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gazetadopovo.com.br/ideias/como-os-sovieticos-resistiram-a-violenta-campanha-antirreligiosa-comunista/
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Desde 1917 até ao período da Perestroika, na década de 1980, os soviéticos exercitaram
sua perversa criatividade procurando diferentes maneiras de erradicar a religião - sem
sucesso. Nos anos que se seguiram à Revolução Russa, a vontade dos bolcheviques de
abolir o sentimento religioso vinha encontrando dificuldades, de tão incrustado que ele
estava na alma do povo russo. Por mais que o governo confiscasse sinos e tesouros de
igrejas e por mais que prendessem membros do clero, as pessoas continuavam a
frequentar as missas.
Logo os líderes do Partido Comunista se deram conta que teriam que radicalizar a luta
contra a religião. Em 1927, Josef Stalin – ele mesmo um ex-seminarista – criticou o que via
como “um enfraquecimento na luta contra a religião”. Entre as medidas em vigor estavam
desde a proibição da filiação de devotos religiosos ao Partido até o assassinato em massa
de padres e bispos e a destruição de catedrais e igrejas. Mas, para combater a fé do
homem comum e diante do fracasso de táticas como palestras, conferências, cartazes,
peças de rádio e filmes publicitários, atitudes mais drásticas seriam necessárias.
Banheiros públicos
Em 1939, apenas 100 igrejas continuavam em funcionamento na União Soviética e somente
12 bispos ainda estavam vivos. Ainda assim, 57% da população continuavam se dizendo
adeptos de algum tipo de crença religiosa, principalmente no interior do país. As poucas
igrejas que ainda restavam tinham sido transformadas em prisões ou até mesmo
banheiros públicos.
Foi então que o chamado "Comissariado do Iluminismo" desenvolveu uma nova estratégia:
os museus do ateísmo. Inicialmente, eles ficavam em prédios destinados especificamente
para esse propósito, mas logo arquitetos, historiadores da arte e defensores do patrimônio
religioso que ainda tinham um resquício de sanidade viram nessas instituições uma
oportunidade de transformar as próprias igrejas, mosteiros e templos em museus, como
forma de tentar preservar os tesouros artísticos e arquitetônicos da história russa.
Felizmente a ideia não só foi aceita como se expandiu para além da religião cristã, principal
bicho-papão do Politburo. Dessa maneira, até mesmo outras religiões, que foram
perseguidas de maneira ainda mais selvagem pelos soviéticos, tiveram alguma chance de
ter algo preservado. Na cidade criméia de Eupatória, por exemplo, a mesquita central foi
transformada num museu, assim como o grande datsan da região da Buriátia, considerada
a única região majoritariamente budista da Europa.
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Em 1923, ele conseguiu proteger o Mosteiro de Boldino da destruição incorporando-o a um
museu local para o qual conseguiu trazer diversas relíquias. Ao perceber o risco que o
museu estava correndo, Baranovsky contratou os serviços do fotógrafo Mikhail Pogodin
para documentar todo o acervo. Infelizmente, tanto o museu quanto as fotos que
documentavam um ramo peculiar da ortodoxia russa que reúne traços católicos foram
quase que totalmente perdidos em 1929.
Embora a intenção de alguns dos responsáveis por manter esses museus fosse preservar o
patrimônio artístico e religioso, a de quem estava por trás dessas decisões era outra:
“educar” o povo a respeito da influência nociva representada pela religião, descrevendo-a
como uma força motriz, ao longo da história, de todo tipo de ignorância, preconceito e
obscuridade, e contrastando-a com os avanços progressistas e liberalizantes da ciência.
Objetos de religiões tidas como primitivas, como máscaras e amuletos de tribos africanas e
siberianas, eram exibidas ao lado de crucifixos e relíquias ortodoxas. Instrumentos de
tortura da Inquisição católica mostravam ao visitante as crueldades de que religiosos
tinham sido capazes ao longo da história. Fósseis de dinossauros, meteoros e as mais
variadas descobertas científicas eram exibidos para contrapor os avanços da ciência aos
“dogmas primitivos”.
Até o escritor Liev Tolstói – curiosamente, também excomungado pela Igreja Ortodoxa
Russa em 1901 – foi retratado como Judas durante o Julgamento Final numa ilustração.
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Os corajosos turistas que visitavam o país eram encorajados a visitar esses museus.
Durante uma visita de cientistas franceses, um intérprete russo comentou,
orgulhosamente: “Cavalheiros, nós optamos por confiar na ciência. Aqui os senhores
podem ver tudo o que a nova Rússia conquistou na ciência: medicina, química, física,
biologia, aviação, indústria. Não precisamos da religião para obter milagres.” Guias
turísticos expunham imagens da Virgem Maria que choravam diante dos espectadores e
em seguida explicavam como o truque havia sido feito. Muitos desses visitantes saíam
desses passeios convencidos da superioridade do socialismo sobre a decadente sociedade
ocidental – embora outros tantos saíssem constrangidos com sua ingenuidade.
Apesar do enorme sucesso de público desses museus (até que ponto espontâneo, jamais
saberemos), o ateísmo nunca “pegou” de fato na União Soviética.
Ateísmo "enfadonho"
A maior parte da população simplesmente optou por uma espécie de apatia religiosa em
vez de se engajar no ateísmo militante pregado pelo governo central e os poucos grupos de
religiosos que tinham alguma condição financeira continuava alugando, sempre que
podiam, os espaços que ainda restavam para seus cultos e cerimônias.
A Catedral de Kazan de Moscou foi reconstruída entre 1990 e 1993, com um grau de
fidelidade poucas vezes alcançado na história humana, graças à minúcia dos estudos feitos
por Baranovsky. A de São Petersburgo teve os seus serviços religiosos restaurados em
1992.
As missas e funções nas igrejas russas atualmente estão repletas de fiéis – talvez ainda
mais do que nos tempos pré-revolução – e a Igreja Ortodoxa exerce uma influência cada
vez maior no governo de Vladimir Putin.
Pyotr Baranovsky morreu aos 92 anos, em 1984, depois de passar décadas chefiando
trabalhos de restauro em diversos edifícios históricos e religiosos por toda a Rússia.
Atualmente, ele está sepultado no Mosteiro de Donskói, em Moscou.
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