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ENTREVISTA

Henry Mintzberg

H enry Mintzberg, professor na McGill University,


em Montreal, é hoje um dos nomes mais proemi-
nentes no universo acadêmico da administração.
Mundialmente conhecido por seus trabalhos sobre
estratégia, poder e estrutura organizacional, re-
centemente firmou-se como crítico contumaz da
formação executiva à americana, especificamente
dos programas de MBA. Nesta entrevista, ele fala
sobre o que está errado com a formação executiva
e com o jeito norte-americano de administrar.

por Carlos Osmar Bertero e Pedro F. Bendassolli FGV-EAESP

O senhor tornou-se em sua opinião, o que não vai dúvida (e há muita evidência para
mundialmente conhecido bem com essas escolas? isso) sobre se esses estudantes têm
por suas críticas ao modo
como atualmente funcionam
as escolas de negócios e a
H: Em primeiro lugar, não
parece haver muita garantia
de que os estudantes com os quais
habilidades de liderança ou mesmo
sobre se eles desejam ser líderes.
Alguns desejam, é claro; e alguns
educação executiva no mundo lidam as escolas de negócios sejam as possuem aquelas habilidades. Contu-
ocidental. Em linhas gerais, pessoas certas. Ou seja, tenho muita do, receio que as técnicas de seleção

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dos estudantes, como o GMAT, por nada de liderança. A conseqüência é Não há nenhum aspecto da adminis-
exemplo, não captam, necessaria- que elas obtêm uma visão distorcida tração que se encaixe em um esquema
mente, a situação real do repertório da liderança e assim tornam-se as de qualificação profissional. Física
desses estudantes. Cito, em meu livro pessoas erradas. e química são ciências no sentido
(sobre MBA), o livro de David Ewing, forte do termo; administração não é
Inside the Harvard Business School, de O senhor, em seus escritos uma ciência: sua preocupação não é
1990, em que ele lista os dezenove sobre o tema, parece tocar encontrar a verdade.
melhores alunos dessa escola naquela em um ponto mais profundo
época. Quando vejo na lista o nome da formação executiva. A A administração não seria,
de um Frank Lorenzo, digo para mim questão é: seria possível como se costuma pensar
mesmo que há alguma coisa estranha realmente ensinar normalmente, uma forma de
aqui, pois se acompanharmos a traje- administração, ou, mais “ciência aplicada”?
tória daquelas pessoas, entre 1990 e
2003, por exemplo, veremos que dez,
especificamente, ensinar as
pessoas a serem líderes? H: Não creio. Para mim, a admi-
nistração não é nem mesmo
dentre elas, foram fiascos completos;
quatro, tiveram um sucesso bastante
questionável; e apenas cinco, entre
H: Para responder a esta ques-
tão, temos de entender que
uma profissão é um corpo codificado
uma “ciência aplicada”, pois esta aqui
ainda é uma ciência. A administração
é a aplicação da ciência, entre outras
eles Lou Gerstner, obtiveram resul- de conhecimentos. Para praticá-la coisas. Gestores usam tudo o que
tados inequívocos. Não se deveria o indivíduo precisa ser treinado e eles podem de um jeito prático, ob-
permitir que alguém como Lorenzo, certificado. Tome o exemplo da me- jetivando fazer as coisas acontecerem
que teve grandes derrocadas com três dicina. Sabemos em que condições e ou encorajar outras pessoas a fazerem
companhias aéreas e que continua circunstâncias uma cirurgia será bem- as coisas acontecerem. Quero dizer
com problemas com seus emprega- sucedida. Considere ainda o caso da com isso que a administração é uma
dos, tocasse qualquer negócio, pois engenharia: sabemos quais materiais espécie de artesanato. Ou seja, ela
ele não possuía as verdadeiras habi- são melhores para a construção de depende da experiência, da apren-
lidades de liderança, embora tivesse uma ponte. Na prática, isso quer dizer dizagem de campo. Coloco isso da
muitas habilidades de manipulação que tais coisas podem ser ensinadas seguinte forma: a administração tem
financeira. antes de a prática ocorrer. Mas não é muito mais a ver com pensar depois
esse o caso com a administração – ela de ter feito algo do que com pensar
O senhor diria que se trata não tem um corpo de conhecimentos primeiro, e depois fazer.
de pessoas erradas no lugar totalmente codificado, tampouco um
certo ou de pessoas erradas sistema de certificação que garanta Mas se aceitarmos essa sua
no lugar errado? que as pessoas são ou serão bons ges- premissa, de que liderança

H: Entendo que há pessoas


erradas nos programas de
MBA. Esses programas parecem
tores ou líderes. Para falar a verdade,
é o contrário que acaba ocorrendo,
como no caso da certificação mais co-
não se ensina – ao menos
não da forma como as
escolas de negócios e seus
atrair pessoas que eu caracterizaria mum que temos hoje: o MBA. Temos alunos esperariam –, o que
como sendo impacientes, agressivas grandes gestores que não gastaram efetivamente podem fazer
e interesseiras. Nem todas, mas um um dia sequer em um programa exe- as escolas de negócio?
número considerável. Esse é um dos
problemas com o público das escolas
de negócio. O outro é que, mesmo
cutivo. Em compensação, não temos
um bom cirurgião que não tenha
gastado muitos anos numa escola de
H: Hoje, uma escola de negó-
cios típica está preocupada
com as funções administrativas, e
que as pessoas fossem as certas, medicina, ou ainda bons engenheiros não com liderança. É obvio que os
mesmo assim poderiam estar no mo- que jamais tenham lido algo sobre gestores devem dominar as funções
mento errado, pois foram treinadas física. Assim, a idéia da administração de marketing, finanças, vendas e as-
para serem líderes quando não sabiam como uma profissão não se sustenta. sim por diante. Contudo a prática de

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negócios não é a mesma coisa que a técnicas – por exemplo, técnicas de lhando normalmente. Nós as que-
prática da gestão. Misturar essas fun- enriquecimento de recursos humanos remos no trabalho, como líderes, e
ções todas numa mesma pessoa não é ou modelos de portifólio para recursos então podemos focar a aprendizagem
garantia de que ela vai se tornar um financeiros. Veja, não estou dizendo na reflexão de suas próprias ativida-
líder. Entendo que, ao mesmo tempo que as técnicas não são importantes des gerenciais. Trazemos os conceitos
em que as escolas de negócios são para a administração; estou querendo e as idéias, casos e teorias; elas trazem
bem-sucedidas em analisar coisas, chamar a atenção para o fato de que sua experiência. A idéia é focar o
separando-as em funções especializa- elas devem ser cuidadosamente usa- máximo de aprendizagem possível
das, elas não são bem-sucedidas em das, e considerando o contexto. Ou sobre suas próprias experiências.
aglutinar coisas, sintetizando-as em seja, as técnicas não devem ser usadas Desse modo, a idéia que entendo ser
uma visão coerente ou num sistema indiscriminadamente por pessoas promissora é usar a experiência dos
integrado. Em meu livro sobre os que, ansiosas, recorrem a elas para líderes, e não apenas o currículo dos
programas de MBA, comparo dois compensar sua falta de experiência professores, fato que entendo ocorrer
modos de conceber esta síntese. pessoal. Vocês já devem ter ouvido hoje na maior parte das escolas de
O primeiro é dado pelo “modelo a famosa regra da ferramenta: dê a negócio ao redor do mundo. O foco
Ikea”: as escolas oferecem as partes alguém um martelo e tudo para ela vai dessas escolas deve ser na geração de
e os estudantes montam o conjunto. parecer com um prego. Pois bem, os insights, e não no rigor, tampouco na
Infelizmente, não há um manual de programas de MBA estão dando a seus relevância.
instruções e, infelizmente para o estudantes tantos martelos que muitas
estudante, embora as partes pareçam organizações estão se parecendo com Em um artigo recentemente
estar cuidadosamente arrumadas para uma cama de pregos. postado em seu site,
se encaixarem, elas não se ajustam intitulado “Como a
umas às outras. A gestão, no mundo Sabemos que o senhor tem produtividade matou as
real, é muito mais parecida com as estado à frente de uma empresas americanas”,
peças de um jogo Lego. Não há um iniciativa, na McGill, que o senhor faz uma pesada
único modo de juntar as peças, e é procura oferecer o produto crítica à prioridade que as
preciso tempo para que se construam certo para as pessoas empresas dos EUA têm dado
estruturas interessantes. certas, ou seja, fornecer ao mercado financeiro em
às pessoas que exercem, detrimento de funcionários,
Essa ênfase das escolas efetivamente, funções crescimento sustentável
de negócio em análise de de liderança o tipo de e mesmo dos clientes. O
funções administrativas não conhecimento e reflexão senhor poderia nos detalhar
poderia ter a contrapartida sobre suas próprias seu argumento?
de estimular nos alunos uma
falsa crença de que liderança
práticas. Como funciona
essa iniciativa? H: No artigo a que você faz
menção, defendo que a pro-
e gestão se resolvem com
fórmulas prontas? H: A premissa do International
Masters in Practicing Mana-
dutividade tem destruído as empresas
americanas. Isso porque temos de

H: De fato. O maior problema


desse foco em análise de
processos administrativos é que ele
gement (IMPM) é fazer exatamente
o que eu disse: tornar pessoas, que
já são líderes, em líderes ainda me-
qualificar essa produtividade. Trata-se
na verdade de ganhos de produtivi-
dade no mercado de capitais. Desse
conduz a uma ênfase na técnica ou no lhores. Queremos que essas pessoas modo, entendo que muitos dos ga-
pensamento guiado por fórmulas. De- sejam enviadas e patrocinadas por nhos de produtividade sejam perdas
fino técnica como alguma coisa que suas empresas. Elas permanecem na de produtividade. Para compreender
pode ser usada em lugar do cérebro, McGill por apenas duas semanas de isso imagine que você seja o primei-
e as escolas de negócios tornaram-se cada vez em diversos módulos, de ro homem de uma grande empresa
especialistas em cursos que oferecem modo que elas permanecem traba- norte-americana que deseje fazer o

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máximo de dinheiro da forma mais
rápida possível para sua companhia
e, claro, para você mesmo. Faça o Entendo que há pessoas erradas nos programas de MBA. Esses
seguinte: demita todo mundo e vá ao programas parecem atrair pessoas que eu caracterizaria como
mercado de ações, à Bolsa. As horas
de trabalho, e seus custos, desapa- sendo impacientes, agressivas e interesseiras. Nem todas, mas
recem ao mesmo tempo em que as um número considerável. Esse é um dos problemas com o
vendas continuam crescendo. Você só
precisa do incentivo para cortar pre- público das escolas de negócio.
ços a fim de desembaraçar as ações de
sua empresa. Então, a produtividade
dispara enquanto você está fazendo
caixa – até, é claro, a Bolsa quebrar. que compram as ações pela manhã ninguém mais, deveria ser impedida
Portanto, “valor ao acionista” não tem e as vendem à tarde? A resposta, de aspirar à palavra “líder”. Quantos
nada a ver com o valor de uma empre- consistente com a visão econômica CEOs de hoje passariam no teste?
sa, quanto mais com qualquer valor da empresa apresentada antes, é: 1) No mais, questione os economistas
humano. É um eufemismo para elevar manter uma pessoa, o presidente, ingênuos e analistas superficiais; o
o preço das ações de uma empresa o responsável pela performance da em- “valor ao acionista”, que mina o valor
mais rapidamente possível. presa inteira; 2) motivar essa pessoa da empresa bem como os valores hu-
com opções de ações e similares; e manos; a “governança”, usada como
Como isso repercute junto 3) dar-lhe carta branca virtual para desculpa para a centralização do sta-
aos principais executivos agir como quiser – e de forma rápi- tus quo; a “liderança” que equivale à
da empresa, quiçá até da. Claro, existe uma retórica sobre arrogância (hubris); a idéia de que a
mesmo na preparação dos construir culturas corporativas no empresa é uma coleção de “agentes”
futuros executivos, os quais longo prazo e encorajar o trabalho desvinculados de uma comunidade
parecem cada vez mais em equipe etc. Mas, na realidade é de membros engajados; e questione,
destinados à miopia do exatamente o contrário que ocorre: as por fim, a obsessão com a mensuração
“máximo valor da empresa” organizações centralizam o poder nos de tudo, que põe a quantidade acima
no mercado de capitais? seus principais executivos a um nível da qualidade.

H: A pressão que os analistas


de mercado exercem sobre
os presidentes de empresa e sobre os
jamais visto em décadas. O mercado
financeiro tem de ser atendido, e isso
significa adentrar na era da liderança
outros altos executivos é no sentido heróica, capaz de fazer com que uma
de elevar o valor das ações na Bolsa. pessoa consiga levar qualquer outra a
Isso faz com que todos mirem na apresentar uma performance no curto Carlos Osmar Bertero
performance mensurável, em vez de prazo, não importando como. Professor do Departamento de
nos produtos, serviços ou nos clien- Administração Geral e Recursos
Humanos da FGV-EAESP
tes – em outras palavras, no resultado O que fazer para contornar Doutor em Administração pela
hoje, e não na sustentabilidade de a situação? Cornell University
amanhã. A questão é a seguinte: como
fazer com que os funcionários dessas
empresas focalizem sua atenção na
H: Sugiro um teste simples:
qualquer pessoa que na
organização exigisse um pacote de
E-mail: carlos.bertero@fgv.br

Pedro F. Bendassolli
Professor do Departamento de
maximização do valor ao acionista compensação pessoal massivo que
Fundamentos Sociais e Jurídicos da
quando a maioria deles nunca sequer o diferenciasse de qualquer outra FGV-EAESP
se depararam com os acionistas, pessoa na organização, incluindo pro- Doutor em Psicologia Social pela USP
muitos dos quais negociantes diários teções que não estão disponíveis para E-mail: pedro.bendassolli@fgv.br

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