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As prefigurações do Messias no Antigo Testamento

Afonso Bosco

“O Novo Testamento está escondido no Antigo,


ao passo que o Antigo é desvendado no Novo”.
(Santo Agostinho, Quaestiones in Heptateucum, 2, 73)

Introdução

Logo após o pecado cometido pelos nossos primeiros pais, Deus lhes fez a promessa de
que o homem não ficaria para sempre sob o domínio do demônio, mas que um dia viria um
Redentor, ao dizer que a mulher esmagaria a cabeça da serpente, uma alusão a Nossa
Senhora e a Nosso Senhor Jesus Cristo, seu filho. Ao amaldiçoar a serpente, Deus disse:

“Porei inimizades entre ti e a mulher, e entre a tua posteridade e a posteridade dela. Ela
te pisará a cabeça, e tu armarás traições ao seu calcanhar” (Gen. III, 15).

Esta foi a primeira dentre muitas promessas que Deus fará aos homens a respeito do
Messias.
Mas Deus não fez aos homens somente promessas do Messias. Deus quis fazer o
Redentor conhecido aos primeiros homens por meio não só de promessas, mas também
de profecias e figuras.
Por meio das promessas, Deus indicava o povo e a família de onde sairia o Messias.
As profecias ensinavam o lugar, o tempo, as circunstâncias do nascimento do Messias, a
sua vida, morte e ressurreição.
Nas figuras, Deus mostrava aos nossos primeiros pais, na vida dos Patriarcas e nos
sacrifícios, a vida e a morte do Messias.
Na sua infinita sabedoria, Deus apresentava aos homens, de modo gradual e ordenado,
profecias, promessas e figuras do Messias para poupar a fraqueza do homem e para prepará-
lo, por uma multidão de milagres, a crer no maior de todos: a vinda do Filho de Deus.
Neste artigo exporemos as figuras do Messias no Antigo Testamento, as
suas prefigurações.
Porém, algumas questões se impõem a nós antes de apresentarmos as figuras do Messias
existentes no Antigo Testamento. Pode uma palavra, na Sagrada Escritura, ter mais de um
sentido? Há metáforas na Sagrada Escritura? E, se elas existem, é conveniente que tenham
sido usadas?
Essas questões são importantes porque a correta interpretação da Escritura depende
diretamente das respostas que são dadas a estas questões. Afinal de contas, se não existem
figuras na narração bíblica, se não existem alegorias, então dizer que a vinda de Nosso Senhor
está prefigurada no Antigo Testamento não passa de uma ilusão.
Entretanto, Hugo de São Vitor diz magnificamente:

“Toda a Escritura divina é um único livro, e este livro único é Cristo, já que toda Escritura
divina fala de Cristo, e toda Escritura divina se cumpre em Cristo” (Hugo de São Vitor, De
arca Noe, 2, 8).

Assim, primeiramente responderemos a estas questões, apresentando depois diversas


figuras de Nosso Senhor existentes no Antigo Testamento.

Primeira parte – Os diversos sentidos da Sagrada Escritura

I – Convém que a Sagrada Escritura use de metáforas?

Esta pergunta é tão importante no estudo da Teologia que Santo Tomás tratará dela logo na
primeira questão da Suma Teológica, no nono artigo.
Santo Tomás dirá que é extremamente conveniente o uso de metáforas pela Sagrada
Escritura, pois isto está de acordo com a própria natureza do homem.
O homem é um ser só, composto de corpo e alma. Com a inteligência, que está na alma,
compreendemos as verdades. Mas as verdades só chegam até nossa inteligência se passam
primeiro pelos sentidos, que estão no corpo.
Quando assisto uma aula, minha inteligência apreende as verdades que me são ditas pelo
professor, mas elas primeiro passam pelo meu ouvido.
Um professor de geometria, quando explica um teorema ao mesmo tempo em que faz
desenhos na lousa ensina aos alunos de modo melhor que um professor que somente
explicasse um teorema sem representá-lo visualmente. Quanto mais usamos os sentidos
(visão, audição, olfato, etc.) na compreensão de uma verdade, mais esta verdade se apega à
nossa inteligência e nossa inteligência compreenderá mais claramente.
Isto é conseqüência de nossa própria natureza. Pelo fato de termos corpo e alma, não há
nada na inteligência que não tenha passado antes pelos sentidos.
Deus, providenciando tudo de acordo com a natureza da cada coisa, quis que na Sagrada
Escritura as verdades espirituais fossem ditas, convenientemente, sob a forma de metáforas de
coisas materiais. A Sagrada Escritura, nos ensinando as coisas espirituais por meio de
comparações metafóricas com as coisas corpóreas, o faz tendo em vista nossa própria
natureza, pois é natural que o homem chegue às verdades intelectuais por meio das coisas
sensíveis. Assim, podemos dizer que o uso de metáforas e comparações entre as verdades
mais elevadas com as coisas materiais, mais simples, é para nós uma necessidade. Se não
fizéssemos assim, tentaríamos subir às alturas da doutrina sem usar das criaturas, verdadeiros
degraus colocados por Deus a nossa disposição.
Os protestantes, condenando o uso de imagens de santos, defendem algo que contraria a
própria natureza humana. Nós precisamos das imagens sensíveis para compreender com a
inteligência.
Mas há ainda um outro motivo para o uso de metáforas pela Sagrada Escritura. A doutrina
católica, sendo proposta a todos, inclusive aos que são mais rudes intelectualmente, expõe as
verdades da fé por meio de comparações tiradas das coisas materiais de tal modo que até
mesmo os simples sejam capazes de alcançar as verdades intelectuais.
E, assim, Santo Tomás conclui que o uso de metáforas pela Sagrada Escritura
é necessário e útil. Necessário por causa de nossa natureza. Útil por causa da diversidade de
inteligências.
E Deus faz com que as inteligências, daqueles aos quais as verdades eternas são
apresentadas por meio de comparações, não fiquem presas a estas mesmas comparações,
mas os eleva até o conhecimento das coisas inteligíveis. E, por meio daqueles que
conheceram a verdade, outros também podem ser instruídos. Porque, como escreveu o Pe.
Manuel Bernardes na sua Nova Floresta, Deus quer que os homens sejam ajudados pelos
outros homens. Ninguém se salva sozinho, assim como ninguém se condena sozinho.
Os protestantes, orgulhosos, defendendo que não precisam de clero entre eles e Deus, nem
de confessor entre eles e Deus para terem seus pecados perdoados, vão contra a vontade de
Deus. Porque Deus quer que os homens sejam ajudados pelos outros homens.
Aquelas coisas antes ditas metaforicamente em uma parte da Escritura, em outra parte são
ditas mais abertamente. Além disso, o fato das verdades da fé serem escondidas em metáforas
é útil para o exercício das mentes diligentes e é uma defesa contra as ofensas dos ímpios, de
acordo com as palavras de São Mateus: “Não dêem o que é sagrado aos cães” (S. Mateus VII,
6). Deus, cobrindo as verdades da fé com as metáforas, as esconde dos ímpios e impede que
elas sejam ridicularizadas pelos maus.

II – A Sagrada Escritura pode ter vários sentidos?

Na Sagrada Escritura distinguem-se os sentidos literal e espiritual.


O sentido literal é aquele que nos é oferecido pelas palavras sagradas tomadas em seu
sentido próprio ou metafórico. Entende-se por sentido próprio aquele sentido que conserva às
expressões sua força natural e seu valor gramatical. Assim, quando o Evangelho diz que Jesus
Cristo foi batizado por João Batista no Jordão, o sentido literal é próprio desta passagem, de
que um homem chamado João Batista realmente mergulhou o Salvador neste rio chamado
Jordão. O sentido metafórico é aquele que resulta dos termos tomados não no seu sentido
natural ou gramatical, mas segundo aquilo que eles representam e que eles figuram na
intenção daqueles que os utilizaram. Por exemplo, quando a Escritura dá a Jesus Cristo o
nome de Cordeiro, é evidente que ela não usa esta palavra na intenção de exprimir o animal
que nós chamamos cordeiro. A Escritura usa essa palavra no sentido metafórico, pois Jesus
Cristo, sendo a própria serenidade, pode perfeitamente ser designado pelo nome de cordeiro,
já que esse animal é o símbolo da serenidade. É também no sentido literal metafórico que se
diz que Jesus Cristo está sentado à direita do Pai.
O sentido espiritual é aquele que apresenta à inteligência as coisas significadas pelas
palavras, de modo que este sentido encontra-se contido nas coisas mesmas. Isto o distingue
do sentido literal metafórico, que está contido nas palavras. Ao buscar o sentido espiritual de
uma passagem da Escritura a inteligência procurará interpretar não as palavras da narração,
mas os fatos narrados. Assim, por exemplo, o que nos narra Moisés no livro do Gênesis a
respeito de Isaac, que ele deveria ser oferecido em sacrifício, se aplica a Jesus Cristo no
sentido espiritual.
O sentido espiritual divide-se me alegórico, anagógico e moral.
O sentido é alegórico quando uma passagem do Antigo Testamento diz respeito a Jesus
Cristo, à Igreja militante, ou a um episódio qualquer pertencente ao Novo Testamento. Assim,
por exemplo, o fato narrado no Gênesis dos dois filhos tidos por Abraão, um de sua serva e
outro de sua esposa livre, significa, segundo São Paulo, os dois Testamentos, o Antigo e o
Novo (Gal. IV, 23s). Deus, por meio de sua Providência, rege os fatos da História de modo a
fazê-los simbolizar, prefigurar, um ou mais fatos futuros e de maior importância.
O sentido é anagógico quando as palavras sagradas, além do sentido literal, trazem consigo
um outro sentido que nos remetem às coisas do céu; como quando São Paulo (Heb. III, 11) nos
descobre a vida eterna nas palavras do Salmo que, no seu sentido literal, significa a Terra
Prometida (a Palestina):

“Por isso jurei na minha ira: Não entrarão no meu repouso” (Sal. XCIV, 11).

O sentido é moral quando as palavras da Escritura, além do sentido literal, contêm um


segundo sentido relativo aos costumes. Assim, pela obrigação imposta pela lei de Moisés
de não atar a boca do boi que debulha, São Paulo nos ensina que devemos prover à
subsistência dos que pregam o Evangelho (I Cor. IX, 9).
Na Idade Média havia um dístico que resumia a significação dos quatro sentidos da
Escritura:

Littera gesta docet, quid credas allegoria,


Moralis quid agas, quo tendas anagogia.

[A letra ensina o que aconteceu; a alegoria, o que deves crer;


a moral, o que deves fazer; a anagogia, para onde deves caminhar.]

Estes diferentes sentidos da Escritura podem se encontrar reunidos em um só e mesmo


objeto. Por exemplo, Jerusalém é literalmente a cidade antiga, a capital da
Judéia; alegoricamente, a Igreja de Jesus Cristo; moralmente, a alma fiel; anagogicamente, a
cidade celeste.

III – Toda passagem da Sagrada Escritura possui um sentido literal?

Toda passagem da Escritura tem necessariamente um sentido literal próprio ou metafórico.


Não há um texto sagrado cujos termos, tomados à letra ou metaforicamente, não signifiquem
algo. É o sentido literal que é o principal. É a este sentido que recorremos quando se trata de
provar a divindade da religião católica pelos milagres e profecias, de estabelecer os dogmas da
fé e as regras da moral cristã. Os intérpretes e os teólogos devem, portanto, procurar antes de
tudo o sentido literal, ocupando-se do sentido espiritual, qualquer que ele seja, somente após
terem determinado o sentido literal, que é como que o fundamento do edifício.
São Jerônimo, Santo Agostinho e São Gregório Magno afirmam juntamente com Santo
Tomás de Aquino que o sentido espiritual está sempre baseado no literal e que dele procede.

“Primeiramente deve ser procurada a compreensão das palavras da Sagrada Escritura (...),
porque a interpretação espiritual deve seguir a ordem da história” (São Jerônimo, In Is., XIII,
19).

“O sentido espiritual sempre se fundamenta sobre o sentido literal e dele procede” (Santo
Tomás de Aquino, Quodlib. VIII, q. VI, a. 16).

Acrescente-se a essas citações a resposta dada pela Comissão Bíblica em 23 de junho de


1905:

Pergunta: É possível admitir como um princípio de reta exegese que os livros da Sagrada
Escritura que são vistos como históricos, às vezes não relatam, seja totalmente, seja em parte,
a história assim propriamente dita e a verdade objetivamente, mas apresenta somente a
aparência de história com o propósito de expressar algum significado diferente do sentido
propriamente literal ou histórico das palavras?
Resposta: Negativo. – Exceto no caso, nem fácil nem precipitadamente admitido, no qual não
seja ofendido o julgamento da Igreja, em que se prove por sólidos argumentos que o escritor
sagrado não teve a intenção de relatar verdadeira história, propriamente dita, mas sob a
aparência e a forma de história expor uma parábola, uma alegoria ou algum sentido distinto do
sentido estritamente literal ou histórico das palavras.

IV – Uma passagem da Sagrada Escritura pode ter mais de um sentido literal?

Discute-se se na Sagrada Escritura uma mesma passagem possa ter mais de um sentido
literal. Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino e alguns escolásticos diziam ser possível:

“Mas como o sentido literal é o que o autor tem em vista, e o autor da Sagrada Escritura é
Deus, cuja inteligência tudo compreende simultaneamente, não há inconveniente, como diz
Agostinho, se, mesmo no sentido literal, uma expressão da Sagrada Escritura tem vários
sentidos” (Suma Teológica, I, q. I a.10).

Todavia, os exegetas atuais sustentam que o sentido espiritual pode ser variado (alegórico,
anagógico e moral), mas que o sentido literal, mesmo nas profecias, é um só. As razões
alegadas em favor desta tese são:
1) Pois, se uma passagem da Sagrada Escritura tivesse muitos sentidos literais, ofereceria
ocasião a muitas dúvidas e incertezas, e a Escritura não seria um bom livro para ensinar;
2) Desde que Deus fala aos homens pela Escritura, suas palavras e locuções não devem ser
de outra natureza que a dos livros humanos. Mas nos livros escritos pelos homens há somente
um sentido literal. Logo, na Escritura há somente um sentido literal em cada passagem;
3) O exegeta procura descobrir o verdadeiro sentido da Sagrada Escritura por meio das regras
da hermenêutica. Estas regras procuram descobrir o verdadeiro sentido dentre muitos que se
apresentam. Ora, se o exegeta procurasse um segundo sentido literal após descobrir o
primeiro, ele faria com que essas regras fossem inúteis, ridículas ou até mesmo contraditórias.
Logo, as passagens da Escritura possuem somente um sentido literal;
4) Finalmente, a existência, em uma passagem da Escritura, de múltiplos sentidos literais, seria
algo extraordinário, excepcional e não ordinário, dependente totalmente da vontade livre de
Deus. Mas esta não pode ser conhecida a não ser pela Revelação, o que não ocorre neste
caso, pois: a) Não há sinal de que a existência de múltiplos sentidos literais na Escritura tenha
sido defendida antes de Santo Agostinho, o qual propõe esta tese como opinião pia e provável,
e não como um ensinamento da Tradição; b) Entre os escolásticos, São Tomás segue a
opinião de Santo Agostinho e outros escolásticos posteriores seguirão a opinião de São
Tomás. Outros escolásticos, porém, mantinham a opinião contrária como, por exemplo, São
Boaventura (IV Sent., dist. XXI, p. I, dub. 1) e Alexandre de Hales (Summa, I, Q. I, m. 4, a. 2) .

Segunda parte – As figuras do Messias no Antigo Testamento

O leitor pode ver, então, que as figuras do Messias presentes no Antigo Testamento
enquadram-se, em sua maioria, no sentido alegórico da Escritura, que é quando uma
passagem do Antigo Testamento diz respeito a Jesus Cristo, à Igreja militante, ou a um
episódio qualquer pertencente ao Novo Testamento. Entretanto, algumas figuras terão também
sentido moral.
Passemos, então, àquelas coisas que foram, no Antigo Testamento, figuras do que seria
realidade no Novo. Ao longo do texto faremos um paralelo entre Nosso Senhor e suas
prefigurações.

I - Adão

A primeira figura do Messias foi Adão. Diz o livro do Gênesis:

“...e (por fim) disse: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança, e presida aos
peixes do mar, e as aves do céu, a aos animais selváticos, e a toda a terra, e a todos os
répteis, que se movem sobre a terra. E criou Deus o homem à sua imagem; criou-o à
imagem de Deus, a criou-os varão e fêmea. E Deus os abençoou e disse: Crescei e
multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a, e dominai sobre os peixes do mar e sobre as
aves do céu, e a tudo o que se move sobre a terra, e em que há alma vivente, para que
tenham que comer. E assim se fez. A Deus viu todas as coisas que tinha feito, e eram
muito boas. E fez-se tarde e manhã, (e foi) o sexto dia”. (Gen. I, 26-31).

“Tomou, pois, o Senhor Deus o homem, e colocou-o no paraíso de Delícias, para que o
cultivasse e guardasse. E deu-lhe esse preceito, dizendo: Come das árvores do paraíso,
mas não comas do fruto da árvore da ciência do bem e do mal; porque, em qualquer dia
que comeres dele, morrerás indubitavelmente. Disse mais o Senhor Deus: Não é bom
que o homem esteja só; façamos-lhe um adjutório semelhante a ele. Tendo, pois, o
Senhor Deus formado da terra todos os animais terrestres, e todas as aves do céu,
levou-os diante de Adão, para este ver como os havia de chamar; e todo nome que Adão
pôs aos animais vivos, esse é o seu verdadeiro nome. E Adão pôs nomes convenientes a
todos os animais (domésticos), a todas as aves do céu, e a todos os animais selváticos;
mas não se achava para Adão um adjutório semelhante a ele. Mandou, pois, o Senhor
Deus um profundo sono a Adão; e, enquanto ele estava dormindo, tirou uma das suas
costelas, e pôs carne no lugar dela. E da costela, que tinha tirado de Adão, formou o
Senhor Deus uma mulher; e a levou a Adão. E Adão disse: Eis aqui agora o osso de
meus ossos e a carne de minha carne; ela se chamará Virago, porque do varão foi
tomada. Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e serão
dois numa só carne. Ora um e outro, isto é, Adão e sua mulher, estavam nus; e não se
envergonhavam (porque ainda eram inocentes)” (Gen. II, 15-25).

E diz ainda a Escritura que Deus expulsou Adão e Eva do Paraíso após terem pecado,
comendo da árvore do conhecimento do bem e do mal (Gen. III, 6-24).
A partir da narração bíblica podemos fazer um paralelo entre Cristo e Adão.

Adão foi feito o primeiro homem e, conseqüentemente, o pai de todos os homens segundo a
carne. Nosso Senhor é o pai de todos os homens de verdadeira fé, segundo o espírito. Nosso
Senhor é o primeiro dos homens.

Deus ordenou que Adão sujeitasse todos os animais, constituindo-o, assim, rei de toda a
criação.
Deus ordenou que Adão não comesse do fruto da árvore do conhecimento do bem e do
mal. Adão, por mandato divino, deveria fazer o sacrifício de não comer daquele fruto. A
intenção de Deus ao ordenar essa lei a Adão era de mostrar-lhe que o homem não é soberano
senhor absoluto de toda a criação, e sim Deus. Quando Abel ofereceu parte de seu rebanho
em sacrifício a Deus e quando Caim ofereceu a Deus parte dos frutos da terra que ele havia
cultivado, o que eles queriam dizer é que Deus lhes havia confiado aqueles benefícios e,
portanto, que Deus era dono de tudo aquilo. Porém, Caim não fez um sacrifício com reta
intenção, ao contrário de Abel e, por inveja, matou seu irmão.
Portanto, Adão, ao receber o mandato divino de não comer da árvore do conhecimento do
bem e do mal, foi feito sacerdote. De todos os frutos ele poderia comer, mas o fruto da árvore
do bem e do mal ele deveria sacrificar.
Depois fez com que todos os animais passassem diante de Adão, e ele lhes deu o nome
conveniente, ou seja, um nome que realmente, verdadeiramente, expressava o que o animal
era. Isso porque Adão, não tendo ainda pecado, possuía uma inteligência ordenada e a ciência
infusa. Adão era, portanto, profeta porque ensinava a verdade.
Assim, Adão era rei, sacerdote e profeta. Nosso Senhor também é rei, sacerdote e profeta.
Os antigos chamavam cristos (ungidos) aos sacerdotes e aos reis, aos quais Deus mandava
ungir por causa da dignidade de seu ofício.
Os sacerdotes eram, com efeito, aqueles que constantemente oravam pelo povo, ofereciam
a Deus sacrifícios e imploravam graças para a humanidade. Aos reis estava encomendado o
governo dos povos e a eles competia velar pelo cumprimento das leis, defender o inocente e
castigar os maus.
E como cada uma destas funções refletia a autoridade de Deus na terra, pareceu natural
que os eleitos para desempenhar a dignidade sacerdotal ou real fossem ungidos com óleo. A
unção dos sacerdotes e reis em Israel chegou a ter um significado especial, equivalente a
nossa coroação e consagração.
Também foi costume antigo ungir os profetas, interpretes de Deus, que previam o futuro,
guiavam o povo e pregavam eficazmente as virtudes com santas exortações.
Nosso Senhor, no momento mesmo de sua encarnação, assumiu o tríplice ofício de profeta,
sacerdote e rei. E por isso foi chamado Cristo, e foi ungido para desempenhar esse tríplice
ministério, não com óleo material, mas com um óleo espiritual. E o Espírito Santo derramou
sobre sua alma santíssima uma tal plenitude de graças e dons, que supera a capacidade de
qualquer outro ser criado.
Cristo foi o Profeta por excelência, que nos manifestou a vontade divina e por cuja
mensagem o mundo conheceu a Deus. Este título lhe é extremamente justo, pois todos os
demais profetas foram, na verdade, discípulos Seus e foram enviados com a finalidade de
anunciar a Sua vinda, o grande Profeta que viria para salvar a todos.
Cristo foi Sacerdote, como explica magnificamente São Paulo na sua Epístola aos Hebreus.
Ele foi o sacerdote que se sacrificou a si mesmo para a salvação dos homens.
Cristo foi Rei, não somente enquanto Deus, mas também enquanto homem. O anjo Gabriel
havia dito na anunciação à Virgem Maria:

“... e reinará eternamente na casa de Jacó; e o seu reino não terá fim” (S. Lucas, I, 32s).

O reino de Cristo é espiritual e eterno. Inicia-se na terra e se completa no céu. Com


admirável providência desempenha os ofícios de rei em sua Igreja. Ele a governa e a defende
dos ataques de seus inimigos, impõe leis a ela, dá-lhe santidade, justiça, vigor e forças
suficientes para perseverar com firmeza.
Cristo, apesar de descender da linhagem de Davi, não foi reconhecido como rei por direito
humano. O foi porque Deus lhe deu todo o poder, grandeza e dignidade que um homem pode
possuir: “Foi-lhe dado todo poder e senhorio no céu e na terra” (S. Mateus, XXVIII, 18). E
no dia do juízo veremos todos os seres se submeterem a ele perfeitamente, coisa que já
começou a realizar-se nesta vida.
Cristo, portanto, é rei, sacerdote e profeta.

Deus deu um profundo sono a Adão, e de uma de suas costelas Deus lhe formou uma
companheira com quem ele se uniu para sempre, e que lhe dará uma numerosa posteridade.
Nosso Senhor morreu sobre a cruz, e do seu lado entreaberto Deus tirou a Igreja com a qual
Nosso Senhor seu uniu para sempre e que lhe dará numerosos filhos.

Assim como Adão tinha uma só esposa, também Cristo tem uma só esposa, a Igreja
Católica. E assim como Adão não se separou de Eva para casar-se novamente, também
Cristo, unido à Igreja, nunca se divorciará dela para unir-se, adulteramente, a uma outra
religião que pretenda ser igreja. São Paulo expõe belissimamente essa verdade na Epístola
aos Efésios:

“As mulheres sejam sujeitas a seus maridos, como ao Senhor; porque o marido é cabeça
da mulher, como Cristo é cabeça da Igreja, seu corpo, do qual ele é o Salvador. [...]
Maridos, amai as vossas mulheres como também Cristo amou a sua Igreja, e por ela se
entregou a si mesmo, para a santificar, purificando-a no batismo da água pela palavra da
vida, para apresentar a si mesmo esta Igreja gloriosa, sem mácula, sem ruga, ou coisa
semelhante, mas santa e imaculada. [...] Por isso, deixará o homem seu pai e sua mãe, e
se unira à sua mulher; e serão dois numa só carne. Este mistério é grande, mas eu o
digo em relação a Cristo e à Igreja” (Ef. V, 22s; 25-27; 31s).
Dura verdade contra o ecumenismo do Concílio Vaticano II.
Dura verdade para os padres que defendem as suas “pastorais de casais em segunda
união” (ou em terceira, quarta união...)! O sacramento do matrimônio é indissolúvel, assim
como é indissolúvel a união entre Cristo e a Igreja. Não é de espantar, pois, que os padres
favoráveis aos casais divorciados sejam favoráveis ao ecumenismo. Se o homem pode casar-
se novamente, por que Cristo não poderia aceitar as outras religiões como esposas? A verdade
é que o divórcio, em si mesmo, é um ataque não somente à moral, mas à própria eclesiologia
católica!
E a Igreja, como Eva, dará uma posteridade numerosíssima a Cristo. Melhor figura da Igreja
que Eva é a Virgem Maria, que foi Virgem e Mãe, assim como a Igreja Católica é pura de toda
falta e fecundíssima na geração de fiéis.

Adão, após ter pecado, é expulso do Paraíso e condenado ao trabalho penoso e á morte.
Nosso Senhor, carregando os pecados do mundo, desceu do Céu e se condenou ao trabalho e
à morte, para salvar todos os homens pela obediência, como Adão os tinha perdido pela
desobediência.

E aqui, nesta comparação, quanta diferença entre Nosso Senhor e Adão! Adão pecou e
perdeu a humanidade em um jardim (o Éden). Nosso Senhor iniciou seus sofrimentos
salvadores em um jardim (das Oliveiras). Adão perdeu o homem por meio de uma árvore.
Nosso Senhor salvou os homens por meio do lenho da cruz, a árvore da vida. Adão foi
orgulhoso. Cristo foi humilde. Adão deixou-se vencer pelo demônio. Cristo resistiu e venceu o
demônio. Adão escusou-se de seu pecado culpando Eva por lhe ter tentado. Cristo rogou por
seus inimigos quando estava crucificado. Adão, sendo homem, quis ser Deus comendo do fruto
proibido e pecou. Cristo, sendo Deus, fez-se homem para nos salvar do pecado.
Adão é, certamente, uma das figuras de Nosso Senhor mais abundantes em significado da
Escritura.

II – Abel

Abel é a segunda figura do Messias.


Abel era pastor de ovelhas e Caim era lavrador. Diz a Escritura que, passado muito tempo,
cada um ofereceu um sacrifício a Deus. Caim ofereceu os frutos da terra e Abel ofereceu os
primogênitos do seu rebanho. Porém, Deus não considerou os dois sacrifícios do mesmo
modo. O sacrifício de Abel agradou a Deus, ao passo que não se deu o mesmo com o
sacrifício de Caim.
Duas perguntas se colocam a nós: Como Abel e Caim conheceram que seus sacrifícios
haviam agradado e desagradado, respectivamente, a Deus? Por que Deus olhou
diferentemente para os dois sacrifícios?
Quanto à primeira questão, alguns exegetas defendem que Deus, agradando-se com o
sacrifício de Abel, fez com que seus rebanhos e suas pastagens crescessem, não tendo feito o
mesmo com as plantações de Caim. Essa prosperidade de Abel, não ocorrida com o trabalho
de Caim, teria sido um sinal claro de que Deus se agradara com o sacrifício do primeiro, mas
não com o do segundo.
Outros dizem que um fogo do céu teria consumido as oferendas de Abel, não ocorrendo o
mesmo com Caim. Afirmam isto baseados em algumas passagens da Escritura:

“Ora, Moisés e Arão, tendo entrado no tabernáculo do testemunho, e tendo saído depois,
abençoaram o povo. E a glória do Senhor apareceu a todo a multidão; e eis que um fogo
saído do Senhor devorou o holocausto e as gorduras que estavam sobre o altar. O povo,
vendo isto, louvou o Senhor, lançando-se com o rosto por terra” (Lev. IX, 23s).

“E o fogo do Senhor baixou do céu, e devorou o holocausto, e a lenha, e as pedras,


consumindo o mesmo pó e a água que estava no regueiro” (III Reis XVIII, 38).

Estas são algumas hipóteses que responderiam à primeira questão, mas que não são
certas, pois a Escritura se limita a dizer que ambos conheceram o juízo que Deus fizera de
seus sacrifícios sem dizer como vieram a conhecê-lo.
Quanto à segunda questão, se o texto não dá uma resposta diretamente, dá ao menos
algum elemento de resposta. A atitude subseqüente de Caim, que ficou irado e abatido, deixa
entender que suas disposições anteriores não eram aquelas que agradavam a Deus:

“(Animado) pela fé, ofereceu Abel a Deus sacrifício melhor que o de Caim” (Heb. XI, 4).

Nosso Senhor diz no Evangelho que Abel era justo e a Epístola de São Paulo aos Hebreus
diz que Abel era justo por causa de sua fé:

“Por isso, eis que eu vos envio profetas, e sábios, e escribas, e matareis e crucificareis
uns, e açoitarei outros nas vossas sinagogas, e os perseguireis de cidade em cidade;
para que caia sobre vós todo o sangue justo que se tem derramado sobre a terra, desde
o sangue do justo Abel até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, que vós matastes
entre o templo e o altar” (S. Mateus XXIII, 34s).

"(Animado) pela fé, ofereceu Abel a Deus sacrifício melhor que o de Caim; por ela foi
declarado justo, tendo Deus aprovado os seus dons; e por ela fala ainda depois de morto
(por meio de seus exemplos)” (Heb. XI, 4).

Abel oferece um sacrifício agradável a Deus. Nosso Senhor oferece-se em sacrifício puríssimo
a seu Pai.

Ao invés de se examinar para descobrir a causa do desfavor de Deus, Caim deixa-se invadir
pela cólera e seu aspecto torna-se abatido, sinal claro da tristeza que se apoderara de sua
alma.
Deus não o abandona, exortando-o ao arrependimento: “E o Senhor disse-lhe: Por que
estás irado e por que está abatido o teu semblante? Porventura, se tu obrares bem, não
receberás (por isso galardão); e se obrares mal, não estará logo o pecado à tua porta? Mas
sob ti está o seu desejo, e tu o dominarás” (Gen. IV, 6s).
Deus o previne contra um perigo maior, uma falta mais grave que poderia resultar de sua
cólera e de sua tristeza. Se Caim mudasse suas disposições, se ele fizesse uma oferenda
agradável a Deus, então receberia o favor divino.
Mas Caim não teve em conta o aviso de Deus e não se arrependeu. Movido por um
sentimento de inveja, convidou Abel, seu irmão, para sair ao campo e o matou.
Abel, inocente, é morto por Caim, seu irmão. Nosso Senhor, a própria inocência, é crucificado
pelos judeus, seus irmãos.
Após este pecado, Deus intervem, interrogando, como no Jardim do Éden, o culpado. Caim
responde com uma mentira e com uma desculpa que já o condena, pois não é possível que
Caim tivesse se desinteressado de seu irmão deste modo: “E o Senhor disse a Caim: Onde
está teu irmão Abel? E ele respondeu: Não sei. Porventura sou eu o guarda de meu irmão?”
(Gen. IV, 9). Há um aumento na maldade se compararmos a resposta de Caim com as de
Adão e Eva. Adão e Eva tentam se excusar, ao passo que Caim nega arrogantemente ter
pecado, persistindo em sua obstinação e em sua recusa da misericórdia divina que lhe fora
oferecida.
Deus lhe responde, dizendo que o sangue de seu irmão clamava da terra; e o amaldiçoa a
vagar pela terra e a não receber os frutos dela quando a cultivasse.
O sangue de Abel clama vingança contra Caim, que é condenado a vagar sobre a terra. O
sangue de Jesus Cristo clama vingança contra os judeus que vagam sem domicílio certo por
todos os países [conforme predito pelo profeta Oséias: “O meu Deus os rejeitará, porque não o
ouviram: e andarão errantes entre as nações” (Os. IX, 17)].
Deus deu a Adão e Eva um outro filho em lugar de Abel, chamado Seth. Os descendentes
de Seth chamaram-se filhos de Deus porque viviam segundo o espírito da Religião. Os
descendentes de Caim, pelo contrário, foram chamados filhos dos homens porque eles se
entregavam a todas as más inclinações.
Os filhos de Deus não permaneceram todos fiéis. A Escritura diz que os filhos de Deus,
vendo como as filhas dos homens eram formosas, tomaram por mulheres as que, dentre todas,
lhes agradavam. Os filhos de Deus, preocupando-se mais com a beleza de suas esposas que
com suas virtudes, uniram-se às filhas dos homens sem considerar que seus filhos seriam
educados por esposas sem virtudes. Conseqüentemente, corromperam-se e quase todos se
entregaram ao pecado.
Deus dará o Dilúvio como punição aos homens, mas salvará Noé e sua família, ao todo oito
pessoas. Noé é, então, figura de Nosso Senhor.

III – Noé

Diz a Escritura que Noé foi um homem justo e perfeito entre os homens de seu tempo.
Deus, vendo a corrupção na qual estavam os homens, decide puni-los com o Dilúvio.
Porém, vendo que Noé era justo, decide salvá-lo e a toda sua família. Manda que Noé construa
uma arca, na qual trabalhou durante cento e vinte anos, para dar aos pecadores tempo para a
penitência. Noé anunciou o castigo iminente, exortando os homens à penitência. Porém, não
foi ouvido.
Vindo o dilúvio, salvaram-se somente os que estavam dentro da arca. E quando as águas
baixaram, Noé deu o seu reconhecimento a Deus oferecendo-lhe um sacrifício, e o Senhor lhe
prometeu que não faria o mundo perecer novamente pelo dilúvio.
Só Noé encontrou graça diante de Deus. Nosso Senhor é o Seu Filho amado, no qual pôs as
Suas complacências. – Noé edifica uma arca que o salva, e a sua família, do dilúvio universal.
Nosso Senhor edifica a sua Igreja para salvar da morte eterna todos os que quiserem entrar
nela. – Quanto mais subiam as águas, mais a arca se elevava ao céu. Quanto mais tribulações
tem a Igreja, mais se eleva a Deus. – Noé foi escolhido para ser pai de um mundo novo. Nosso
Senhor foi escolhido para povoar a terra de justos e o Céu de santos.
Esta é uma das mais belas imagens da Igreja de Cristo que, no meio do dilúvio dos erros e
da fúria das perseguições, flutua ilesa sobre os séculos, levando à eterna salvação os que nela
se refugiam.
Justamente pelo fato de ser a verdadeira Igreja é que ela é perseguida. Entretanto, saibam
os seus perseguidores que, apesar de seus esforços demoníacos, a Igreja de Cristo flutuará
sempre mais segura, enquanto eles serão submergidos na condenação eterna.

“Eu vos disse estas coisas para que não vos escandalizeis. Lançar-vos-ão fora das
sinagogas; e virá tempo em que todo o que vos matar, julgará prestar serviço a Deus. E
tratar-vos-ão assim, porque, não conheceram nem o Pai, nem a mim” (S. João XVI, 1-3).

Por três séculos a Igreja foi perseguida nas arenas romanas. Mas, hoje, a Cruz é que
repousa sobre o obelisco de Nero na Praça de São Pedro. Atualmente, os modernistas
dominaram todo o clero e causaram uma apostasia generalizada. Mas, por fim, será o
Imaculado Coração de Maria que triunfará.

IV – Melquisedec

A quarta figura do Messias é Melquisedec. Seu nome significa “rei de justiça” (do hebreu:
Malkî-Sêdêq – meu rei é justiça). Era costume, entre os povos orientais antigos, que o rei
exercesse também a função de sacerdote, sendo exemplo os Sumérios, os Egípcios, os Tírios
e os Medianitas (cf.: Ex. II, 16; III, 1). E assim era também com Melquisedec.
Conforme a Sagrada Escritura, Melquisedec foi rei de Salém. A tradição judaica mais antiga
sempre identificou a cidade de Salém com Jerusalém.
Diz a Escritura que Abrão (cujo nome ainda não havia sido mudado em Abraão por Deus),
após ter saído vitorioso de um combate, encontrou-se com Melquisedec, o qual trouxe pão e
vinho. Trouxe não somente para restaurar as forças dos combatentes, mas também, e
principalmente, para oferecer em ação de graças a Deus, “porque era sacerdote do Deus
Altíssimo” (Gen. XIV, 18).

“E Melquisedec, rei de Salém, trazendo pão e vinho, porque era sacerdote do Deus
Altíssimo, o abençoou e lhe disse: Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, que criou o
céu e a terra; e bendito seja o Deus Altíssimo, por cuja proteção os inimigos estão nas
suas mãos. E (Abrão) deu-lhe o dízimo de tudo” (Gen. XIV, 18-20).

Portanto, Melquisedec ofereceu não somente alimento a Abrão e seus combatentes, que
estavam cansados, mas também um verdadeiro sacrifício de ação de graças pela vitória, como
interpretam Fílon de Alexandria (De Abraham, 135) e todos os Padres da Igreja e interpretes
católicos que vieram após ele. São Cipriano vê no oferecimento do pão e do vinho por
Melquisedec um verdadeiro sacrifício oferecido a Deus, tendo-o por figura do sacrifício
eucarístico:

“Quem, com efeito, foi mais sacerdote do Altíssimo que Nosso Senhor Jesus Cristo, que
oferece um sacrifício a Deus seu Pai, o mesmo que Melquisedec oferecera, a saber, o
pão e o vinho, ou seja, seu corpo e seu sangue?” (Ep. LXIII, 4).

A oblação do pão e do vinho, em uso entre os Babilônios e Egípcios, prefigura nesta


passagem o sacrifício do Corpo e do Sangue de Nosso Senhor. Essa interpretação é dada
mesmo no cânon da Missa, que fala do sacrifício de Melquisedec e ensinada unanimemente
pela tradição da Igreja.
E diz Davi a respeito do Messias:

“Disse o Senhor ao meu Senhor: Senta-te à minha direita, até que ponhas os teus
inimigos por escabelo de teus pés. (...) Jurou o Senhor, e não se arrependerá: Tu és
sacerdote eternamente, segundo a ordem de Melquisedec” (Sal. CIX, 1.4).

Melquisedec aparece na narrativa bíblica sem que sejam apresentados seus pais, sua
genealogia e como terminou sua vida. Por causa disto, São Paulo explicará na Epístola aos
Hebreus que Melquisedec prefigura o sacerdócio de Cristo, um sacerdócio eterno e não vindo
de linhagem humana, de linhagem levítica, pois o Messias, diz o Salmo CIX, é Deus: “Disse o
Senhor ao meu Senhor”.

"Porque este Melquisedec (era) rei de Salém, sacerdote de Deus altíssimo, que saiu ao
encontro de Abraão, quando ele voltava de destroçar os (quatro) reis e o abençoou; ao
qual também Abraão deu o dízimo de todos os despojos; (cujo nome) primeiramente se
interpreta rei de justiça e depois rei de Salém, que quer dizer rei de paz, sem pai nem
mãe, sem genealogia, sem princípio de dias, sem fim de vida, e, tornado assim
semelhante ao Filho de Deus, (Melquisedec) permanece sacerdote para sempre” (Heb.
VII, 1-3).

E assim temos em Melquisedec mais uma figura do Messias no Antigo Testamento:

Melquisedec quer dizer rei de justiça. Nosso Senhor é a própria justiça. – Melquisedec é rei e
sacerdote do Altíssimo. Nosso Senhor é Rei e é o Sacerdote por excelência. – Melquisedec
abençoa Abraão. Nosso Senhor abençoa a Igreja, representada por Abraão. – Melquisedec
oferece em sacrifício pão e vinho. Nosso Senhor se oferece em sacrifício sob a aparência de
pão e vinho.

V – Isaac

Abraão havia se conservado justo em sua nação, a qual estava entregue ao culto dos
ídolos. Deus ordenou-lhe que saísse de sua terra e que se dirigisse até Canaã, a Palestina, e
prometeu-lhe uma posteridade imensa, como as estrelas do céu:

“Olha para o céu, e conta, se podes, as estrelas. Depois acrescentou: Assim será a tua
descendência” (Gen. XV, 5).

Em confirmação da promessa de Deus, Abraão, apesar de estar em idade avançada, teve


de sua mulher, Sara, um filho, a quem deu o nome de Isaac.
Após a destruição de Sodoma, Deus, querendo provar a fé de Abraão, ordenou-lhe que
matasse Isaac, seu filho amado. Abraão obedeceu prontamente e sem murmurar. Conduziu,
ele mesmo, seu filho à montanha que Deus lhe havia indicado, de modo que Isaac carregava a
lenha que seria usada no sacrifício:

“Tomou [Abraão] também a lenha para o holocausto, e pô-la sobre Isaac, seu filho” (Gen.
XXII, 6).

Chegando no local do sacrifício, amarrou-o sobre a fogueira e se dispunha a matar seu filho
quando Deus, satisfeito com a sua obediência, disse a Abraão que o poupasse.
E, assim, o sacrifício de Abraão representa o sacrifício de Nosso Senhor:

Isaac é o filho amado de seu pai. Nosso Senhor é o Filho amado de Deus Pai. – Isaac,
inocente, é condenado à morte. Nosso Senhor, a própria inocência, é condenado à morte. –
Isaac sobe o monte com a lenha nas costas. Nosso Senhor sobe o Calvário com o madeiro da
cruz às costas. – Isaac se deixa amarrar sem resistência à fogueira. Nosso Senhor, mudo
como um cordeiro, se deixa crucificar. – É sobre uma montanha que Isaac será imolado. Nosso
Senhor oferece-se em sacrifício no alto do Calvário. – Isaac é abençoado por Deus em razão
de sua obediência. Nosso Senhor, por sua obediência, é abençoado e recebe em herança
todas as nações da terra.

VI – Jacó

Isaac terá dois filhos, Esaú e Jacó. Dentre os dois, Jacó foi escolhido por Deus para ser
aquele do qual deveria descender o Messias. Indo à Mesopotâmia procurar uma mulher na sua
família, por ordem de seu pai Isaac, Jacó foi surpreendido pela noite no meio do deserto.
Enquanto dormia, com a cabeça apoiada numa pedra, teve um sonho no qual o Senhor lhe
apareceu e lhe disse: “Eu sou o Senhor Deus de Abraão, teu pai, e Deus de Isaac. Darei a
ti e à tua descendência a terra em que dormes. E a tua posteridade será como o pó da
terra; (...) e serão abençoadas em ti e na tua geração todas as tribos da terra” (Gen.
XXVIII, 13s). Deste modo, devemos procurar na posteridade dele, e não de Esaú, o Messias.
Chegando à Mesopotâmia, Jacó pediu sua prima Raquel em casamento:

“Ora, Labão tinha duas filhas: A mais velha chamava-se Lia, e a mais nova Raquel. Lia,
porém, tinha os olhos remelosos, enquanto que Raquel era formosa de rosto, e de gentil
presença. E Jacó, tendo-lhe amor, disse (a Labão): Eu te servirei sete anos por Raquel,
tua filha mais nova. Labão respondeu: Melhor é que eu a dê a ti, do que a outro homem:
fica comigo. Jacó, pois, serviu sete anos por Raquel; e estes lhe pareceram poucos dias
pela grandeza do amor (que lhe tinha). E disse a Labão: Dá-me minha mulher, pois já
está completo o tempo de eu a tomar por esposa. E (Labão) fez as bodas, tendo
convidado para o banquete uma grande turba de amigos. E, à noite, introduziu sua filha
Lia na câmara de Jacó (...). E Jacó, tendo ficado com ela segundo o costume, viu pela
manhã que era Lia; e disse ao seu sogro: Que é isto que me quiseste fazer? Porventura
não te servi eu por Raquel? Por que razão me enganaste? Labão respondeu: No nosso
país não é costume casarem-se as mais novas primeiro. Acaba a semana destas núpcias
e dar-te-ei também a outra pelo trabalho que me prestarás durante outros sete anos.
Acomodou-se (Jacó) à proposta, e, passada a semana, casou-se com Raquel (...). E
(Jacó), tendo enfim alcançado as núpcias desejadas, preferiu no seu amor a segunda à
primeira, e continuou servindo Labão outros sete anos” (Gen. XXIX, 16-30).

E, depois de servir Labão por longos anos, voltou para sua terra de origem. Jacó é,
portanto, a sexta figura de Nosso Senhor:
Jacó, para obedecer ao seu pai, vai para um país afastado procurar uma esposa. Nosso
Senhor, para obedecer a seu Pai, desce do céu à terra para se unir à Igreja, sua esposa. –
Jacó, ainda que muito rico, parte só, e só tem para encostar a cabeça uma pedra que acha no
deserto. Nosso Senhor, possuidor de todas as coisas, nem uma pedra tem para encostar a
cabeça. – Jacó trabalha rudemente para obter a esposa. – Jesus Cristo sofre duros martírios
para formar a Igreja, seu esposa. – Jacó retorna para sua família. Jesus Cristo volta para seu
pai e abre o Céu aos cristãos, seus filhos.
Poderíamos, ainda, dizer mais: A primeira esposa de Jacó, Lia, tinha os olhos remelentos. A
primeira esposa de Nosso Senhor, a Sinagoga, não viu com clareza e rejeitou a Nosso Senhor.
– A segunda esposa de Jacó, Raquel, era formosa de rosto e de gentil presença. A segunda
esposa de Nosso Senhor, a Igreja, é sem mácula, sem ruga, sem pecado, em tudo agradável a
Deus (Ef. V, 27).

VII – José

Jacó teve doze filhos, que são os pais das doze tribos de Israel. Desses doze filhos, José é
o mais célebre.
José era o mais discreto de todos os filhos de Jacó, além de ter sido gerado na velhice
deste. Por estes motivos, Jacó amava José mais que seus outros filhos. Devido a essa
predileção, seus irmãos conceberam uma grande inveja contra José e planejaram matá-lo.
José, também, contou dois sonhos aos seus irmão que os deixaram mais irados, pois os
sonhos davam a entender que um dia ele, José, dominaria sobre seus irmãos.

“Eles, porém, tendo-o visto de longe, antes que se aproximasse, resolveram matá-lo. E
diziam entre si: Eis aí que vem o sonhador; vinde, matemo-lo, e lancemo-lo em uma
cisterna velha; e diremos: Uma fera cruel o devorou; e então se verá de que se
aproveitam os seus sonhos. Ruben, porém, ouvindo isto, esforçava-se por o livrar das
suas mãos, e dizia: Não lhe tireis a vida, nem lhe derrameis o sangue, mas lançai-o nesta
cisterna, que está no deserto, e conservai puras as vossas mãos. Ora, dizia isto porque
queria livrá-lo das suas mãos, e restituí-lo a seu pai. Logo, pois, que (José) chegou junto
de seus irmãos, despiram-lhe da túnica talar de várias cores, e lançaram-no na cisterna
velha, que não tinha água. (...) E Judá, então, disse aos seus irmãos: De que nos
aproveita matar o nosso irmão, e ocultar a sua morte? É melhor que se venda aos
Ismaelitas, e que se não manche as nossas mãos: porque é nosso irmão e nossa carne.
Concordaram os irmãos com o que ele dizia. E, quando passaram os negociantes
Madianitas, tiraram-no da cisterna, e venderam-no por vinte dinheiros de prata aos
Ismaelitas; e estes levaram-no ao Egito. E, tendo voltado Ruben à cisterna, não
encontrou o menino. E, rasgados os vestidos, indo ter com seus irmãos, disse: O
menino não aparece, e eu para onde irei? Tomaram então a sua túnica, e tingiram-na no
sangue de um cabrito, que mataram; e mandaram-na levar ao pai, e dizer-lhe:
Encontramos esta túnica; vê se é a túnica de teu filho, ou não. E o pai, tendo-a
reconhecido, disse: A túnica é de meu filho, uma cruel fera o comeu, uma besta devorou
José. E, rasgados os vestidos, cobriu-se de cilício, chorando seu filho por muito tempo.
(...) E, enquanto ele perseverava no pranto, os Madianitas venderam José no Egito a
Putifar, eunuco do Faraó, general dos exércitos” (Gen XXXVII, 18-36).

No Egito, Deus fez prosperar tudo o que José fazia. E diz a Escritura que “José era de
rosto formoso e aspecto gentil” (Gen. XXXIX, 6).
Após certo tempo, a mulher de Putifar passou a tentar José, o qual continuamente resistia
às suas tentações. Em uma de suas fugas, José deixou cair sua capa. Vendo que era
desprezada e tendo a capa de José em suas mãos:

“...chamou a si a gente da casa, e disse-lhes: Vede, trouxe-nos este homem Hebreu para
zombar de nós. Veio ter comigo para me seduzir; e, tendo eu gritado, ele, ao ouvir a
minha voz, deixou a capa em que eu pegava, e fugiu para fora” (Gen. XXXIX, 13-15).

Devido a esta acusação, José foi jogado na prisão, onde estavam os presos do rei. Na
prisão, José anunciará a um dos criminosos sua libertação, e a outro sua condenação.
Dois anos depois o Faraó teve dois sonhos, dos quais pediu explicação. Apesar de ter
consultado todos os adivinhos do Egito, somente José foi capaz de explicá-los. E a explicação
de José agradou muito o Faraó:

“Agradou o conselho ao Faraó e a todos os seus ministros; e disse-lhe: Poderemos nós


encontrar um homem como este, que esteja tão cheio do espírito de Deus? Disse, pois, a
José: Visto que Deus te manifestou tudo o que disseste, poderei eu encontrar alguém
mais sábio e semelhante a ti? Tu governarás a minha casa, e, ao mando de tua voz
obedecerá todo o povo. (...) Eis que te dou autoridade sobre toda a terra do Egito. E tirou
o anel da sua mão, e meteu-o na mão dele; e vestiu-lhe um vestido de linho fino, e pôs-
lhe ao pescoço um colar de ouro. (...) E mudou-lhe o nome, e chamou-o na língua egípcia
Salvador do Mundo. E deu-lhe por mulher a Asenet, filha de Putifar, sacerdote de
Heliópolis” (Gen. XLI, 37-45).

Mas o que diziam os sonhos do faraó? Diziam simbolicamente, conforme a correta


interpretação de José, que haveria no Egito sete anos de fertilidade por todo país, mas que
após eles haveria sete anos de esterilidade. E, assim, José aconselhou o Faraó a guardar a
quinta parte dos frutos produzidos durante os sete anos de fertilidade, de modo que, quando
viessem os sete anos de miséria e fome, houvesse alimento para todos os habitantes do Egito.
Canaã também foi atingida pela fome durante os sete anos de esterilidade. Jacó, ouvindo
dizer que no Egito se vendia trigo, mandou para lá seus filhos com a finalidade de comprar
trigo. E eles não reconheceram logo a José; mas, reconhecidos por ele, que se deu a
conhecer, encarregou-os de levar para o Egito seu pai com toda a sua família. Jacó, desejoso
de abraçar José, seu filho amado, foi para lá. E o Faraó concedeu-lhe a terra de Gessem para
sua residência e de sua família.
Podemos ver, então, como José é também figura do Messias:

José é o filho querido de Jacó. Nosso Senhor é o Filho muito amado de Deus Pai. – José é
maltratado e vendido por seus irmãos a mercadores estrangeiros. Nosso Senhor é maltratado
pelos Judeus, seus irmãos; é traído e vendido por Judas, e entregue aos Romanos. – José é
condenado inocente. Nosso Senhor, a própria inocência, é condenado à morte. – José, na
prisão, anuncia a um criminoso o seu livramento e a outro o suplício. – Nosso Senhor,
crucificado entre dois malfeitores, promete a um o Paraíso e deixa o outro na condenação. –
José passa da prisão para o trono do Faraó. Nosso Senhor passa da cruz para o trono de
Deus, seu Pai. – O Faraó vestiu José com linho fino e pôs-lhe um colar de ouro no pescoço.
Nosso Senhor está sentado à direita de Deus Pai, na suprema glória. – O Faraó mudou o nome
de José para o de Salvador do Mundo. Jesus significa Salvador; e Nosso Senhor salvou o
mundo de seus pecados. – José casou-se com Asenet, a qual não era de descendência
hebréia, mas gentia. Nosso Senhor uniu-se com a Igreja, formada pelos gentios. José é
obedecido pelos estrangeiros antes de o ser por seus irmãos. Nosso Senhor é obedecido pelas
nações infiéis antes de o ser pelo povo judeu. – José salvou seus irmãos da morte quando
foram a ele. Nosso Senhor salvará os judeus do erro quando abraçarem o cristianismo.

VIII – O cordeiro pascal

Jacó foi para o Egito com 130 anos, vivendo lá por mais 17 anos. E, vendo aproximar-se o seu
fim, juntou os seus doze filhos à roda do leito e lhes anunciou o que aconteceria aos seus
descendentes. Chegando a vez de Judá, disse:

“Judá, teus irmãos te louvarão; (...) O cetro não será tirado de Judá. Nem o príncipe da
sua descendência, até que venha aquele que deve ser enviado. E ele será a expectação
das nações” (Gen. XLIX, 8-10).

Ela anunciava que a autoridade soberana residiria na tribo de Judá até a chegada do
Messias, o qual sairia desta tribo.
Depois da morte de Jacó, seus filhos se multiplicaram rapidamente a ponto de formar um
grande povo. Durante algum tempo eles foram respeitados e tolerados pelos egípcios. Mas um
outro Faraó, reinando mais tarde, oprimiu os hebreus com o jugo de uma dura escravidão.
Os hebreus serão tirados do Egito por Moisés e Aarão, seu irmão, que venceram a
resistência do Faraó lançando sobre o Egito as dez grandes pragas. A última delas foi a
passagem de um Anjo que, por volta da meia-noite, começando pelo filho do Faraó, matou
todos os primogênitos do Egito, tanto dos homens quanto dos animais.
Deus mandara que os hebreus celebrassem pela primeira vez, na mesma noite em que
sucedeu a décima praga, a Páscoa, que significa passagem do Senhor. E o sangue do cordeiro
deveria ser posto sobre as portas das casas.

“No décimo dia deste mês cada um tome um cordeiro por família e por casa. (...) Ora, o
cordeiro será sem defeito, macho, de um ano. (...) e toda a multidão dos filhos de Israel o
imolará à tarde. E tomarão do seu sangue, e pô-lo-ão sobre as duas ombreiras e sobre a
verga da porta das casas, em que eles o hão de comer. E nessa mesma noite comerão as
carnes (do cordeiro) assadas no fogo, com pães ázimos e alfaces bravas. Não comereis
dele nada cru, nem cozido em água, mas somente assado no fogo; comer-lhe-eis a
cabeça, os pés e os intestinos. Nada ficará dele pela manhã; se restar alguma coisa,
queimá-la-eis no fogo. E comê-lo-eis deste modo: Cingireis os vossos rins, e tereis as
sandálias nos pés, e os bordões na mão, e comereis à pressa: porque é a Páscoa do
Senhor. E naquela noite eu passarei pela terra do Egito e ferirei (de morte) todo o
primogênito da terra do Egito (...). O sangue, porém, será para vós um sinal (em vosso
favor) nas casas em que morardes, e eu verei o sangue, e passarei adiante; e não haverá
em vós a praga destruidora, quando eu ferir a terra do Egito” (Ex. XII, 1-13).

O cordeiro pascal é a oitava figura de Cristo:

Este cordeiro devia ser sem mancha e sem defeito. Nosso Senhor é o cordeiro sem mancha e
sem defeito. – O sangue do cordeiro deveria ser passado sobre as portas das casas e quem o
fizesse teria sua casa livrada da morte. É pelo sangue de Cristo que fomos redimidos e que
somos livrados da morte eterna. – Os que comiam o cordeiro pascal deviam ter os rins
cingidos, um bastão na mão, calçados nos pés, como viajantes prontos para partirem. O
cordeiro pascal é símbolo do Banquete Eucarístico. Os que comungam devem ter os rins
cingidos, imagem da castidade; um bastão na mão, símbolo da força para resistir ao mal;
calçado nos pés como prontos a caminharem para o céu.

IX – O maná

O Faraó, vendo essa estupenda ação de Deus, mandou chamar Moisés e Aarão na mesma
noite e ordenou que os hebreus saíssem do Egito, entregando-lhes quanto ouro e prata
pediram. E os hebreus seguiram pelo deserto em direção à terra prometida.
Deus fez muitos milagres em favor dos hebreus quando os tirou do Egito. O primeiro milagre
foi a coluna de nuvem (Ex. XIV, 19s; Num. IX, 21s). Essa coluna, luminosa durante a noite e
escura de dia, dirigia o povo na sua marcha, marcando-lhe o caminho que devia seguir. Esse
milagre durou quase quarenta anos. O segundo milagre em favor dos hebreus foi a passagem
do Mar Vermelho (Ex. XIV, 21-31), cujas águas se dividiram à voz de Moisés, para darem livre
passagem aos filhos de Israel. Elas caíram sobre o exército do Faraó e mataram todos,
homens e cavalos, que vinham em perseguição dos judeus. O terceiro milagre foi o maná. Era
um sustento milagroso que Deus fazia cair todas as manhãs à roda do campo dos hebreus; era
composto de grãos pequenos brancos e compressos, tinha um gosto delicioso e devia ser
colhido de manhã cedo.
A finalidade destes milagres era a de conservar os judeus na religião, mostrando-lhes,
assim como às nações infiéis, que o Senhor era o único Deus verdadeiro, o Senhor da
natureza.
A interpretação tradicional é de que o maná foi um alimento especialmente criado por Deus.
Convém atentar para o caráter religioso que esse alimento tinha:
a) os grãozinhos de maná, que em breve estragavam, conservavam-se íntegros por 48 horas
nos finais da semana, a fim de permitir aos israelitas o repouso sagrado do sábado (Ex. XVI,
19-30);
b) desobedientes a Deus, alguns hebreus colhiam uma quantidade maior, outros uma
quantidade menor de maná; mas ao chegar às respectivas tendas e ao medirem suas
provisões, verificavam que possuíam precisamente a porção que era permitida para um dia, ou
seja, 1 gomor (3,8 litros) – cf. Ex. XVI, 16-18.
Todos estes detalhes indicam que Deus tinha, com o maná, a finalidade de não somente
alimentar materialmente os hebreus, mas também de constituí-lo figura de algo superior.
Os rabinos sustentavam que o Messias, vindo à terra, repetiria o prodígio do maná,
alimentando o seu povo com o pão do céu, o pão dos anjos. Essa expressão significava “pão
que os anjos dão ou ministram em nome do Senhor”, pois os anjos eram considerados os
transmissores das grandes dádivas de Deus aos homens.
E, de fato, vindo o Messias, foi-nos dado o pão do céu. Os judeus estavam certos em
atribuir ao Messias a repetição do prodígio do maná. Mas eles estavam ainda imbuídos de
expectativas demasiado humanas. O maná que Nosso Senhor dará será maior que o maná do
deserto, este sendo apenas uma figura do verdadeiro pão descido do céu, do pão dos anjos,
do pão que nos é dado pelas mãos dos sacerdotes, os quais são os transmissores das grandes
dádivas de Deus aos homens, os anjos de Deus na terra.
Cristo, no Evangelho de São João, afirmará abertamente que o maná figurava o Santíssimo
Sacramento (S. João VI, 49.59).

“E Jesus respondeu-lhes: Em verdade, em verdade vos digo: Não vos deu Moisés o pão
do céu, mas meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão de céu. Porque o pão de Deus é o
que desceu do céu, e dá a vida ao mundo. (...) Vosso pais comeram o maná no deserto
de morreram. (...) Eu sou o pão vivo que desci do céu. Quem comer deste pão, viverá
eternamente; e o pão que eu darei, é a minha carne (que será sacrificada) para a
salvação do mundo. (...) Se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o
seu sangue, não tereis a vida em vós. O que come a minha carne e bebe o meu sangue,
tem a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia” (S. João VI, 32s.49.51s.54s).

Deste modo, os Santos Padres e as pinturas cristãs das catacumbas mostram o maná como
símbolo do pão eucarístico.

O maná era um sustento descido do céu. Nosso Senhor, na Santa Eucaristia, é o pão vivo
descido do céu. – O maná substituía todos os alimentos. A Santa Eucaristia é o pão por
excelência; basta para todas as necessidades da alma. – O maná se adaptava a todos os
paladares, cada um sentindo o gosto que desejasse (cf. Sab. XVI, 20s). A Santa Eucaristia nos
dá todas as virtudes de que necessitamos. – O maná durou até que os hebreus entraram na
terra prometida. A Santa Eucaristia nos será dada até que nós entremos no céu, onde veremos
sem nuvem o Deus que recebemos sob o véu do Sacramento.

É possível, então, ver quão tola é a afirmação protestante de que na Eucaristia não está Nosso
Senhor realmente presente, mas apenas de modo simbólico, figurado. Para os protestantes o
cordeiro pascal e o maná nada mais seriam que figuras de uma outra... figura! Eles não seriam
figuras de uma realidade futura superior. O maná dado por Cristo seria tão figura quanto o
maná colhido pelos hebreus no deserto. O que vai frontalmente contra a passagem citada do
Evangelho de São João e as regras de exegese apontadas na primeira parte deste trabalho.

X – Os sacrifícios e a serpente de bronze

Para conservar a Religião entre seu povo, Deus lhe deu a sua Lei, por escrito, sobre o
Monte Sinai, no meio de trovões e relâmpagos, porque era uma lei de temer. Deus escreveu os
Dez mandamentos em tábuas de pedra, que foram colocadas na arca da aliança e confiadas à
guarda dos sacerdotes encarregados de explicar a Lei.
Para confirmá-la, Moisés fez sacrifícios que eram, como todos os sacrifícios da Antiga Lei,
figuras do sacrifício de Nosso Senhor.

Depois de publicar a lei, Moisés espalhou o sangue das vítimas sobre todo o povo, dizendo:
Este é o sangue da aliança que Deus fez convosco. Depois de ter pregado a sua lei, Nosso
Senhor deu seu sangue adorável aos Apóstolos, dizendo: Este é o sangue da nova aliança que
o Senhor fez com os homens. – Muitos sacrifícios da antiga lei eram oferecidos com o sangue
dos animais. O sacrifício de Nosso Senhor foi oferecido com o seu sangue na cruz e é
oferecido com seu sangue no altar. – Os sacrifícios da antiga lei eram oferecidos para quatro
fins: adorar, agradecer, suplicar e expiar. O sacrifício de Nosso Senhor é oferecido com os
mesmos fins.

Após ser publicada a Lei, os judeus prometeram ser sempre fiéis aos mandamentos do
Senhor, mas não guardaram a sua palavra. Muitas vezes, no deserto, eles murmuravam contra
Moisés e contra Deus mesmo, de modo que eram punidos com graves castigos. Um dos
castigos mais notáveis foi o das serpentes venenosas, cujas mordidas causaram a morte de
muitos.

"E o povo começou a enfastiar-se do caminho e das fadigas; e, falando contra Deus e
contra Moisés, disse: Por que nos tiraste do Egito, para morrermos num deserto? Falta
pão, não há água; a nossa alma está enfastiada deste alimento levíssimo (o maná). Por
esta causa o Senhor enviou contra o povo serpentes ardentes, e, causando estas chagas
e mortes em muitos, (os israelitas) foram ter com Moisés, e disseram-lhe: Nós pecamos,
porque falamos contra o Senhor e contra ti; roga-lhe que afaste de nós as serpentes. E
Moisés orou pelo povo, e o Senhor disse-lhe: Faze uma serpente de bronze, e põe-na por
sinal; aquele que, sendo ferido, olhar para ela, viverá. Moisés fez, pois, uma serpente de
bronze e pô-la por sinal; e os feridos que olhavam para ela, saravam” (Num. XXI, 4-9).

Que a serpente de bronze seja figura de Nosso Senhor, é Cristo mesmo quem o diz:

“E como Moisés levantou no deserto a serpente, assim também importa que seja
levantado o Filho do homem, a fim de que todo o que crê nele, não pereça, mas tenha a
vida eterna” (S. João III, 14).

Nosso Senhor se fez maldito por nós (Gal. III, 13) e portou nossos pecados (II Cor. V, 21)
em seu corpo sobre o lenho da cruz (I S. Pedro. II, 24) para, assim, nos conseguir a salvação
eterna.
A serpente de bronze será, pois, outra figura de Nosso Senhor:

Os hebreus culpados são mordidos por serpentes que lhes dão a morte. O gênero humano,
culpado na pessoa de Adão, foi mordido pela serpente infernal, que lhe deu a morte. – Moisés
manda fazer uma serpente de bronze que é colocada num lugar elevado. Nosso Senhor se fez
homem e assumiu nossos pecados, sendo crucificado no alto de um monte. – Os que olhavam
para a serpente de bronze eram curados das suas feridas. Os que olham para Nosso Senhor
crucificado com fé e amor, arrependidos de suas faltas, são curados das feridas da serpente
infernal.

XI – Moisés

Moisés guiará os hebreus durante 40 anos pelo deserto até chegarem à terra prometida.
Eles poderiam ter chegado lá em pouquíssimo tempo, mas Deus fez com que vagassem pelo
deserto durante todos esses anos como punição por suas prevaricações e ofensas contra Ele e
Moisés. Assim, durante todos esses 40 anos todos os hebreus que saíram do Egito morreram,
com a exceção de Caleb e Josué.
Moisés e Aarão não entrarão na terra prometida em castigo por um leve movimento de
desconfiança da bondade de Deus.
Antes de morrer, Moisés juntou todos os filhos de Israel e lhes fez renovar a aliança com
Deus, prometendo-lhes, se fossem fiéis, todas as bênçãos, e ameaçando-os de grandes
calamidades se fossem infiéis.
Depois de se despedir dos hebreus, Moisés subiu à montanha de Nebo e Deus lhe mostrou
a terra prometida, dizendo:

“Esta é a terra pela qual jurei a Abraão, Isaac e Jacó, dizendo: Eu a darei à tua
posteridade. Tu a viste com os teus olhos, mas não entrarás nela” (Deut. XXXIV, 4). E,
após ter visto a terra prometida, entregou a alma a Deus.

Toda a vida de Moisés o mostra como sendo, também, figura de Nosso Senhor:

Quando Moisés nasceu o Faraó, rei do Egito, mandou matar os filhos dos hebreus. Quando
Nosso Senhor nasceu, Herodes, rei da Judéia, mandou matar os filhos de Belém e dos
arredores. – Moisés escapou do furor do Faraó. Nosso Senhor escapou do furor de Herodes. –
Moisés é enviado por Deus para livrar o seu povo da escravidão do Egito. Nosso Senhor vem
livrar os homens da servidão do pecado. – Moisés fez grandes milagres para provar a sua
missão divina. Nosso Senhor fez grandes milagres para provar que é o Filho de Deus. – Para
sair do Egito, Moisés conduziu os hebreus pelo Mar Vermelho. Nosso Senhor, para nos tirar da
vida de pecado e nos introduzir na vida da graça, instituiu o batismo. – Moisés, no deserto,
sustentou seu povo com o pão caído do céu, o maná. Nosso Senhor sustenta o seu povo,
durante esta vida mortal, com o pão vivo descido do céu, a Santa Eucaristia. – Moisés dá uma
lei. Nosso Senhor também. – Moisés, por fim, não pôde introduzir o seu povo na terra
prometida. Nosso Senhor, sendo maior que Moisés, abriu a terra prometida (o Céu) levando
consigo todos os justos da Antiga Lei e preparando lugares para os da Nova.

XII – Josué

Josué será o sucessor de Moisés:

“E Moisés chamou Josué, e disse-lhe diante de todo o Israel: Tem animo, e sê forte,
porque tu hás de introduzir este povo na terra que o senhor jurou e seus pais que lhes
havia de dar, e tu a repartirás por sorte. E o Senhor, que é o vosso guia, ele mesmo será
contigo; não te deixará, nem te desampara; não temas, nem te assustes” (Deut. XXXI, 7s).

E será Josué quem introduzirá os hebreus na terra prometida. Prometida porque foi a terra
que Deus prometera a Abraão Isaac, Jacó e à sua posteridade.
A primeira cidade a ser tomada pelos judeus será a cidade de Jericó. Josué enviará dois
espiões para examinar o país e Jericó, os quais repousarão “na casa de uma mulher meretriz
chamada Raab” (Jos. II, 1). Cabe notar que o termo “mulher meretriz” é interpretada pelos
rabinos no sentido de que Raab era uma mulher locateira, dando por isso hospedagem às
pessoas que queriam.
São Mateus, em seu Evangelho, fará menção de Raab como fazendo parte da genealogia de
Nosso Senhor (S. Mateus I, 5). Ela será também louvada por sua fé e bondade:

“Pela fé Raab, a meretriz, não pereceu com os incrédulos, tendo acolhido com bondade
os exploradores” (Heb. XI, 31);
“Do mesmo modo também Raab, a meretriz, não foi ela justificada pelas obras,
recebendo os mensageiros (enviados por Josué) e fazendo-os sair por outro caminho?”
(S. Tiago, II, 25).

O rei de Jericó, sabendo que alguns espiões haviam entrado na cidade, mandou dizer a
Raab que fizesse sair os homens que ela hospedava. Ela, espertamente, os esconderá e dirá
que eles, de fato, haviam se hospedado em sua casa, mas que já haviam ido embora. Depois,
tratando com os espiões de Josué, reconhecerá que Deus lhes entregaria aquele país, pois já
chagara aos ouvidos de todos as coisas que Deus havia feito com os hebreus, como a
travessia do Mar Vermelho e as vitórias que haviam tido nos combates. E dirá ainda:

“Agora, pois, jurai-me pelo Senhor, que, assim como eu usei de misericórdia convosco,
assim usareis com a casa de meu pai; (...) E eles disseram-lhe: Nós cumpriremos
fielmente o juramento, que nos fizestes prestar, se, quando entrarmos no país, estiver
este cordão cor de escarlate, e o atares à janela, por onde nos fizestes descer e se
tiveres recolhido em tua casa o teu pai e a tua mãe e os teus irmãos e toda a tua
parentela. Se alguém sair da porta da tua casa, o seu sangue cairá sobre a sua cabeça, e
nós ficaremos sem culpa; mas o sangue de todos os que estiverem contigo em tua casa,
cairá sobre a nossa cabeça, se alguém os tocar. Porém, se tu nos atraiçoares, ficaremos
desobrigados deste juramento, que nos fizeste prestar. E ela respondeu: Faça-se como
disseres; e, deixando-os, para que partissem, pendurou o cordão cor de escarlate à
janela” (Jos. II, 12.17-21).

Jericó será tomada pelos hebreus, sendo que seus muros cairão ao som das trombetas e
dos gritos do exército de Israel. E a única casa que será salva será a casa e Raab. Josué
ordenará que os mesmos dois espiões que haviam sido enviados antes da batalha entrem na
casa dela e a façam sair com todos os seus pertences e familiares.
Josué é figura de Cristo:
Josué (em hebraico Iehoshua’) quer dizer Salvador. Jesus é nome sinônimo e também quer
dizer Salvador. – Josué sucede a Moisés, que não pôde introduzir os hebreus na Terra Santa.
Nosso Senhor também sucede a Moisés, cuja lei não podia introduzir os homens no Céu. –
Josué entrou, enfim, na terra prometida. Nosso Senhor será o primeiro a entrar no Paraíso,
seguido dos outros justos. – Enquanto os judeus seguem os conselhos de Josué são felizes.
Enquanto os cristãos seguem os conselhos de Nosso Senhor são felizes. – Raab, pendurando
uma corda de cor escarlate em sua janela, foi salva por Josué, bem como sua casa com todos
os seus familiares. Nós, ao marcarmos nossa alma com o sangue de Cristo, nos salvamos da
morte eterna.

XIII – Gedeão

Os hebreus, por causa de seus pecados, foram muitas vezes entregues às mãos de seus
inimigos. No período que vai da morte de Josué até o início da monarquia, não havia governo
organizado em Israel. Os povos vizinhos, então, aproveitavam-se disso para atacar os hebreus
e oprimi-los. Quando caiam na idolatria, Deus os punia permitindo que os povos pagãos da
região, entre os quais estavam os Madianitas, dominassem os hebreus.
“...[o Senhor] os entregou durante sete anos nas mãos dos Madianitas, e foram muito
oprimidos por eles. (...) E, quando Israel tinha semeado, vinham os Madianitas, e os
Amalecitas, e os outros povos orientais; e, pondo as tendas junto deles [dos hebreus],
talavam tudo quanto ainda estava em erva (desde o Jordão) até à entrada de Gaza; e não
deixavam aos Israelitas nada do necessário à vida, nem ovelhas, nem bois, nem
jumentos. Porque eles vinham com todos os seus rebanhos e tendas, e à maneira de
gafanhotos, esta multidão inumerável de homens e camelos cobria todas as coisas,
destruindo tudo o que tocava. E Israel foi muito humilhado na presença dos Madianitas”
(Juízes VI, 1-6).

Deus escolherá Gedeão para libertar os hebreus dos Madianitas:

“E, estando Gedeão (...) sacudindo e limpando o trigo no lagar, para os esconder dos
Medianitas, o anjo do Senhor apareceu-lhe e disse: O Senhor é contigo, ó homem o mais
valente dos homens. E Gedeão disse-lhe: Se o Senhor é conosco, peço-te, senhor meu,
(que me digas) por que nos aconteceram todas estas coisas? Onde estão aquelas coisas
maravilhosas que nossos pais nos contaram, dizendo: O Senhor tirou-nos do Egito? Mas
agora o Senhor abandonou-nos, e entregou-nos nas mãos dos Madianitas. Então (o Anjo
que representava) o Senhor olhou para ele, e disse: Vai com essa tua força e livrarás
Israel do poder dos Madianitas: sabe que sou eu quem te manda” (Juízes VI, 11-14).

Deus fará alguns milagres para confirmar a escolha de Gedeão, o qual escolherá um grande
exército para combater contra os Madianitas. Deus, porém, escolherá dentre todos os que
compunham este exército somente trezentos homens, justificando:

“(...) para que Israel não se glorie contra mim e diga: Por minhas forças fui livre”.

Vindo de noite, Gedeão e seus trezentos soldados, armados somente com trombetas e
fachos escondidos em vasos de barro, caminharam em silêncio até perto dos inimigos e
puseram-se a tocar as trombetas todos juntos, quebraram os vasos e elevaram as tochas
acesas, de modo que os inimigos, totalizando cento e trinta e cinco mil homens, fugiram
aterrorizados e mataram-se uns aos outros sem se reconhecerem.

E, assim, Gedeão será mais uma figura do Messias:

Gedeão, apesar da sua fraqueza, é escolhido por Deus para livrar o seu povo da tirania dos
Madianitas. Nosso Senhor, apesar da sua fraqueza aparente, é escolhido por Deus para
libertar o mundo da tirania do demônio. – Milagres confirmam a escolha de Gedeão. Nosso
Senhor fará milagres para provar que Ele era o Messias escolhido por Deus. – Gedeão, com
somente trezentos homens, marcha contra uma nuvem de inimigos. Com somente doze
pescadores, Nosso Senhor conquistou todo o mundo. – Os soldados de Gedeão não portavam
armas. Os Apóstolos também não portavam armas. – Os soldados de Gedeão traziam
trombetas e archotes. – Os Apóstolos pregam a verdade revelada por Cristo, tendo a tocha da
caridade nas mãos.

XIV – Sansão

Depois da morte de Gedeão os Israelitas não permanecerão fiéis a Deus, e cairão


novamente na idolatria. Sua infidelidade os fará cair sob o poder dos Filisteus, um povo pagão
e idólatra que habitava uma província da terra prometida.
Para livrar os hebreus da servidão dos Filisteus, Deus escolherá um homem chamado
Sansão.
O nascimento de Sansão se dará de um modo milagroso. Sua mãe era estéril, mas um anjo
aparecerá para ela e dirá:

“Tu és estéril e sem filhos, mas conceberás e darás à luz um filho” (Juízes XIII, 3).
O anjo dirá que Sansão será, desde o ventre materno, um nazireu. Desde o início de sua
existência ele seria consagrado a Deus.
O nazireato (do hebraico nazar: consagrado, separado) era uma espécie de consagração
pessoal a Deus por meio de uma certa separação do mundo e dos homens, indicada pela
abstinência, pelo crescimento e descuido do cabelo e pela pureza legal. Eles faziam um tríplice
voto: abster-se de bebidas inebriantes e dos produtos da videira em geral, deixar crescer os
cabelos e a barba, e não se contaminar pelo contato de cadáveres. Esta consagração era
temporal, normalmente de trinta dias. Por causa de seus cabelos, dizia-se que o nazireu trazia
em sua cabeça a consagração ao seu Deus. A descrição do nazireato é feita no livro dos
Números, no capítulo VI.
Os nazireus eram figura de Cristo, porque se consagravam a Deus. Nosso Senhor foi
consagrado, ungido, separado para Deus. Ungido não com óleo material, mas com um óleo
espiritual.
Sansão foi abençoado por Deus, que lhe dava energia de alma e um vigor incomum.
Chegando a uma idade maior, quis desposar uma jovem filistéia da cidade de Tamna,
contra a vontade de seus pais. Enquanto seguia em direção a essa cidade, foi atacado por um
pequeno leão que o vinha devorar, o qual matou sem arma alguma e só com a sua força.
Uma vez, para punir os filisteus, Sansão lhes queimou as casas e as vinhas, soltando
trezentas raposas amarradas duas a duas, em cujas caudas havia atado tochas acesas. Outra
vez Sansão foi até a cidade de Gaza, no território filisteu, e entrou na casa de uma mulher
meretriz. Os filisteus, para matá-lo, colocaram guardas nas portas da cidade, as quais foram
fechadas, e esperaram toda a madrugada em silêncio. Contudo, após a meia-noite, Sansão
apoderou-as das portas da cidade e, pondo-as às costas, levou-as para uma montanha.
Mas ele morrerá sendo traído por uma mulher chamada Dalila, que lhe cortou os cabelos,
nos quais estava toda a sua força, e o entregou aos Filisteus. Estes lhe tiraram os olhos e o
colocaram numa prisão, onde o farão girar a mó de um moinho, como faziam os escravos.
Porém, enquanto estava na prisão seus cabelos cresceram novamente e, recobrando sua
força, fará cair sobre os Filisteus o templo, no qual estavam juntos, matando mais de três mil
deles.
Sansão será também figura do Messias:

Sansão teve sua concepção anunciada por um anjo e nascerá de uma mulher estéril. Nosso
Senhor teve sua concepção anunciada por um anjo e nascerá milagrosamente de uma Virgem.
– Sansão era nazireu, consagrado a Deus. Nosso Senhor foi consagrado totalmente a Deus –
Sansão busca uma esposa entre os Filisteus. Nosso Senhor uniu-se com a Igreja, formada
pelos gentios. – Sansão matou um leão. Nosso Senhor venceu o demônio. – Sansão é
encerrado por seus inimigos na cidade de Gaza. Nosso Senhor é morto por seus inimigos e
colocado no túmulo. Sansão acorda no meio da noite, arranca as portas e os ferrolhos e,
apesar dos guardas, sai da cidade onde estava preso. Nosso Senhor, depois de ter descido ao
limbo, onde quebra as portas do inferno, sai cheio de vida do túmulo, apesar dos guardas. –
Sansão foi entregue aos seus inimigos por traição. Nosso Senhor foi traído por Judas e
entregue às mãos de seus inimigos. – Sansão matou mais filisteus morrendo do que matara
vivendo. Nosso Senhor fez mais mal ao demônio e atraiu mais discípulos morrendo do que
fizera vivendo.

XV – Davi

Davi foi filho de Jessé, da tribo de Judá e nascido na cidade de Belém. Ela guardava os
rebanhos de seu pai, quando Samuel o mandou chamar para ungi-lo como rei.
Havia entre os Filisteus um soldado de grande força e estatura chamado Golias, dos qual
todos os homens do exército hebreu tinham medo. Davi, desejoso da glória de Deus, decidiu
enfrentar Golias.

“E Davi disse a Saul: O teu servo [Davi mesmo] apascentava o rebanho de seu pai, e
vinha um leão ou um urso, e levava um carneiro do meio do rebanho, e eu corria atrás
deles, e feria-os, e arrancava-lhes (a presa) da goela; e eles levantavam-se contra mim, e
eu agarrava-os pela goela, e os estrangulava e matava. Foi assim que eu, teu servo,
matei um leão e um urso; será, pois, também este Filisteu incircuncidado como um
deles. Agora irei, e tirarei o opróbrio do povo; porque, quem é este Filisteu
incircuncidado, que se atreveu a amaldiçoar o exército do Deus vivo? E Davi
acrescentou: O Senhor, que me livrou das garras do leão e das do urso, livrar-me-á
também da mão deste Filisteu. E Saul disse a Davi: Vai, e o Senhor seja contigo” (I Reis
XVII, 34-37).

Davi, aqui, mostra-se o verdadeiro exemplo do Bom Pastor, que arrisca sua vida pela
salvação de suas ovelhas. E Nosso Senhor fará mais: dará realmente sua vida pela salvação
de nossas almas.
Com uma funda, Davi cravará uma pedra na testa de Golias, matando-o:

“E meteu a sua mão no surrão, e tirou uma pedra, e a arrojou com a funda, dando-lhe
volta, a feriu o filisteu na testa; e a pedra cravou-se na sua testa, e ele caiu com o rosto
por terra” (I Reis XVII, 49).

Esta vitória de Davi produzirá em Saul uma grande inveja, de modo que ele tentará, muitas
vezes, matar Davi. Mas Deus o preservará e, após a morte de Saul, fará com que Davi seja
reconhecido rei de toda a nação.
Deus prometerá a Davi, enquanto ele cuidava de edificar um templo para colocar a Arca da
Aliança, que de sua raça sairia o Messias:

“E, quando se completarem os teus dias, e dormires com teus pais, suscitarei depois de
ti a tua posteridade, que nascerá de ti, e firmarei o seu reino. Ele edificará uma casa em
meu nome, e eu estabelecerei para sempre o trono de seu reino. E eu lhe serei pai, e ele
me será filho; se ele cometer alguma coisa iníqua, eu o castigarei com vara de homens, e
com açoites de filhos de homens. Porém, não retirarei dele a minha misericórdia, como a
retirei de Saul, a quem expulsei de diante de minha face. E a tua casa será estável, e o
teu reino se perpetuará diante do meu rosto, e o teu trono será firme para sempre” (II
Reis VII, 12-16).

Estas palavras não podem convir senão a Nosso Senhor, porque só ele é o Filho de Deus e
o filho de Davi ao mesmo tempo. Só ele tem um trono eterno. Estas são duas características
que não convém a Salomão, filho e sucessor de Davi.
Notam-se, entretanto, nesta profecia, uma sentença condicional interessante: “se ele
cometer alguma coisa iníqua, eu o castigarei com vara de homens, e com açoites de
filhos de homens”. Como estas palavras podem aplicar-se a Nosso Senhor, se Ele nunca
cometeu pecado? Diz a Escritura: “(...) que foi tentado em tudo à nossa semelhança,
exceto no pecado” (Heb. IV, 15). E, entretanto, a profecia encaixa-se perfeitamente com
Nosso Senhor, pois Ele foi castigado com vara de homens, e com açoites de filhos de homens.
Explica-se porque Nosso Senhor, apesar de jamais ter cometido pecado, assumiu nossas
culpas e pecados, tornando-se culpado em nosso lugar.
Davi não permanecerá sempre fiel a Deus e cometerá dois grandes pecados, perseverando
em estado de inimizade com Deus por quase um ano, de tal modo o pecado obscurece as
melhores almas. Depois, porém, reconhecerá sua culpa e chorará, arrependido, por toda sua
vida.
Deus perdoou a Davi, mas como punição enviou-lhe grandes penas, sendo que a maior
delas foi a revolta de Absalão, seu filho, que obrigou Davi a fugir a pé e chorando, da cidade de
Jerusalém. Mais tarde Absalão morrerá. Inconsolável com a morte de seu filho, Davi voltou
para Jerusalém onde viveu ainda muitos anos, morrendo cheio de anos e merecimentos.
Davi é figura, também, de Nosso Senhor:

Davi nasce em Belém. Nosso Senhor, igualmente, nasce em Belém. – Para rei de Israel, Deus
quis escolher o filho mais jovem de Jessé, um pastor de ovelhas, do qual seu pai jamais
pensara que pudesse ser objeto de complacência divina. Nosso Senhor é o Bom Pastor e,
apesar de sua aparente fraqueza, foi escolhido por Deus-Pai para ser o Redentor do Mundo. –
Davi, só com uma funda e uma pedra, mata Golias. Nosso Senhor, só com uma cruz, derruba o
demônio. – Davi peca e, para expiar o seu crime, é obrigado e fugir de Jerusalém. Nosso
Senhor é inocente, mas para expiar os pecados do mundo é conduzido para fora de Jerusalém.
Davi passa, chorando, a torrente do Cedron. Nosso Senhor, penetrado de dor, também passa
pelo Cedron. – Davi sobe o Monte das Oliveiras. Nosso Senhor também sobe o Monte das
Oliveiras. – Enfim, Davi é acompanhado por alguns homens fiéis em seu sofrimento. Nosso
Senhor é acompanhado por sua Santa Mãe, São João e algumas almas piedosas. – Davi, na
sua aflição, é insultado por Semei, a quem proíbe que façam mal. Nosso Senhor, na cruz, é
insultado pelos judeus, por quem pede a Deus. – Davi triunfa e recebe as homenagens de seus
súditos. Nosso Senhor triunfa e recebe as homenagens de todo o mundo.

XVI – Salomão

Salomão sucedeu a seu pai Davi no governo dos judeus. Deus, uma noite, apareceu a
Salomão em sonhos e lhe disse: “Pede-me o que quiseres que eu te dê”. E Salomão pediu a
Deus a sabedoria, para poder governar bem o povo: “Tu, pois, não darás ao teu servo um
coração dócil, para poder julgar o teu povo, e discernir entre o bem e o mal, porque
quem poderá julgar este povo tão numeroso?” (III Reis III, 5.9). E Deus, agradando-se pelo
fato de Salomão não ter pedido nem honras, nem riquezas, lhe concedeu sabedoria de modo
que nunca um homem a teve ou a terá como Salomão.

Ela casará com uma das filhas do Faraó do Egito e construirá um magnífico Templo, no qual
tudo, dentro e fora, era preciosíssimo pela riqueza do material e pelo trabalho artístico.
A sabedoria de Salomão era tamanha que a rainha de Sabá, na Arábia, atraída pela sua
fama, veio visitá-lo, trazendo consigo um enorme cortejo e preciosos presentes para Salomão.
E ela dirá, depois, estupefata:

“É verdadeiro o que eu ouvi no meu país acerca da tua conversação e da tua sabedoria; e
eu não dava crédito aos que mo diziam, até que eu mesma vim, e vi com os meus olhos,
e reconheci que não tinham dito metade do que era; (...) Bem-aventurados os teus
homens, e bem-aventurados os teus servos, que gozam sempre da tua presença, e que
ouvem a tua sabedoria. Bendito seja o Senhor, teu Deus, a quem agradaste, e que te
colocou sobre o trono de Israel, porque o Senhor amou Israel para sempre, e te
constituiu rei, a fim de governares com eqüidade e justiça” (III Reis X, 6-9).

Salomão, porém, não perseverará até o fim em sua virtude. Deixou-se cegar pelas mulheres
idólatras, e sua cegueira chegou ao ponto de construir templos e altares aos ídolos, inclusive
um muito rico e suntuoso a Moloc, no Monte das Oliveiras.
Deus o advertiu e ameaçou várias vezes. Porém, para não ser desagradável às perversas
mulheres, persistiu no mal e morreu de tal forma que muito deixa a desejar de sua eterna
salvação.
Salomão serve de exemplo terrível, nos fazendo tremer sobre nossa própria fraqueza.
Mostra-nos, também, que devemos fugir da soberba e do veneno das riquezas.
Salomão será figura do Messias, mas do Messias triunfante e glorioso:

Salomão, gozando das vitórias e dos trabalhos de Davi, seu pai, sobe ao trono e reina em paz
sobre os seus inimigos vencidos. Nosso Senhor, gozando de seus trabalhos e de suas vitórias,
sobe ao mais alto dos Céus sobre o trono de seu Pai e reina em paz sobre os seus inimigos
vencidos. – Salomão toma para esposa uma princesa estrangeira. Nosso Senhor escolhe a
Igreja, sua Esposa, entre os gentios estranhos ao povo judeu. – Salomão funda um templo
magnífico ao verdadeiro Deus. Nosso Senhor fez do mundo, que era um vasto templo de
ídolos, um templo do verdadeiro Deus. Além disto, Nosso Senhor fundou a Igreja. – Salomão é
o homem mais sábio que existiu. Nosso Senhor é aquele nos qual “estão encerrados todos os
tesouros da sabedoria e da ciência” (cf. Col. II, 3). – Ao ruído da sabedoria de Salomão, a
rainha de Sabá deixa o seu reino para o admirar e oferecer-lhe ricos presentes. Quando Nosso
Senhor nasceu, os Magos do Oriente vieram ver-lhe e lhe dar presentes. E ao nome de Nosso
Senhor, os reis, rainhas e nações idólatras deixaram o culto dos ídolos e ofereceram a Jesus
Cristo os seus corações e riquezas.

XVII – Jonas

Após a morte de Salomão, sucedeu no trono de Israel, Roboão, seu filho. Salomão, após ter
caído na idolatria, sobrecarregou o povo com pesados impostos. Depois de sua morte o povo
reuniu-se pare pedir ao novo rei, Roboão, que os diminuísse. Roboão disse ao povo que
voltasse em três dias.
Primeiramente convocou os velhos conselheiros de seu pai, os quais aconselharam-no que
se mostrasse condescendente e tivesse palavras mansas com o povo, e que aliviasse o duro
jugo que lhe impusera Salomão. Este conselho não agradou ao rei que, por sua vez, quis
seguir o conselho dos moços que eram companheiros seus e que haviam crescido com ele em
meio a divertimentos e dissipações. Estes o aconselharam que falasse ao povo com tom
ameaçador, pois assim ninguém se atreveria a fazer novas queixas. Roboão seguirá o
conselho de seus companheiros e, respondendo ao povo que sabia governar os seus súditos,
ameaçou aumentar ainda mais os impostos.
Diante desta ameaça, o povo indignado rebelou-se. O seu reino foi dividido. Roboão ficou
só com duas tribos, a de Judá e a de Benjamin, que se chamaram o reino de Judá e cuja
capital foi Jerusalém. As outras dez tribos aclamaram como rei a Jeroboão, servo de Salomão,
e se chamaram o reino de Israel, cuja capital foi Samaria.
A Sagrada Escritura nos ensina, pois, que não devemos recorrer aos conselhos dos
orgulhosos nem dos inexperientes.
Roboão continuará seguindo os conselhos dos jovens inexperientes, de modo que seu governo
será agitado por guerras constantes. Ele verá, antes de morrer, o rei do Egito marchar em
direção a Jerusalém e se apossar de todas as riquezas do Templo e do palácio real, levando-
as à sua terra.
Jeroboão, por sua vez, temendo que as tribos sujeitas a ele, freqüentando o Templo de
Jerusalém, voltassem ao poder do legítimo rei, proibiu que o povo o freqüentasse e, para dar
um simulacro de religião, levantou um altar com dois bezerros de ouro e ordenou que fossem
adorados no lugar do verdadeiro Deus.
Deus, extremamente desagradado, enviou um profeta para anunciar ao rei que aqueles
ídolos, um dia, seriam destruídos. Ouvindo isso, o rei Jeroboão estendeu sua mão para
ordenar que aquele profeta fosse morto. Sua mão, porém paralizou-se no mesmo instante e
somente recobrou o movimento e a sensibilidade com as orações do mesmo profeta.
Jeroboão nem assim se emendará, e será punido por Deus, bem como toda sua família.
Deus não abandonará as dez tribos, e lhes enviará muitos profetas para tirá-las da idolatria
em que Jeroboão as fizera cair. Um desses profetas foi Jonas (IV Reis XIV, 25-27).
O profeta Jonas era natural de Get de Zabulon, ao norte de Nazaré. Portanto, pertencia ao
reino de Israel. Possuía um grande amor à sua pátria e um grande ódio aos gentios,
particularmente aos Assírios, nos quais via uma ameaça constante à sua nação.
Deus mandou a Jonas que anunciasse a Nínive que as iniqüidades de seus habitantes tinham
tocado o seu limite, e que os ia punir.
Jonas tentou fugir às ordens divinas, e tomará uma embarcação que o levaria até a cidade de
Tarsis, bem longe do lugar para o qual Deus o havia destinado.
Deus, porém, enviará uma grande tempestade que colocará o navio em risco de afundar. E
diz a Escritura:

“Então os marinheiros temeram, e cada um clamou ao seu deus (...). Entretanto Jonas
tinha descido ao porão do navio, e lá dormia em profundo sono. E chegou-se a ele o
piloto, e disse-lhe: Como te deixas tu acabrunhar assim pelo sono? Levanta-se, invoca o
teu Deus, a ver se porventura se lembra de nós e nos livra da morte. Em seguida
disseram uns para os outros: Vinde, e deitemos sortes, para sabermos porque nos
acontece este mal. E lançaram sortes, e caiu a sorte sobre Jonas” (Jonas I, 4-7).

Os homens no navio, então, lançaram Jonas no mar, de modo que no mesmo instante a
fúria do mar cessou.
E Deus enviou um grande peixe que engoliu Jonas, no qual viveu milagrosamente por três
dias e três noites, depois dos quais o vomitou na praia, perto da grande cidade em que Deus
queria que Jonas exercesse a missão de profeta.
Indo logo para Nínive, começou a correr, gritando:

“Daqui a quarentas dias Nínive será destruída” (Jonas III, 4).

Os Ninivitas converteram-se à voz de Jonas e Deus revogou a sentença pronunciada.


Jonas é, então, figura do Messias:
Jonas, que não é escutado pelos Israelitas, seus irmãos, é mandado pregar a penitência aos
Ninivitas que são idólatras. Nosso Senhor, não sendo ouvidos pelos Judeus, seus irmãos,
prega aos gentios por meio dos Apóstolos. – Jonas, desobediente, excita uma violenta
tempestade e é lançado ao mar. Nosso Senhor, inocente mas carregado dos pecados do
mundo, excita contra si a cólera de Deus e é morto. – Jonas fica três dias e três noites no
ventre do peixe. Nosso Senhor fica o mesmo tanto no túmulo. – Jonas, depois de sair do ventre
do peixe, converte os Ninivitas. Nosso Senhor, depois de ressuscitar, converte os gentios.

Conclusão

Dissemos, no início do trabalho, que Deus utilizou figuras na Sagrada Escritura para nos
ensinar mais facilmente as verdades da fé.
Por meio destes símbolos, Deus quis espalhar por todo o Antigo Testamento acenos do que se
realizaria com o Messias, de modo que as pessoas se lembrassem que é Deus quem rege a
História e que é Ele quem nos salva, e não a nossa sabedoria. Estas figuras devem,
necessariamente, ser interpretadas em relação ao Novo Testamento, porque do contrário
teremos uma interpretação cega da História. É Nosso Senhor mesmo quem nos mostra isso,
segundo nos narra S. Lucas no episódio dos discípulos de Emaús:

“E ele disse-lhes: Ó estultos e tardos de coração para crer tudo o que anunciaram os
profetas! Porventura não era necessário que o Cristo sofresse tais coisas, e que assim
entrasse na sua glória? E, começando por Moisés, e (discorrendo) por todos os profetas,
explicava-lhes o que dele se encontrava dito em todas as Escrituras” (S. Lucas XXIV, 25-
27).

E também, após ressuscitar, falando com os Apóstolos:

“Isto (que vós testais vendo) são as coisas que eu vos dizia, quando ainda estava
convosco, que era necessário que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na lei
de Moisés e nos profetas e nos salmos. Então lhes abriu o entendimento, para
compreenderem as Escrituras” (S. Lucas XXIV, 44-46).

E Nosso Senhor afirmava que, por muito rude e primitiva que pareça, a Lei mosaica falava
dele:

“Porque, se vós crêsseis em Moisés, certamente creríeis também em mim; porque ele
escreveu de mim” (S. João V, 46).

Ora, “Moisés e os profetas” é a expressão usada para designar toda a Sagrada Escritura (cf.
S. Lucas XVI, 29.31; S. João I, 45; Atos XIII, 15; XXIV, 14; XXVIII, 23; Rom. III, 21). E dentre
todos os livros do Antigo Testamento, é justamente o Pentateuco, ou seja, a Lei de Moisés,
aquele que apresenta menos profecias explícitas a respeito do Messias. Entretanto, apresenta
a antiga história do povo hebreu, suas prescrições rituais e civis. São Paulo dirá que os
diversos acontecimentos do êxodo de Israel, ou seja, sua passagem do Egito para Canaã, se
deram em figura:

“Ora, todas estas coisas lhes aconteciam em figura; e foram escritas para advertência de
(todos) nós, para quem os fins dos séculos chegaram” (I Cor. X, 11)

É a própria Sagrada Escritura que nos mostra que o Antigo Testamento deve ser entendido
como uma preparação para o Novo, e que não é possível compreender o Antigo sem analisá-lo
em relação com o Novo.
Evidentemente, não devemos procurar em cada passagem da Sagrada Escritura e em seus
mínimos detalhes, uma alusão simbólica ao Messias. Há coisas contidas na Escritura que não
têm interesse religioso imediato como, por exemplo, as descrições geográficas. E Santo
Agostinho diz que na Escritura se contam coisas com a finalidade de servirem de suporte para
os trechos que significam algo mais elevado. Assim também, nos instrumentos musicais há
partes que não emitem sons, mas que servem de estrutura para conter as cordas que os
emitirão:
“Nas cítaras e em semelhantes instrumentos musicais, não tudo que se toca emite suave som,
mas produzem-no apenas as cordas; não obstante, os demais elementos são colocados no
conjunto da cítara, a fim de que haja aonde as cordas sonoras se prendam... Da mesma forma,
nas narrativas proféticas, aquilo que dentre os feitos dos homens é descrito em espírito
profético, ou por si já significa algo de futuro, ou, se não o significa, encontra-se no livro
sagrado a fim de que pudessem ser inseridos os trechos que significam algo de superior”
(Santo Agostinho, Contra Faustum, 22, 94).

Vê-se, pois, como toda a História do mundo é providencialmente guiada por Deus, sempre
no sentido de nossa salvação e para Sua maior honra e glória. A perfeita simbologia que as
figuras do Antigo Testamento expressam de Cristo só podem ser possíveis por causa da
Providência Divina.
A Lei mosaica proibia que se comesse a carne dos animais ruminantes que não tivessem o
casco fendido. Ora, a ruminação é símbolo da meditação, pela qual trazemos diversas vezes
uma mesma verdade à nossa inteligência, com a finalidade de bem compreendê-las. E o casco
fendido é símbolo dos dois Testamentos.
Assim, Deus nos mostra que devemos meditar, mas sempre com os dois Testamentos, e
que o Antigo Testamento só pode ser perfeitamente compreendido se posto ao lado do Novo, e
à luz do Novo.

Bibliografia consultada

1) Bíblia Sagrada, traduzida da Vulgata e anotada pelo Pe. Matos Soares, 9a. edição, Edições
Paulinas. Todas es citações da Sagrada Escritura contidas no texto foram feitas com base
nesta edição.
2) Louis Pirot et Albert Clamer, La Sainte Bible, Tome I, 1re partie (Genèse), Paris, Letouzey et
Ané Éditeurs, 1953.
3) La Sagrada Escritura (texto e comentario por professores de la Compañía de Jesús), Nuevo
Testamento – Evangelios, Madrid, Biblioteca de Autores Cristianos, 2 a. edición, 1964.
4) Cornely S.I., Introductionis in S. Scripturae Libros, Parisis, P. Lethielleux Editoris, Editio
decima, 1929.
5) Hadriano Simon C.SS.R., Praelectiones biblicae ad usum scholarum, Taurini (Italia), Libraria
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6) D. Estavão Bittencourt O.S.B., Para entender o Antigo Testamento, Rio de Janeiro, Editora
Agir, 3a. edição, 1965.
7) S. João Bosco, História Sagrada, São Paulo, Livraria Editora Salesiana, 11a. edição, 1959.
8) S. Pio X, Terceiro Catecismo da Doutrina Cristã, Edições Santo Tomás, 2005.
9) Catecismo Romano, Madrid, Biblioteca de Autores Cristianos, 1956.
10) Abade J. Gaume, Resumo do Catecismo de Perseverança, Porto, Lello e Irmão Editores,
4a. edição, 1901.
11) Pe. João Colombo, Pensamentos sobre os Evangelhos e sobre as festas do Senhor e dos
santos, São Paulo, Edições Paulinas, 2a. edição, 1960.
12) Ad. Tanquerey, Synopsis Theologiae Dogmaticae, t. I, Parisiis, Editio vicesima quarta,
1937.
13) Mgr. Thomas Gousset, Théologie Dogmatique, t. I, Paris, Jacques Lecoffre et Cie.
Librairies, Troisième édition, 1849.
14) P. J. Berthier, M.S., Abrégé de Théologie Dogmatique et Morale, Paris, Librairie Catholique
Emmanuel Vitte, Sixième édition, 1942.
15) Mauritio de la Taille S.I., Mysterium Fidei – De augustísimo corporis et sanguinis Christi
sacrificio atque sacramento, Parisiis, apud Gabriel Beauchesne, Editio tertia, 1931.
16) Dr. V. Saiz Ruiz, Synthesis Theologiae Fundamentalis, Barcinone, Haeredes Joannis Gili –
S. Rit. Congr. Typogr., Editio secunda, 1916.
17) The Catholic Encyclopedia, Volume V. New York: Robert Appleton Company. Published
1909; in http://www.newadvent.org/cathen/05692b.htm.

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