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Subjetividade e Instituição[1]

Resumo: O artigo discute algumas contribuições da filosofia de Gilles Deleuze, em especial, sua
releitura da obra de David Hume, no que diz respeito à relação entre subjetividade e instituição. A
questão central é aquela da dimensão temporal da subjetividade.

Palavras chaves: Subjetividade; Instituição; Tempo; Hábito

Abstract: The article discusses some of Gilles Deleuze’s philosophical contributions, mainly his re-
reading of David Hume reflection on the relationship between subjectivity and institution. The
article’s central issue is that of subjectivity’s temporal dimention.

Key words: Subjectivity; Institution; Time; Habits

O contemporâneo nos convoca a colocar em análise as Instituições por sua força de inércia e de
repetição. Isto se dá justamente na sua função de ponto de bifurcação ou ponto crítico,
entendido, aqui, na sua dupla acepção da palavra, isto é, como argüição crítica da tradição e como
experiência de crise. Tomar o tema “Subjetividade e Instituição” no contemporâneo, coloca para
nós, portanto, o desafio de enfrentar esta complexidade.

Falamos de subjetividade e não de sujeito e aqui não é uma mera escolha arbitrária de palavras,
mas o resultado de uma exigência de cuidado conceitual. Esse conceito para nós tem um sentido
que, se procuramos uma forma sintética para ele, poderíamos dizer processo de produção de
subjetividade ou processo de subjetivação. Tal definição nos coloca de imediato diante desse
aspecto sem o que esse conceito perde sua consistência, a saber sua relação com o tempo.

É na experiência com o tempo que a subjetividade se configura não como um estado de coisa,
mas como um plano de produção ininterrupto. Tal experiência é geradora de expectativa, de
espera: elementos indispensáveis da produção subjetiva.

Quando falamos de tempo somos levados a considerá-lo em sua dupla dimensão:


imaterial/material, ação/resultado, produção/produto. Pois o tempo, se por um lado é o puro
movimento em sua ação ininterrupta, um passar contínuo, por outro, é transformação e criação
na matéria. Nesse sentido, por sua natureza, o tempo se materializa ou, por outra, produz efeitos
materiais.

Enfrentando essa questão, Laymert G. dos Santos (1989) propõe uma imagem: a escultura do
tempo, com a qual é possível “sintonizar” as dimensões não objeto e objeto do tempo. A ação do
tempo aqui é entendida como a do esculpir que vai transformando a matéria. “Ação que vai
realizando o tempo, e que é o próprio tempo que vai realizando” (p.111). O tempo esculpe
produzindo formas e transformando-as. Ele, portanto, enquanto ação pura, pode ser detectado
entre as formas. É assim que podemos sintonizá-lo em sua ação criadora e para nós, que
“tratamos” das formas subjetivas, interessa-nos falar dessa ação do tempo enquanto produção de
subjetividade. O que queremos é apreender o tempo pelos seus efeitos no estra to
antropomórfico, pois no tempo, pelo tempo, produzem-se sujeitos como esculturas.

Há muito se repete a idéia de que o tempo é o sentido interno do sujeito. Desde Kant, na Crítica
da Razão Pura (1781/1787), afirma-se essa equivalência entre tempo e experiência subjetiva.
Nesta tradição, a experiência do tempo é a experiência de um sujeito, isto é, o continente
subjetivo que garante a experiência interna do tempo não está ele mesmo lançado no tempo. O
curso do tempo nesse caso não modifica o sujeito que o experimenta. Diferentemente, com a
noção de produção de subjetividade, impõe-se uma outra relação com o tempo, onde é no seu
processo contínuo, no seu fluir, que a subjetividade se produz. Um tempo que flui tal como um rio
cujo curso cria o seu leito.

A questão do tempo é tão antiga quanto a filosofia, assumindo diferentes sentidos ao longo da
história das idéias. Gilles Deleuze é um autor que desde cedo pensou o tempo como criação em
sua relação com a subjetividade.

Em sua obra, os comentários acerca da filosofia de Hume (Tratado da Natureza Humana,1739)


tiveram uma importância inaugural. Em 1953 Deleuze publica Empirismo e Subjetividade,
resultado de sua pesquisa de doutoramento. De fato, na década de 50 Deleuze dedicou-se ao
estudo sistemático do empirismo, publicando além de Empirismo e Subjetividade (1953), Hume,
sua vida e sua obra (1952) e Instintos e Instituições (1955).

Uma tese humiana que ganhará destaque na leitura que Deleuze faz dela é a de que a
subjetividade não é um dado, não é uma natureza, mas uma invenção ou uma síntese que coube
ao filósofo explicar. Hume ajuda Deleuze a colocar o problema da subjetividade como a de um
processo de artificialização do si.

Segundo Deleuze, a filosofia humiana define a subjetividade como um movimento de desdobrar


a si mesmo. Esse movimento do si se dá como um tornar-se outro ou um ultrapassar-se. A tese
empirista afirma o primado da experiência, isto é, do dado. Esta tese é retomada por Deleuze que
destaca sua radicalidade no que ela tem de paradoxal. Pois todo esforço da intuição do filósofo
escocês foi o de pensar um dado ou uma experiência em sua absoluta imanência, uma
experiência pura porque experiência de ninguém ou experiência sem condição de possibilidade.
Trata-se de um criticismo vigoroso, irredutível e combativo. O combate aqui é entre uma filosofia
da transcendência e outra da imanência. A crítica transcendental arquitetada por Kant nos situa
metodicamente sobre uma certeza essencial de que há o sujeito enquanto condição de
possibilidade para a experiência e faz da pergunta filosófica por excelência a indagação: como
algo pode ser dado ao sujeito? Por outro lado, a crítica humiana nos apresenta um outro método
que não admite nenhuma transcendência ao dado, pois o sujeito antes de ser o que explica a
experiência (sendo sua condição de possibilidade) é o que deve ser explicado. Daí esta outra
pergunta filosófica: como o sujeito se constitui na experiência?

São duas perguntas filosóficas a que correspondem duas atitudes críticas. Embora a filosofia
kantiana tenha se notabilizado como a forma por excelência do criticismo moderno, podemos
aqui acompanhar uma outra acepção de crítica que tem em comum com a kantiana a substituição
da questão acerca da origem do mundo (questão teológica e da filosofia clássica) pela questão do
conhecimento ou reflexão de si. Entretanto, se Kant fazia da indagação filosófica a busca do
fundamento do conhecimento no si, o criticismo de Hume se caracteriza por recusar radicalmente
o caráter primeiro do sujeito. O empirismo ao afirmar o primado da experiência, subverte o
problema da crítica tal como Kant instituirá. Eis então a estratégia de Deleuze leitor de Hume:
desestabilizar Kant com aquele pensamento que o kantismo teria se proposto superar.

Como diz Deleuze (1953, p. 92), “o dado não é mais dado ao sujeito, o sujeito se constitui no
dado”. Essa constituição se faz por uma operação de ultrapassagem do dado. O sujeito é aquilo
que ultrapassa o dado na medida em que crê e que inventa, fazendo das crenças e invenções
sínteses e sistemas. A partir do dado, o sujeito infere a existência de uma outra coisa que não é
dada, ou seja, ele crê. Creio que o dia nascerá amanhã e só posso fazê-lo porque afirmo mais do
que sei. Afirmo mais do que sei porque ultrapasso a experiência desse dia que agora nasce. Mas,
também valendo-se do dado, o sujeito extrai daquilo que experimenta um poder que é
independente da experiência atual, uma “função pura” que ultrapassa a parcialidade e o dado. Ao
distinguir do dado totalidades que não são dadas na natureza, o sujeito inventa.

Mas o que é o dado, enquanto realidade sem condição a priori? Hume o descreve como fluxo
do sensível, como ser da aparência, como movimento sem identidade nem lei. O primeiro é a
experiência, mas experiência de quem? Para esta pergunta o filósofo propõe, como resposta, seu
conceito imaginação que não pode ser entendido como uma faculdade ou um princípio de
organização, mas sim como uma “coleção”. Deleuze propõe essa fórmula para descrever a
experiência: “uma sucessão movimentada de percepções distintas” (1953, p. 93). Daí se pode
extrair o princípio do empirismo ou o princípio da experiência: “tudo que é separável é discernível
e tudo que é discernível é diferente” (idem). A experiência é essa coleção de elementos
separáveis que, enquanto tais, são diferentes, quer dizer, a experiência é, em sua radicalidade,
sempre experiência da diferença. A diferença é o dado da impressão, ou seja, ela se dá como
sensação, não sendo definida, para Hume, como representação de algo. Em seu estado puro a
experiência radical é o ritmo dessa sucessão de elementos separáveis, é o ritmo de sensações sem
sistema, descontextualizados, tal como no filme Ghostdog, de Jim Jarmusch.

O que se filma no filme?

O filme se garante no seu ritmo, isto é, a aposta fílmica está no modo como se põem em
sucessão imagens que traem sistematicamente seu contexto. Não fazem sistema, nem organizam
uma existência coerente. Um samurai negro, fora de qualquer feudalidade; gângsteres mafiosos,
separados dos ambientes de glamour, de poder e suas instituições: família, igreja, Estado; o
sorveteiro de língua francesa fora do contexto cultural, nacional; os diálogos sem língua comum
que se travam na sorveteria em uma comunicação extra-código; o pombo-correio utilizado pelo
samurai negro fora de sua função habitual nas cidade, fazendo série desconexa com a high tech
dos dispositivos empregados pelo mesmo Ghostdog; a lancheira da menina freqüentadora
daquela sorveteria em contigüidade com livros que nada teriam a ver nem com a menina nem
com a lancheira; as esquinas da cidade fora da paisagem esperada de Nova Iorque; desenhos
animados que se intrometem no roteiro como elementos do fora ou de um outro contexto que
não aquele esperado em um filme de Jarmusch. O filme evidencia, assim, que não é contexto de
tudo aquilo que ele filma.

Dessa operação fílmica de quebra de contexto e conexão artificial de elementos díspares,


resulta uma narrativa cujo sentido é garantido menos por uma sintaxe do que pelo andamento
das imagens, pelo ritmo das sensações. Ghostdog é um ritmo e talvez por isso a trilha sonora do
filme mais do que nunca serve como seu plano de montagem.

A experiência do cinema nos interessa já que ali há uma questão central que é a da criação, a da
artificialização da existência. Para nós, a subjetividade se define por uma atividade inventiva. Essa
invenção não pode ser definida como simplesmente a invenção realizada por um sujeito, mas é o
próprio sujeito que aparece como um invento. É nesse sentido que o empirismo inglês aguça a
sua crítica à filosofia cartesiana do cogito, pois, para Hume, mais importante do que buscar o
cogito da invenção (um eu invento), é tomar o pretenso sujeito da faculdade inventiva como
sendo, ele mesmo, um efeito dela. É sempre sujeito de uma crença e, dessa forma, apresenta-se
como uma síntese do tempo, pois falar de sujeito numa perspectiva empirista é falar de um
hábito e de uma espera. Um hábito é a “síntese do presente e do passado em vista ao futuro”
(Deleuze, 1953, p. 101). No entanto, esta síntese do tempo, determina uma relação com o futuro,
uma espera, “élan em direção ao futuro”. A subjetividade se forma, portanto, nessa dupla
determinação da síntese do tempo: espera e hábito, “poussée do passado e élan para o futuro”.
Segundo esta fórmula, o tempo comparece sempre como impulsão, sendo ele mesmo a força
pulsional de construção da subjetividade.

Hume discute essa dimensão pulsional do tempo tematizando duas operações da subjetividade:
a crença e a invenção. O sujeito inventa toda vez que ultrapassa “sua parcialidade e sua avidez
imediatas, instaurando regras da propriedade, das instituições que tornam possível o acordo
entre os sujeitos” (Deleuze, 1953, p.101). Falar de sujeito, portanto, é falar do que se acorda, do
que se regra, isto é, do que se acredita instituído ou contratado. E não pode haver a constituição
dessa “natureza” subjetiva sem que se produza um sentimento de propriedade. Esta foi uma
discussão importante que Hume realizou com as teorias do Direito no século XVIII.

As teorias utilitaristas da época explicavam a propriedade a partir do que se definia como uma
expectativa de cada homem de conservar o que possui. Esse princípio da espera não pode, para
Hume, ser entendido fora do dinamismo hábito/espera. Portanto, é porque tenho o hábito ou a
familiaridade que o estado de posse se transforma em título de propriedade. E se nos objetos não
há nada dado que lhes confira este título, Hume conclui que se trata aqui de um sentimento de
propriedade só possível como experiência no tempo, como síntese temporal.

Quando deslocamos esta discussão do campo jurídico para o existencial também encontramos
este sentimento. Daí podermos falar da propriedade de si ou do sentimento de si.

Habitamos um mundo onde cotidianamente nos reconhecemos em coisas próprias: meu nome,
minha casa, minha identidade... Qual a natureza dessa propriedade? Trata-se mesmo de uma
natureza? Essa questão de alguma forma foi recolocada no século XIX com a construção de uma
teoria da subjetividade e do dispositivo clínico. Freud, como sabemos, já distinguia os domínios do
instinto e da pulsão. E aqui, a diferença se dá quanto aos modos de satisfação das necessidades:
meios e objetos determinados e meios e objetos indeterminados (Freud, ).

Em 1955, Deleuze no texto “Instintos e Instituições”, entra neste debate imbuído ainda do
espírito humiano. Aqui instinto e instituição se aproximam como “formas organizadas de
satisfação possível“ ou “procedimentos de satisfação” (Deleuze, 1991, p.134). No entanto, estes
dois conceitos se distinguem pelas suas formas de satisfação, um marcado pela “extração” e o
outro pela “elaboração”. Os instintos extraem elementos do meio exterior para satisfação
reagindo a estímulos externos; as instituições elaboram meios de satisfação que transformam a
tendência introduzindo-a em um meio novo (meio institucional).Temos, portanto, um
extrativismo do instinto e um criacionismo da instituição.

Mas essa distinção impõe uma outra, agora entre instituição e lei. Pois, se o meio institucional
organiza formas de satisfação o faz numa ação positiva. Por outro lado, a lei se define por sua
força negativa, limitadora das ações. Deleuze situa o debate na forma como ele comparece entre
os adeptos da teoria da lei e os adeptos da teoria da instituição. Os primeiros põem o positivo
fora do social (direitos naturais) e o social no negativo (limitação contratual). Já os segundos
põem o negativo fora da instituição, tomando a sociedade em sua positividade já que inventiva de
meios de satisfação. Nesse sentido, Deleuze e Hume se aproximam enquanto teóricos da
instituição.

Mas se a instituição é a um só tempo criação ou artifício (diferente do instinto) e criadora de


meios (diferente da lei), essas suas características não são derivadas ou explicadas pela tendência
à satisfação (necessidades). A tendência se satisfaz na instituição, mas a instituição não se explica
pela tendência. As mesmas necessidades podem gerar diferentes instituições. É o caso, por
exemplo, da necessidade sexual que pode se satisfazer em diferentes formas de casamento
(instituições).
A instituição, entretanto, malgrado esse seu caráter positivo gera uma situação paradoxal.
[PC1]Enquanto sistemas de meios de satisfação das tendências, as instituições não só satisfazem,
mas “constrangem, sabotam, sublimam” as tendências. A existência da tendência no meio
institucional é a um só tempo satisfação e constrangimento, pois não derivando diretamente da
tendência, sendo artificial, a instituição só satisfaz obliquamente, indiretamente.

De fato, todo impulso que experimentamos na direção da satisfação se faz por meios
institucionais, por nós mesmos criados. No entanto, é na própria instituição que podemos ser
capturados. A força de criação de meios de satisfação pode gerar também meios onde esta força
ela mesma se vê impossibilitada de criação. Esse é o paradoxo da sociedade. Eis o perigo da
neurose, só possível no meio institucional, isto é, nesse meio em que nos reconhecemos através
de coisas próprias.

Cabe ainda uma outra questão: se as formas sociais de satisfação (instituições) não derivam
diretamente das tendências, de que derivam? Derivam de uma ”atividade social de construção de
modelos”, atividade inconsciente. Esta atividade é aquela da contração de hábitos, a partir dos
quais, definimos nossas propriedades. Tal contração é uma síntese do tempo, gerando um
sentimento de pertencimento e de propriedade a um si. É a partir dos hábitos que o mundo
próprio vai ganhando sentido ou que as tendências à satisfação vão se conectando a objetos de
maneira indeterminada, imperfeita e submetida à variação. Desse fundo indeterminado e variável
vão se constituindo formas determinadas, que se querem invariantes e com as quais nos
habituamos e acreditamos nos reconhecer.

Eis o perigo que se anuncia em todas as instituições: fazer-nos acreditar que elas são
invariantes e que através delas nos reconhecemos definitivamente como sujeitos. É neste sentido
que Hume/Deleuze tomam a instituição como o correlato do instinto no extrato antropomórfico,
pois as instituições buscam essa invariância: garantir a tendência à satisfação das necessidades.
No entanto, essa tendência só se faz por desvios, obliquamente. Consequentemente pode-se
entender que na instituição só haja satisfação com constrangimento, uma vez que, no movimento
de busca da satisfação, o que se encontra é sempre outra coisa, inesperada, artificializada na
própria busca e que, por sua vez, gera tanto modificação das circunstâncias externas quanto dos
fatores internos ou do corpo que tem necessidade. A noção de desvio ganha aqui um sentido
diferente daquele de frustração ou de falta. Pois, o desvio significa multiplicação das formas de
busca de satisfação e dos processos de produção de subjetividade a ela associados.

A instituição é um modo de operar socialmente a partir do hábito. Tomemos o exemplo da


instituição escolar. Se aprendi ontem na escola e hoje também, espero amanhã que todo meu
aprendizado se dê numa situação escolar: a circunstância torna-se a partir do hábito uma
estrutura de antecipação do futuro. Por outro lado, essa instituição formada na familiaridade
modifica também os fatores internos daquele que, tendo necessidade de conhecer, habituou-se a
aprender apenas na instituição escola. Esse é o constrangimento presente no modo humano de
satisfação da necessidade, criando hábitos, criando estruturas de antecipação (default) e
estruturas do corpo. Deleuze (1991, p. 136) conclui: “anoitece porque nos deitamos, comemos
porque é meio dia”.

Nesse sentido, cria-se uma situação especial que, poderíamos dizer, reveladora do processo de
produção de subjetividade. Pois, se no mundo humano a Instituição é entendida como uma forma
de buscar a satisfação, aquele que busca não é aquele que encontra. Um desvio importante aqui
também se dá, uma vez que, na busca da satisfação, os hábitos que vão se criando modificam a
estrutura do sujeito. Logo, do ponto de vista da subjetividade, a experiência é menos a da busca
do que a do encontro: encontra-se sempre uma outra coisa, o que equivale dizer que algo se
produz nos encontros. Dessa forma, deve-se substituir o esquema busca/frustração/falta ou
negativo, pelo esquema encontro/produção/positividade.

A urgência da fome no animal “torna-se no homem reivindicação de ter pão”, por isso “o
homem é um animal se despojando da espécie” (Deleuze, 1991, p. 137). Eis uma afirmação que
questiona nossa relação com a natureza e com qualquer um de seus correlatos que guardam essa
mesma característica de invariância, de permanência, de transtemporalidade. Essa afirmação
coloca um problema de conseqüências não só filosóficas, mas também clínico-políticas. Porque,
se no mundo das Instituições, o sujeito é efeito de um processo de produção, não há esse solo
seguro e determinado de uma natureza invariante (determinação biológica do indivíduo e da
espécie; determinação do meio; determinação das estruturas simbólicas da cultura). No entanto,
isso não pode nos levar a supor que neste mundo só restam individualidades, pessoalidades,
realidades subjetivas concretas e circunstanciais. Há que se afirmar um para além e um para
aquém das formas subjetivas que entendemos como a relação da subjetividade com o tempo, isto
é, com o seu processo de produção. Essa nos parece ser uma questão contemporânea que exige
de nós o risco da experimentação dos limites entre a clínica, a política e a filosofia.

Referências bibliográficas:

DELEUZE, Gilles. Empirisme et subjectivité. Paris: PUF, 1953.

DELEUZE, Gilles. “Instintos e instituições” In: ESCOBAR, Carlos Henrique (org.). Dossier Deleuze.
Rio de Janeiro: Hólon, 1991.

FREUD, Sigmund.

SANTOS, Laymert Garcia dos. Tempo de ensaio. São Paulo, Companhia das Letras,1989.

[1] Este pequeno ensaio foi preparado como uma aula, em março de 2000, para o Curso Clínica
Transdisciplinar, que acontece desde 1997 no Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo.
Gostaríamos de agradecer a Paulo Carvalho, participante do referido curso, pela cuidadosa
revisão do texto.

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