Sonhar não custa nada e meu sonho é tão real: o papel da memória na
geração da realidade. Discente: Marina Teixeira Pereira
Os sonhos podem ser conceituados como um fenômeno visual, auditivo, verbal,
somestésico e emocional, possuindo geralmente enredo sequencial, passível de rememoração pelo indivíduo e de ativação autonômica, relacionada ao seu conteúdo. Pode haver emissão de sons ou fala durante os mesmos, além da possibilidade de recapitulação dos sonhos, dependendo da duração do período REM em que ocorrem ou de seu significado do ponto de vista afetivo, referente a memórias relevantes daquele que sonha. Não se pode questionar que a principal base biológica dos sonhos situa-se no sono REM, porém estudos demonstram que as experiências mentais podem ser relembradas em qualquer estágio do sono, incluindo os mais profundos. A exata função e significado dos sonhos ainda não foi totalmente esclarecida, entretanto há evidências de que ele seja importante na reorganização sináptica e processamento de funções plásticas, referentes à homeostase em áreas cerebrais relacionadas com memória, aprendizado e funções psíquicas. Sigmund Freud e Henri Bergson foram contemporâneos e iniciaram sua produção em um período no qual as reflexões sobre a percepção e, principalmente, sobre a memória estavam situadas nos mais diversos campos. Freud (1895) não enfatiza apenas o caráter processual da percepção, mas também a importância da memória em tal processo, uma vez que o decurso entre as impressões coletadas pelos órgãos sensoriais e a sua manifestação consciente implica a passagem pelos neurônios. Dessa forma, a memória determina, até certo ponto, a consciência da percepção. Em contrapartida, no que diz respeito a memória, Bergson critica a tese segundo a qual a lembrança surgiria da repetição enfraquecida do fenômeno cerebral que resultou em uma percepção. Com efeito, essa é uma tese duplamente errada já que supõe, em primeiro lugar, que a memória é apenas uma função cerebral e, em segundo lugar, que existe apenas uma diferença de intensidade entre percepção e lembrança. A diferença entre elas, é, para Bergson, de natureza, e a lembrança seria o ponto de encontro entre espírito e matéria. No que compete a memória, pesquisas recentes entendem o sonho como um reflexo de sua “consolidação” durante o sono, o que pode explicar por que sonhamos com alguns acontecimentos cotidianos e não com outros. Em relação à visualização passiva de imagens e vídeos, foi observado que tarefas envolventes e desafiadoras possuem capacidade mais forte de influenciar o conteúdo tardio do sonho. Além disso, quando participantes de trabalhos sobre o tema sonham com atividades recentes de aprendizado, esta “repetição” do aprendizado na mente adormecida está relacionada a um refinamento da memória para aquele conteúdo subsequente ao sono. Sendo assim, pode-se sonhar com o novo aprendizado encontrado durante o dia e este sonho pode agir como o processamento “off-line” da memória pelo cérebro adormecido. O ato de recordar um fato do passado pode envolver tanto a recordação de fatos verdadeiros como de informação falsa ou distorcida. Pode-se diferenciar duas formas de erro da memória: esquecimento de eventos que realmente ocorreram e a recordação de eventos que não ocorreram (ou recordá-los de maneira diferente. O primeiro tipo de erro não precisa de provas visto que faz parte do cotidiano de todas as pessoas. Porém, o segundo tipo muita das vezes ocorre de forma imperceptível. Memórias subjetivamente percebidas como experiências passadas vividas ou reais dificilmente são identificadas como falsas mesmo quando são na verdade “falsas memórias”. As distorções de memória podem ocorrer tanto no momento da codificação da informação como durante o seu armazenamento ou na sua recuperação.
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