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Dentre as máximas adotadas pelo cristianismo, comento a seguinte: “Não faças aos outros o que não
queres que a ti seja feito”. Este ensinamento não teria partido de Jesus, conforme pretendem os cristãos,
não sendo sequer uma máxima cristã, originariamente. Encontraremos ela em Confúcio, e ainda no
bramanismo, no budismo e no mazdeismo, fundado por Zoroastro. Era uma orientação filosófica e
religiosa, adotada pelos hindus.
O cristianismo adotou os seus ensinamentos, atribuindo-os a Jesus. São de Filon as seguintes palavras:
“Os que exaltam as grandezas do mundo como sendo um bem, devem ser reprimidos.”; “A distinção
humana está na inteligência e na justiça, embora partam do nosso escravo, comprado com o nosso
dinheiro.”; “Porque hás de ser sempre orgulhoso e te achares superior aos outros?”; “Quem te trouxe ao
mundo? Nu vieste, nu morrerás, não recebendo de Deus senão o tempo entre o nascimento e a morte,
para que o apliques na concórdia e na justiça, repudiando todos os vícios e todas as qualidades que
tornam o homem um animal”; “A boa vontade e o amor entre os homens são a fonte de todos os bens
que podem existir”.
Como vemos, não há nada de novo no cristianismo. Platão salientou a felicidade que existe na prática da
virtude. Ensinou a tolerância à injúria e aos maus tratos, e condenou o suicídio. Recomendou o
humanismo, a castidade e o pudor, e condenou a volúpia, a vingança e o apego demasiado aos bens.
Sua moral baseou-se na exaltação da alma, no desprezo dos sentidos e na vida contemplativa. O Padre
Nosso foi copiado de Platão. Quem conhece bem a obra de Platão percebe os traços comuns entre a
mesma e o cristianismo. Filon inspirou-se em Platão e, a Igreja, na obra de Filon, que helenizou o
judaísmo.
Aristóteles afirmou que a comunidade repousa no amor e na justiça. Admitia a escravatura, mas libertou
os seus escravos. Poderiam existir escravos, mas não a seu serviço. A comunidade deveria instruir a
todos, independentemente da classe social, com o que ensinou o evangelho aos Evangelhos.
A abolição do sacrifício sangrento não foi introduzida pelo cristianismo. Não lhe cabe tal mérito. Gélon, da
Sicília, firmando a paz com os cartagineses, estipulou como condição a supressão do sacrifício de vidas
animais aos seus deuses.
Epíteto e Marco Aurélio foram bons professores dos cristãos. Os filósofos greco-romanos foram grandes
mestres da moral cristã e da consolação, sem que para isto criassem empresas, negócios ou castas. O
cristianismo existente antes de Jesus Cristo já pregava a moral anterior ao martírio do Gólgota. A moral
cristã não veio de Jesus Cristo nem dos Evangelhos, mas nasceu da tendência natural para o
aperfeiçoamento do homem.
Não fosse a destruição sistemática de antigas bibliotecas, determinada pelo clero no intuito de preservar
os seus escusos interesses, hoje seria possível patentear com documentos à mão que a moral anterior à
cristã era bem melhor do que esta, tendo-lhe servido de modelo. Assim, se vê que a moral jamais foi
patrimônio de castas ou de indivíduos, sendo uma lenta conquista da humanidade, com ou sem religião, e
mesmo contra ela. Por isso é que o mundo racionaliza-se continuamente, e avança sempre no sentido do
seu aperfeiçoamento.
A bondade humana independe da idéia religiosa. A razão nos ensina o que devemos ao nosso meio
social, independentemente da fé e da religião. Para justificar o aparecimento de Jesus, se fez necessário
recorrer a uma moral que, no entanto, já era um patrimônio da humanidade. Jesus nada mais foi do que a
materialização de qualidades que já existiam. Por isso, mesmo em moral, Jesus foi ator, não autor. O
cristianismo apenas sistematizou e industrializou essa velha moral, estabelecendo-a como um rendoso
comércio. A Igreja é responsável pela deturpação dessa moral.
Havia a moral pela moral, que foi substituída pela moral bíblica, em que só se é bom para ganhar o céu.
Superpondo-se um grupo empresarialmente forte, extinguiu-se a moral individual.