Você está na página 1de 11

Futuro do Pretérito

Meu nome é Alberto e sempre fui conhecido pelo meu jeito silencioso e
tranquilo. Como designer gráfico, tenho a possibilidade de trabalhar em
casa, longe da confusão dos escritórios modernos. Eu nunca fui muito de
socializar. Prefiro o isolamento, o prazer de me envolver completamente
em meu trabalho e a alegria de ver meus projetos ganhando vida.
Sou conhecido pela minha habilidade de transformar espaços em branco em
cenários vibrantes e coloridos, dando vida a ideias e conceitos através das
formas e tons. Meu trabalho envolve não apenas criatividade e habilidades
artísticas, mas também uma habilidade especial para entender a geometria e
o espaço de uma forma que poucos podem. É uma habilidade que parece
natural, quase hereditária, embora eu nunca tenha percebido isso até que
fatos insólitos ocorreram em minha vida.
Moro sozinho em um apartamento aconchegante e organizado, onde cada
objeto tem seu lugar. Uma chaleira sempre polida descansa no fogão,
pronta para me servir o chá de todos os dias, exatamente às 17h. O tapete
de estilo oriental, presente de um cliente satisfeito, demarca a área do living
room, onde um sofá de couro e uma estante repleta de livros aguardam
minhas noites solitárias.
Meus dias são meticulosamente planejados. Após o despertar pontual às
seis da manhã, sigo para uma corrida matinal. O sol ainda ronronando em
seu sono enquanto percorro as ruas desertas da minha cidade. Ao voltar,
uma xícara de café forte e amargo aguarda por mim, seu aroma delicioso
preenchendo o ambiente com a promessa de um novo dia.
Na sequência, me retiro para meu escritório, meu refúgio. A grande mesa
de carvalho serve como minha tela, onde as criações gráficas tomam forma.
Aqui, o tempo parece seguir um ritmo próprio, o silêncio é quebrado
apenas pelo suave tec-tec do teclado e do mouse, enquanto os raios de sol
se infiltram pelas cortinas, pintando a sala com tons dourados.
Depois de um longo dia de trabalho, me entrego aos prazeres da culinária.
Minha cozinha, um santuário de sabores e aromas, é o lugar onde eu deixo
a imaginação correr solta, criando pratos que, mesmo para um, são feitos
com amor e dedicação.
E, finalmente, o dia se encerra em minha biblioteca, uma sala dedicada aos
livros e ao conhecimento. As estantes abrigam uma vasta coleção de títulos,
cada um contendo um mundo único para explorar. É aqui que me despeço
do dia, submerso em histórias de outros tempos e lugares.
Meu cotidiano se desenrolava assim, um equilíbrio perfeito entre trabalho e
lazer, solidão e satisfação. Eu era um viajante solitário em um universo
autocontido. Mas, como eu descobriria em breve, mesmo o mais estável
dos universos pode ser subvertido por uma virada inesperada do destino.
Era um dia ensolarado, aquele tipo que só se vê em filmes, quando o sol
beija suavemente a pele e o céu é de um azul tão vívido que faz os olhos
doerem. Eu estava imerso em um trabalho particularmente desafiador
quando o interfone tocou, interrompendo meu foco.
"Um senhor chamado Silva está aqui para vê-lo, Sr. Alberto", anunciou o
porteiro pelo intercomunicador, sua voz ecoando pelo silêncio do meu
apartamento.
Surpreso, permiti a entrada do visitante. Não costumava receber pessoas em
casa, muito menos sem aviso prévio. Minha curiosidade foi despertada e,
apesar do incômodo de ter minha rotina interrompida, eu aguardei a
chegada do Sr. Silva com uma certa expectativa.
Poucos minutos depois, uma batida suave ressoou na porta. Ao abrir,
deparei-me com um homem de meia-idade, vestindo um terno escuro que
contrastava com o calor do dia lá fora. Seu rosto era marcado por linhas de
expressão que falavam de anos de experiência e sabedoria. Seus olhos
cinzentos pareciam carregar um peso, uma mensagem ainda não revelada.
"Alberto?" Ele perguntou, confirmando minha identidade antes de estender
a mão. "Sou o Dr. Silva, advogado. Peço desculpas por aparecer sem avisar,
mas tenho informações importantes para lhe transmitir."
Convidei-o para entrar e o conduzi até o living room. O homem movia-se
com uma graça peculiar, a mistura perfeita de respeitabilidade e autoridade.
Enquanto ele se acomodava no sofá, eu me perguntava que tipo de notícia
poderia ter trazido um advogado até minha porta.
O Dr. Silva começou a falar. Sua voz era calma, como se estivesse
acostumado a dar notícias inesperadas. Ele explicou que representava o
espólio de meu falecido avô, um homem que eu mal conheci e que tinha
caído na falência há mais de cinco anos.
Em sua narrativa, descobri que meu avô, antes de sua morte, havia deixado
instruções muito claras. Eu era o herdeiro de sua última propriedade, uma
casa em uma chácara. As instruções de meu avô eram para que a
propriedade só fosse entregue a mim exatamente naquele dia.
Enquanto o Dr. Silva falava, uma mistura de surpresa e incredulidade
tomou conta de mim. Por que meu avô havia me deixado uma casa? E por
que esperar todos esses anos para entregá-la a mim? E, acima de tudo, o
que eu faria com uma chácara?
A visita do Dr. Silva terminou tão repentinamente quanto começou. Ele me
entregou as chaves e o endereço da chácara, pediu que eu assinasse alguns
papéis, e saiu tão rapidamente quanto havia chegado. Deixando para trás,
além de um mistério, a promessa de uma aventura inesperada.
A rotina que eu conhecia e amava foi interrompida. De repente, eu me vi
frente a um destino inusitado e intrigante. Não sabia, naquele momento,
que aquela casa escondia segredos que mudariam minha vida para sempre.
A chácara ficava numa cidadezinha a algumas horas de distância da capital.
Um lugar que eu jamais visitara, mas que, de repente, parecia um destino
inescapável. No dia seguinte à visita do Dr. Silva, peguei a estrada, a mente
repleta de perguntas sem respostas e um estranho sentimento de
antecipação.
Conforme deixava a cidade para trás, a paisagem ao redor da rodovia
transformava-se gradualmente. Os prédios altos e cinzentos davam lugar a
campos verdes, árvores majestosas e, ao longe, montanhas que pareciam
tocar o céu. O ar era mais puro, os sons da natureza substituíam a cacofonia
urbana, e uma paz que há muito eu não experimentava começava a me
envolver.
Depois de algumas horas de viagem, cheguei ao portão de ferro trabalhado
que indicava a entrada da chácara. A estrutura era antiga e desgastada pelo
tempo, mas de uma elegância indiscutível. Atrás do portão, um caminho de
pedras levava à casa, escondida por uma curva sinuosa.
Conforme me aproximei, a casa se revelou em toda a sua magnitude. Era
menor do que eu esperava, mas de uma presença imponente. A arquitetura
gótica, com seus arcos longos e torres altas, dava à construção um ar de
majestade e mistério. Parecia uma imagem tirada de um romance antigo,
uma estrutura que desafiava o tempo e a história.
A luz do entardecer banhava a casa, lançando sombras longas que
acentuavam a dramaticidade da arquitetura. As janelas, altas e estreitas,
refletiam o pôr do sol, criando um jogo de luz e sombra que fazia a casa
parecer viva.
Adentrei a casa e fui recebido por um hall de entrada amplo. A decoração
interior correspondia à grandiosidade do exterior, com móveis de madeira
escura, tapetes pesados e quadros antigos adornando as paredes. Uma
escada em caracol levava ao andar de cima, onde imaginei que ficariam os
quartos.
A sala mais impressionante, no entanto, era a biblioteca. Repleta de livros
antigos, com um aroma de papel envelhecido que me fez sorrir. A lareira de
pedra, apesar de apagada, parecia convidativa, como se sussurrasse
histórias dos invernos passados.
Como já estava ficando tarde, decidi me instalar. O quarto principal era
espaçoso e aconchegante, com uma cama grande coberta por uma colcha de
veludo. Apesar do ar de abandono, a casa era acolhedora, cada cômodo
parecia contar uma história, cada objeto parecia ter uma memória
associada.
Naquela primeira noite, enquanto me preparava para dormir na casa que
agora era minha, senti um misto de ansiedade e excitação. Por mais
estranha que fosse a situação, eu sabia que estava no limiar de algo
extraordinário. Mal sabia eu quão profundamente essa aventura iria me
transformar.
Nos primeiros dias, explorei a casa como um curioso viajante exploraria
uma nova cidade. Descobri salas que pareciam ter sido deixadas no tempo,
com móveis cobertos de lona e camadas espessas de pó. Descobri uma
cozinha que parecia ter sido usada pela última vez décadas atrás, e uma sala
de jantar onde ainda se podia sentir o eco de refeições passadas.
Mas o que mais me intrigava era a estrutura da casa. Havia algo que não
batia. Mesmo para alguém que não possui habilidades arquitetônicas, a
disposição dos cômodos parecia estranha, quase como se algo estivesse
faltando. E, para minha mente treinada, isso se tornou um enigma
irresistível.
Foi durante uma tarde chuvosa, enquanto estudava a planta da casa, que
percebi. O layout da casa não fazia sentido. Havia um espaço, uma lacuna
entre a biblioteca e o quarto principal que não era contabilizado. Um
cômodo não acessível, um enigma que implorava para ser resolvido.
Intrigado, comecei a inspecionar a área onde o cômodo deveria estar.
Percorri a biblioteca de cima a baixo, tateando as prateleiras, procurando
alguma irregularidade, algo que denunciasse a existência do cômodo
oculto. E, depois de horas de busca meticulosa, encontrei.
Havia uma estante que, ao ser levemente empurrada, revelava uma
passagem secreta. Uma passagem estreita que conduzia ao cômodo oculto.
O ar ali dentro era frio e úmido, carregado de segredos e do cheiro de
tempo esquecido. Meu coração batia acelerado, a adrenalina correndo por
minhas veias enquanto me aventurei pelo caminho desconhecido.
Quando finalmente entrei no cômodo, fiquei momentaneamente atordoado.
Era um espaço que parecia estar em desacordo com o resto da casa. A
surpresa e a confusão me atingiram em ondas. Uma sala secreta, escondida
dentro de minha herança, repleta de mistérios que esperavam para serem
desvendados. O que poderia ser? Quais segredos ela escondia? E por que
meu avô nunca mencionou sua existência? Essas perguntas fervilhavam em
minha mente enquanto eu adentrava o desconhecido.
Assim que entrei no quarto, uma sensação de estranheza me inundou. A
sala era uma mistura única de antiguidade e futurismo, uma junção peculiar
que não parecia combinar, mas de alguma forma, ali, fazia um sentido
bizarro. O ar estava impregnado de um cheiro de metal e óleo, misturado
com o odor característico de papel antigo e madeira envelhecida.
Era uma sala comprida, com o teto abobadado e paredes forradas de
prateleiras repletas de livros, frascos de vidro com substâncias misteriosas e
aparelhos que pareciam pertencer a outra era. Havia também um grande
número de desenhos e esquemas pendurados nas paredes, retratando o que
pareciam ser máquinas complexas e mecanismos intrincados.
No centro da sala, havia uma enorme mesa de madeira coberta de papéis,
diagramas, ferramentas e pequenos artefatos. Ao lado, havia um tipo de
pedestal com um dispositivo brilhante, composto de vidros e metais, que
emitia uma luz pulsante em várias cores. Prismas de luz dançavam pelo
cômodo, projetando sombras escuras nas paredes, criando uma atmosfera
quase mágica.
Ainda atordoado, comecei a investigar os objetos na sala. Cada item que
pegava parecia ser parte de um enigma maior, um quebra-cabeça que eu
estava destinado a montar. Havia anotações em cadernos antigos, cartas
trocadas entre cientistas renomados, modelos de máquinas que nunca tinha
visto antes.
Foi em meio a essa investigação que encontrei o bilhete. Dobrado
cuidadosamente e preso debaixo de um objeto pesado de vidro, havia um
pequeno pedaço de papel com a caligrafia de meu avô. Nele, estava escrito
um conjunto de instruções que, de acordo com a nota, seriam para a
ativação de uma máquina. No início, pensei que fosse uma brincadeira ou
talvez o delírio de um homem velho. Mas, conforme eu lia as instruções,
algo dentro de mim dizia que aquilo era real.
Fiquei ali por horas, explorando cada canto da sala, tocando cada objeto,
tentando absorver a grandeza do que estava diante de mim. E, enquanto eu
mergulhava naquele mundo desconhecido, uma sensação de assombro e
fascinação tomou conta de mim. Eu estava diante de algo incrível, algo que
poderia mudar minha vida para sempre. A sala escondida na minha herança
era mais do que um simples quarto, era um santuário de invenções e
descobertas, um templo de conhecimento e imaginação. Eu estava diante do
legado secreto de meu avô, e naquele momento, entendi que minha vida
nunca mais seria a mesma.
Intrigado, segui as instruções deixadas no bilhete de meu avô, passo a
passo. Minhas mãos tremiam ligeiramente enquanto ajustava os botões e
alavancas do misterioso aparelho, quase como se estivessem tocando um
instrumento delicado e precioso. Com cada ajuste, o dispositivo pulsava,
emitindo padrões de luz cada vez mais intensos e variados.
Então, o inesperado aconteceu. O brilho da máquina se tornou quase
cegante, e o ar ao redor pareceu vibrar, uma energia palpável que pulsava
no ar, fazendo meus cabelos ficarem em pé. Prismas de luz giravam ao
redor, espalhando faixas coloridas por todo o cômodo. Era um espetáculo
fascinante e aterrorizante ao mesmo tempo.
Então, em meio à tempestade de luz e som, uma figura apareceu. Parecia
uma miragem no início, uma imagem distorcida que lentamente foi
tomando forma. Até que finalmente, o contorno de um homem se
materializou diante de mim. Um homem que eu reconheci imediatamente,
apesar de seu aspecto mais jovem. Era meu avô.
Ele parecia ter cerca de quarenta anos, mais jovem do que quando o vi pela
última vez. Seus olhos, uma vez turvos pelo peso da idade, agora brilhavam
com vivacidade e inteligência. Ele me olhou com um sorriso, aquele
mesmo sorriso familiar e carinhoso que tantas vezes me confortara na
infância.
"Você se lembra da nossa senha?" Ele perguntou, sua voz carregada de
expectativa e uma ponta de medo. Ele estava se referindo a uma velha
brincadeira nossa. Quando eu era criança, criamos uma "senha" para nossas
supostas viagens no tempo, um código que só nós conhecíamos. Nunca
pensei que um dia essa senha teria alguma utilidade real.
Engoli em seco, sentindo o coração pulsar contra o peito. "Estrelas e
cometas," eu disse, lembrando das palavras que havíamos escolhido.
A expressão dele se iluminou, aliviada e triunfante. Ele riu, uma risada que
parecia carregar o peso de décadas de solidão e esperança. "Eu sabia que
podia confiar em você, garoto," ele disse, seu olhar penetrante me
avaliando com uma nova luz.
Aquela sala, aquele encontro, era tudo muito surreal. Meu avô, que eu
achava estar perdido para sempre, estava ali, em pé na minha frente. A
herança que eu tinha recebido era muito mais do que uma casa. Era um
legado de descobertas, de aventuras, de possibilidades inimagináveis. E,
naquele momento, eu percebi que estava diante de um novo começo, um
futuro desconhecido, mas emocionante.
Sentamo-nos, eu e meu avô rejuvenescido, em meio à cacofonia de luzes e
sons do dispositivo que ainda pulsava e zumbia no centro da sala. Ele me
olhou com aquele seu sorriso sereno, que escondia uma profundidade
insondável de sabedoria e experiências vividas.
"Eu tenho algo a te contar," ele começou, suas palavras carregadas com a
promessa de uma verdade que eu mal conseguia imaginar. Ele levou um
momento para escolher cuidadosamente suas palavras, antes de finalmente
revelar o que eu mal podia acreditar.
"Você sempre foi especial," ele disse. "Você herdou algo de mim, além
deste laboratório. Uma habilidade única, um dom que poucos possuem.
Você sempre foi curioso, observador, sempre teve um jeito especial com as
coisas, uma compreensão instintiva de como elas funcionam. E isso, meu
querido neto, é mais do que simples talento. É uma dádiva."
Fiquei em silêncio por um momento, absorvendo suas palavras. Não era
uma revelação grandiosa sobre o destino da humanidade, mas algo muito
mais pessoal e, de certa forma, ainda mais assustador. Era uma confirmação
de algo que eu sempre soube, mas nunca tinha colocado em palavras. Eu
era diferente, de uma maneira que eu mal podia compreender.
Seu olhar se tornou grave. "Mas com essa habilidade, vem uma grande
responsabilidade. Este laboratório, estas invenções, elas não podem cair nas
mãos erradas. Elas têm o poder de mudar o mundo, para melhor ou para
pior."
Ele me entregou outro bilhete, com instruções meticulosas sobre como
destruir o laboratório. "Não posso te dizer o que vai acontecer se isso for
descoberto. Mas posso te dizer que não podemos correr esse risco. Eu
confio em você para fazer o que é necessário."
Eu mal tive tempo de processar suas palavras antes que ele se levantasse.
"Eu preciso ir agora," ele disse, seu rosto se iluminando com um último
sorriso triste. "Lembre-se, você é mais forte do que pensa."
E então, sem mais palavras, sem tempo para perguntas ou despedidas, ele
desapareceu, deixando-me sozinho na sala, em meio à turbulência de luz e
som. E então, tão rapidamente quanto começou, tudo parou. A luz se
apagou, o zumbido cessou, e eu fiquei ali, imóvel, com o bilhete em minhas
mãos, diante da maior decisão da minha vida.
A sala estava silenciosa agora, e eu estava sozinho com meus pensamentos
e o bilhete em minhas mãos. As instruções de meu avô eram claras, mas o
peso da responsabilidade me deixou paralisado por um momento. Então,
respirei fundo e me forcei a agir.
Com cuidado, comecei a desmontar o laboratório. Removi cada peça do
dispositivo complexo, seguindo as instruções meticulosas de meu avô para
garantir que ele nunca mais pudesse ser usado novamente. Cada parafuso
desapertado, cada engrenagem removida, parecia uma traição. Mas eu sabia
que era o que precisava ser feito.
Enquanto trabalhava, minha mente voltava à revelação de meu avô. Eu
sempre soube que era diferente, que tinha uma compreensão intuitiva do
mundo que me rodeava. Mas nunca havia considerado isso como uma
dádiva, uma habilidade única. No entanto, agora percebia que esse dom,
essa capacidade de ver e compreender, era o que me permitira descobrir o
segredo do laboratório e era o que me permitia desmantelá-lo agora.
Eu trabalhava com uma precisão cirúrgica, minhas mãos se movendo com
um propósito que eu nunca tinha conhecido antes. Eu não era mais apenas
um designer gráfico. Eu era o guardião de um segredo, o detentor de um
legado, o herdeiro de um dom inestimável.
A última peça foi removida, e eu me sentei, exausto mas satisfeito. O
laboratório não existia mais. Em seu lugar, apenas um quarto vazio. Uma
parte de mim lamentou a perda, mas outra parte sabia que era necessário.
Era o que meu avô queria. Era o que eu devia fazer.
Enquanto olhava para o espaço vazio, percebi que, apesar da destruição, eu
havia ganhado algo. Uma nova compreensão de quem eu era, do que eu
podia fazer. Uma revelação que mudou meu mundo, de maneiras que eu
ainda não conseguia compreender totalmente.
Mas, por enquanto, minha tarefa estava concluída. O laboratório estava
desmontado. O segredo estava seguro. E eu estava sozinho, na quietude do
cômodo vazio, com nada além de minhas lembranças e um futuro cheio de
incertezas.
Na manhã seguinte, deixei a chácara e voltei à cidade, trazendo comigo a
memória do dia anterior. Sentei-me diante do meu computador, minha tela
de design usual em frente a mim. Porém, depois da experiência do dia
anterior, tudo parecia diferente.
A cor, a forma, a disposição dos elementos em minha tela, tudo adquiriu um
novo significado. Eu já não estava simplesmente projetando gráficos, mas
manipulando espaço e tempo de uma maneira mais abstrata. As habilidades
que eu havia usado para desmantelar o laboratório de meu avô estavam
agora se fundindo com o meu trabalho diário de maneiras inesperadas.
Pensei na máquina do tempo do meu avô. Não apenas na sua
funcionalidade, mas em como ele a concebeu. A lógica, a precisão, a
inovação. Eram as mesmas habilidades que eu usava em meus designs,
apenas aplicadas de uma forma completamente diferente. De repente,
percebi que design e ciência não eram tão diferentes quanto eu pensava.
Na quietude da minha sala de trabalho, pensei na efemeridade da vida.
Como um homem como meu avô, que alcançou coisas tão inimagináveis,
havia desaparecido, deixando para trás apenas um rastro de seu legado.
Como agora, o laboratório, que uma vez vibrava com a energia de
incontáveis invenções, agora era apenas um cômodo vazio.
Uma sensação de niilismo me atingiu. No fim, tudo desapareceria. Eu,
meus designs, a máquina do tempo do meu avô... tudo se tornaria nada
mais que um eco na vastidão do universo. Mas ao invés de me deixar
desesperado, esse pensamento trouxe uma estranha sensação de alívio.
Porque se tudo é efêmero, então cada momento é precioso. Cada design que
crio, cada segredo que desvendo, cada dia que vivo é único e insubstituível.
E essa é a verdadeira beleza da vida.
Encarei a tela em branco diante de mim, agora não mais como uma simples
designer, mas como alguém que havia vislumbrado a vastidão do universo e
compreendido um pequeno pedaço dele. Eu sabia que nunca mais seria o
mesmo, e de alguma forma, estava em paz com isso.
Porque no fim das contas, não importa o quão grandiosas sejam nossas
realizações ou o quão profundos sejam nossos segredos, somos todos
apenas passageiros no vasto oceano do tempo. E tudo o que podemos fazer
é aproveitar a viagem.

Você também pode gostar