dos mortos, de quem eles eram e como eles viviam. Nós
honramos a presença deles, nomeando os legados que eles nos deixam. Não
precisamos conter o pesar quando o usamos como meio de intensificar nosso amor
pelos mortos e pelas pessoas que estão morrendo, por aqueles que permanecem
vivos.
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depois da morte”, ela atesta a importância da memória e da comunhão com nossos
mortos.
Em uma cultura como a nossa, onde poucos de nós buscam conhecer o amor
perfeito, o pesar muitas vezes é ofuscado pelo arrependimento. Lamentamos as
coisas não ditas, as coisas não são reconciliadas. De vez em quando, quando me
vejo esquecendo de celebrar a vida, desmotivar o modo como abraçar a morte pode
aumentar e melhorar a maneira como interajo com o mundo, aproveito para pensar
se ficaria em paz sabendo que deixei alguém sem dizer o que está no meu coração,
que disse com palavras duras. Eu tento diariamente aprender a deixar as pessoas
como se nunca pudéssemos nos encontrar novamente. Essa prática nos faz mudar
a forma como falamos e interagimos. É uma maneira de viver conscientemente.
A única maneira de viver essa vida onde, como canta Edith Piaf, “não nos
arrependemos” é despertando para a consciência do valor do modo de vida
[livelihood] correto e da ação correta. Compreender que a morte está sempre
conosco pode servir como um lembrete fiel de que o tempo para fazer o que
sentimos que somos feitos é sempre agora e não em um futuro distante e não
imaginado. O monge budista Thich Nhat Hanh ensina em Our Appointment with
Life que encontramos nosso verdadeiro eu vivendo plenamente no presente:
“Voltar ao presente é estar em contato com a vida. A vida só pode ser encontrada
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no momento presente, porque ‘o passado não é mais é’ e ‘o futuro ainda não
chegou’... Nosso compromisso com a vida está no momento presente. O lugar de
nosso compromisso está bem aqui, neste mesmo lugar.” Vivendo em uma cultura
que está sempre nos encorajando a planejar o futuro, não é tarefa fácil desenvolver
a capacidade de “estar aqui agora.”
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