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atengéio sfio necessariamente aqueles que envolvem a estabi-

lidade no emprego, em que as comissGes e os administradores se


reGnem e redigem as recomendagdes. Mas o ntimiero crescente
de académicos, talvez quase um terco do corpo docente da
nag&o, nao esté empregado em cargos “‘visando a estabilidade”;
eles ensinam em tempo parcial ou com contratos anuais (reno-
yaveis ou no). Para essas pessoas serem dispensadas nao sao
necesérios relatérios de comissdes ou recomendagdes; se 0 con-
6. ANOVA ESQUERDA NO CAMPUSII:
trato nao é renovado,elas estéo automaticamente demitidas. Dai
A LONGA MARCHA ATRAVES
serem particularmente vulner4veis as pressdes da profissiona-
lizagio; meio passo fora da linha e elas se encontram solici-
DAS INSTITUICOES
tando auxilio desemprego (ao qual freqiientemente nao tém
acesso).72.
Os socidlogos e os conservadores mais moderados admitem
que os professores esquerdistas sio menos esquerdistas do que
professores. A rdpida expanséo das universidades, observa
um socidlogo, significa que muitos professores mais jovens
vieram dos movimentos estudantis dos anos 60, uma situagaio
(Quando ingressaram nas universidades, os intelectuais da
Ultima gerago as vezes refletiam com nostalgia sobre o desapa-
que pode ter gerado uma crise e um conflito de geragdes.
recimento dos boémios e dos pensadores independentes — so-
Entretanto, no é necessério se afligir; j4 esta claro que “a
bre seu proprio passado. Mesmo como professores, esta geragaio
politica normal da profissio académica, que é de maneira geral
mantinha seu comprometimento com um pitblico mais amplo.
© sustentdculo das instituigdes estabelecidas, voltou a se afir-
A Nova Esquerda emergiu em torno ¢ contra as universidades;
mar”,75 sua repulsa parecia visceral. No entanto, os intelectuais da No-
Esta foi uma concluséo a que j4 chegaram alguns con-
va Esquerda se tornaram professores que nao olharam para trds
servadores. Radicais in the University [Os Radicais na Uni- nem para os lados; mantiveram seus olhos nas publicagdes
versidade], um estudo publicado pelo HooverInstitution [Ins-
profissionais, nas monografias e nas conferéncias. Talvez pelo
tituto Hoover], um centro de pensamento conservador, admite fato de suas vidas terem se desenvolvido quase inteiramente
que desde que os radicais assumiram a MLA — Modern Lan- nos campi, eles eram incapazes ou nao queriam desafiar os
guage Association, [Associagio de Linguas Modernas], em imperativos académicos.
1968, nada mudou. “Em rétrospecto, o espetacular sucesso Osprofessores mais jovens, no entanto, nao accitaram pas-
dos radicais em 1968 provou ser efémero. A MLA nao é sivamente as disciplinas académicas que encontravam. Estabe-
muito diferente hoje do que era antes de 1968.”74 Um con- lecendo um corpo respeitavel de estudostadicais, feministas, mar-
servador que participou da convengio da American Philoso- xistas ou neomarxistas, eles atacavam as interpretagdes vene-
phical Association [Associagio Filoséfica Americana] ficou raveis, As vezes quase oficiais, predominantes em seus campos.
agradavelmente surpreendido: os radicais mal se haviam feito A extensfo desta literatura, produzida pelos académicos esquer-
notar.”5 distas, 6 extraordindria, sem precedentes nas letras ameticanas.
Em varias dreas, as realizacdes dos intelectuais da Nova Esquer-
da sao irrevogaveis.
Dect

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Noentanto, ela também extraordinéria por outra raziio; Sinclair, denunciam a mo pesada das empresas sufocando as
é, em grande parte, técnica, ilegivel e pouco lida — exceto universidade$,\Capitulos com titulos como “A universidade da
pelos especialistas.(Os intelectuais da Nova Esquerda obtém Stanford Oil” (Universidade de Chicago) e “A. universidade da
posigdes estdveis nas principais instituigdes centrais, mas suas Steel Trust” (Universidade de Pittsburgh) compunham o livro
realizagées séo marcadas pela mais profundaironia. Seus estu- de Sinclair. Mas umacatalogagao do controle ou do descontrole
dos se parecem cada vez mais com os trabalhos que buscaram exercido pelas empresas, nao esgota seus esforcos. Tanto Sin-
subyerter. Uma grande surpresa dos tiltimos vinte anos é tanto clair quanto Veblen trataram dos efeitos sobre os professores
o aparecimento dos professores da Nova Esquerda quanto € a pesquisa.
seu virtual desaparecimento. No final, nao foram os intelectuais Sinclair recordou sua experiéncia como estudante em Co-
da Nova Esquerda que invadiram as universidades, mas o in- lumbia, “Era uma coisa peculiar, a que observei no decorrer
verso: a linguagem, os conceitos e os interesses académicos do tempo — todos aqueles que tinham algo de valioso a me
ocuparam, ¢ finalmente preocuparam,os jovens intelectuais da ensinar acabaram sendo, de um modo ou de outro, afastados
esquerda./ . da Universidade. Os tinicos que permaneceram foram os tolos
ou os_ambiciosos ¢ astutos.”*
“Os professores Woods, Perry ¢ Hocking so jovens mo- Veblen, 0 critico irritado, observou que os criticos irrita-
deradamente talentosos e empreendedores para os quais a filo- dos denunciam que oscientistas sociais so limitados em suas
sofia é apenas um meio de se prosperar no mundo”, declarou pesquisas pelos controles conservadores. Nao 6 assim. Os pro-
o prof, E, B. Holt em relagao a varios jovens professores de fessores ttm completa liberdade de pesquisa e podem expressar
seu departamento. “Eu nao os respeito; nfo vou cooperar com
da maneira “mais ampla quaisquer conclusdes ou convicgdes
eles; e estou feliz por estar agora em uma posig&io que me
s quais suas investigagdes possam conduzi-los”. Nenhuma bar-
permite destruir o estigma de ser até nominalmente um de seus
‘colegas’.” Com esta declaragao, Holt se demitiu em 1918 da reira externa restringe o professor. Entretanto, “seu horizonte
Universidade Harvard e se mudou para uma ilha ao largo da intelectual esté confinado aos limites das percepgdes triviais e
costa do Maine. dos preconceitos” de seus orientadores conservadores. Para 0
Entretanto, os inimigos mortais e os crfticos severos da éxito académico, “o primeiro requisito é uma mediocridade
vida académica néo podem simplesmente, ser postos de lado ampla e agressiva”4/
Max Weber, um pro- Os ataques contundentes de H.L. Mencken & academia sio
como te6ricos fracassados ou rejeitados{
fessor muito bem-sucedido, sugeriu certa vez que todos aqueles da mesma época. Ele apresentou suas predisposigdes: “Todos
que queriam ser académicos deveriam responder a seguinte per- os meus instintos estéo do lado dos professores. Aprecio um
gunta: “Em s& consciéncia, vocé acredita que pode agiientar o homem que se dedica com tanta diligéncia a um tema. [...]
fato de mediocres atrés de mediocres, ano apés ano, ascendam Sou naturalmente mondstico”. No entanto, a investigagio n&o
mais que vocé, sem se tornar amargurado esem sofrer um resulta em.um quadro favordyel. O professor, ameagado por
colapso?” Ele acrescentou: “Descobri que raros homens con- todos os lados, esté “quase invariavelmente inclinado a buscar
seguem suportar tal situagao’ f sua prépria seguranga em uma inanidade meliflua — ouseja,
{Os dois ataques mais duros contra a vida universitéria longe de ser um corajoso porta-voz de idéias e apéstolo de
americana estio impregnados de dentincia de corrupg&o do co- sua livre expansao [...] ele tende a ser o mais prudente e o
mego do século. Tanto The Higher Learning in America (1918), mais assustado de todos os homens”. O comportamento dos
de Thorstein Veblen, quanto The Goose-Step (1923), de Upton professores durante a Primeira Guerra Mundial é prova disso.

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Eles se constitufam, nao como umainfluénciarestritiva rativos do emprego e do progressp no mundo académico. Para
sobre a multidao selvagem, mas como os porta-vozes obter sucesso, nem o brilhantismo nem a contribuigéo ptblica
mais ruidosos das suas piores imbecilidades. Eles a ali- contam, pois ambos sao encarados com suspeita’ — sinais de
mentavam com histérias falsas, filosofia falsa, idealismo uma inclinagéo nao-profissional — mas a conformidade e os
falso, grandilogiiéncia falsa. [...] Eu acumulei, na- “contatos”, as conecgdes com instituigdes ou pessoas respeitd-
queles grandes dias, para o conhecimento e o horror da veis.,}
posteridade, uma enorme colegao de argumentos, de- Uma pesquisa sobre os docentes americanos conclui seca-
claragdes e pronunciamentos académicos. [...] Seu mente que, no inicio, “é muito mais o prestigio do titulo final
contetido varia desde solenes hinos de édio [...] im- e do orientador da tese do que produtividade intelectual
becilidades oficiais [...] até prelecdes infantis. que conduzirao a um bom emprego académico”. Asrealizacdes
profissionais posteriores, contudo, nao corrigem, mas reforgam.
(Apés Veblen e Mencken, as criticas corrosivas.a acade- este desequilibrio; o sucesso inicial assegura o sucesso futuro.
mia amainaram — até C. Wright Mills: Se Mills apreciava os “Uma vez assegurado o emprego inicial correto, que é mais
intelectuais, ele duvidava que as univétsidades pudessem pro- uma fungdo de prestigio do que de competéncia comprovada
teger ou favorecer os dissidentes. As vésperas de sua expansfo, [...] os empregos subseqiientes sao determinados pelo pres-
Mills caracterizava as universidades como “ainda o mais livre tigio do primeiro emprego.”(O éxito na universidade, conclui
fos locais para se trabalhar”. Nao obstante, “o professor, aci- Martin Finkelstein, resumindo estudos sobre as carreiras aca-
made tudo, é legalmente um empregado, sujeito a tudo o que démicas, depende mais do “prestigio e da visibilidade propor-
este fato envolve”. As instituigdes “selecionam naturalmente” cionados pela afiliagao institucional” ou “da proeminéncia e
os individuos maledveis, que sao influenciados “como, quan- do poder dos contatos” ou “do prestigio da instituicao na qual
do e sobre 0 que deverao.trabalhar e escrever”. Nao so as 0 individuo se formou”, do que da “qualidade ou da quanti-
listas negras, a policia secreta ou a prisio_que ameagam os dade da produco teérica do indivduo/}
intelectuais académicos, mas a inseguranga. A pesquisa dé “Lionel S. Lewis/confirma que a instituigao
onde se cursou a pé: Onstitui o fator decisivo para o
O problema maiscrucial da liberdade para os profes- éxito académico. “A admisséo em qualquer departamento, com
sores nado é o ocasional afastamento de um docente, excegado daqueles mais marginais, é na verdade vedada aque-
mas um vago temor geral — as vezes polidamente co- les que gostariam de encontrar uma posigio apenas com base
nhecido como “discregao”, “bom gosto” ou “julgamen- em sua capacidade de ensino ou nos resultados de suas
to imparcial”. E um medo que conduz & auto-intimida- pesquisas,”® .
gao. [...] As verdadeiras restrigdes nao sfo tanto as [Lewis conseguiu ter acesso a documentos secretos que in-
proibigGes externas quanto o controle dq rebelde pelos fluenciaram éxitos académicos — cartas de recomendagio solici-
acordos dos cavalheiros académicos.* tadas pelos candidatos a vagas no corpo docente. Por meio des-
sas cartas, ele percebeu que a habilidade e a simpatia inter-
Falta as/andlises recentes da vida académica — mais so- pessoais sio mais importantes do que a competéncia intelectual,
cioldgicas e estatisticas — a verve Ae Veblen ou de Mills., Mas ou até mesmo a inteligéncia.| “Apés ler com cuidado mais de
© quadro que elas apresentam também -néo entusiasma. Elas 3 mil cartas de recomendacdo [...] de varias disciplinas [...]
nao levam em conta o “ocasional afastamento” de um profes- nao seria exagero dizer que, como um todo, os académicos so
sor ou o papel das grandes empresas; antes, avaliam os impe- obcecados pelo desejo de serem rodeados por individuos carac-

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Noentanto, \este indice esté. cada vez mais sendo consi-
terizados pela simpatia, por personalidades conformistas e por
derado como.um ‘inétodo cientffico para identificar os tedricos
traquejo social.” Para os docentes, integridade, talento ou pro- que tém impacto em suas dreas; ele também esta sendo utili-
dutividade tém importancia secundaria, e freqiientemente nem
zado como um guia para promogao e prémios. Presumivelmente,
isso, em comparagfio com a habilidade que o individuo tenha de
quanto mais referéncias a um professor, maior sua importancia.
se adequar as regras dominantes. As universidades, que podiam Muitas citagdes de uma obra individual indicam que o autor
parecer “o tiltimo santuério para a iniciativa individual em uma ou a autora 6 importante; inversamente, poucas referéncias, ou
sociedade dominada pela psicologia da corporacdo”, conclui nenhuma, implicam que um autor 6 desconhecido irrelevante.
Lewis, tornaram-se um “reffigio” para o “apadrinhamento, as
“Se o indice de citagGes se tornar uma base para a promogio
decisées das comissdes, a sociabilidade, a insensibilidade, o
e@ a estabilidade, para subvengdes e bolsas”,, comenta John
provincialismo”?
Wiener, “as implicagdes para as proprias notas de rodapé de
Em termos claros,{estes estudos indicam que a escola que se um autor sao claras./No mercado das idéias, a nota de rodapé
freqiienta ¢ as pessoas que se conhece, néo o que se faz, sfio os
€ a unidade monetéria. [...] Um autor deve certamente citar
fatores cruciais. Nao € a qualidade do trabalho, mas as relagdes seus amigos [...] ¢ fazer o que for possivel para que eles
sociais que permeiam o sucesso académico. E claro que isso pode © citem em retribuigao. [...]”1™7
ser exagerado: um estudante vadio de Harvard pode se dar tao Como qualquer estudo quantitative de Teputacdo, o indice
mal quanto um da Universidade Estadual do Médio Tennessee.) é circular. Ele nao mede a qualidade do trabalho, mas o im-
N&o hégarantias ou recompensas autométicas; no entanto, um pacto e as conecgdes. Entretanto, se for utilizado para avaliar
exame das carreiras académicas indica uma preponderancia da- carreiras, as ligSes para o professor ambicioso so claras: lance
queles individuos mais bem relacionados. O professor da Fa- umarede ampla, estabelega o m4ximopossivel de relacdes m-
culdade Estadual Black Hills em Spearfish, Dakota do Sul, que tuas, nao se isole da corrente dominante. Por isso, compensa
se doutorou pela Universidade de Dakota do Sul e publicou no apenas citar os outros em notas de rodapé, mas planejar
um étimo livro pela editora da Universidade de Nebraska, sera a prépria pesquisa de modo que ela se entrelace com as
profissionalmente invisivel. O professor da Universidade Prince- contribuigdes de outros; eles se referem a vocé assim como
ton que se doutorou por Yale e publicou umadissertagio pela vocé refere a cles. Todos prosperam com os estudos acuca-
MITPress ser4 um especialista respeitado, regularmente citado, rados.
convidado e financiado. x
[até mesmo a tiltima invengao no campo da pesquisa, os
indices de citagdes de rodapé, estimula umaerudic&o diferente It
e domesticada] O Social Science Citation Index [Indice de Ci-
tagdes em Ciéncias Sociais], um volume macigo publicado trés
yezes por ano, xetira de milhares de publicagdes especializadas O estudo das especializacdes € em si uma ocupacao; mas
as referéncias em notas de rodapé artigos e livros especificos. (as investigagdes sobre a profissionalizacao académica — salé-
Buscando-se um determinado autor, digamos C. Wright Mills tios, influéncias de classe, composicio étnica e sexual, posigfo
ou Daniel Bell, encontra-se uma lista dos artigos de jornal on- social — no conseguem aferir a dimensdo cultural fundamen-
de Mills ou Bell foram citados. Em principio, isso permite a tal, Esta é freqiientemente esquecida ou subvaliada: a profissiona-
um pesquisador encontrar o material onde Mills ou Bell, ou os lizacéo conduz a privatizagio ou a despolitizagao, a transferén-
assuntos relacionados, sao discutidos — ou pelo menoscitados. cia da energia intelectual de um dominio mais amplo. para

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uma disciplina mais restrita. Os esquerdistas que entraram na em um de seus primeiros ensaios, “Jah
resberichte,* monografias
universidade dificilmente inventaram este processo, mas 0 acei- e Publicagées sem fim ocupam o
vazio. [...] Se os antigos
taram e até o aceleraram. O préprio marxismon&o ficou imune; escoldsticos mais velhos gastavam seu tem
po de trabalho apa-
nos tiltimos anos ele se tornou um “campo”profissional arado 4 ° on de velhos manuscritos
[...] 0 novo escolastico
por_especialistas, +++] t ont
cara criticaad
as criti
a casEcom
tas quaiis outros escolést
Astiicos criti
iti-
(Bose apenas sugerir com tragos mais amplos de que
modo algumas disciplinas sucumbiram 4 profissionalizacao. ; Sua Reconstruction in Philosop
hy [Rec
onstrugaio em Filo-
Mills, mais uma. vez, é esclarecedor, pois seu primeiro trabalho sofia], censurava o- “afastamento
[da filosofia] do cendrio
examinou o recolhimento da filosofia americana aos enclaves atual”. Para Dewey, “as especificida
des, os problemas e o con-
universitérios. Sua tese de doutorado estudou a “profissionali- tetido da filosofia se desenvolvem
a partir das pressdes e dos
zagio da filosofia” desde a Guerra Civil, a migragao da filo- esfo
rcos na vida comunitéria”, Para esta vida
losofia deve retornar, a fim de “readqui comunitéria a fi-
sofia para as universidades. No século XX, os professores de rir a vitalidade que esté
filosofia em tempo integral, com suas préprias organizagdes e perdendo”.44Essas palavras estdo na nova introdug
Wey escreveu pata seu texto de 1920 &o que De-
periédicos, substitufram os advogados, bibliotecdrios e cientistas, . Elas implicam uma vi-
a “intelligentsia relativamente livre” que outrora constitufa a 8a0 coer ente; implicam também quea filosofi
iessioe Povuca atencZo a Dewey. a do século XX
filosofia americana. Mills apresentou até alguns ntimeros so-
bre o “declinio” da filosofia, sua presenca cada vez menor na esde o infcio de sua carreira Dewey busc
Como Jovem instrutor, ele tentou lanc ou um i
arena ptiblica. Ele pesquisou o ntimero de artigos sobre filo- ar Thought woe
sofia em revista de interesse geral e descobriu que & medida hibrido de folheto ¢ jornal, cujo obje
tivo era trazer a filosofia
que as publicagdes especializadas proliferavam, o “volume de para ©mundo cotidiano. Este “jor
nal’* Prometia discutir, ngo
atengio” na midia geral diminufa.'! Os filésofos cada vez mais ‘as idéias filos6ficas per se, mas [..
-] tratar dé questdes de
preferiam se dirigir uns aos outros.J ciéncia, literatura, estado, escola e
igreja, como partes da vida
Embora langasse algumas dévidas sobre as realizacdes de humanae,portanto, de interesse com
um, e nao relegé-las a do-
Dewey, Mills valorizava o pragmatista como tltimo fildsofo cumentos isolados com interesse merame
nte técn ico” 15 Como
publico, um pensador cuja dedicag#o a um ptblico democr4tico Professor estabelecido, cle escrevia
regularmente para o New
e a um conhecimento “liberal e livre” o colocou em oposigao Republic © participava de intmeras
causas e comissées, alertando
& tendéncia profissionalizante.!? Talvez isto ainda caracterize a © piiblico para este ou aquele mal. Um
exemplo: aos 78 ()
posigéo de Dewey nafilosofia. Evidentemente, Dewey nao foi anos, Dewey dirigiu a Commissio
n of Inquiry in Mexico City
esquecido. Mas seu status nos departamentos defilosofia pode [Comissaio de Inquérito na Cidade
do México] que investigava
ser como o de Freud napsicologia, indicado em umaleitura as seats soviéticas contra Trot
sky.16
introdutéria como um precursor venerével, mas pouco cien- | 0 entanto, Dewey nao era uma ex
Zo; ele i
tifico. lizava toda uma geracdo de fildsofo
s, Brie Kuldick, ml
livro sobre a filosofia da Universi
Ao longo de: toda a sua vida longa.e produtiva, Dewey dade Harvard, The Rise of
American Philosophy [A Ascensio
sempre criticou a filosofia académica. Ele apresentou suasidéias da Filosofia Americana]
(que nfo menciona Dewey, que ensi
em ptiblico ¢ para o ptblico; ele era um publicista, que lamen- nava em Chicago e Nova
York), conclui que desde William
tava o escolasticismo ‘filoséfico. “A cela monéstica se tornou James e George Santayana,
Os professores de Harvard renuncia
um salio de palestras profissionais; uma multidao intermin4- ram a um piblico mais, amt:
vel de ‘autoridades’ tomou o lugar de Aristételes”, escreveu ele (*)Rolatorios anuais. (N. 7.)

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plo. Kuklick encerra seu trabalho refletindo sobre o “triunfo individuais, ela nao pode ser nem uma teoria sobre politica in-
telectualmente distante nem um mero conjunto de slogans”1®
do profissionalismo”. Os professores de filosofia que surgiram
apés a Segunda Guerra Mundial “‘ndo tinham consciéncia de que Uma observagao similar é feita por John E, Smith em
a filosofia americana era outrora importante fora da universi- The Spirit of American Philosophy [O Espirito da Filosofi
a
dade; e, se tinham consciéncia, desprezavam a imprecisio, a Americana] . Smith, que também se baseia em Dewey, lamenta
ralta de clareza e a ignorancia grosseira de seus predecessores. que afilosofia americana tenha se tornado “completamente uma
[...] Ao contrério de seu proeminente papel como orientadora questo académica”. A vitéria generalizada da filosofia anali-
tica britanica reduziu a filosofia a “um didlogo interno entre
da vida, no século XIX,a filosofia de Harvard em meados do
profissionais”. A maior parte dos filésofos abandonou os vin-
século XX tefletia a irrelevancia da especulagao filosdfica para
culos com questdes mais amplas, negligenciando histéria, litera-
a vida”. Os novos filésofos “gastam seu tempo em tarefas bu-
rocraticas, em reunides de comissdo, organizando conferéncias e
tura, religiéo e arte. “O declinio da filosofia como uma voz
Sneanie na vida cultural poderia ser invertido, ele espera, se
editando periédicos. Quando os profissionais limitados se vol-
tavam para seu trabalho intelectual, pensavam nele como um Seaot de uma concepgao mais ampla da experiéncia
jogo [...] uma forma, nfo dese confrontar com o problema da
existéncia, mas de evité-lo”.17 | Richard J. Bernstein, autor de um livro sobre John Dewey,
Esta é a conclusio de Kuklick, um historiador ¢ nao-ini- registra a “crescente inquietagéo na filosofia”, acrescentando
ciado em filosofia; mas,(fios tiltimos anos, os préprios especia- que este salutar desassossego é parcialmente estimulado por uma
listas comegaram a soar cautelosos alarmes sobre suas proprias reavaliaggo de Dewey. “Nao € acidental que um filésofo como
disciplinas. Eles indagam se a profissionalizacdo ou a privati- Richard Rorty, que criticou brilhantemente muito da esterili-
zag&io nfo teria ido longe demais; se nao seria necessrio re- dade e da irrelevancia da filosofia recente, cite Dewey”, soli-
cuperar uma cultura publica. Nas areas da filosofia, literatura, citando “um retorno ao espirito do pragmatismo de Dewey.”
economia, ciéncia politica e estudos internacionais, livros e arti- | £ provavel que esses apelos venham a ter pouco impacto.
gos tém questionado o 6nus da profissionalizacéo, Obras como pois a filosofia se provou quase completamente imune a refornia,
Reconstructing Public Philosophy [Reconstruindo a Filosofia Eg claro que a auto-avaliagio de cada disciplina ocorre em sua
Publica], de William M. Sullivan, Literatura Against Itself [A propria velocidade. Entretanto, o auto-escrutinio filoséfico pode
Literatura Contra Si Mesina], de Gerald Graff, The Tragedy bem ser ° mais lento, porqud_a filosofia americana promoveu
of Political Science [A Tragédia da Ciéncia Politica] de David uma pericia técnica que repele o pensamentocritico; seu fetiche
M.Ricci, contestam disciplinas inteiras, freqiientemente acusan- da Idgica ¢ da linguagem excluiu a todos, com raras excegGes,
do uma profissionalizagéo subjacente. que poderiam repensar a filosofia, um empreendimento por yes
zes levado adiante por colegas de ciéncia politica, sociologia
Quanto ao esforco filoséfico, John Dewey agigantou-se, pe-
Jo menos para William M.Sullivan, que buscou revigorar uma
ou histéria.|
filosofia publica. “Desde a morte de John Dewey [...] ne- ; Como em qualquer disciplina, indicios de reforma e auto-
critica :podem ser vislumbrados — as vezes nos locais menos
nhum filésofo profissional americano desempenhou um papel im-
Provaveis.?? Nao obstante,(@ filosofia parece ser, dentre as hu-
portante na vida cultural e politica americana fora de circulos
manidades, a que mais segue a rotina, a mais inacessivel 4 mu-
especializados”, escreve Sullivan.1* Ele reivindica uma filosofia
danga.Por esta razio, diferentemente da sociologia ou dalite-
piblica que esteja “intimamente vinculada aos costumes, 4 com-
ratura ou da hist6ria, as publicagdes dissidentes de filosofia tem
preensao pratica da vida cotidiana. Se € para manter sua auten-
tido vida curta e pouca repercussdo. Talvez seja ilustrativo 0
ticidade e seu poder de infundir significado aos atos ptiblicos

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destino de um periédico filoséfico, o Telos. Este periddico foi tamento de filosofia disposto a patrociné-lo. Por algum
fundado em 1967 por estudantes pés-graduandos do departa- tempo, um departamento de sociologia (da Universidade Wash-
mento de filosofia da Universidade do Estado de Nova York, ington) tolerou o Telos, mas depois de setenta edigdes’ vo-
em Buffalo. Insatisfeitos com a rejeicao dafilosofia européia por lumosas desde sua fundagio, o Telos (¢ seu editor Paul
seus professores, eles organizaram seu proprio semindrio sobre Piccone) nao estava mais vinculado a qualquer departamen-
Jean-Paul Sartre, apds 0 que decidiramlangar um novoperiddico. to ou universidade. Além disso, entre seu grande grupo
Nas palavras do editor, Paul Piccone, eles se propunham a de consultores editoriais — mais de 25 — apenas dois ou
resgatar a filosofia da “trivialidade e da insignificaricia” 25 Os trés Ocupam cargos em departamentos de filosofia; a maior
primeiros. némeros estabeleceram a ténica das futuras carac- parte leciona em departamentos de ciéncia politica, socio-
teristicas do Telos: artigos longos e densos que introduziam e logia, histéria ou literatura. ,
analisavam filésofos europeus pouco conhecidos; em geral - Certamente, o Telos pode representar um método tedrico
de tendéncia fenomenoldgica, como Enzo Paci e Karel Kosik. nao mais Iticido ou piblico do que filosofia que ele nao péde
Noterceiro e quarto niimeros, o Telos passou ao exame do subverter. Entretanto, seu fracasso na consolidagéio de uma pre-
estruturalismo francés, de Antonio Gramsci, Herbert Marcuse senga, ainda que minima, na filosofia indica que a profissdo
e George Lukécs (cuja principal obra ainda nfo era disponivel esta, armada contra o questionamento critico. Quando uma dis-
em inglés). “Agora se reconhece”, afirma um estudo sobre a ciplina permite a existéncia de pensadores ou periddicos dissi-
histéria do periddico, “que o Telos foi um dos mais impor- dentes, isso atesta uma disposicao de reconsiderar sua linguagem
tantes érgdos de divulgacéio do marxismo europeu junto aos lei- e suas tarefas ¢ até mesmo de sonhar em recuperar um ptblico.
tores de Ifngua inglesa.’”** . 0 auto-escrutinio tem sido mais promissor em outras dis-
Quase vinte anos depois, Telos continua a divulgar e dis- ciplinas, como literatura ou os estudos internacionais, onde
cutir 0 pensamento filoséfico ¢ social europeu. Qual foi seu im- a autodestruicfo nao foi tao completa. Os estudos internacionais
| pacto sobre a filosofia americana? Em uma palavra: zero..O quase desconhecidos enquanto disciplina académica antes da
terreno pedregoso da filosofia profissional se revelou improdu- Segunda Guerra, constituem um exemplo classico de profissio-
tivo. Isto se refletiu na propria maneira como o periddico se nalizago ¢ seu Gnus. Quando o governo dos Estados Unidos
via. Originalmente chamado de “a publicacao oficial da Graduate e as fundag6es privadas redescobriram o mundo, especialmente
Philosophy Association [Associagio de Pés-graduados em Filoso- durante e apés a guerra, eles canalizaram verbas para que as
fia] da Universidade do Estado de Nova York, em Buffalo”, ele universidades 0 estudassem. Robert A. McCaughey, em um re-
mais tarde se reapelidou de “um periddico filoséfico definitiva- cente livro sobre estudosinternacionais, com o subtitulo A Chap-
mente fora da corrente dominante do pensamentofiloséfico ter in the Enclosure of American Learning (Um Capitulo no
americano”. Esta era uma definico incompleta e afinal o pe- Cercamento do Ensino Americano], argumenta que a criagdo
tiddico abandonou a referéncia & filosofia; desde entio, ele se © a subvencfio dos programas de estudos internacionais provo-
define como, entre outras coisas, “uma publicagao trimestral caram a transferéncia de conhecimentos e interesses “da comu-
interdisciplinar internacional” e, mais recentemente, “uma ‘pu- nidade intelectual americana em geral para as universidades”
blicagao trimestral do pensamento critico”. — com resultados duvidosos.25
© afastamento em relagio a filosofia profissional néo era ’ Nas universidades, diz ele, o aprendizado sucumbiu astea-
simplesmente uma questdo tedrica. Quase nenhum dos jovens lidades conhecidas. Para o jovem académico, escrever para um
filésofos que fundaram o Telos foi contratado como professor ptblico geral era “arriscar que o considerassem insuficiente-
de filosofia. O préprio petiédico nfo encontrou nenhum depar- mente sério [...] na drea dos estudos internacionais, os do-

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centes ambiciosos obtinham maior reconhecimento — ¢ prova- tes. Os especialistas que os substituiram, produtos de
escolas de
velmente mais acesso & estabilidade — com a publicacao de pos-graduacao institutos de elite de estudos intern
acionais,
artigos em sua drea ou nos periddicos de sua disciplina”. Estas sabem menos sobre o assunto e desejam menos ainda
questionar
presses tiveram um prego: a disciplina se yoltou para dentro. as decisées do governo.
O novo e préspero campo dos estudos internacionais, conclui David Halberstam atribui parte do colapso no Vietna
d ao
McCaughey, fracassou no enriquecimento da vida cultural pé- expurgo dos China Hands ¢ a sua substituic&o por
intelectuais
blica, pois se tornou “antes de tudo e quase exclusivamente’ de Harvard, “os melhores. e os mais brilhantes”, que
sé co-
um feudo académico.?6 nheciam a Asia através de textos e monografias. John
Paton
Embora se abstendo de julgamentos severos, McCaughey Davies, do Servigo Diplomético, que viveu na China,
foi final-
indica que os teéricos especializados em estudos internacionais mente afastado do governo em 1954, apés ser submetido
a no-
eram mais subservientes as fundages e ao governo do que Os con- ve investigagdes da seguranca. (Ele foi inocentado com reluta
ncia
sultores independentes de um perfodé anterior; os especialistas catorze anos mais tarde.) Halberstam comenta que a safda
de
académicos raramente se arriscavam a contestar a politica oficial. Davies significou para os Estados Unidos “o fim de um
tipo
No auge dos protestos contra a Guerra do Vietna, quando su- de conhecimento e pericia no trato de assuntos asidtic
os. O
postamente eles teriam algo com que contribuir, os especialis- melhor havia sido destruido e os novos peritos eram difere
ntes,
tas em estudos internacionais destacaram-se pela auséncia’ mais medfocres. [...] Os americanos que sucederam a
John
Evidentemente, este fato dé margem a varias interpreta- Davies seriam muito diferentes, ¢ estavam determinados a im-
gées. Estes estudiosos estavam ausentes Porque sua corajosa Por aos povos asidticos as versdes e definicgdes americanas
dos
busca da verdade os levou a apoiar a estratégia americana? Ou acontecimentos. Tornou-se mais fécil ser operacional do que
suspeitavam que poriam em risco subveng6es e avancos futuros teflexivo”.29
se questionassem abertamente as decisdes do governo ameri- A ciéncia politica é um campo muito mais amplo e mais
cano? oe 7
difuso que o dos estudos internacionais, mas estudos recentes
[Outro estudo sugere que muitos “especialistas qualifica- efetuados por David M. Ricci, em The Tragedy of Political
dos”questionavam o governo naliteratura “erudita”, mas nao Science, e Raymond Seidelman, em Disenchanted Realists [Rea-
se arriscavam a fazé-lo em.ptiblico. Por qué? Porque nao po- listas Desencantados], detectam sintomas avancados do (pro-
diam se permitir ganhar a desaprovacao de seus colegas, oe blema mais geral; a ciéncia politica se restringiu a um tedios
o
quais eram ligados ao governo por vocagao, dinheiro e valores.\ e limitado passatempo profissional.\Quem sio os cientistas
po-
“© cientista politico arrisca claramente sua carreita quando as- liticos importantes? pergunta Ricci. Aparentemente niio hé
sume uma posig#o em assuntos politicos.”** ne--
nhum. Ele sugere que “o ntmero cada vez menor de grandes
McCaughey nfio examina a questdio sob o aspecto das ge- pensadores e a crescente proeminéncia das universidades” es-
racdes, mas outros tém observado uma evolucao _desastrosa, na téo relacionados entre si. Além disso,[o desaparecimento dos
qual especialistas académicos mais jovens emais doceis subs- intelectuais plurivalentes significa que os cidadfos americanos
tituem, na elaboragio da politica e no servico diplomatico, os atualmente recorrem, quando necessitam de informagdes, aos
consultores independentes mais velhos. Em virtude de suas his- especialistas. No entanto, a obra desses especialistas reflete suas
t6rias pessoais, familiares ou empresariais, os chamados China préprias situagdes na universidade, nfo as necessidades do
Hands conheciam profundamente a China e possufam os meios ptiblico.9|
para contestar a posicao oficial sobre Chiang-Kai-Shek — ©paga- Seidelman e Harpham tragam a ascensio e a fragmenta-
ram porisso sendo afastados ou relegados a postos insignifican- gao da ciéncia politica especializada concluindo que esperangas

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despertadas com a criag&o da disciplina, de fazer circular co- tude”, “conflito”, “pressio cruzada”, “jogo”, “intera-
nhecimentos em uma coletividade informada, revelaram-se in- ¢a0”, “pluralismo”, “socializaggo” e “valoracio”’.
fundadas. [...] Apesar das justificativas formais, o principal
motivo [...] para incessante. criagdo de novos ter-
Tanto a fé quanto o foco que orientam a ciéncia po- mos na ciéncia politica tem menos a ver com a subs-
litica americana deram lugar a hiperespecializacao, re- tancia da ciéncia do que com o fato de ela ser- um
sultando na negligéncia de problemas e questées poli- empreendimento organizado.5?
ticas importantes. [...] Simultaneamente, o pibli-
co externo da ciéncia politica diminuiu e até mesmo (as pressdes das carreiras e da publicaciio intensificam a
fragmentacio do conhecimento. Na medida em que a quantidade

desapareceu. [...] A ciéncia politica americana se for-
mou e se desenvolveu com a expectativa e esperanca de publicages, nao a qualidade (que foi classificada em quinto
de conquistar a atengfo e a deferéncia de um ptiblico lugar em um estudo), conta — e podee deve ser levado em conta
de massa e daselites ilustradas e progressitas [...] — a tendéncia é “a remodelaciio constante da abrangéncia de
[mas] a ciéncia politica € agora uma instituigio, nao ciéngia politica em dominios cada vez menores de especializa-
uma cruzada.t ¢ag’’(Quandoos quintaisintelectuais so subdivididos, o ntimero
de competidores também diminui, tornando mais facil a ascensfio
Com um material diferente, Ricci argumenta de maneira do especialista. Em um periodo de seis anos, a disciplina reco-
similar. A American Political Science Association [ Associa- nheceu oficialmente 33 novos subcampos. Artigos que outrora
go Americana de Ciéncia Politica] expandiu-se, mas seus en- eram legiveis ou pelo menos interessantes, tornaram:se absolu-
contros e publicagdes sao “menos interessantese inteligiveis aos tamente herméticos e enclausurados.5>
generalistas* nao-académicos”. O crescimento do jargio neste Go os temas discutidos refletem a cautela e a preocupagiio
campo indica, nao as necessidades da verdade, mas umGim: - comas carreiras. Os cientistas politicos parecem de modo sis-
tialismo académico, onde os professores podem reinar sobre os teméatico ignorar os problemas mais urgentes. Por exemplo, em
microcampos. O vocabulério, que a ciéncia politica compartilha um periodo de dez anos (1959-69), as trés principais publica-
com a sociologia e os estudos internacionais, reduz o conflito gdes de ciéncia politica publicaram apenas um artigo sobre o
humano social a diagramas e graficos computadorizados; es- Vietna (dos 924 trabalhos!)/ Durante este mesmo periodo, o
principal’ periédico, American Political Science Review, publi-
sas disciplinas encaram a sociedade como um problema de en-
cou um tinico estudo sobre a pobreza e trés sobre crises urba-
genharia,
nas. Comoos cientistas politicos jovens necessitam de subven-
Um manualtipico, escreve Ricci, relaciona as palavras tra-
gOes para a pesquisa e recomendagdes de apoio — e quanto
dicionais e recomenda que os. cientistas politicos as substituam
mais recomendagdes, melhor — os tépicos inofensivos ¢ as
por termos especializados.
abordagens tecnocrdticas minimizam a possibilidade de recusa.
Retratar os cientistas politicos como pesquisadores da verdade
Entre as antigas estariam palavras como “absolutis-
poderia suscitar algumas risadas; a maioria deles esté visando
mo”, “justiga”, “nagio”, “patridtico”, “direitos”,
subveng6es.*4
“sociedade” e “tirania”. Entre as novas estariam “ati-
A sociologia dificilmente parece em melhor situagio. H4
(*) Generalist, no origin embora oficiaimente no consts do nosso veméculo mais de quinze anosAlvin-Goiie et) publicou uma avaliacao
oficlal, 0 termo “gener tem sido crescentemente utilizado em algumas dress, critica da sociologia, The Coming Crisis of Western Sociology
tais como a medicina ntraposigéo ao especialista. (Nv T,)

168 169
[A Crise Vindoura da Sociologia Ocidental]. Sua esperanga de muito poucos, pois menos de 5,1 por cento dos 2.559 artigos tra-
que as sociologias académica e marxista pudessem se transfor- tavam daqueles problemas. Durante esse periodo de enormes mu-
mar reciprocamente, ironicamente acabou se realizando embora dangassociais e politicas, o mecanismo de selegao dos colegas se
nao da maneira como desejava; é cada vez mais dificil dis- revelou irresistivel para os socidlogos — este foi seu tépico
tingiii-las. No entanto, ainda soa verdadeiro seu ataque a um favorito, Além disso, as contribuigées de autores individ
uais
funcionalismo sociolégico que adotava um vocabulario técnico rapidamente declinaram, substituidas Por artigos assinados por
que menosprezava a violéncia, o poder e a desigualdade en- equipes e grupos. “As publicagdes de um s6 autor cafram de
quanto problemassociais. Das oitocentas pdginas de The Struc- 69,4 para 2,4 por cento! Essa mudanga notavel indica una
ture of Social Action [A Estrutura da Ago Social], de Talcott passagem da pesquisa ‘empresarial’ para a pesquisa ‘corporativi’
Parsons, apenas quatro séo dedicadas a violéncia.3> € a ascenséo da pesquisa .subvencionada.”%9
Gouldner declarou que as vidas dos proprios sociélogos O que fazer? Para a ciéncia politica, Ricci propde uma
afetam sua disciplina. Alguns, escreveu Gouldner, séo “profes- estratégia que, infelizmente, testemunha o poder da profiss
sores aristocraticos” e “grandes proprietérios”. ao.
Ele sabe que qualquer académico jovem que desafia frontal-
A maioria vive existéncias suburbanas; nao poucos tém mente a disciplina acaba narua. ‘Wo inicio da carreira”, acon-
casas de veraneio; alguns viajam muito. [...] A tex- selha ele, “6 recomendavel exibir qualidades irrepreensiveis de
tura didria da vida do sociélogo o integra no mundo competéncia profissional, expressando opinides prudentes e
como ele 6. [...] E um mundo em que o socidlogo Publicando textos que nao sejam polémicos. Esta tética
se move para frente e para cima. [...] Sua prépria auxiliaré os jovens estudiosos a obterem a estabilidade."\ Uma
experiéncia pessoal de éxito recobre com um sentimen- vez conseguido isso, “‘a intrépidez se torna mais factivel”; hd
to apropriado sua concepgao da sociedade nointerior até a possibilidade de se expressar “algumas” idéias em “inglés
da qual isso ocorreu.3¢ claro”.40 Infelizmente,{ Ricci nao compreende, ou se esqueceu,
que sua estratégia langa mao de recursos velhos — e sofre as
Gouldner também acusou o funcionalismo de Parson de falhas da velhice: nada muda. juando por fim a posigéo reque-
dominar a profisséo, nao devido a sua superioridade teérica,
rida e a seguranga forem atingidas, o talento, ¢ até 0 desejo, de
mas antes porque a associacio de Parson com Harvard confe-
riu a seu sistema um prestigio automatico. A medida que os pensar intrepidamente ha muito ter atrofiado,>
departamentos de sociologia em expansdo contratavam os gra- Seidelman e Harpham responderam em parte a sugestfo
duados de Harvard, as teorias de Parson eram difundidas por de Ricci. Em um mercado académico em retragiio, o velho di-
toda parte.27 tado “publicar ou perecer” nao é mais suficiente.
As coisas mudaram desde o livro de Gouldner; mas nao
muito, Até a teoria parsoniana, durante alguns anos pratica- Hoje em dia é inteiramente possivel publicar e perecer,
mente esquecida, pode estar retornando.8® Recentemente, uma se a publicacaio nao ocorrer nos periédicos certos com
socidloga estudou a publicacao socioldgica oficial, American os editores certos e com criticas universalmente elogio-
Sociological Review, em um periodo de mais de 45 anos (1936- sas. Nao se pode dizer que este seja um sistema que
82). Patricia Wilner esperava encontrar os socidlogos discutindo tecebe bem os parias. [...] Na ocasiio em que o
cruciais acontecimentos politicos e sociais — a Guerra Fria, 0 afortunado vencedorrecebe o cobigado prémio da es-
macarthismo, movimentos de protesto; ela inicialmente se per- tabilidade em umainstituigado importante, quem po-
guntou comoclassificaria todos aqueles artigos. Mas encontrou deria — ou iria — estragar tudo?#t

170 171
O campo da economia exibe caracteristicas similares.Em A situagao, concluiu Leontief, deve se manter assim enquanto
“The Poverty of Economics”, [A Pobreza da Economia] {Ro- os economistas veteranos “continuarem a exercer um rigoroso
bert Kuttner, um economista independente, acusa a profissao controle sobre o treinamento, a promogao e as pesquisas dos
de conformismo e irrelevancia. Os economistas empregam cada membros mais jovens do corpo docente”.‘4 Segundo Kuttner,
vez mais modelos mateméticos complexos, nao simplesmente Leontief esta “‘téo sem esperancas em relag&o a sua profisséo
porque estes poderiam esclarecer a realidade, mas porque faci- que deixou de publicar em periddicos de economia”.‘®
litam a publicagio; os modelos permitem a_redag&o de arti- Em seu levantamento da disciplina Kuttner detecta um
gos que nao trazem nenhuma informagio nova, Ele nos recorda ritmo que varia com a geragio; os tinicos economistas que ain-
que Wasily Leontief (n. 1906), um dos mateméticos mais home- da confrontam lucidamente a realidade econémica séo os mais
nageados da profisséo e ganhador do Prémio Nobel, tem com idosos ou os aposentados. 7Uma geracio atrds, a economia es-
freqiiéncia censurado 0 culto elaboragéo de férmulas matema- va bem mais comprometida com a observagfo, com a discussaio
tizadas.® e com sua prépria histéria intelectual. As celebridades de mea-
Leontief se queixou, em uma palestra a economistas em dos do século viveram a depressio e a guerra, assistiram ao
1970, que “a industria de elaborag&o de modelos matemé- estremecimento de verdadeiras instituigdes econdmicas, traba-
ticos se transformou em um ramo dos mais prestigiados, possi- Iharam em agéncias econémicas. [...] A maior parte deles
velmente o mais prestigiado da economia”. Infelizmente, “‘o en- agora ji morreu.” O que Kuttner chama “os grandes econo-
tusiasmo acritico pela formulacéo matemética tende freqiien- mistas idiossincréticos da ultima geragio”, inclusive John Ken-
temente a ocultar o contedédo efémero da argumentagéo”. A neth Galbraith’ (n. 1908) e Albert Hirschman (n. 1915), “di-
maior parte desses modelos é posta de lado apés a publicagéo fundiram seu trabalho por um amplo piblico, mas deixaram
porque nao tem aplicagio ou validade; outros sfio descartados poucos seguidores na disciplina’. (Pode-se acrescentar Robert
somente porque surge uma versio mais nova’ e mais sofisticada. Heilbroner [n. 1919] ‘e Robert Lekachman [n. 1920] a esta
Além disso, este estado de coisas parece se autoperpetuar; os lista.) Estes hereges concordaram que “se fossem jovens profes-
economistas mais jovens tém recebido a mensagem.Eles “‘pro- sores assistentes, tentando praticar seu tipo de economia atual-
gridem em suas carreiras construindo modelos mateméticos cada mente, no conseguiram a estabilidade”. A ortodoxia é refor-
vez mais complicados”. Leontief solicitou aos economistas que cada “pela sociologia da profissao, pela politica de quem é pu-
retornassem nao apenas A investigacdo empfrica, mas também blicado ou promovido e quem consegue ter sua pesquisa sub-
0 “ptiblico mais amplo” que eles abandonaram.‘* vencionada”.*6
Mais recentemente, Leontief examinou o principal perié- Recentemente emergiu das profundezas da categoria uma
dico da profissio, The American Economic Review, por um critica timida, que 6 também uma autocritica. Donald N. Mc-
periodo de mais de oito anos (1972-76, 1977-81) e descobriu Closkey, hé muito vinculado & “escola” de economia da Uni-
que a maioria dos artigos empregava modelos matematicos sem versidade de Chicago, julga que a economia anglo-americana
quaisquer dados; apenas 1 por cento utilizava a informagao “apesar de suas cintilagdes brilhantes” produziu “até agora
direta apresentada pelo autor. “Ano apds ano os economistas muitos economistas estropiados”, que sao “carregados pela his-
teéricos continuam a produzir grande numero de modelos ma- t6ria”, “ignorantes de sua civilizaggo”, “irrefletidos em sua
tematicos [...] e os econometristas aplicam fungdes algébri- ética ¢ irreflexivos no método”.‘7
cas de todos os tipos possiveis a conjuntos de dados fundamen- McCloskey examinou também as contribuigdes para The
talmente idénticos.” Nenhum dos dois progride na compreensio American Economic Review e descobriu que dos 159 artigos
da “estrutura e funcionamento de um sistema econdmico real”. extensos publicados no perfodo de 1981-83, “apenas seis utili-

172 173
zaram apenas palavras”. O uso obsessivo de estatfsticas, dia-
@ obra de Fogel, a partir de seu livro sobre as ferrovias
gtamas e “simulagio explicita” prejudicou o campo de estudo.
ilustra amplamente os custos da especializacaio; ele contin
As contribuigGes “nao sao nem sequersuperficialmente acessiveis ua
ao ptiblico leigo; e os jovens economistas supervalorizamuma a militar em defesa do que chamade histéria “cientifica”
(em
estreita, e ocasionalmente tola, engenhosidade técnica”Para contraposigao & “tradicional”). Na opiniao de Fogel, os “cien-
McCloskey, a cruzada do “cientificismo, behaviorismo, opera- tistas” so pesquisadores diligentes com aventais de laborat
ério
cionalismo, positivismo econdmico” — o fetiche da ciéncia em que utilizam estatisticas sofisticadas; os historiadores tradicio-
geral — “sobrevivem & sua utilidade”. nais sio sonhadores, poetas — osliteratos. Os achados e rela-
Embora ele nao explique por que os economistas se uni- tos dos economistas cientificos nao sfio mesmo destinados a
ram a esta cruzada, McCloskey alude a umapeculiar vulnera- serem lidos pela plebe. “A maioria dos cliometristas”, nos diz
bilidade dos intelectuais de Nova York ag_culto da ciéncia,) Fogel, acredita que o “‘piiblico adequado” para seus
trabalhos
Ele examina cuidadosamente Railroads and American Economic “ndo sfo aqueles que Iéem a historia por prazer” —
o desdém
Growth [As Ferrovias e¢ 0 Crescimento Econémico Americano, aqui € palpdvel — “mas aqueles capazes de avaliar
e validar
1964], um livro que estabeleceu a reputagao de, Robert W. os frutos dos trabalhos cientificos — nao um ptblico amplo,
Fogel, que ele chama de “o Napoleio da revolucao cliomé- mas um gruporestrito de especialistas altamente treinad
os, vst
trica* na histéria econémica”.® Fogel inaugurou uma aborda- (Macigos esforcosequipe, de acordo com Fogel,
so a
gem cientifica da hist6ria econdmica que tem sido amplamente “marca registrada” da historia cliométrica. “Um artigo
recente”,
imitada. anuncia elé orgulhosamente, “envolveu nada menos
que dez
Nascido no Bronx, Fogel (n. 1926) se encaminhou tarde autores.” Desde que eles consideram valiosos “os fatos
e as
para a economia, apés uma juventude dedicada politica radi- regularidades comportamentais”, a “voz” pessoal é considerada
cal. Uma posig&o incerta em uma disciplina incerta — “um um “defeito”. Fogel e seus especialistas se retinem
nos insti-
campo distintamente de direita e goyisch**, segundo McCloskey tutos sonhando com novos adeptos. Ele relaciona vitérias
pas-
— inspirou sua retérica e abordagem cientificas, sadas. “A abordagem cliométrica se desenvolveu aceleradamen
te
na: histéria econémica € tem sido a forma predominante de
As necessidades da politica académica requeriam isso. pesquisa neste campo. [...] A maioria dos artigos nas princi-
Nao houve e nao ha departamentos de histéria econd- pais publicagdes de histéria econémica, dos Estados Unidos
”,
mica na América do Norte. [...] Em 1964, na Amé- se vangloria Fogel, “sio agora completamente matematicos, ¢
rica, a hist6ria econ6mica estava na defensiva nos de- os cliometristas predominam na lideranga da Economic History
partamentos de economia, rejeitada como coisa antiga Association [Associagao de Histéria Econémica] .’52
pelos novos tecnocratas que se pavoneavam na drea Embora Fogel desfrute de éxito profissional, a capacidade
com suas reluzentes armaduras. [...] Era essencial de seus ntimeros de esclarecer a realidade hist6rica permanece
queos jovens historiadores econédmicos provassem ser questiondvel. Em 1974, Fogel, juntamente com Stanley L. En-
tecnicamente capazes. [...] Fogel repetidamente exi- german (n. 1936), publicou Time on the Cross: The Economics
be o brilho de sua armadura econémica. of American Negro Slavery [O Tempo na Cruz: A Economia
da Escravidao Negra Americana] uma obra em dois volumes,
(*) CHlometria: aplicagio dos métodos desenvolvidos em outros campos (como
economia, estatistica © processamento de dados) 2o estudo da histérla. (N. T.) que se vangloria de sua abordagem cientifica ¢ quantitativa ¢
(**) Termo usado pelos judeus para designer os nfc-jideus, (N. T.) Ce a histéria da escravatura em uma nova base. Mas
174
175
rf

A intervengao de Gutman foi caracteristica ¢ assinala que


suas deficiéncias exemplificam os/males que assombram o fe-
alguns historiadores nadam contra a corrente da especializacao.
tiche dos métodos: os ntimeros e 0Smétodos mascaram a pro-
A histéria sempre atraiu radicais e marxistas que buscam redes-
pria realidade. A hist6ria “cientifica” se transforma em ficcao
cobrir a histéria nao contada de uma nag&o ou dos trabalha-
cientifica.
dores ou das mulheres ou das minorias, Aqueles da esquerda,
Pelo menos em patte, Time on the Cross buscava estabe-
como Gutman, que ingresssaram na carreira, permanecem leais
lecer que o trabalho escravo era mais produtivo do que os
tedricos previamente pensavam e que esta produtividade depen- a seu compromisso em um duplo sentido; eles nao querem sim-
dia menos de punigdes externas que de uma ética do trabalho plesmente resgatar o passado, mas resgaté-lo para os partici-
inata. Herbert G. Gutman, em seu ataque veemente, Slavery pantes — para um ptblico. Por esta razfio, os historiadorés
and the Numbers Game [A Escravidao e 0 Jogo dos Néme- americanos que escrevem sobre trabalhadores, escravatura, fa-
ros], achou as provas ¢ abordagem lastimavelmente inadequa- milia, mulheres e as origens da Guerra Fria informaram e até
das.5° Por exemplo, Fogel e Engerman examinam osregistros influenciaram as discussées ptblicas. William A. Williams (a.
da proprietério de uma fazenda que, durante varios anos, as- 1921), Eugene Genovese (n. 1930), Howard Zinn (n. 1922),
sinalou quando agoitava seus escravos. Eles fizeram as compu- Christopher Lasch (n. 1932) e outros escreveram livros de lei-
tacdes requeridas e conclufram: “O registro mostra que no tura agradével — desde The Tragedy of American Diplomacy
curso de dois anos foi administrado um total de 160 chicotadas, [A Tragédia da Diplomacia Americana, 1959] até The Culture
uma média de 0,7 chicotadas por escravo ao ano”.5* Para Fo- of Narcisism [A Cultura do Narcisismo, 1979] — que falam
gel e Engerman, esta era uma prova quase cientffica de que os de assuntos piblicos.
escravos nao eram levados a trabalhar pelas punigdes, pois as A prdépria obra de Herbert Gutman é tfpica no sentido
chicotadas nao eram freqiientes a ponto de serem eficientes. em que ele buscavatirar a histéria da academia e lancé-la em
Gutman demonstra que Fogel e Engerman calcularam mal campo aberto. Filho de judeus imigrantes, Gutman (1928-85),
o némero de escravos da plantagao; mas mesmoaceitando os que cra ativo na politica de esquerda, freqiientou o Queens
termos deles, ele questiona a significancia dos nimeros — College ¢ a Universidade Columbia antes de se transferir, ao se
“0,7 chicotadas por escravo.ao ano”. O que significa isto? De preparar para o doutorado, para a Universidade de Wisconsin,
fato, retraduzindo, significa que “um escravo — ‘em média’ — em Madison, tradicionalmente receptiva a uma esquerda indepen-
era chicoteado a cada 4,56 dias. Trés escravos eram chicoteados dente e aos estudos sobre o operariado.5¢ Mais tarde,ele lecio-
a cada duas semanas”. Isto sugere um nivel mais angustiante nou na Universidade Farley Dickinson, em Nova Jersey, e na
de violéncia. O método defeituoso de Fogel e Engerman, de- Universidade de Rochester, antes de retornar para a Univer-
clara Gutman, se arrisca a obscurecer a realidade. “Sabe-se, sidade da Cidade de Nova York.
por exemplo, que ‘em média’ 127 negros eram linchados. por Os textos de Gutman eram menos monografias técnicas do
ano entre 1889 e 1899.Comose podeestabelecer esta média? Su- que interveng6es piiblicas, Seu livro The Black Family in Sla-
ponha que 6 milhdes de negros viviam nos Estados Unidos em very and Freedom, 1750-1925 [A Familia Negra na Escravidio
1889. [...] Serve para algo saber que ‘os registros revelam © em Liberdade, 1750-1925], foi diretamente provocado, como
uma média de 0,0003 linchamentos por negro ao ano,de forma ele declara em sua primeira frase, “pela amarga controvérsia
que cerca de 99,9997 por cento dos negros nao foram lincha- Publica e académica em torno de The Negro Family in America:
dos em 1889?’” Para Gutman,o significado da violéncia social The Case for National Action [A Familia Negra na América: O
no pode ser deduzida de médias. Argumento pela Mobilizagaio Nacional], de Daniel P. Moyni-

176 177
han.’”57 Gutman atacou a crenga de que a familia negra foi diéncia interna. Embora alguns desses historiadores — nova-
destruida e desorganizada pela sociedade americana; ele queria mente em parte inspirados por Gutman — tenham muito re-
mostrar que ela contém uma capacidade de recuperacao e uma | centemente buscado “remediar” a “negligéncia frente a his-
Vitalidade notdveis. Ele também queria solapar as implicages t6ria popular e ao piiblico em geral”,®? é dificil identificar os
politicas do relatério Moynihan de que a causa da pobreza ne- sucessores de Williams ou Gutman ou Lasch.
gra est4 na famflia negra e nao, como Gutman acteditava, no Justamente esta questdo foi levantada por um jovem historia-
desemprego e no racismo estruturais.5 dor. “Onde esto os jovens historiadores da esquerda?” per-
oh
Gutman, um pioneiro da “nova” histéria social que pes- gunta Casey Blake (n. 1956), professor do Reed College.
quisa os subterraneos ignorados da histéria — os trabalhadores, “Ocupados com suas carreiras académicas”, escreve ele, “os
os negros e as minorias invisiveis — temia que essa histéria historiadores radicais de 25 a 35 anos. deram pouca atengaio
pudesse esquecer suas obrigagdes piiblicas; ele alertou. contra nos Gltimos anos as questdes mais amplas. [...] Os jovens
“© impulso de fragmentag&o na nova histéria social”, Uma par- historiadores de esquerda com muita freqiiéncia produzem obras
te grande demais da histéria é “classificatéria em demasia, es- que apenas completam teses anteriores ou as aplicam a novos
tatistica e comportamental em demasia. [...] A nova histéria grupos sociais ou a novas dreas geogrdficas com resultados j4
s

social sofre de uma superespecializag&o muito restritiva’”’.*9) Des- previsiveis.”®° Se isto € exato — Blake isenta alguns historia-
contente com este academicismo, Gutman se langou em um dores feministas — o futuro da histéria radical seré pouco
projeto, ainda em andamento, cujo objetivo é divulgar a his- diferente daquele das outras disciplinas.
toria, o American Social History Project [Projeto da Histé-
ria Social Americana], que est4 apresentando uma edigtio po-
pular em dois volumes da hist6ria do movimento sindical ame-
ticano, Who Built America? [Quem Construiu a América?], Ill
assim como uma série de exibigdes de slides e filmes destina-
dos a um ptiblico amplo\®
O trabalho de Gutman é inegavelmente poderoso ¢ in- Em parte alguma o impacto da entrada da Nova Esquerda
fluente. Mas serd possivel que ele pertenga a um mundo cul- na universidade foi tio grande quanto no pensamento marxista.
tural quase abandonado? Poderiam Williams ou Gutman ou Ha 25 anos, o marxismo estava quase ausente da universidade;
Lasch ser intelectuais “de transigao”, mantendo um obsoleto atualmente, subdividido em ciéncia politica, sociologia, histé-
compromisso com um ptblico externo a disciplina? Lasch, ou- ria, teoria literdria e outras dreas, 6 ensinado na maioria das
trora colega de Gutman e Genovese, apontou as diferengas en- principais universidades.
tre a sua geracfio de historiadores e aquela de seu professor, . Como em muitas indistrias americanas, as importagdes do-
Richard Hofstadter. Sua propria geragfio teve dificuldades pa- minam o mercado académico marxista — mais ou menos pelas
ra compartilhar .do profissionalismo confiante de Hofstadter: mesmas raz6es daquelas operantes no caso dos automéveis. Em-
“Nés nos sentimos desconfortdveis na vida académica e fre- bora o produto final seja 4s vezes montado nos Estados Unidos,
qiientemente em desacordo com a profissfo e com a universi- © marxismo externo parece mais gil, mais bem projetado; ele
dade.”6! No entanto, talvez esse mesmo desconforto os tenha acelera com mais facilidade. E mais bem acabadoe polido. Por
impelido a buscar um ptblico fora da universidade. Ironi- que se ficar beeepane desajeitados modelos americanos? Um
camente, os historiadores da Nova Esquerda parecem mais aco- recente estudo sobre o marxismo filoséfico, realizado por um
modados nacarreira universitéria, mais satisfeitos com a au- professor americano, contém capitulos inteiros sobre Georg Lu-

178 179
inc al
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dual naquele hors texte ou terreno nao mencionado (non-dit)
kécs, Karl Korsch, Antonio Gramsci, Max Horkheimer, Jean- de intolerdvel contradigao que ele nao pode admitir’.6? Mas o
Paul Sartre e Jiirgen Habermas, mas apenas referéncias cit- que nao “ele”, ou mais exatamente, nosso autor, nao: pode ad-
cunstanciais a colaboradores americanos.“ mitir € que/o’ verdadeiro texto € a promogao ¢ a autopromoggo
Na 4rea mais ampla dos estudos marxistas, no entanto, das carreiras.
um americano é freqiientemente citado como um candidato 4 mundo esté sendo arrastado para o desastre nuclear, a
altura dos europeus| Fredric Jameson foi considerado como o poluigao global e a fome, mas um critico marxista escrevendo
mais original e influente dos jovens pensadores marxistas da sobre outro negocia brilhantemente com futuros académicos
stuatidadal “reconhecido em toda parte”, afirma a introdugéo marxistas] Como lhe parece o mercado? Excelente para os anos
de um volume a ele dedicado, que Jameson é “um — talvez vindouros, embora a qualidade néo esteja bem a altura do
o — importante critico marxista de nossa época”’.® Seus livros, padrio parisiense. “Nés estamos [...] no meio de uma explo-
desde Marxism and Form [Marxismo € Forma, 1971] até The sfo da teoria, e varios tedricos mais jovens exibem sinais de
Political Unconscious [O Inconsciente Politico, 1981], sao re- répido desenvolvimento, mas até agora Jameson é 0 tnico tra-
feréncias fundamentais; e seu autor alcancou os cumes acadé- balhando em inglés que escreve no mesmo nivel dos pés-estru-
micos, tendo sido convidado por v4rias universidades — Yale; turalistas franceses,”68
Universidade da Califérnia, em Santa Cruz; e Universidade Du- Jameson nao pode ser responsabilizado pelos pecados de
ke, onde atualmente leciona.,Poucos.negarao que Jameson seja seus devotos seguidores entretanto, vale a pena examinar um
um pensador de rara energia e comprometimento. Poucos po- fragmento da obra de Jameson em queele aborda uma questdo
deriam contestar, também, que seu mundo é aquele da univer- publica, Em um ensaio recente, Jameson identifica a arquite-
sidade: seu jargao, seus problemas, suas crises. Enquanto os tura como um notdvel exemplo de “pés-modernismo”, um tépi-
criticos radicais e marxistas do passado — Lewis Mumford, co favorito dos criticos literdrios. Para Jameson, pés-modernis-
Malcolm Cowley’— nunca abandonaram fe ptblico, Jameson mosignifica a “supressao” da fronteira entre a cultura de elite
jamais 0 procurou; seus escritos séo destinados a seminérios.| e a chamada cultura de massa ou comercial; isso implica a
O fato de que a obra:de Jameson j4 deu origem a uma emergéncia de novostipos de “textos”. Os pés-modernistas rom-
consider4vel literatura secundaria atesta tal diferenca. Nao era peram com o elitismo dos criticos‘anteriores que desdenhavam
necessério ninguém para orientar um leitor através de Mumford a cultura popular. “Os pés-modernistas na verdade ficaram fas-
ou Wilson ou Trilling pela simples razo de que eles mesmos cinados precisamente por toda esta paisagem ‘degradada’ de
eram suas melhores apresentagdes; eles escreviam para serem quinquilharias e kitsch, das séries de televisiio e do Reader's
lidos. Trés anos apés a publicagio de The Political Uncons- Digest, dos antincios e dos motéis. [...]””6%
cious, no entanto, uma editora universitéria langou um ‘Jivro Sob este Angulo, Jameson examina varios “textos” pds-
para auxiliar os nao iniciados a compreendé-lof* Este livro, Ja- modernistas, inclusive um “edificio completamente pés-moder-
meson, Althusser, Marx: An Introduction to “The Political Un- no” que oferece “algumas surpreendentes licdes sobre a origi-
conscious” [Jameson, Althusser, Marx: Uma Introdugfio a°“O nalidade do espaco pés-modernista”. Este edificio é o Bona-
Inconsciente Polftico”], constitui um exemplo claro dos méto- venture Hotel, em LosAngeles, projetado e construido por John
dos eticamente ditbios da academia. Portman, que é também o arquiteto do Peachtree Plaza Hotel,
Professores. desatualizados sio informados de que a obra em Atlanta, e do Renaissance Center, em Detroit. A marca re-
de Jameson pressupée “uma boa parte do pensamento sério gistrada de Portman tem sido o Atrio com diversos planos, um
realizado nos tiltiinos anos sobre a. narrativa”. Também lhes monumental espacointerior com fileiras de balcdes e butiques ¢
6 dito que seu objetivo maior é “a revelagaio: do texto indivi- realgado por vestibulos abertos, espelhos d’dgua ¢ fontes.

180 181
N
Elevadores de vidro deslizam por este espaco brilhante e, NoBonaventure, entretanto, as entradas so
pequenas, “la.
no caso do Bonaventure, chegam quase ao teto, de onde se terai
s” ¢ “mais propriamente entradas de servi
go”. “O que
descortina uma vista de Los Angeles. No cimo datorre prin- eu quero inicialmente sugerir sobre essas entradas
curiosamente
cipal, eqitidistante de quatro cilindros idénticos que abrigam despercebidas € que elas parecem ter sido
impostas por alguma
os quartos do hotel, gira um bar circular. Mesmo os mais nova categoria de encerramento que governa
o espaco interior
severos criticos de Portman admitem.que sua franca devocao do proprio hotel.” Corresponde a este novo €spa
co “uma nova
aos edificios lucrativos e populares é interessante. Ele nao so- pratica coletiva, um novo modo pelo qual
a os. individuos se
fre, obseryou um critico italiano, “daqueles complexos que tor- movem ¢ se retnem [...] uma espécie nova
wy e historicamente
oooh turam o intelectual europeu’”.” Talvez por esta razo as original de hipermultidio”.78
pessoas paregam gostar do seu trabalho — pelo menos,osvisi- Mas isso nao é tudo, Repetidamente,
Jameson confessa
tantes de outras cidades sao freqiientemente levados por amigos que Ihe faltam palayras, pois o “hiperespago
” pés-moderno do
Bonaventure transcende a Percepgao €
para andar nos elevadores. a cognicao individuais,
Contudo, seu entusiasmo pelos elevadores
O que Jameson faz disso? Ele nao consegue parar de elo- e escadas rolantes,
que sao “opostos dialéticos”, suscitam algu
giar ou descrever o Bonaventure. Sugere que cle transcende ns pensamentos adi-
cionais. Eles ilustram algo da forma narra
os termos convencionais e até mesmo a experiéncia convencio- tiva, onde og visi-
tantes so conduzidos através de varios caminhos
nal. ,
No Bonaventure, no entanto, enco
ntramos um aumento
Estamos na presenga de algo como uma mutag&o no dialético deste processo: [...] as ascadas rolan
tes e
proprio espaco construfdo. [...] Nés [...] os seres os elevadores daqui em diante substituem o movi
men-
humanos que se encontram por acaso neste novo es- to, mas também e acima de tudo designam
a si mes-
paco, nfo mantivemos o passo com essa evolucao. mos como os novos sinais e emblemas refle
xivos do
[...] N&o possuimos ainda o equipamento percep- proprio movimento. [...] Aqui o passeio
narrativo
tivo para enfrentar est? novo hiperespago. [...] A foi sublinhado, simbolizado, reificado e subst
itufdo
arquitetura mais moderna [...] se coloca-como um Por uma m4quina de transporte que se torna sign
i-
imperativo para que se desenvolvam novos érgaos, pa- ficante alegérico daquele passeio antigo [...] ¢
isso
ya expandirmos nosso sistema sensorial ¢ nosso cor- é uma intensificagdo dialética da auto-referencia
lida-
po para dimens6es novas,ainda inimaginaveis [. ..].74 de de toda a cultura moderna.”

Hé varios problemas nesta homenagem marxista ao


Esta excitada introdugdo estimula Jameson; em conformi- Bo-
naventure: o primeiro é 0 préprio Bonaventure.
dade a um etos pés-moderno, o Bonaventure decisivamentere- O critico cul-
tural marxista, equipado com ostltimos avangos
jeita o elitismo. Diferentemente dos edificios modernos clés. do desconstru-
cionismo e da semiética, nao pode descobrir o que a
sicos, que eram imponentes e distantes, o Bonaventure estd “‘in- mais
simples investigacao revela, A construgaéo que James
serido” na malha urbana, Suas entradas exemplificam esta re- on acredita
ser transcendentalmente pés-moderna, requerendo novos
lagio muito diferente com a cidade. Os velhos e suntuosos 6rgdos
para compreendé-la, é palpavelmente pré-moderna; ela
hotéis encenavam uma “passagem da rua para o interior mais sugere
menos um espaco futurista que os fossos e os castelos feudais.
antigo”. As construgdes do International Style eram atos de O Bonaventure reduz o contato com as pessoas de fora atravé
s
“ruptura”, 72 do uso de paredes macicas’¢ entradas mintisculas. Ele tem sido

182
183
descrito como um exemplar perfeito da arquitetura de forta-
lezas. Se um dosprincipais criticos marxistas pode
se tornar elo-
Jameson considera as entradas curiosamente invisiveis co- qiiente em relagdo a “insergio” do Bonaventure
na cidade sem
mo representantes de alguma nova categoria de espaco. Nao tropecar no fato de que ele expressamente exclu
i, assim como
exatamente. Elas sfo pequenas e pouco visiveis a fim de man- desvitaliza a cidade, isto sugere que (e “expl
osfo” teérica mar-
ter distante a populacao local, predominantemente pobre his- xista tem a forga de uma pausa para café
durante um semi-
panica. Um repérter chamou a entrada principal de “um pe- nario} Que um — 0? — importante critic
a, queno buraco perfurado em uma enorme parede de quatro an-
o marxista se entu-
siasme com hiperespaco, nova atividade coleti
va, hipermulti-
dares de concreto”.’5 Pois o Bonaventure, construfdo em uma does; que seja necessério que um ‘critico néo famil
iarizado com
area urbana renovada, nao é para os habitantse locais; as ver- © Dicionério de Jargio Marxista (revisado)
levante questées
dadeiras entradas séo para os carros dos visitantes e homens sobre 0 acesso de pedestres e a incoeréncia
espacial, tudo isso
de negécios. O hotel &praticamente inacess{vel a pedestres, co- indica umateoria que se alimenta de si mesma.|
O. problema
mo qualquer um que tentou pode confirmar; visto da calgada, € nao s6 0 jargiio excessivo de Jameson, mas
o proprio jargao:
© edificio € uma “casamata”.7® tudo € texto e mais texto] A prépria metré
pole evapora, Cer-
A incoeréncia do Bonaventure, que deixa quase todos tamente, isto € apenas uti exercicio Passa
geiro para Jameson;
os visitantes confusos, tem menos a ver com novos espagos dia- seus principais textos dizem respeito & literatura.
Mas seu ar.
léticos do que com a velha incoeréncia de arquitetos mais in- tigo exemplifica as falhas do novo marxismio acadé
mico.
teressados no deslumbramento que no projeto. Um artigo sobre te novo marxismo se aproxima de (na verda
de em parte
este edificio, que € positivo mas nao acritico, declara que em- promove) um “péds-estruturalismo” que se conce
ntra em textos,
bora “todo complexo funcione bem, tanto como ponto de refe- signos e significantes como a matéria-prima da
interpretacao.
[Na medida em que este método, inspirado por Jacqu
réncia quanto comofocovisual, o vasto pédio de concreto em es Derrida
e Roland Barthes, coloca que “nfo hé nada externo
que as torres repousam nfo interage bem com a vizinhanga”. ao texto”
“a interpretago de qualquer cadeia de significante
O limitado acesso a partir da rua ameaga todo o projeto. O s € neces-
sariamente apenas outra cadeia de signos”,” ele
espago interno é “grande e certamente excitante”, continua a tanto abdica
da preocupagio com um contexto social ou mater
critica, mas é também “desorientador e carece de claridade e ial — ou
deixa de avaliar sua importincia — quanto encor
foco”.77 aja infinitas
espirais de comentarios.
5
[Gerald Graff, pictsioe de inglés, denunciou
Essas mirfades de colunas e as continuas ¢ sinuosas essas abor-
dagens que Sugerem quea literatura refira-se apena
escadas de concreto cinzento do hotel servem apenas s a si mes-
ma. Ele acredita que a voga das metainterpretag
para confundir, mais do que para reforcar, o impac- des — inter-
pretagdes cada vez mais forgadas e absurdas basea
to do espaco central. [...] O Bonaventure Hotel é das em ou-
tras interpretagdes — é a forma da Profissionaliza
um labirinto de tal complexidade que seus héspedes gao em uma
€poca de capitalismo avangado’}Com apenas um trago
tém se queixado justificadamente de que se enganam deironia,
de cilindro ¢ andam literalmente em cfrculos, As ten- Graff declara:
tativas recentes de diferenciar as quatro torres idén-
Da mesma forma que uma economia pés-escassez po-
ticas com estreitas faixas coloridas provaram ser um
de requerera liquidagio das limitagdes morais tradicio-
gesto débil quando se considera a imensidao dos des-
nais, o profissionalismo académico pode requerer uma
filadeiros no espaco central.78
inovacfo critica radical como condigao de sua expan-
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185
outros especialistas de esquerda, os economistas radicais man-
sao. Onde a “produc&o” quantitativa de estudos e cri- tém um compromisso com o grande ptiblico; eles regularmente
ticas € uma medida importante do éxito profissional, fazem conferéncias e “cursos” de vero especialmente criados
14 tém de ser abandonados princfpios estritos de pro- para o piiblico externo interessado. Quase isolada entre os agru-
va, evidéncia, consisténcia Iégica e clareza de expres- pamentos académicos de esquerda, sua organizacao publica pan-
sao. Insistir neles significa colocar um entrave no pro-
fletos ¢ livros para um ptblico leigo.) Por exemplo, a URPE
gresso.,Na verdadé, aplicar princfpios estritos de editou um livro sobre os cortes no orgamento dos servicos so-
objetividade e comprovag&o as atuais publicagdes aca- ciais. Este volume, Crisis on the Public Sector: a Reader [Crise
démicas seria compardvel a fazer com que a economia no Setor Pablico: Uma Coletanea], busca nao somente instruir,
americana retornasse ao padrao ouro: o efeito seria mas também “auxiliar 0 processo de organizacaio de umares-
o imediato colapso do sistema. A nova onda de impro-
posta & crise do setor ptiblico e & tend@ncia atual de ‘cortes’ 2788
visagdes paracriticas e metacriticas na critica [...]
Tudo isso é motivo para celebracio; e deveria também ser
pode ser um estimulo necessdrio ao crescimento indus-
colocado em perspectiva. As realizagdes dos economistas radi-
trial em uma época em que se desgastaram os mé-
cais tém sido limitadas, apesar' de serem numerosas ¢ de indis-
todos convencionais de publicag&o profissional.®
cutivel talento. Nao € possivel citar um liyro de autoria de um
economista radical jovem que esteja no mesmo nivel — de
Charles Newman, refletindo sobre a obsessao dos profes- escrita ou de verve — daqueles de autoria da dltima geragao
sores com a metateoria, concorda: “A teoria se torna uma de economistas radicais, desde Paul Sweezy até John Kenneth
moeda infinitamente utiliz4vel, a barreira final da inflagao’”.8t Galbraith. Mesmo os melhores trabalhos deste grupo mais jo-
A teoria do fetichismo, que Marx expés, se transforma em seu vem, como, por exemplo, The Fiscal Crisis of the State [A
oposto, o fetichismo da teor: a Crise Fiscal do Estado], de James O’Connor, tendem a ser di-
Poder-se-ia supor que a devocaio dos pensadoresliterérios fusos intrincados; os textos parecem cada vez mais trazer a
marxistas (e nfo marxistas) 4 teoria autodevoradora nao con- marca homogeneizadora do “didlogo” universitério.
taminasse os professores marxistas de economia, inevitavelmente Democracy and Capitalism [Democtacia ¢ Capitalismo] ,
mais atentos as realidades sociais e econdémicas. A espécie de por exemplo,o tiltimo livro de Samuel Bowles e Herbert Gintis,
professores de economia marxista é em si nova nas universi- dois destacados pensadores da URPE, contesta a teoria politica
dades americanas. “Se hd um tinico professor nos Estados Uni- convencional; mas nao consegue se libertar de sua linguagem
dos que lecione economia politica e admita ser socialista”, es- € suas preocupagées. Os autores justificam o fato de terem igno-
creyeu Upton Sinclair em sua vasta excursao de 1923 pela aca- rado o marxismo europeu do século XX e seus “elegantes estu-
demia americana, “este professor é uma agulha que fui incapaz doscriticos” (comopsicologia e filosofia!) porque essas “teorias
de encontrar em nosso palheiro académico.”®? Atualmente, Sin- em geral nao incorporam a légica da escolha individual em seu
clair encontraria diizias de agulhas. aparato conceitual, néo compreenderam a importancia critica
Os economistas radicais e marxistas consolidaram suapre- dos aspectos microssociais da atividade macrossocial ¢ nao ado-
senga em varias universidades. Durante alguns anos, sua orga- taram o status de emancipagio da liberdade individual”.8*
nizacéo, a Union for Radical Political Economists — URPE Esta (duvidosa) proposicéo abre caminho — j4 é 0 caminho
[Unido dos Economistas Politicos Radicais] e sua revista Review — para a linguagem e as idéias da teoria politica académica.
of Radical Political Economics, foram as instituigdes académi- Apesar de seus esforgos salutares, e éxitos ocasionais, em
cas da Nova Esquerda mais bemsucedidas{Diferentemente de Ultima andlise poucos economistas radicais parecem capazes de

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resistir aos imperativos profissionais. A economia politica ra-
© coragem, nenhum outro grupo marxista americano conseguiu
dical vem constantemente adotando, ou sucumbindo, a forma igualar. Quando marxistas de outros paises utilizam colabora-
dores americanos, € principalmente a esses autores queele
e ao estilo da economia tradicional.8* Esta é a conclusio de s se
Paul A. Attewell em Radical Political Economy Since the Six- dirigem. No entanto, a escola da Monthly Review carece
de
ties [A Economia Politica Radical Desde os Anos 60]. Ele su- sucessores para levar adiante seu trabalho. E possivel aponta
r
gere que inicialmente.a gerago dos anos 60 produziu um “‘co-
Tacunas em todas as 4reas — como a dos sucessores de Trilling
ou Wilson ou Mumford ou Mills —, Mas, no caso dos sucess
nhecimento académico de esquerda” que contestou o conheci: ores
mento econ6mico prevalecente. No entanto, o fervor, a identi- de Sweezy e Baran, a lacuna é gritante.
dade, e talvez a raison d’étre, da economia politica radical de- a Identificar 0 marxismo da Monthly Review como uma
clinam a cada ano, escola” paralela 4 academia é, evidentemente, simples demais.
Paul Baran (1910-64)°7 levou uma vida tipica dos intelec
A histéria que Attewell conta é velha;as pro- tuais
europeus de esquerda: muitos exilios, muitos paises, muitas
fessores marxistas se defrontam com a hostilidade da pro- car-
reiras. Nascido na Rissia e educado em Frankfurt e Moscou,
fissio. Sob o sistema da estabilidade, eles so “dependen-
viu-se forgado a viajar pela ascencao de Hitler e a consolidagao
tes”, com um tempo determinado para provar sua respeitabili-
dostalinismo. Em seguida a uma pequena temporada cuidando
dade. “Esta pressdo”, escreve Attewell, “se manifesta como uma
do negocio da familia na Polénia, Baran emigrou para os Esta-
tentativa de adotaro estilo académico ‘cientifizar’ a formac&o
dos Unidos ¢ ingressou em Harvard. Ele trabalhou em varios
académica marxista.” Cada vez mais, relata Attewell, mais eco-
6rg&os governamentais durante a guerra, inclusive no United
nomistas radicais “legitimam seu trabalho adotando um estilo
States Strategic Bombing Survey [Departamento de Bombar
erudito, publicando em jornais respeitdveis e enfatizando as ba- deios
Estratégicos dos EUA], sob a supervisio de John Kenneth Gal-
ses empiricas rigorosas de seus argumentos, os quais freqiien-
braith, que o chamaya de “um dos mais brilhantes e, de
temente usam técnicas quantitativas de andlise”. Embora man- longe,
© mais interessante economista que jé conheci”.8?
tendo a aparéncia de radicalismo, em geral através da escolha ,
dos tépicos, “as presses profissionais” os levaram “a adotar Em conseqiiéncia da guerra, ele mais uma vez andou de
um lugar para outro — Department of Commerce [Departa-
os princfpios da corrente dominante do discurso ¢ do método
académicos”.*] mento de Comércio], Federal Reserve Bank [Banco da Reserva
Federal] — até que a Universidade Stanford © convidou
A vulnerabilidade &’s coacdes.académicas distingue os no- em
1949, um ato de que logo a administracao se arrependeria. Paul
vos marxistas daqueles economistas marxistas da tiltima gera- Sweezy explica: “Como a Guerra Fria e a caca as bruxas
go, situados fora ou noslimites das universidades. Talvez por esta-
vam ainda em seusestégios iniciais e ainda nao haviam lJangado
isso, diferentemente de Paul Baran e Paul Sweezy, que foram
capazes de atualizar lucidamente o marxismo (em Monopoly suas sombras malignas sobre as universidades do pais, ninguém
Capital [Capital Monopolista])(@ obra conjunta des numerosos estava muito preocupado com seu notério marxismo: muitos li-
economistas marxistas jovens parece mais fraca em contetido e berais, e até alguns conservadores, eram ainda ingénuos o bas-
impacto, No mundo da economia politica marxista, 0 fosso tante para acolher alguém que poderia expor pontos devista
entre as geragdes € tao largo quanto em outras dreas. radicalmente diferentes dos deles” 3°
Embora freqiientemente ignorados, os escritos de autoria . Dissipada a ingenuidade, Baran foi muito incomodado, e
dos associados a Monthly Review e, especificamente, os livros as vezes desmoralizado, por interferéncias semi-oficiais em sua
carga hordria, seu salario e autorizacdes para se ausentar, o que
de Paul Baran, Paul Sweezy, Harry Braverman e Harry Mag-
deixa pouca dtivida de que a universidade queria se verlivre
doff, constitufam uma escola que, em coeréncia, originalidade

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dele. Isso se intensificou apés a Revolugdo Cubana, que Baran mente metaltirgico e miliante trotskista, acabou se tornando
apoiou abertamente, viajando em 1960 até a ilha para se en- editor da Grove Press, Apés alguns anos, Braverman se demitiu,
contrar com Castro. ao ser recusada a publicagéo de um livro de Bertrand Russel
Um amigo comentou com Baran que tanto viu umapilha sobre o Vietna, transferindo-se entdo para a Monthly Review
de cartas de ex-alunos de Stanford solicitando sua demissio e Press, Harry Magdoff (n. 1913) trabalhou como economista para
a resposta oficial do reitor de Stanford. A réplica do reitor, varios érgios no periodo do New Deal e durante a Segunda
relatou Baran, “n&o demonstrava que a universidade estivesse Guerra; como muitos esquerdistas nos anos 50, pulava de um
comprometida com o principio da liberdade académica ou qual- emprego para outro — corretor da bolsa, vendedor de seguros
quer coisa’ desse tipo, mas enfatizava o fato de que ele estava — até se tornar co-editor da Monthly Review, com Sweezy,
enfrentando um problema muito dificil por causasde minha em 1969,
estabilidade académica. A questio do congelamento do meu sa- Na melhor das hipéteses, os livros da Monthly Review
lério, longe de ser tratada comoalgo secreto, esta sendo ampla- Press possuem uma clareza e originalidade raras entre os escri-
mente divulgada (entre os subvencionadores) para mostrar que tos marxistas; entre eles estio The Theory of Capitalist Deve-
nadaseria feito para ‘me encorajar a ficar aqui’. Baran acres- lopment [A Teoria do Desenvolvimento Capitalista, 1942], de
centou que ele se manteria “acima disso tudo”, mas “isso me Sweezy, que ainda nao foi igualado em sua exposigao da teoria
inflama” ¢ “abala meu sistema nervoso”.% Trés anos depois, e do debate marxistas classicos; Political Economy of Growth
em 1964, ele morreu de um ataque cardiaco. [A Economia Politica do Crescimento, 1957], de Baran, uma
O caminho de Paul Sweezy (n. 1910) foi quase inverso; obra decisiva na abertura da discusstio do “subdesenvolvimen-
ele freqiientou a Philips Exeter Academy e iniciou uma car- to”; Monopoly Capital [Capital Monopolista, 1964] de Baran-e
reira completa em Harvard: graduagio, pés-graduacio e assis- Sweezy, que, langando 0 nome da Nova Esquerda, é a mais
téncia no departamento de economia. A editora da universi- acessivel critica marxista da sociedade americana; The Age of
dade publicou sua tese sobre o comércio inglés de carvao. Du- Imperialism [A Era do Imperialismo, 1969], de Magdoff, uma
rante a guerra, Sweezy se licenciou, assumindo um cargo no introdugao marxista A politica externa; e Labor and Monopoly
Office of Strategic Service — OSS [Escritério de Servicos Es- Capital [Trabalho e Capital Monopolista, 1974], de Braverman,
tratégicos], um paraiso para muitos académicos e intelectuais um estudo profundo que suscitou muita discussdo sobre a “de-
de esquerda. Apés a guerra e em seguida a um periodo dees- sespecializagao” do trabalho.9?
tudo, ele se demitiu de sua posicdo em Harvard, reconhecendo A forga dessas obras nao podeser atribuida simplesmente
que “seus pontos de vista politicos e intelectuais impediriam sua as vidas de seus autores; tampouco pode ser completamente
estabilidade em Harvard”.* desvinculada delas. Os autores da Monthly Review estavam em
Varios anos depois, Sweezy fundou a Monthly Review, um sua maioria fora das universidades ¢ escreviam para o leitor
periddico socialista independente que até hoje ele edita. O esclarecido. Seus livros nfo séo novas versdes do dogma mar-
primeiro némero trazialo artigo “Por que o socialismo?”, de xista; nem monografias escritas para colegas. “O desejo de
Albert Einstein,JO periddico deu origem também a uma pe- dizer a verdade”, escreveu Baran, é “apenas uma condicg&o pa-
quena editora, a Monthly Review Press, cujo primeiro titulo ya se ser um intelectual. A outra € a coragem, a vontade de
foi o livro de I, F. Stone sobre a Guerra da Coréia, The Hidden realizar uma investigagao racional onde quer que ela possa
History of the Korean War [A Histéria Secreta da Guerra da conduzir [...] para resistir [...] ao conformismo conforté-
Coréia]. Os outros dirigentes da Monhtly Review Press serao vel e lucrativo.”® Eles so a ultima geraco de intelectuais
brevemente mencionados. Harry Braverman (1920-76), original- marxistas, tendo mais em comum com Edwmund Wilson e Le-
190
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wis Mumford do que com os marxistas universitérios que os dos colaboradores tenha desejado escrever uma
obrano estilo
seguiram. Como The Death and Life of Great American Cities, da Monthly Review; e 6 possivel que alguns ainda o facam
Monopoly Capital e Labor and Monopoly Capital tiveram su- .
Nao obstante, uma pesquisa abrangente do marxismo e da
eco-
cessores académicos, mas nenhum com o mesmovigor e a mes- nomia politica radical sugere que seu desenvolvimento é
seme-
malinguagem. Thante ao de outras disciplinas e subdisciplinas: os colegas subs-
As diferengas entre as geragdes de marxistas talvez pos- tituiram 0 piblico ¢ 0 jargio suplantou o inglés(Os marxistas
sam ser vislumbradas através do seguinte: quando Paul Baran americanos atualmente tém escritérios no campus e vagas
pri-
morreu em 1964, a Monthly Review publicou um volume co- vativas nos estacionamentos. \
memorativo, “um retrato coletivo”.*! Ele inclufa cerca de 38
textos sobre Baran, feitas por amigos e companheiros. A gran-
de maioria deles foi, escrita por intelectuais mais velhos —
estrangeiros ou nascidos no estrangeiro ou americanos educa- IV
cados no estrangeiro. A lista dos colaboradores ia de Joan Ro- -
binson, Isaac Deutscher e Ernest (Che) Guevara até Eric Hobs-
bawm, Otto Kirkheimer e Herbert Marcuse. Também inclufa A ascensio da geografia radical ilustra o problema que,
reflexSes de norte-americanos mais jovens, estudantes ou ami- de modo geral, ameaca os estudos académicos marxistas e neo-
gos de Baran: Peter Clecak (n. 1938), John O’Neill (n. 1933), marxistas — o sucesso. Richard Peet (n. 1940) conta que ele
Maurice Zeitlin (n. 1935) ¢ Freddy Perlman (1934-85). © seus amigos “nada” sabiam de uma tradicdo de geografia ra-
Quem eram esses quatro € o quefoifeito deles? Os trés pri- dical quando comegaram seus estudos. “A propria idéia de uma
meiros eram auxiliares de ensino ou professores assistentes quan- geografia radicalizada estava além da nossa compreensao.””
do Baran morreu; atualmente s&o conceituados professores de Quando eram pés-graduandos na Universidade da Calif6rnia, em
estudos americanos ou sociologia em importantes universidades Berkeley, o movimento estudantil os estimulou a redescobrir ¢
norte-americanas (Universidade da Calif6rnia, em Irvine; reinventar esta tradigfo, embora a geografia tenha sido o “dlti-
UCLA; Universidade de York,-em Toronto), Embora tenham mo” departamento a ser afetado pelo radicalismo.
contribuido de modo significativo para seus respectivos cam- Noinicio de suas carteiras como professores, eles se dis-
pos, pouco mantiveram doestilo de Baran. O dltimo, Freddy Persaram, aceitando postos docentes em todas as partes do pais.
Perlman, fundou uma editora anarquista em Detroit, a Black Na Universidade Clark, em Worcester, Massachusetts, Peet e
and Red, que durante anos publicou panfletos e livros. Sua outros decidiram criar um férum para amigos e simpatizantes.
editora ¢ seu nometalvez sejam reconhecidos por alguns pou- Em 1969 esses jovens teéricos fundaram o Antipode, um pe-
cos conhecedores daliteratura de esquerda.%* riddico de geografia radical. Com os.primeiros ntimeros abor-
Vinte anos depois, foi publicada umacoletanea em home- dando temas que a geografia tradicional raramente discutia a
nagem a Sweezy e Magdoff, com miuitas contribuigdes de norte- geografia da pobreza, do subdesenvolvimento, do urbanismo
americanos.°* Dos cerca de dezessete autores americanos mais — © jornal servia de catalizador para estudantes de pds-gra-
jovens, nenhum escreveu ainda um livro do calibre de Mono- duagao e para o corpo docente mais jovem. A obra de David
poly Capital ou Labor and Monopoly Capital; todos esses auto- Harvey, que estava comegando a aparecer, inspirou outros geé-
res, com apenas uma excecdo, lecionam em universidade. Evi- grafos a estudar o marxismo.
dentemente, como qualquerlista, esta oculta uma série de si- (Noinicio dos anos 80, os tempos mudaram e os gedgrafos
tuages e aspiragdes diferentes; é bem provavel que nenhum tadicais procuraram consolidar suas reputacdes dentro da pro-

192
193
A Union of Socialists Geographers [Unido dos Gedgra- universidade. A critica da academizagéo por uma
esquerda uni.
fos Socialistas] se tornou uma subsegiio oficial (Socialist Geo- versitdria € curiosamente débil — mais do
que a critica co;
graphy Specialty Group) [Grupo Especializado em Geografia servadora. Evidentemente, h4 alguma critica
radical Bassas,
Socialista] da Association of American Geographers [Associa- retrospectivamente em Veblen e Mills e, prospectiv
amente e
co dos Gedgrafos Americanos]. “Até os académicos radicais Noam_Chomsky,talvez seu mais forte exemplo
atual. "
com empregos seguros e estdveis” tiveram que se adequar & « ma desconfianga anarquista em relagio aos
intelectuais
tendéncia corrente se “quisessem ter alunos em suas classes ou omo agentes do poder permeia a abordage
m de Chomsky. Ao
obter 0 respeito dos colegas por suas publicagées”, comenta criticar os intelectuais americanos, Chomsky
invoca nao ay .
Peet. O fluxo de artigos para seu periddico, e mesmo o interes- Os anarquistas cléssicos, como Bakunin, como
também italy
se neles, diminuiu. “A propria geragio de geégrafos marxistas politicamente excéntrico dentre os intelectuais de
Nova York,
que ajudamosa radicalizar” nao mais enviavam artigos para 0 Dwight Macdonald. homsky inicia seu “A Responsabilidade
Antipode. “Publicar em um ‘periddico respeitado’ havia subs- dos_Intelectuais” (1 9), com Macdonal Vinte~ anos,
tituido ‘apoiar o marxismo’.”*" Dwight Macdonala publicou uma série de artig
os em Politics
Mas o Antipode sobreviveu e decidiu, pelo menos nafor- sobre [...] a responsabilidade dos intelectuais
. Eu os li antes
ma, se profissionalizar: desde 1986, ele é publicado por uma de me formar, nos anos imediatamente poste
riores a guerra, e
conhecida editora erudita, a Blackwell’s. “Meus préprios senti- tive a ocasiaio de relé-los hé alguns meses. Eles
no me parecem
mentos a respeito disso”, declara Peet, “‘sio essencialmente oti- ter perdido nada de sua forca ou de sua Ppers
uasao.”®? Em Mac-
mistas — que a respeitabilidade académica proporcionada por donald, Chomsky reconheceu uma alma afim,
um individuo
umaeditora profissional vai se combinar com uma energia ¢ que _investia contra a instituigdes e as piedades
esquerdistas,100
um compromisso renovados [...] permitindo que o Antipode (Para Chomsky, a novaintelligentsia liberal
¢ técnica des-
progrida para um novo nivel de qualidade ¢ influéncia.”®° carta a verdade e a moralidade em favor da espec
ializacio e
A trajetéria é tipica e seria irresponsavel desafiar as reali- do poder.JEle cita Zbigniew Brzezinski, que aplau
de a mudan-
dades inevitdveis ou negar o que foi conquistado. (O floresci- ga. “O intelectual dissidente, principalmente de tendé
ncia hu-
mento dos estudos esquerdistas, o enfraquecimento do protesto manista, € ocasionalmente de tendéncia ideolégicas [...]
esté
politico e a defesa dos bastides universitérios parecem uma evo- Tepidametite ane substituido [...] por técni
cos e especialis-
lug&o quase natural e inevitdvel que afetou radicais, marxistas las, que acab
ne ah am - envolyendo em empreendimen i tos governa-
e neomarxistas em todas as disciplinas.]Além disso, os ganhos
parecem, se néo irrevogaveis, sem precedentes. Pela primeira . Chomsky, contudo, levanta a delicada questao da prope
n-
vez, as tradigdes marginais ou esquecidas da geografia, da so- so dos intelectuais de esquerda a entrar para o gover
no e para
ciologia, da histéria radicais ¢ de outras disciplinas comegaram as instituigdes. “Um fator na traicdo da promessa da
revolugao
acreceber destaque onde podem ser examinadas e ensinadas, e socialista foi a disposicéo daintelligentsia técnica em se assim
i-
onde podem atrair mais estudantes. A longo prazo, isso pode Jar a uma nova classe dominante.” E esta disposicfio é um
se. mostrar decisivo. fator atuanteena Europa Oriental e também nas democracia
s
Mas um assunto desagradavel deve ser ventilado:{ os inte- ocidentais.°°Do ponto de vista de Chomsky, os intelectuais de
lectuais de esquerda sucumbiram aos imperativos que os agru- esquerda no foram simplesmente derrotados; eles as vezes
param nas universidades, mas eles nao sao vitimas inocentes. cooperam e colaboranty Chomsky, no entanto, é uma figura in-
Os intelectuais de esquerda nao aceitaram ingenuamente ou comum €um tanto isolada: um anarquista cético em relacao aos
de m4 vontade o regime académico; eles préprios adotaram a intelectuais nas instituicdes 6 raro na esquerda americana.

194 195
O progressismo,0 liberalismo e o marxismo, muito mais sig- profisstio”. O Caucus for a New Political Science [Forum para
nificativos, conceberam um universo em queosintelectuais iriam uma Nova Ciéncia Politica], fundado por radicais em’ 1967,
reformar, se nao governar, a sociedade.!°Elesiriam tomar conta democratizou com éxito as organizagdes oficiais de ciéncia po-
de suas repartigdes e departamentos. Esta perspectiva enfra- litica: contestou as eleiges no interior da disciplina; mudou
queceu uinacritica dos intelectuais, pois sempre era possivel membros de comissées; ¢ criou um novo periédico, Politics and
interpretar mal a situagdo— talvez os intelectuais j4 estivessem Society. Mas se obteve éxito como um novo grupo profissional.
reformando a sociedade.!% Colocando de outta form: (a acade- nfo foi como um movimento intelectual unido ou como um
mizaci¢ da intelligentsia de esquerda nao foi simplesmente im- grupo de infelectuais buscando canais de comunicagao com um
posta, ela foi desejada. Para os esquerdistas, a participagao nas publico externo a prépria disciplina. Na verdade, as atividades
burocracias estatais ou académicas constitufam os primeiros pas- do Caucus se concentravam exclusivamente na politica da pré-
sos no caminho para o poder — ou assim eles fantasiavam. O._ pria ciéncia polftica”. Por fim, ele acabou “restringindo seus
carreirismoarevolugao convergiam,1°5 objetivos as exigéncias reais, concretas ¢ limitadas de um grupo
"Noinicio do século, o\historiador progressista Frederick J. de interesse no interior da disciplina. [...] As polémicas, as
Turner expressou sucintamente ‘aésperanga. nos intelectuais co- criticas ¢ a atividade politica se tornaram um. esforco para edu-
_mo reformadores oficiais. car e mobilizar outros profissionais”.197 .
; Isso continua sendo verdadeiro em‘ geral; a “politica” da
‘—~ Através do treinamento em ci€ncias, leis, polftica, eco- vida académica toma o lugar da politica mais ampla. Dentre
' nomia e histéria, as universidades podem fornecer, a os professores de esquerda, os académicos marxistas podem ser
partir das fileiras da democracia, administradores, le- os mais culpados, os mais ansiosos para se submeter aos impe-
lisladores, jufzes e técnicos aos encarregados, os quais rativos institucionais (e receber seus beneficios). Do marxismo
iro desinteressada e inteligentemente mediarinteresses em si cles herdaram uma abordagem cientifica desapaixonada,
contraditérios. [...] Basta quase dizer que a melhor que nao se prende a protestos morais intiteis(Para eles, ha um
esperanga de avangos inteligentes e regrados na legis- sentido politico em aceitar e utilizar a universidade. Talvez por
lacéo ¢ administrago econdmica e social esté na in- isso os académicos marxistas freqiientemente procurem consoli-
fluéncia crescente das universidades americanas.°* dar néo apenas a credibilidade de suas idéias, mas também ins-
titutos e bases de poder, densas redes de professores, pés-gra-
(Esta idéia ocasionou em parte a migrac&o dosintelectuais duandos, publicagdes e verbas de fundacdes. Eles querem pro-
de esquerda para as universidades; nao foi o caso, portanto, de tego e prestigio institucion:
uma “traigéo”. Antes de tudo,os intelectuais radicais nao eram Uma obra recente’ sobre “sociologia hist6rica”, em grande
opositores irredutiveis do poder institucional, ¢ quando surgiu parte de autoria e sobre professores de esquerda, esta recheada
a possibilidade de entrarem nessas instituigdes e talvez se uti- de informagées sobre o prestigio e 0 sucesso do “campo.” Theda
lizarem delas,eles o fizeram. Embora sempre prontos a denun- Skocpol afirma que varias de suas principais figuras se arran-
ciar violagdes as liberdades académicas ¢, por vezes raciais e jaram muito bem. '
sexuais, eles, caracteristicamente, esqueceram os custos da ins-
titucionalizagaof [Charles Tilly obteve um enorme volume de fundos
Por exemplo, os radicais em ciéncia politica, segundo Sei- de pesquisa ao longo dos anos, construiu um impor-
delman e Harpham, “nao abandonaram o profissionalismo pela tante centro de pesquisa na Universidade de Michigan
politica; antes, eles defendiam sua posicao politica através da e funciona como supervisor profissional em trés ou

196 197
quatro disciplinas. [Immanuel] Wallerstein desfruta de ferente — nem melhor nem Pior — de outras contribuigdes?
amplo prestigio internacional [...] e conseguiu, pa- Grande parte dos estudos marxistas, embora nao todos, inspi-
ra seus estudos de um sistema mundial, um centro de Tou-se em umaescola estrutural ou “cientifica” que possui sua
pesquisas e um periddico [...] conferéncias anuais propria afinidade secreta com o profissionalismo.!!! Em sua
em diversas universidades [...] ¢ uma segao da Ame- Ansia de ser rigorosamente cientifico, 0 marxismo freqiiente-
rican Sociological Association [Associacao Sociol6gi mente ee semelhante as ciéncias sociais que ele queria
ca Americana] que promovediversas reunides com vis- subverte:
tas aos encontros anuais.’* (Os socidlogos marxistas romperam com osvalores e a cul-
tura dominantes, mas seu amor pelas anélises “objetivas” e
os
Essa monitoragio constante do campo, identificando “estruturais” levou-os de volta a isso, fazendo com que rejei-
sucess os, que é um aspect o nor-
principais colaboradores ¢ seus tassem, como poesia inconseqiiente, a cultura, a ideologia ¢ a
his-
mal dos escritos marxistas e neomarxistas sobre tudo, da subjetividade.1*4 Oscientistas politicos marxistas menosprezaram
a respelto
téria feminista A antropologia marxista, diz menos a teorizacao conservadora, mas ofereceram em seu lugar mo-
iedad e e carrei ras. _
de idéias do que a respeito da propr delos técnicos do Estado que dificilmente pareciam superiores;
Evidentemente, a maior parte dos teéricos de esque rda nao as teorias marxistas possufam a aura do desvendamento dosse-
ou da
reconheceré que a finalidade de sua vida profissional, gredos profundos do capitalismo, mas raramente foram além
uciona l; antes,
obra de outros, seja a obtengio de poder instit de férmulas opacas. “Caracteristicamente, os marxistas acadé-
de “cont ra” cultur a ou
dirdo que buscam estabelecer um corpo micos preferiram abdicar”, concluiu Carl Boggs, “dos fenéme-
de cultura marxista que nunca chegoua existir nos Estados Uni- nos explicitamente polfticos em favor da abordagem abstrata
idéias
dos.{Com referéncias freqiientes a Gramsci ¢ as suas das forgas produtivas, fungdes do Estado e relagdes de
de esque rda encar am
de gona ideoldgica,!° os tedricos classe.”4#8
seu. ensino e seus escritos como o estabelecimento das bases Freqiientemente esta preferéncia marxista por esquemas
vol-
culturais para um renascimento politico; eles buscam deseh exangues é reconhecida e alardeada. “Os ensaios deste livro”,
ciénci a politi ca e uma
ver uma “nova” sociologia, uma “nova” declara Erik Olin Wright, um socidlogo marxista, em sua in-
“nova” hist6ria que sejam convincentes.] trodugao, “devem muito de sua forma ao contexto académico
Isso seguramente tem alguma plausibilidade: em compara- em que foram escritos.” Ele quer “se empenhar em um de-
Go com as esquerdas de outros pafses, a americana sofre de bate com a teoria social predominante” © “simultaneamente
ignorancia do seu passado e da histéria mais ampla do radi- [...] desenvolver um estilo de pesquisa empirica que leve
calismo. Na maioria das demiocracias ocidentais, socialistas ¢ adiante a teoria marxista”.!4 Talvez isso seja louvdvel, mas so-
marxistas podem reivindicar uma tradic¢ao cultural venerdvel, fre de falhas graves. Nao hé pesquisa empirica, admite ele, “Em-
s,
freqiientemente associada as universidades. Nos Estados Unido bora nenhum dos ensaios constitua uma investigagio empfrica
no entanto, uma cultura dissidente ou marxista nunca se con- [...] todos se destinam a contribuir para o estabelecimento
de
solidou; ela é difusa, frégil e desorientada. Os académicos das precondigg6es tedricas,’115
o, o Estado , a econo mia, a fim de
esquerda estudam o passad Além disso, as precondigdes tedricas de Wright derivam
escaparem desta deficiéncia. do ramo francés — agora lembrado em razio de falhas impor-
Todavia, em que momento os estudos esquerdistas perdem tantes no projeto, mas outrora exportado por Nicos Poulantzas
seu élan, mesmo sua raison d’étre? Em que momento eles se e Louis Althusser — no qual definicdes e pronunciamentosin-
tornam. apenas mais um conhecimento especializado, pouco di- sipidos servem de ornamento a exemplosocasionais e diagramas

198 199
barrocos. Para facilitar sua tarefa, Wright propde seis tipos de zado pela esquerda”, declarou ele. “Este trabalho intelectual
“esquemas mais diferenciados de causalidade estrutural” (‘‘limi- nunca serd bem realizado se estiver isolado da praxis, do en-
taco estrutural”, “selegéo” — com “duas formas complemen- volvimento em um movimento politico e da acao politica. Mas
tares [...] ‘positiva’ e ‘negativa’”” — “reprodugao/nao repro- também nfo seré bem feito se estiver isolado das pressdes das
dugio”, “limites de compatibilidade funcional”, “transforma- idéias intelectuais em choque na corrente dominante do debate
ao”, “mediagao”) que lhe ‘permitem mapear lucidamente as intelectual, 0 qual na América ainda est4 localizado na uni-
relacdes entre Estado, estrutura econémica, intervencao estatal versidade,”"118
e luta de classes. Ele observa que: “Este modelo poderia evi- Essas palavras refletiam a época, como também o destino
dentemente se tornar mais complexo. Outros elementos po- dos sentimentos: eles ndo sobreviveram intactos aos anos 70.
deriam ser acrescentados, como o papel da ideologia” 4° A medida que a possibilidade de “acao polftica” declinava, ape-
O verdadeiro problema é que esse tipo de marxismo obte- nas a metade, ou menos da metade, do programa permaneceu:
ve o pior de todos os mundos; ele nao se associou de fato & “trabalho 4rduo” em meio “as presses das idéias intelectuais
corrente dominante, mas abandonou completamente o vigor do em choque na corrente dominante do debate intelectual”. Esta
marxismo. Uma amostra razodvel dos resultados obtidos po- exigéncia de estudos confidveis esté além da critica, mas im-
deria ser a conclusio de Wright a uma das segGes: plica uma questéo incontorndvel: em que momento os es-
tudos radicais deixam de ser radicais? Comotantos livros dos
A mensagem central do modglo de determinagéo na anos 60, The University Crisis Reader foi dedicado “2 memé-
figura 2.3 € que € fundamental analisar as comple- tia de C. Wright Mills”. Quinze anos apés esta antologia, ter
xas relagdes dialéticas entre estrutura de classe, for- sido langada, parece que competir com a corrente dominante
magio de classe ¢ Juta de classe em qualqueranélise tem sido dificil,
das classes. [...] Qualquer compreensao politica ade- O pr6prio Wallerstein conquistou um amplo espago nas
quadadas possibilidades e restrigdes presentes em uma 4reas da sociologia e da hist6ria, como observou Theda Skoc-
dada formagfo social depende da indicagao dos mo- pol. Entre outras coisas, ele publicou dois pesados tomos inti-
dos pelos quais a estrutura de classe estabelece limites tulados The Modern World-System [O Moderno Sistema Mun-
sobre a luta de classes ¢ a formag&o de classe dos dial]; e fundou nao apenas um periédico (Review), mas um ins-
modos pelos quais a luta de classes transforma tanto tituto, que ele dirige, chamado Fernand Braudel Center for the
a estrutura de classe quanto a formagio de classe, Study of Economies, Historical Systems and Civilizations [Cen-
e dos modos pelos quais a luta de classes intermedia tro Fernand Braudel para o Estudo das Economias, dos Sistemas
as relagdes entre estrutura de classe e formagio de Histéricos e das Civilizagdes] (Universidade Estadual de Nova
classe.417 York, em Binghamton). Suas realizagdes foram considerdveis e
ele buscou persistentemente ampliar as abordagenstradicionais
Isso poderia ser chamado vodu marxista, da economia e da hist6ria das nagées.
Outro livro dos anos 60 ilustra o perigo que ameaga os
Ele afirmou recentemente que o movimento estudantil
teéricos marxistas. Immanuel Wallerstein e Paul Starr editaram cuja minimizagao esté em voga, conduziu de fato a importantes
dois volumes sobre protestos estudantis, que apresentavam um “explos6es” ideolégicas. No entanto sua apreciagio, recheada
amplo espectro de opinides. Na conclusio a The University com 0 novo jargio académico, sugere a distancia percorrida.
Crisis Reader [Coletanea sobre a Crise da Universidade, 1971],
‘Wallerstein colocou algumasde suas idéias sobre os radicais na Em termos de epistemologia, estamos observando um
universidade. “H4 muito trabalhointelectual arduo a ser reali- sério desafio, tanto A universalizagaio quanto & setoria-

200 201
BH

lizagao, e umatentativa de explorar a metodologia da


pesquisa holistica, a implementagfo daquela via media
que havia sido excluida pelo pseudodebate nomoté-
tico-idiografico. [...] O que é realmente’ novo, toda-
via, € o desafio historiografico. [...] Estamos viven-
do noturbilhao de uma mudangaintelectual gigantes-
ca, a qual espelha a transic¢ao mundial do capitalismo
para alguma outra coisa (mais provavelmente o socia-
lismo). [...] Esta mudanga ideolégica é em si tanto
um dos efeitos quanto um dos instrumentos deste pro-
cesso de transic¢ao global.1!9 7. DEPOIS DOS ULTIMOS INTELECTUAIS

Seja qual for o valor'da abordagem e da légica globais de


Wallerstein — e elas podem ser valiosas —, ele esté longe do
espirito de C, Wright Mills, denunciador, moralista e intelectual
ptiblico. Além disso, como em muitos escritos marxistas e neo-
marxistas, nfo h4 como nio ouvir o ressoar dos tambores aca-
démicos. Wallerstein advogou a abordagem “do sistema” da Como exemplos de’intelectuais da altima geragéo, Lewis
economia mundial; ele também estabeleceu um sistema — o Mumford(n,1895) e EdmundWilson (1895-72) quase paté-
seu préprio, um mini-império com peridédicos, centros e publi- cem perfeitos demais. Suas vidas e seus livros ‘evocam um
cagdes.120 mundo distante dos novos académicof, Mumford, que foi cha-
mado de tltimo erudito privado da América, herdou pouco
fo avaliagio definitiva das universidades e da Nova Es- dinheiro e raramente se beneficiou da generosidade das funda-
querda ainda nao foi realizada.\A complexidade e a dimensao g6es. Nunca trabalhou como editor, pesquisador ou professor
do ensino superior nao permitem conclusGes seguras. Gs ten- assalariado. Em uma era de instituigdes, Mumford nao estd
déncias gerais, contudo, sao claras. O empreendimento acadé- vinculado a nenhuma delas. Ele conseguiu o que outrora era
mico simultaneamente expande e contrai; ele avancga perseve- muito dificil e atualmente € quase impossivel — viver de suas
rantemente sobre a cultura mais ampla, estabelecendo clubes obras. Seus 28 livros, desde The Story of Utopias [Relato das
privados para membros exclusivos.\O fato de ser dificil para Utopias, 1922] e Technics and Civilization [Técnica e Civili-
um americano educado citar um Unico cientista politico, socid- zagao, 1934] até The City in History [A Cidade na Histéria,
logo ou filésofo nao € inteiramente culpa dele ou dela; bs espe- 1961] © The Myth of the Machine [O Mito da Maquina,
cialistas abandonaram a arena publica.?O influxo dos teéricos 1967-70] constituem uma obra tinica, quase sem paralelo nas
esquerdistas nfo alterou o quadro;relutante ou entusiasticamente letras americanas._}
eles obtém respeitabilidade 4 custa da prépria identidade. O Sua vida traz a marca de sua época: a velha Nova York
slogan que foi emprestado da esquerda alema para justificar e Greenwich Village (Mumford andava, saboreava e escrevia
uma carreira profissional — ‘‘a longa marcha através das ins- sobre os museus, as bibliotecas e as balsas de Nova York,j
tituigdes” — teve um resultado inesperado: pelo menos até “O ferryboat foi, seguramente, uma das grandes invengdes do
agora, as instituigdes estéo vencendo. século XIX. [...] Mesmoas viagens curtas do centro de Nova

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