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Direitos Difusos

e Coletivos
PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE

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Júlio Camargo de Azevedo. Mestre em Direito Processual Civil pela Universidade de


São Paulo (USP). Especialista em Direito Processual Civil e Bacharel pela Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Defensor Público no Estado de
São Paulo. Coordenador do Grupo de Estudos de Direito Processual Civil da Defensoria
Pública de São Paulo (GEDPC-DPSP). Membro do Centro de Estudos Avançados de
Processo (CEAPRO). Mediador formado pelo Instituto de Mediação Transformativa.
Professor convidado de Cursos Preparatórios para Concurso Público e de Cursos de Pós-
graduação. Vencedor do VII Prêmio “Justiça para Todas e Todos – Josephina Bacariça”
na categoria Defensor Público.

Tiago Fensterseifer. Doutor e Mestre em Direito Público pela PUC/RS (Ex-Bolsista do


CNPq), com pesquisa de doutorado-sanduíche junto ao Instituto Max-Planck de Direito
Social e Política Social de Munique, na Alemanha (Bolsista da CAPES). Atualmente,
realiza pesquisa em nível de pós-doutorado junto ao Instituto Max-Planck de Direito
Social e Politica Social de Munique (2018-2019). Conselheiro eleito do Conselho Superior
da Defensoria Publica do Estado de São Paulo (2008-2009). Membro-colaborador do
Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Publica do Estado de São Paulo (2007-2012).
Examinador das disciplinas de Direito Constitucional, Direitos Humanos, Direitos Difusos
e Coletivos e Princípios Institucionais da Defensoria Pública de diversos concursos para
o cargo de Defensor Publico Estadual (DP/SP, DP/SC, DP/BA, DP/ES, DP/AM, DP/AP). Autor,
entre outras, das obras Defensoria Pública, Direitos Fundamentais e Ação Civil Pública
(São Paulo: Saraiva, 2015) e Defensoria Pública na Constituição Federal (Rio de Janeiro:
GEN/Forense, 2017); coautor, juntamente com Ingo Wolfgang Sarlet, das obras Direito
Constitucional Ambiental (6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, no prelo), Direito
Ambiental: Introdução, Fundamentos e Teoria Geral (São Paulo: Saraiva, 2014), obra
finalista do Premio Jabuti 2015, na Categoria Direito, e Princípios do Direito Ambiental
(2.ed. São Paulo: Saraiva, 2017); coautor, juntamente com Ingo W. Sarlet e Paulo Affonso
Leme Machado da obra Constituição e Legislação Ambiental Comentadas (São Paulo:
Saraiva, 2015). Defensor Público do Estado de São Paulo (desde 2007).

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PROFESSOR TIAGO FENSTERSEIFER

🏳🏳 DIREITO AMBIENTAL

1. A “CONSTITUCIONALIZAÇÃO” DO DIREITO AMBIENTAL

1.1. O NOVO CONSTITUCIONALISMO ECOLÓGICO


O Direito e, especialmente, o Direito Constitucional e a Teoria dos Direitos Fundamentais não podem
recusar respostas aos problemas e desafios postos pela situação de risco existencial e degradação
ambiental colocadas no horizonte contemporâneo diante da crise ambiental. Cumpre ao Direito,
portanto, a fim de restabelecer o equilíbrio e a segurança nas relações sociais (agora socioambientais),
a missão de posicionar-se em relação a essas novas ameaças que fragilizam e colocam em risco a ordem
de valores e os princípios republicanos e do Estado Democrático de Direito, bem como comprometem
fortemente a sobrevivência (humana e não humana) e a qualidade de vida.

Com base em tais premissas, J. J. Gomes Canotilho aponta para os “problemas de risco” como um dos
principais desafios postos para a Teoria da Constituição na contemporaneidade. Entre os conceitos de
risco, o constitucionalista português elenca: os perigos (conhecidos e desconhecidos) gerados pela
moderna tecnologia; as ameaças de toda a civilização planetária (a partir da teoria de Ulrich Beck); as
potencialidades do domínio tecnológico da natureza e da pessoa; os desafios colocados às comunidades
humanas no plano da segurança e previsibilidade perante eventuais catástrofes provocadas pela técnica
e pela ciência.1

De igual maneira, J. C. Vieira de Andrade situa a problemática do risco no âmbito da Teoria Constitucional,
pontuando que os sociólogos descrevem a sociedade atual, já num contexto pós-industrial, como uma
“sociedade de risco” (Beck) ou uma “sociedade do desaparecimento” (Breuer), seja em face dos “perigos
ecológicos” (e mesmo perigos genéticos) ou, segundo alguns, em virtude de uma caminhada, por força
do seu próprio movimento, para a destruição das condições de vida naturais e sociais, transitando
da “da autorreferência (autopoiesis) para a autodestruição”.2 Destarte, a Teoria da Constituição e,
consequentemente, a Teoria dos Direitos Fundamentais, assim como o direito constitucional positivo,
devem avançar e se desenvolver, acolhendo os novos conceitos e os valores ecológicos, especialmente

1 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 1354.
2 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 2. ed. Coimbra: Almedina,
2001, p. 61.

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no sentido de uma Teoria Constitucional e uma Teoria dos Direitos Fundamentais “ecologicamente”
adequada e comprometida.

1.2. ESTADO “AMBIENTAL OU ECOLÓGICO” DE DIREITO


O princípio do Estado de Direito (nas suas diferentes dimensões) é um dos princípios fundamentais
do constitucionalismo contemporâneo. Mas o Estado de Direito (aqui compreendido sempre como um
Estado Democrático) tem assumido diferentes configurações ao longo da evolução do constitucionalismo.
Assim, tendo em conta os novos desafios gerados pela crise ecológica e pela sociedade tecnológica e
industrial, a configuração de um novo modelo de Estado de Direito no horizonte jurídico-constitucional
contemporâneo, superando os paradigmas antecedentes, respectivamente, do Estado Liberal e do Estado
Social, passou a assumir um lugar de destaque.

No tocante ao modelo contemporâneo de Estado de Direito, é possível aderir à ideia da superação do


modelo do Estado Social (que, por sua vez, já havia superado o Estado Liberal) – pelo menos na forma
assumida após a Segunda Grande Guerra – por um modelo de Estado Democrático, Social e Ecológico
de Direito, também designado por alguns de Pós-Social,3 que, em verdade, não abandona as conquistas
dos demais modelos de Estado de Direito em termos de salvaguarda da dignidade humana, mas apenas
agrega a elas uma dimensão ecológica, comprometendo-se com a estabilização e prevenção do quadro
de riscos e degradação ecológica.

O Estado contemporâneo, pelo menos como aqui compreendido, não pode ser concebido como um
Estado “Pós-Social”, precisamente em virtude da circunstância de que o projeto de realização dos
direitos fundamentais sociais longe está de uma realização satisfatória, ainda mais considerando a
privação, até mesmo na esfera de um patamar minimalista, do acesso aos bens sociais básicos para um
expressivo número de seres humanos. Em regra, a miséria e a pobreza (como projeções da falta de acesso
aos direitos sociais básicos, como saúde, saneamento básico, educação, moradia, alimentação, renda
mínima etc.) caminham juntas com a degradação e poluição ambiental, expondo a vida das populações
de baixa renda e violando, por duas vias distintas, a sua dignidade.

O processo de afirmação histórica dos direitos fundamentais, sob a perspectiva das suas diferentes
dimensões (liberal, social e ecológica), reforça a caracterização constitucional do Estado Socioambiental,
em superação aos modelos de Estado Liberal e Social. O marco jurídico-constitucional socioambiental
ajusta-se à necessidade da tutela e promoção – integrada e interdependente – dos direitos sociais e dos
direitos ambientais num mesmo projeto jurídico-político para o desenvolvimento humano em padrões
sustentáveis, inclusive pela perspectiva da noção ampliada e integrada dos direitos fundamentais

3 SARMENTO, Daniel. “Os direitos fundamentais nos paradigmas liberal, social e pós-social (pós-modernidade
constitucional?)”. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (Coord.). Crise e desafios da Constituição: perspectivas críticas da teoria e das
práticas constitucionais brasileiras. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 375-414.

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socioambientais ou direitos fundamentais econômicos, sociais, culturais e ambientais (DESCA).

Não sem razão, adota-se aqui a formulação do jurista alemão Gerd Winter e o reconhecimento dos três
pilares centrais que integram e dão suporte à noção de desenvolvimento sustentável, quais sejam, o
econômico, o social e o ambiental,4 o que, diga-se de passagem, encontra perfeita sintonia com o projeto
normativo da nossa Lei Fundamental de 1988, facilmente apreensível do somatório entre o objetivo
constitucional erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades sociais (art. 3.º, I e III), o estabelecimento
de uma ordem econômica sustentável (art. 170, VI) e o dever de tutela ecológica atribuído ao Estado e à
sociedade (art. 225).

O Estado de Direito contemporâneo, nesse novo cenário jurídico, tem por missão e dever constitucional
atender ao comando normativo emanado do art. 225 da Constituição Ecológica de 1988, considerando,
inclusive, o extenso rol exemplificativo de deveres de proteção ambiental do Estado elencado no seu § 1.º,
sob pena de, não o fazendo, tanto sob a ótica da sua ação quanto da sua omissão (ou atuação insuficiente),
incorrer em práticas inconstitucionais ou antijurídicas autorizadoras da sua responsabilização por danos
causados a terceiros – além do dano causado ao meio ambiente em si.

CAPÍTULO VI
DO MEIO AMBIENTE
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico
das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as
entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes
a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente
através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos
que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora
de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que
se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias

4 WINTER, Gerd. Desenvolvimento sustentável, OGM e responsabilidade civil na União Europeia. Campinas: Millennium Editora,
2009, p. 2 e ss.

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que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;


VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização
pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em
risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais
a crueldade.
§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente
degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na
forma da lei.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da
obrigação de reparar os danos causados.
§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-
Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da
lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto
ao uso dos recursos naturais.
§ 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações
discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei
federal, sem o que não poderão ser instaladas.
De igual maneira, a CF/1988 delineou a competência administrativa (art. 23), em sintonia com os deveres
de proteção ambiental, de todos os entes federativos (Municípios, Estados, Distrito Federal e União) na
seara ambiental, de modo que incumbe a todos a tarefa – e responsabilidade solidária – de “proteger o
meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (inciso VI)” e “preservar as florestas,
a fauna e a flora (inciso VII)”.5 A partir de tal entendimento, a omissão ou não atuação (quando lhe é
imposto juridicamente agir) ou a atuação insuficiente (de modo a não proteger o direito fundamental de
modo adequado e suficiente), no tocante a medidas legislativas e administrativas voltadas ao combate às
causas geradoras da degradação do ambiente, pode ensejar, em alguns casos, até mesmo a intervenção
e o controle judicial, inclusive no tocante às políticas públicas levadas a cabo pelos entes federativos
em matéria socioambiental.

Há, nesse sentido, um papel determinante do Poder Judiciário, bem como das instituições públicas
voltadas à tutela dos direitos socioambientais e que dispõem de legitimidade para a adoção de medidas
extrajudiciais e judiciais – por exemplo, do termo de ajustamento de conduta e da ação civil pública – para

5 A norma constitucional em questão foi regulamentada no âmbito infraconstitucional por meio da Lei Complementar
140/2011 (Competência administrativa em matéria ambiental).

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a resolução de tais conflitos, como é o caso do Ministério Público e da Defensoria Pública, além, é claro,
das associações civis de proteção ambiental e do próprio cidadão, este último através do manuseio da
ação popular.

DEVERES DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DO ESTADO BRASILEIRO

Estado-Legislador - Elaborar a legislação ambiental, tendo por premissa o regime


constitucional e infraconstitucional de tutela ecológica;

- Dever de progressividade, proibição de retrocesso e vedação de proteção


insuficiente na regulamentação normativa em matéria ambiental;

Estado-Administrador - Executar a legislação ambiental;

- Assegurar adequada estrutura organizacional-administrativa dos


órgãos ambientais;

- Exercer o poder de polícia ambiental;

- Promover políticas públicas ambientais (ex. educação e conscientização


ambiental);

Estado-Juiz - Aplicação da legislação ambiental na atividade jurisdicional;

- Exercer o controle subsidiário da atuação dos demais poderes e


judicialização dos danos causados ao ambiente;

Há a necessidade de transcender de um pacto social para um pacto ecológico, em vista de contemplar


o novo papel que o Estado e a sociedade desempenham no âmbito do novo Estado Ambiental ou
Ecológico de Direito. Deve-se projetar uma nova postura política (e também jurídica) para a sociedade
civil, que, especialmente sob o marco normativo da solidariedade, deverá compartilhar com o Estado
(não obstante em menor intensidade) a carga de responsabilidades e deveres de tutela do ambiente
para as gerações presentes e futuras.

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EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS MODELOS DE ESTADO DE DIREITO

Modelos de Estado Função estatal (em Princípio básico Dimensões


relação aos direitos
de Direito de direitos fundamentais
fundamentais)

Estado Liberal Defensiva/negativa Liberdade 1ª dimensão ou direitos


liberais

Estado Social Prestacional/positiva Igualdade 2ª dimensão ou direitos


sociais

Estado Ambiental Preponderantemente Solidariedade 3ª dimensão ou direitos


prestacional/positiva ecológicos
(e Democrático) (ou Fraternidade)

1.3. DIREITO (E DEVER) FUNDAMENTAL AO AMBIENTE


O tratamento jurídico-constitucional dispensado à proteção do ambiente pela nossa Lei Fundamental
de 1988 permite a constatação de que a norma constitucional não impôs apenas deveres de proteção
ambiental ao Estado, mas também lançou mão da responsabilidade dos particulares para a consecução
de tal objetivo constitucional. Ao dispor no caput do seu art. 225 que se impõe “ao Poder Público
e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, a tutela
constitucional do ambiente passou a vincular juridicamente (para além de uma obrigação moral)
também os particulares – e não somente os entes públicos –, atribuindo aos mesmos não apenas
um direito fundamental ao ambiente (pelo menos no sentido de um direito de exigir que o Estado e
terceiros se abstenham de atentar contra o ambiente e atuem no sentido de protegê-lo), mas também
deveres fundamentais de proteção do ambiente atribuídos aos particulares (pessoas físicas e jurídicas),
inclusive por forca da eficácia entre particulares (ou horizontal) do direito ao ambiente, o que conduz ao
reconhecimento do direito ao ambiente como autêntico direito-dever.

1.3.1. DIREITO AO AMBIENTE COMO DIREITO FUNDAMENTAL DE 3ª DIMENSÃO (OU


GERAÇÃO)
O reconhecimento de um direito fundamental a um ambiente ecologicamente equilibrado ajusta-se,
consoante já enfatizado, aos novos enfrentamentos históricos de natureza existencial postos pela crise
ecológica, complementando os já amplamente consagrados direitos civis, políticos e socioculturais.
Com efeito, considerando a insuficiência dos direitos de liberdade e mesmo dos direitos sociais, o

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reconhecimento de um direito fundamental ao meio ambiente (ou à proteção ambiental) constitui aspecto
central da agenda político-jurídica contemporânea. Nesse contexto, consoante pontua Perez Luño, a
incidência direta do ambiente na existência humana (sua transcendência para o seu desenvolvimento ou
mesmo possibilidade) é que justifica a sua inclusão no estatuto dos direitos fundamentais, considerando
o ambiente como todo o conjunto de condições externas que conformam o contexto da vida humana.6

De acordo com Norberto Bobbio – e cientes das justificadas críticas que têm sido formuladas em relação
à classificação dos direitos (humanos e fundamentais) em gerações e mesmo dimensões7 –, “ao lado
dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda geração, emergiram hoje os chamados
direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente
heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata. O mais importante
deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído”.8 Na
base da terceira categoria de direitos fundamentais, conforme pontua Klaus Bosselmann, radica a ideia
de serem eles essencialmente coletivos (transindividuais), expressando direitos coletivos ou de grupos,
bem como o fato de dependerem fortemente de mecanismos de cooperação substancial de todas as
forças sociais para a sua realização.9

No compasso da evolução histórica dos direitos fundamentais, passou-se da perspectiva do indivíduo à da


espécie humana, considerada inclusive em perspectiva futura, através da proteção jurídica dos interesses
das futuras gerações. Assim como, das liberdades individuais migrou-se à solidariedade planetária.

Ademais, da mesma forma como os direitos liberais tem o seu alicerce normativo no princípio da liberdade
e os direitos sociais são formatados sob a égide do princípio da igualdade, os direitos fundamentais
de terceira dimensão, como é o caso do direito ao ambiente, encontrariam o seu suporte normativo-
axiológico no princípio (e dever) da solidariedade. As duas dimensões (liberal e social) dos direitos
humanos e fundamentais conformam as duas maiores tradições políticas (o pensamento liberal e o
pensamento social). A primeira resulta do liberalismo cunhado no Século 18 e reformulado nos Séculos
subsequentes, ao passo que a segunda marca os Séculos 19 e 20, desembocando na estruturação do
modelo contemporâneo do Estado Constitucional, na condição de um Estado Democrático, Social e
Ecológico de Direito10, comprometido, para além das liberdades individuais, com as noções de igualdade

6 PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución. 5. ed. Madrid: Editorial Tecnos, 1995,
p. 463.
7 A respeito da trajetória “evolutiva” dos direitos fundamentais e especialmente no que diz com uma perspectiva crítica à
classificação em gerações, v., por todos, SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2009, especialmente p. 52-57.
8 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 10. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 06.
9 BOSSELMANN, Klaus. Ökologische Grundrechte: zum Verhältnis zwischen individueller Freiheit und Natur. Baden-Baden:
Nomos Verlagsgesellschaft, 1998, p. 293.
10 V. SARLET, Ingo W.; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ecologico. 6.ed. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.

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substancial e solidariedade.

QUADRO DAS DIMENSÕES (OU GERAÇÕES) DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Direitos Fundamentais Princípio Geral Titular Fundamento


Constitucional
1ª Dimensão ou liberais Liberdade Indivíduo Art. 5º

(ex. vida, integridade física e


psíquica, liberdade, etc.)
2ª Dimensão ou sociais Igualdade Grupo social Art. 6º

(ex. saúde, educação, moradia, (e também o indivíduo)


alimentação, etc.)
3ª Dimensão ou ecológicos Solidariedade Toda a coletividade Art. 225

(ex. meio ambiente, água, (e futuras gerações?)


paz, patrimônio comum da
humanidade, etc.)

A Declaração de Estocolmo das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano (1972) apresenta-se como
o marco histórico-normativo inicial da proteção ambiental, projetando pela primeira vez no horizonte
jurídico internacional, a ideia em torno de um direito humano a viver em um ambiente equilibrado
e saudável, tomando a qualidade do ambiente como elemento essencial para uma vida humana com
dignidade e bem-estar.

“Princípio 1 - O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute


de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita
levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e
melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras”
De acordo com Guido F. Silva Soares, a Declaração de Estocolmo “pode ser considerada como um
documento com a mesma relevância para o Direito Internacional e para a Diplomacia dos Estados que
teve a Declaração Universal dos Direitos do Homem (...). Na verdade, ambas as Declarações têm exercido
o papel de verdadeiros guias e parâmetros na definição dos princípios mínimos que devem figurar tanto
nas legislações domésticas dos Estados, quanto na adoção dos grandes textos do Direito Internacional
da atualidade”.11

Vinte anos após a Declaração de Estocolmo, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(1992), quando da Conferência das Nações Unidas (Eco-92), em 1992, reforçou o mesmo entendimento.

11 SOARES, Direito internacional do meio ambiente..., p. 55.

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“Princípio 1 - Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento


sustentável. Tem direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a Natureza”
A Declaração e Programa de Ação de Viena (1993), promulgada no âmbito da 2.ª Conferência Mundial
sobre Direitos Humanos, também conferiu, no seu art. 11, destaque especial ao direito humano ao
desenvolvimento, considerando que o mesmo deve ser realizado de modo a satisfazer as “necessidades
ambientais e de desenvolvimento das gerações presentes e futuras”.

O direito ao ambiente tomou acento de forma definitiva também no âmbito do Direito Internacional dos
Direitos Humanos e dos Sistema Global e Regionais de Proteção dos Direitos Humanos, em razão da sua
essencialidade à dignidade da pessoa humana.

No âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, o Protocolo de San Salvador Adicional à


Convenção Americana de Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos Sociais e Culturais (1988)
consagrou expressamente o direito humano a um meio ambiente sadio no seu art. 11:

“Artigo 11 (Direito a um meio ambiente sadio) 1. Toda pessoa tem direito a viver em
meio ambiente sadio e a contar com os serviços públicos básicos. 2. Os Estados Partes
promoverão a proteção, preservação e melhoramento do meio ambiente”.
Mais recentemente, merece registro o fenômeno designado de “greening” (ou, em português,
“esverdeamento”) da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), com o
reconhecimento gradual e progressiva da proteção ecológica para o exercício dos demais direitos
humanos no seu conjunto. O ponto culminante de tal evolução jurisprudencial da CIDH foi a edição da
Opinião Consultiva n. 23/2017 sobre “Meio Ambiente e Direitos Humanos”, conforme veremos em
tópico subsequente.

A CF/1988 (art. 225 e art. 5.º, § 2.º), seguindo a influência do direito constitucional comparado (por
exemplo, a Constituição portuguesa de 1976) e do direito internacional, sedimentou e positivou ao
longo do seu texto os alicerces normativos de um constitucionalismo ecológico, atribuindo ao direito
ao ambiente o status de direito fundamental, em sentido formal e material, orientado pelo princípio da
solidariedade, conforme inclusive já resultou reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito de
emblemática decisão relatada pelo Ministro Celso de Mello.

JURISPRUDÊNCIA STF: “A QUESTÃO DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE


EQUILIBRADO – DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO – PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE. O direito
à integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos
humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado
em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, a própria
coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (Direito Civis e Políticos) –

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que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da


liberdade e os direitos de segunda geração (Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) –
que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio
da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade
coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da
solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento,
expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores
fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade” (STF, MS 22.164/
SP, rel. Min. Celso de Mello, j. 30.10.1995).
Ademais, muito embora o art. 225 esteja topograficamente situado fora do Título II da CF/1988 (onde se
encontram arrolados os direitos fundamentais), a doutrina e a jurisprudência brasileira são pacíficas no
sentido de reconhecer o direito ao ambiente como integrante do rol dos direitos e garantias fundamentais
da pessoa humana, constante da Carta Magna de 1988. Na medida em que integra a Constituição formal
(art. 225), mesmo que não inserido expressamente no catálogo dos direitos fundamentais, pode-se dizer
que o direito ao ambiente se trata de um direito formal e materialmente fundamental. A despeito de
não estar previsto no Título II da Constituição, é por intermédio do direito constitucional positivo, ou seja,
da cláusula de abertura material do catálogo de direitos fundamentais (art. 5°, § 2°, da CF/88), que é
atribuído ao direito ao ambiente fundamentalidade material.

Aquém de tal padrão ecológico, a vida e a dignidade humana estariam sendo violadas no seu núcleo
essencial. A qualidade, o equilíbrio e a segurança ambiental, com base em tais considerações, passaria a
figurar como elemento integrante do conteúdo normativo do princípio da dignidade da pessoa humana,
sendo, portanto, fundamental ao desenvolvimento de todo o potencial humano num quadrante de
completo bem-estar existencial.

Atualmente, pode-se dizer que os valores ecológicos tomaram assento definitivo no conteúdo do
princípio da dignidade da pessoa humana. Portanto, no contexto constitucional contemporâneo,
consolida-se a formatação de uma dimensão ecológica da dignidade humana, que abrange a ideia em
torno de um bem-estar ambiental (assim como de um bem-estar social) indispensável a uma vida digna,
saudável e segura. Dessa compreensão, pode-se conceber a indispensabilidade de um patamar mínimo
de qualidade ambiental para a concretização da vida humana em níveis dignos.

Não se pode conceber a vida – com dignidade e saúde – sem um ambiente natural saudável e equilibrado.
A vida e a saúde humanas (ou como refere o caput do art. 225 da CF/1988, conjugando tais valores, a sadia
qualidade de vida) só estão asseguradas no âmbito de determinados padrões ecológicos. O ambiente
está presente nas questões mais vitais e elementares da condição humana, além de ser essencial à
sobrevivência do ser humano como espécie natural.

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DIMENSÕES NORMATIVAS

DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Liberal (direitos liberais: vida, integridade física e psíquica, liberdade


de locomoção, etc.)
Social ou Comunitária (direitos sociais: saúde, educação, moradia,
Dimensões normativas alimentação, assistência social, etc.)
do princípio da dignidade da Ecológica (direitos ecológicos)
pessoa humana Obs. A qualidade, o equilíbrio e a segurança ambiental passam
(art. 1º, III, da CF/1988) a integrar o conjunto de condições materiais (novo direito
fundamental) indispensáveis a uma vida digna e saudável e à
inserção político-comunitária do indivíduo (mínimo existencial
ecológico).

1.3.2. OPINIÃO CONSULTIVA 23/2017 SOBRE “MEIO AMBIENTE E DIREITOS


HUMANOS” DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
A Opinião Consultiva n. 23/2017 sobre “Meio Ambiente e Direitos Humanos” da Corte Interamericana
de Direitos Humanos (CIDH), conforme referido anteriormente, representou o ápice do reconhecimento
da relevância da proteção ecológica e do direito humano ao meio ambiente no Sistema Interamericano
de Direitos Humanos. O mesmo fenômeno também tem sido verificado no Sistema Global ou ONU de
Proteção dos Direitos Humanos, com a criação, no âmbito do Alto Comissariado de Direitos Humanos,
por decisao tomada pelo Comitê de Direitos Humanos em 2012, de um mandato específico sobre os
“direitos humanos e o meio ambiente” e, desde 2015, com uma relatoria especial sobre Direitos Humanos
e Meio Ambiente.12

A CIDH reconheceu, por meio da Opinião Consultiva n. 23/2017, “a inegável relação entre a proteção do
meio ambiente e a realização de outros direitos humanos”. Foi a primeira vez a Corte Interamericana
desenvolveu o conteúdo do direito a um ambiente saudável, previsto no artigo 11 do Protocolo de San
Salvador e em alguma medida, também no artigo 26 da Convenção Americana, que contém os direitos
econômicos, sociais e culturais. A CIDH reconheceu expressamente a relação de interdependência e
indivisibilidade entre direitos humanos, meio ambiente e desenvolvimento sustentável.

A Opinião Consultiva n. 23/2017 foi elaborada a partir de consulta formulada pela Colômbia, em 14 de
março de 2016. Um dos pontos mais relevantes do documento da CIDH diz respeito às obrigações dos
Estados-Partes para proteger o meio ambiente. Entre outros pontos, a CIDH assinalou que os Estados-

12 Disponível em: https://www.ohchr.org/en/Issues/environment/SRenvironment/Pages/SRenvironmentIndex.aspx. Acesso


em 02.04.2019.

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Partes estão obrigados a respeitar e garantir os direitos humanos de todas as pessoas e que isso pode
incluir, numa base casuística e excepcional, situações que ultrapassem os seus limites territoriais, inclusive
como uma obrigação de prevenir danos transfronteiriços. Da mesma forma, a CIDH estabeleceu as
obrigações derivadas do respeito e da garantia dos direitos à vida e à integridade pessoal no contexto da
proteção ambiental.

Entre os pontos mais relevantes da Opinião Consultiva 23/2017, a obrigação dos Estado-Partes de:

- regular, supervisionar e supervisionar as atividades sob sua jurisdição,


realizar estudos de impacto ambiental, estabelecer planos de
contingência e mitigar danos;

- agir em conformidade com o princípio da precaução contra eventuais


danos graves ou irreversíveis para o ambiente, que afetem os direitos à
OC 23/2017
vida e à integridade pessoal, mesmo na ausência de certeza científica;
CIDH
- cooperar de boa fé com outros Estados-Membros para a proteção
contra danos ambientais significativos;

Obrigações Estados-Partes - garantir o acesso à informação sobre os eventuais efeitos no ambiente;

- garantir o direito à participação pública dos indivíduos na tomada de


decisões e nas políticas que possam afetar o ambiente; e

- assegurar o acesso à justiça no que respeita às obrigações do Estado


em matéria de proteção do ambiente.

Por fim, outro aspecto inovador verificado no documento da CIDH diz respeito ao reconhecimento
da proteção jurídica autônoma, ou seja, “em si mesma” da Natureza, destacando “uma tendência a
reconhecer a personalidade jurídica e, por fim, os direitos da Natureza, não só em decisões judiciais,
mas também nos ordenamentos constitucionais”.

1.3.2. TITULARIDADE DIFUSA DO DIREITO FUNDAMENTAL AO AMBIENTE


A questão da titularidade do direito ao ambiente é outro aspecto que diferencia o ambiente de outros
bens jurídicos e direitos, reconhecendo-se a sua natureza de direito ou interesse difuso. Segundo Rodolfo
de C. Mancuso, os interesses difusos “são referíveis a um conjunto indeterminado ou dificilmente
determinável de sujeitos”, o que se contrapõe “fundamentalmente ao esquema tradicional, visto que a
tutela não pode mais ter por base a titularidade, mas a relevância, em si, do interesse, isto é, o fato de

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sua relevância social”.13 Em razão de congregar o interesse de toda a coletividade, conforme evidencia a
norma constitucional-ambiental contida no caput do art. 225, a sua natureza jurídica transcenda da órbita
individual que tradicionalmente sempre caracterizou o regime jurídico dos direitos (fundamentais e
não fundamentais).

O direito ao ambiente rompe com tal paradigma, de modo que a lesão ao ambiente passa a ser uma lesão
a toda a coletividade, e não apenas a direitos individuais. Ou seja, tem-se a indeterminação dos sujeitos
titulares do direito. Apropriando-nos novamente da lição de Mancuso, “essa ‘indeterminação de sujeitos’
revela-se, também, quanto à natureza da lesão decorrente de afronta aos interesses difusos: essa lesão é
disseminada por um número indefinido de pessoas, tanto podendo ser uma comunidade (por exemplo,
uma vila de pescadores, ameaçada pela emissão de dejetos urbanos no mar) como uma etnia (nos casos
de discriminação racial) ou mesmo toda a humanidade (como a ameaça constante de guerra nuclear, ou
na ‘exploração’ predatória e anárquica da Amazônia)”.14

Isso, por si só, implica abrir mão da tradição clássica de matriz liberal-individualista na leitura de
diversos institutos jurídicos. O conceito de bem ambiental difere substancialmente do que a doutrina
civilista clássica conceitua como “coisa”15, sobre a qual recai a exclusividade do exercício da titularidade.
O ordenamento jurídico brasileiro identifica a natureza de direito difuso que recai sobre o patrimônio
ambiental, ou seja, o bem jurídico ambiental é um bem de uso comum do povo (caput do art. 225 da
CF/1988).

Toda a sociedade é titular de tal direito, incidindo sobre os bens ambientais uma multiplicidade de
interesses (patrimoniais e não patrimoniais; individuais, coletivos e difusos) e, consequentemente,
limitações a outros direitos (fundamentais e não fundamentais). Ao mesmo tempo em que reconhece a
incidência do interesse social e o regime de direito público na regulação dos bens jurídicos ambientais,
a norma constitucional limita substancialmente o poder de disposição dos indivíduos (particulares) em
relação aos mesmos.

Outra questão relevante na caracterização da natureza difusa do bem jurídico ambiental diz respeito
a não o confundir com o interesse do Estado em sentido estrito. Ou seja, a sociedade é a titular do
direito ao ambiente, e não o Estado. A categoria do interesse público primário, empregada comumente

13 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2004, p. 93.
14 MANCUSO, “Interesses difusos...”, p. 97.
15 De modo a sinalizar a evolução do Direito Civil, sob a perspectiva da proteção ecológica, o Código Civil de 2002 dispôs
no seu art. 1228, § 1º, que “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as sua finalidade econômicas e
sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como a poluição do ar e das águas”.

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na seara do Direito Administrativo16, pode ser utilizada, em certa medida, para caracterizar o interesse da
sociedade na proteção do patrimônio ambiental, mas jamais o interesse público secundário (ou seja, o
puro interesse do Estado).

De acordo com a lição de Hugo Nigro Mazzilli, ao retomar os ensinamentos do publicista italiano Renato
Alessi, a distinção ora tratada “permite evidenciar, portanto, que nem sempre coincidem o interesse público
primário e o secundário. Nesse sentido, o interesse público primário (bem geral) pode ser identificado
com o interesse social, o interesse da sociedade ou da coletividade, e até mesmo com alguns dos mais
autênticos interesses difusos (o exemplo, por excelência, do meio ambiente em geral)”.17

A distinção em questão é relevante em razão de a proteção do ambiente colocar-se também contra


o Estado, e não apenas em face dos particulares poluidores, de modo que o Estado não pode dispor
do bem jurídico ambiental, uma vez que o mesmo não lhe pertence. Não por outra razão, a própria
legislação ambiental reconhece, por meio da Lei 6.938/81, art. 3º, IV, que a pessoa jurídica de direito
público também pode ser enquadrada no conceito de poluidor e, consequentemente, responsabilizada18,
direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.

Muito embora a natureza do Direito Ambiental seja essencialmente pública, o bem jurídico ambiental
transita na “fronteira” entre o público e o privado. A natureza difusa do bem jurídico ambiental implica
a fusão dos universos público e privado, mas sempre permeado pela prevalência do interesse de toda
a coletividade na sua proteção, bem como pela limitação ao interesse privado e público (secundário)
quando esses se colocarem em rota de colisão com a tutela ecológica. Em sintonia com esse entendimento,
o art. 2º, I, da Lei 6.938/81 institui como princípio da Política Nacional do Meio Ambiente que “a ação
governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um
patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo”.

1.3.3. EFICÁCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL AO AMBIENTE NAS RELAÇÕES ENTRE


PARTICULARES
A irradiação da eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares (ou eficácia
horizontal) assume função central na consolidação do Estado Socioambiental de Direito contemporâneo,
ressalvando-se que hoje as fronteiras entre o Público e o Privado diluírem-se na convergência e unificação
de ambos rumo ao horizonte normativo de proteção da dignidade humana e dos direitos fundamentais.
A partir de um resgate jurídico-normativo do princípio da solidariedade, juntamente com os deveres
fundamentais correlatos aos direitos, a eficácia entre particulares (ou, como refere a doutrina alemã, a

16 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 69.
17 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 22.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 49.
18 STJ, REsp 1.071.741/SP, 2.ª T., rel. Ministro Herman Benjamin, j. 24.03.2009.

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Drittwirkung) balanceia a relação entre Estado e sociedade, em vista de que o primeiro é destituído do
cargo de único responsável (e guardião) pela efetivação dos direitos fundamentais.

De tal sorte, coloca-se agora parcela da responsabilidade (e deveres jurídicos) também nas mãos dos
particulares (pessoas físicas e jurídicas), o que tem especial importância num contexto social onde
certos atores sociais privados possuem tanto ou mais poder (econômico, político, técnico, etc.) do que os
próprios Estados nacionais. Há que se postular, portanto, um dever de respeito e consideração mútuo
entre particulares, fundado no marco constitucional da solidariedade, o que, no seu conjunto, e diante do
quadro de risco existencial imposto pela degradação ecológica, impõe maior carga de responsabilidade
(e deveres) pelas ações e omissões de particulares (pessoas físicas e jurídicas), que, de alguma forma,
possam, mesmo que potencialmente – em face da aplicação do princípio e dever de precaução –,
comprometer o equilíbrio ecológico.

A título de exemplo, a inversão do ônus da prova pode ser fundamentada na eficácia dos direitos
fundamentais entre particulares. No entanto, o mecanismo de equalização da relação processual suscitado
não deve ser tomado de forma abstrata ou a priori, mas sempre à luz da constatação da desigualdade na
relação jurídica posta no caso concreto (ou seja, a posteriori). Juntamente com a inversão do ônus da
prova, há que se ter em conta também o dever fundamental de informação ambiental como projeção
normativa da eficácia entre particulares do direito fundamental ao ambiente.

1.3.4. MÍNIMO EXISTENCIAL ECOLÓGICO (OU SOCIOAMBIENTAL)


O reconhecimento da condição de direito humano e fundamental à proteção do ambiente tem como
corolário a identificação de novos elementos normativos relacionados ao conteúdo do assim chamado
“direito e garantia a um mínimo existencial”, abrindo caminho para a noção de uma dimensão ecológica
do direito-garantia ao mínimo existencial. A necessária integração entre a tutela ecológica e a proteção
e promoção de uma existência digna em termos socioculturais (portanto, não restrita a um mínimo vital
ou fisiológico), há de ser designada pelo rótulo de um mínimo existencial socioambiental ou ecológico,
coerente, aliás, com o projeto político-jurídico do Estado Ambiental ou mesmo Socioambiental de
Direito.

A preocupação doutrinária de se conceituar, no plano normativo, um padrão mínimo em termos


ambientais para a realização de uma vida digna e saudável justifica-se a partir da importância que o
equilíbrio e segurança ambiental representam para o desenvolvimento da vida humana em toda a sua
potencialidade. Tais condições materiais elementares de natureza socioambiental, conforme pode ser
facilmente identificado na hipótese da falta de saneamento básico em dada localidade, constituem-
se em premissas do próprio exercício dos demais direitos (fundamentais ou não), resultando em uma
espécie de direito a ter e exercer os demais direitos.

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Sem o acesso a tais condições existenciais básicas (que, todavia, não podem ser compreendidas no
sentido de uma redução da proteção dos direitos socioambientais a um patamar minimalista), que
exigem o respeito, proteção e promoção de um padrão mínimo – no sentido de necessário – de qualidade
ambiental, não há que falar em liberdade real ou fática, quanto menos em um padrão de vida digno.
Dentre outras justificativas que se poderia invocar, assume relevância a noção do dever de respeito e
consideração, por parte do Estado e da sociedade, pela vida de cada indivíduo. Mais recentemente, a CIDH,
por meio da Opinião Consultiva 23/2017, reconheceu expressamente que “vários direitos fundamentais
exigem, como condição prévia necessária para o seu exercício, uma qualidade ambiental mínima e são
profundamente afetados pela degradação dos recursos naturais”.19

Jurisprudência do STJ (sobre mínimo existencial ecológico):


1) “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. COLETA DE LIXO. SERVIÇO ESSENCIAL. PRESTAÇÃO
DESCONTINUADA. PREJUÍZO À SAÚDE PÚBLICA. DIREITO FUNDAMENTAL. NORMA DE
NATUREZA PROGRAMÁTICA. AUTO EXECUTORIEDADE. PROTEÇÃO POR VIA DA AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. POSSIBILIDADE. ESFERA DE DISCRICIONARIEDADE DO ADMINISTRADOR.
INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO. 1. Resta estreme de dúvidas que a coleta de lixo
constitui serviço essencial, imprescindível à manutenção da saúde pública, o que o torna
submisso à regra da continuidade. Sua interrupção, ou ainda, a sua prestação de forma
descontinuada, extrapola os limites da legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito
à dignidade humana, porquanto o cidadão necessita utilizar-se desse serviço público,
indispensável à sua vida em comunidade. 2. Releva notar que uma Constituição Federal
é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das
possibilidades do que se vai consagrar, por isso cogentes e eficazes suas promessas, sob
pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. (...). 3. Em função do princípio
da inafastabilidade consagrado constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação
que o assegura, sendo certo que todos os cidadãos residentes em Cambuquira encartam-
se na esfera desse direito, por isso a homogeneidade e transindividualidade do mesmo a
ensejar a bem manejada ação civil pública. 4. A determinação judicial desse dever pelo
Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras,
não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá
constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer
exegese que vise afastar a garantia pétrea. 5. Um país cujo preâmbulo constitucional
promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao
mesmo patamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar a saúde pública
a um plano diverso daquele que o coloca, como uma das mais belas e justas garantias

19 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, Opinião Consultiva n. 23/2017..., p. 22.

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constitucionais. (...) 9. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública
implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto
no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano submete-se à própria
justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o
malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da
promessa constitucional. 10. “A questão do lixo é prioritária, porque está em jogo a saúde
pública e o meio ambiente.” Ademais, “A coleta do lixo e a limpeza dos logradouros públicos
são classificados como serviços públicos essenciais e necessários para a sobrevivência do
grupo social e do próprio Estado, porque visam a atender as necessidades inadiáveis da
comunidade, conforme estabelecem os arts. 10 e 11 da Lei n.º 7.783/89. Por tais razões, os
serviços públicos desta natureza são regidos pelo princípio da continuidade”. 11. Recurso
especial provido” (STJ, REsp 575.998/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. 07.10.2004).
2) “O mínimo existencial não se resume ao mínimo vital, ou seja, o mínimo para se
viver. O conteúdo daquilo que seja o mínimo existencial abrange também as condições
socioculturais, que, para além da questão da mera sobrevivência, asseguram ao indivíduo
um mínimo de inserção na ‘vida’ social”. (STJ, REsp 1.185.474/SC, Rel. Min. Humberto
Martins, j. 20.04.2010).

1.4. O DIRETO AO AMBIENTE COMO CLÁUSULA PÉTREA DA CF/1988


Inicialmente, cabe destacar que não há qualquer distinção quanto ao regime jurídico ou força jurídica
a ser aplicada aos direitos fundamentais presentes no catálogo e àqueles incluídos no rol através
da abertura material do art. 5.º, § 2.º, da CF/88, tendo, portanto, o direito fundamental ao ambiente
aplicação imediata, na linha do que dispõe o § 1.º do art. 5.º, bem como constituindo-se de norma de
eficácia direta e irradiante frente a todo ordenamento jurídico e passando a integrar o rol das cláusulas
pétreas (art. 60, § 4.º, inc. IV, da CF/88). Do ponto de vista material, houve uma decisão tomada pelo
constituinte brasileiro ao consolidar o direito subjetivo dos indivíduos e da coletividade a viverem em
um (e não qualquer) ambiente ecologicamente equilibrado, considerando ser o mesmo “essencial à sadia
qualidade de vida” (art. 225, caput, da CF/88).

Ao declarar ser a qualidade ambiental essencial a uma vida humana saudável (e também digna), o
constituinte consignou no pacto constitucional sua escolha de incluir a proteção ambiental entre os
valores permanentes e fundamentais da República brasileira. Portanto, eventual retrocesso em tal
matéria constitucional – por exemplo, supressão total ou parcial do conteúdo na norma inscrita no art.
225 da CF/88 – representaria flagrante violação aos valores edificantes do nosso sistema constitucional.
Conforme a lição de José Afonso da Silva, em razão da aderência do direito ao ambiente ao direito à vida,
há a contaminação da proteção ambiental com uma qualidade que impede sua eliminação por via de

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emenda constitucional20, estando, por via de consequência, inserido materialmente no rol das matérias
componentes dos limites materiais ao poder de reforma constantes do art. 60, § 4.º, da CF/88, de modo
a conferir ao direito fundamental ao ambiente o status de cláusula pétrea.

Art. 60 (...) § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
Outra não poderia ser a interpretação constitucional dada ao direito ao ambiente, em vista da consagração
da sua jusfundamentalidade. Com o reconhecimento da proteção ambiental como cláusula pétrea, a
Constituição brasileira, como identificou Antonio Herman Benjamin, conferiu um “valioso atributo
de durabilidade” à proteção ambiental no âmbito ordenamento jurídico-constitucional brasileiro,
o qual “funciona como barreira à desregulamentação e a alterações ao sabor de crises e emergências
momentâneas, artificiais ou não”.21 O reforço constitucional que se pretende conferir ao direito fundamental
ao ambiente por meio do seu reconhecimento como cláusula pétrea também está em consonância
com a garantia constitucional de proibição de retrocesso (social e ecológico ou socioambiental), já
que tal instituto jurídico-constitucional objetiva blindar o bloco normativo constitucional-ambiental
contra eventuais retrocessos. O STJ, nesse sentido, passou a reconhecer a categoria jurídica dos direitos
ambientais adquiridos, como “limite constitucional intocável e intransponível da “incumbência” do
Estado de garantir a preservação e a restauração dos processos ecológicos essenciais” (art. 225, § 1º, I).

JURISPRUDÊNCIA DO STJ: Direitos ambientais adquiridos. “PROCESSO CIVIL E AMBIENTAL.


AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE POR DANOS AMBIENTAIS. MATA CILIAR AO
REDOR DO RESERVATÓRIO HIDRELÉTRICO DE SALTO SANTIAGO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO
PERMANENTE. DANOS AMBIENTAIS. REFLORESTAMENTO. (...) NOVO CÓDIGO FLORESTAL.
IRRETROATIVIDADE. PRECEDENTES.(...) O novo Código Florestal não pode retroagir
para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada,
tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o
patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto
de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da “incumbência” do
Estado de garantir a preservação e a restauração dos processos ecológicos essenciais

20 SILVA, José Afonso da. Fundamentos constitucionais da proteção do meio ambiente. In: Revista de Direito Ambiental, n. 27,
jul.-set., 2002, p. 55.
21 BENJAMIN, Antonio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição brasileira. In: CANOTILHO,
José Joaquim Gomes; MORATO LEITE, José Rubens (Orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007,
p. 79.

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(art. 225, § 1º, I). Precedentes. Agravo regimental improvido.” (STJ, AgRg no REsp 1.434.797/
PR, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, j. 17.05.2016)

QUESTÃO VUNESP (Magistratura Estadual RJ, 2016): “O reconhecimento material do direito


fundamental ao ambiente justifica-se na medida em que tal direito é extensão do direito à vida, sob
os aspectos da saúde e da existência digna com qualidade de vida, ostentando o status de cláusula
pétrea, consoante entendimento do STF”. (CORRETA)

1.5. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E PROIBIÇÃO DE PROTEÇÃO INSUFICIENTE


OU DEFICIENTE EM MATÉRIA AMBIENTAL
O princípio da proporcionalidade, não obstante se tratar de princípio geral do Direito, apresenta
particular relevância no âmbito do Direito Ambiental, sobretudo em razão da natureza fundamental do
direito ao ambiente e da constante colisão deste com outros bens jurídicos também plasmados no texto
constitucional, de modo que nos pareceu imprescindível tratá-lo como um dos princípios gerais que
regem a proteção jurídica do ambiente. Sob o enfoque do princípio da precaução, Ana G. e Freitas Martins
assinala que “o princípio da proporcionalidade joga aqui um papel fundamental, garantindo a ponderação
de diversos interesses envolvidos ao exigir que as medidas adotadas no âmbito de uma política guiada
pela precaução se revelem economicamente viáveis, com ponderação de custos e ganhos decorrentes da
sua adoção”. 22 Na mesma perspectiva, contextualizando a adoção do princípio da proporcionalidade à
temática dos riscos ecológicos, J. J. Gomes Canotilho enuncia o princípio da proporcionalidade dos riscos.23

As ideias de proporção e de razoabilidade, vinculadas à própria noção de justiça e equidade, sempre


estiveram presentes no âmbito do fenômeno jurídico, permeando, em termos gerais, o direito
contemporâneo. De acordo com a vertente germânica, o ponto de referência é o princípio do Estado de
Direito (art. 1°, caput, da CF/1988), notadamente naquilo que veda o arbítrio, o excesso de poder, entre
outros desdobramentos. Já para quem segue a orientação do direito norte-americano, a proporcionalidade
guarda relação com o art. 5º, LIV, da CF/1988, no que assegura um devido processo legal substantivo.

No plano da legislação infraconstitucional, por sua vez, os princípios da proporcionalidade e da


razoabilidade foram positivados em vários momentos, destacando-se o art. 2° da Lei n° 9.784/99, que
regulamenta o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta. Também a
Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), já no contexto da legislação ambiental
brasileira, consagrou de forma expressa, no seu art. 6º, XI, “a razoabilidade e a proporcionalidade” entre
os princípios gerais da PNRS. É bom frisar, contudo, que independentemente de sua expressa previsão
em textos constitucionais ou legais, o que importa é a constatação, amplamente difundida, de que a

22 MARTINS, O princípio da precaução..., p. 27.


23 CANOTILHO, Direito constitucional ambiental português..., p. 10.

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aplicabilidade dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade não está excluída de qualquer


matéria jurídica.

O princípio da proporcionalidade, que constitui um dos pilares do Estado (Democrático, Social e


Ambiental ou Ecológico) de Direito brasileiro, desponta como instrumento metódico de controle dos
atos – tanto comissivos quanto omissivos – dos poderes públicos, sem prejuízo de sua eventual aplicação
a atos de sujeitos privados. Nesse contexto, assume relevância, por sua vez, a conhecida e já referida
distinção entre as dimensões negativa e positiva dos direitos fundamentais, com destaque para a atuação
dos direitos fundamentais como deveres de proteção ou imperativos de tutela, implicando uma atuação
positiva do Estado, obrigando-o a intervir tanto preventiva quanto repressivamente, inclusive diante de
agressões oriundas de particulares.

Ao Estado, no que tange aos seus deveres de proteção ambiental, também incumbe medidas positivas
no sentido de assegurar a tutela do ambiente, de tal sorte que a ação estatal acaba por se situar, no
âmbito do que se convencionou designar de uma dupla face (ou dupla dimensão) do princípio da
proporcionalidade, entre a proibição de excesso de intervenção, por um lado, e a proibição de proteção
insuficiente ou deficiente, por outro. Se, por um lado, o ente estatal não pode atuar de modo excessivo,
intervindo na esfera de proteção de direitos fundamentais a ponto de desatender aos critérios da
proporcionalidade ou mesmo a ponto de violar o núcleo essencial do direito fundamental em questão,
também é certo que o Estado, por força dos deveres de proteção aos quais está vinculado, não pode
omitir-se ou atuar de forma insuficiente na promoção e proteção de tal direito, sob pena incorrer em
violação da ordem jurídico-constitucional.

Se tomarmos a questão ambiental como exemplo, considerando os deveres de proteção ambiental dos
entes federativos delineados na CF/1988 (art. 225 e art. 23, VI e VII), a não atuação (quando lhe é imposto
juridicamente agir) ou a atuação insuficiente ou deficiente (de modo a não proteger o direito fundamental
de modo adequado), no tocante a medidas legislativas e administrativas voltadas ao combate às causas
geradoras da degradação do ambiente, pode ensejar até mesmo a responsabilidade do Estado, inclusive
no sentido de reparar os danos causados a indivíduos e grupos sociais afetados pelos efeitos negativos
dos danos ambientais.

A nossa Corte Constitucional já se pronunciou sobre dever estatal de proteção ecológica ass luz do
princípio da proporcionalidade e a vedação de proteção insuficiente ou deficiente. Em passagem do voto
do Ministro Celso de Mello no julgamento da ADI 4.901/DF, que versava sobre a constitucionalidade do
Novo Código Florestal de 2012, resultou consignado:

“Com efeito, emerge do próprio art. 225 de nossa Lei Fundamental o dever constitucional
de proteção ao meio ambiente, que incide não apenas sobre a própria coletividade, mas,
notadamente, sobre o Poder Público, a quem se impõe o gravíssimo encargo de impedir,

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de um lado, a degradação ambiental e, de outro, de não transgredir o postulado que


veda a proteção deficiente ou insuficiente, sob pena de intervenção do Poder Judiciário,
para fazer prevalecer o mandamento constitucional que assegura a incolumidade do
meio ambiente e para neutralizar todas as ações ou omissões governamentais de que
possa resultar a fragilização desse bem de uso comum do povo. Essencial, portanto,
que o Estado, seja no exercício de suas funções legislativas, seja na realização de suas
atividades administrativas, respeite o princípio da proporcionalidade, em cuja estrutura
normativa compreende-se, além da proibição do excesso, o postulado que veda, em sua
outra dimensão, a insuficiência da proteção estatal”.24

JURISPRUDÊNCIA STF. Princípio da Proibição DE PROTECAO INSUFICIENTE ou deficiente.


O Plenário do STF, nesse sentido, reconheceu recentemente a inconstitucionalidade
de legislação estadual que teria conferido proteção deficitária às áreas de proteção
permanente (APPs) em comparação ao regramento nacional estabelecido pelo Código
Florestal (Lei 12.651/2012), extrapolando o ente federativo estadual, ao assim agir, os limites
da sua competência suplementar decorrente da competência concorrente estabelecida no
art. 24, caput, VI, § 2º, da CF/1988. O STF, na referida decisão, reconheceu expressamente
a violação à proporcionalidade (e à razoabilidade) na atuação do legislador estadual ao
expor bens jurídicos de máxima importância (no caso, a proteção ecológica), violando, em
outras palavras, o princípio da proibição de proteção insuficiente ou deficiente (STF, ADI
4.988/TO, Tribunal Pleno, rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 19.9.2018)

1.6. PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO AMBIENTAL OU ECOLÓGICO (E


DEVER DE PROGRESSIVIDADE)
“É a degradação da lei levando à degradação ambiental” (Ministro Antônio Herman Benjamin).25

Do ponto de vista da Teoria dos Direitos Fundamentais e mesmo do Direito Internacional dos Direitos
Humanos, nos parece adequado o tratamento integrado e interdependente dos direitos sociais e dos
direitos ecológicos, a partir da sigla DESCA (para além da clássica denominação de DESC), ou seja, como
direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, de modo a contemplar a evolução histórica dos
direitos fundamentais e humanos, incorporando a tutela do ambiente em tal núcleo privilegiado de
proteção da pessoa. Nesse sentido, o Protocolo de San Salvador Adicional à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1988) incorpora a compreensão
acerca dos DESCA, apontando, no bojo do seu texto, que “toda pessoa tem direito a viver em um meio
ambiente sadio e a contar com os serviços públicos básicos” (art. 11.1), bem como que “os Estados-Partes

24 STF, ADI 4.901/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, j. 28.02.2018.
25 BENJAMIN, O princípio da proibição de retrocesso ambiental..., p. 72.

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promoverão a proteção e melhoramento do meio ambiente” (11.2). 26

A cláusula de progressividade atribuída aos direitos sociais, consagrada tanto no art. 2º, § 1º, do PIDESC
quanto no art. 1º do Protocolo de San Salvador, deve abarcar, necessariamente, também as medidas
fáticas e normativas voltadas à tutela ecológica, de modo a instituir uma progressiva melhoria da
qualidade ambiental e, consequentemente, da qualidade de vida em geral. A proibição de retrocesso
em matéria de proteção e promoção dos DESCA guarda relação com a previsão expressa de um dever de
progressiva realização contido em cláusulas vinculativas de direito internacional, poder-se-á afirmar que
pelo menos tanto quanto proteger o pouco que há em termos de direitos sociais e ecológicos efetivos,
há que priorizar o dever de progressiva implantação de tais direitos. O progresso (em termos fáticos e
normativos), compreendido na perspectiva de um dever estatal de desenvolvimento sustentável, deve
necessariamente conciliar os eixos econômico, social e ambiental.

O regime jurídico ecológico – tanto sob a perspectiva constitucional quanto infraconstitucional – deve
operar de modo progressivo, a fim de ampliar a qualidade de vida existente hoje e atender a padrões cada
vez mais rigorosos de tutela da dignidade da pessoa humana, não admitindo o retrocesso, em termos
fáticos e normativos, a um nível de proteção inferior àquele verificado hoje. De acordo com Canotilho, “a
liberdade de conformação política do legislador no âmbito das políticas ambientais tem menos folga
no que respeita à reversibilidade político-jurídica da proteção ambiental, sendo-lhe vedado adoptar
novas políticas que traduzam em retrocesso retroactivo de posições jurídico-ambientais fortemente
enraizadas na cultura dos povos e na consciência jurídica geral”.27

Não sem razão, o conceito de desenvolvimento sustentável, cunhado no âmbito da Comissão Mundial
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas, por conta da publicação, no ano de 1987, do
Relatório Nosso Futuro Comum, traz que o mesmo seria “aquele que atende às necessidades do presente
sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades”.28
A ideia de sustentabilidade está na razão de ser da proteção do ambiente, já que manter (e, em alguns
casos, recuperar) o equilíbrio ambiental implica o uso racional e harmônico dos recursos naturais, de
modo a não os levar ao seu esgotamento, e, consequentemente, à sua degradação.

Até por uma questão de justiça entre gerações humanas, a geração presente teria a responsabilidade de
deixar como legado às gerações futuras condições ambientais idênticas ou melhores do que aquelas
recebidas das gerações passadas, estando a geração vivente, portanto, vedada a alterar em termos
negativos as condições ecológicas, até por força do princípio da proibição de retrocesso ambiental e do

26 Mais recentemente, resultou consagrado no Princípio 25 da Declaração do Rio de 1992 que “a paz, o desenvolvimento e a
proteção ambiental são interdependentes e indivisíveis”.
27 CANOTILHO, Direito constitucional ambiental português..., p. 5.
28 Relatório Nosso Futuro Comum..., p. 43.

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dever (do Estado e dos particulares) de melhoria progressiva da qualidade ambiental.

No ordenamento jurídico brasileiro, em sintonia com tal contexto normativo internacional e comparado,
verifica-se também, em diversos diplomas, a adoção de um princípio (ou dever) de melhoria progressiva
da qualidade ambiental. O nosso “Código Ambiental”, ou seja, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente
(Lei 6.938/81), de forma bastante clara, seguiu tal diretriz normativa e consagrou, no seu art. 2º, caput,
“que a Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação
da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento
socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana”.29

Outro exemplo é verificado no caso do direito ao saneamento, onde resultou consagrada de forma expressa
na Lei da Política Nacional de Saneamento Básico (Lei 11.445/2007), art. 3.º, III, que, por meio do objetivo
de universalização das políticas públicas para o setor, deve-se contemplar a “ampliação progressiva do
acesso de todos os domicílios ocupados ao saneamento básico”. Assim, no tocante às medidas legislativas
e políticas públicas levadas a cabo para a efetivação do direito fundamental ao saneamento básico,
típico direito fundamental de feição socioambiental, deve o Legislador – e, em certa medida, também o
Administrador – atentar para a garantia constitucional da proibição de retrocesso ambiental, conforme
resulta expresso na norma em comento.

Seguindo na análise da legislação brasileira, é importante destacar, ainda, que há um déficit de proteção
ambiental existente hoje, na medida em que, como é visível na questão do aquecimento global, impõem-
se medidas no sentido de “recuar” em termos de práticas poluidoras – por exemplo, reduzir as emissões
dos gases geradores do efeito estufa –, não sendo suficiente apenas impedir que tais práticas sejam
ampliadas. Em sintonia com tal entendimento, com o intuito de fazer com que as práticas poluidoras
“recuem” – através da “redução dos impactos” da ação humana sobre o ambiente – e a qualidade
ambiental melhore de forma progressiva, a Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC
(Lei 12.187/2009), que, além de enunciar, no caput do art. 3º, como diretrizes para a questão climática, a
consagração dos princípios da precaução, da prevenção, da participação cidadã e do desenvolvimento
sustentável – bem como do princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, aplicado no
âmbito internacional –, estabelece, no mesmo artigo citado, inciso I, que “todos têm o dever de atuar, em
benefício das presentes e futuras gerações, para a redução dos impactos decorrentes das interferências
antrópicas sobre o sistema climático”.

No caso especialmente da legislação ambiental que busca dar operatividade ao dever constitucional de
proteção do ambiente, há que se assegurar a sua blindagem contra retrocessos que a tornem menos
rigorosa ou flexível, não admitindo que voltem a ser adotadas práticas poluidoras hoje proibidas, assim

29 De modo complementar, o art. 4.º, VI, da Lei 6.938/81, entre os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente, destaca “a
preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo
para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida”.

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como buscar sempre um nível mais rigoroso de proteção, considerando especialmente o déficit legado
pelo nosso passado e um “ajuste de contas” com o futuro, no sentido de manter um equilíbrio ambiental
também para as futuras gerações. O que não se admite, até por um princípio de justiça (equidade e
solidariedade) entre gerações humanas, é que sobre as gerações futuras recaia integralmente o ônus do
descaso ecológico perpetrado pelas das gerações presentes e passadas.

A doutrina, sensível à questão e, sobretudo, à atual tendência de “flexibilização” da legislação ambiental,


o que se vê de modo preocupante no caso brasileiro, tem caminhado no sentido de consagrar a vertente
ecológica do princípio da proibição de retrocesso, inclusive a pontos de reconhece-lo como um novo
princípio geral do Direito Ambiental. Nesse sentido, Antônio H. Benjamin assinala que a proibição
de retrocesso “transformou-se em princípio geral do Direito Ambiental, a ser invocado na avaliação da
legitimidade de iniciativas legislativas destinadas a reduzir o patamar de tutela geral do meio ambiente,
mormente naquilo que afete em particular: a) processos ecológicos essenciais, b) ecossistemas frágeis ou
à beira de colapso e) espécies ameaçadas de extinção”.30

Ao analisar a proibição de retrocesso ambiental (ou princípio da não regressão, como prefere), Michel
Prieur assinala que “a regressão não deve, jamais, ignorar a preocupação de tornar cada vez mais efetivos
os direitos protegidos. Enfim, o recuo de um direito não pode ir aquém de certo nível, sem que esse direito
seja desnaturado. Isso diz respeito tanto aos direitos substanciais como aos direitos procedimentais.
Deve-se, assim, considerar que, na seara ambiental, existe um nível de obrigações jurídicas fundamentais
de proteção, abaixo do qual toda medida nova deveria ser vista como violando o direito ao ambiente”.31
Em outras palavras, não se deixa de admitir uma margem de discricionariedade do legislador em matéria
ambiental, mas, como bem colocado por Prieur, existem fortes limites à adoção de medidas restritivas no
tocante aos direitos ecológicos, tanto pelo prisma material quanto processual (ou procedimental).

Assumindo como correta a tese de que a proibição de retrocesso não pode impedir qualquer tipo de
restrição a direitos socioambientais, parte-se aqui da mesma diretriz que, de há muito, tem sido adotada
no plano da doutrina especializada, notadamente a noção de que sobre qualquer medida que venha
a provocar alguma diminuição nos níveis de proteção (efetividade) dos direitos fundamentais recai
a suspeição de sua ilegitimidade jurídica, portanto, na gramática do Estado Constitucional, de sua
inconstitucionalidade, acionando assim um dever no sentido de submeter tais medidas a um rigoroso
controle de constitucionalidade,32 onde assumem importância os critérios da proporcionalidade (na

30 BENJAMIN, Princípio da proibição de retrocesso ambiental..., p. 62.


31 PRIEUR, Michel. “Princípio da proibição de retrocesso ambiental”. In: Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor
e Fiscalização e Controle do Senado Federal (org.). O princípio da proibição de retrocesso ambiental. Brasília: Senado Federal,
2012, p. 45.
32 V., por todos, COURTIS, Christian. “La prohibición de regresividad en materia de derechos sociales: apuntes introductorios”.
In: COURTIS, Christian (comp.). Ni un paso atrás: la prohibición de regresividad en materia de derechos sociales. Buenos Aires.
Editores del Puerto, 2006, p. 29 e ss.

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sua dupla dimensão anteriormente referida), da razoabilidade e do núcleo essencial (com destaque para
o conteúdo “existencial”) dos direitos socioambientais, sem prejuízo de outros critérios, como é o da
segurança jurídica e dos seus respectivos desdobramentos.

No campo da edição de atos legislativos e administrativos que afetam o âmbito de proteção dos direitos
ecológicos ou mesmo socioambientais, é preciso ter sempre presente que tanto o legislador quanto
o administrador encontram-se vinculados às proibições de excesso e de insuficiência de proteção,
portanto, deverão observar as exigências internas do princípio da proporcionalidade, quais sejam, da
adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, bem como da razoabilidade,
mas que são – juntamente com a segurança jurídica (em especial a proteção da confiança e dos direitos
adquiridos) reconhecidos por expressiva doutrina como indispensáveis também ao controle de medidas
restritivas em matéria de direitos ecológicos. A título de exemplo, o STJ reconheceu na sua jurisprudência
a existência de direitos adquiridos ambientais, no sentido de impedir a redução do patamar normativo
de proteção ambiental vigente, inclusive no sentido da existência de “limite constitucional intocável e
instransponível”.

JURISPRUDÊNCIA STJ. Direitos adquiridos ambientais: “’o novo Código Florestal não
pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a
coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações
ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de
extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da
‘incumbência’ do Estado de garantir a preservação e a restauração dos processos ecológicos
essenciais (art. 225, § 1º, I)”. 33
A garantia ou constitucional da proibição de retrocesso ambiental ou ecológico, tem ganhado cada vez
mais destaque no cenário jurídico brasileiro, tanto do ponto de vista doutrinário quanto jurisprudencial.
De tal sorte, a garantia (e princípio) constitucional em análise assume importância ímpar na edificação do
Estado de Direito contemporâneo, pois opera como instrumento jurídico apto a assegurar, em conjugação
com outros elementos, níveis normativos mínimos em termos de proteção jurídica do ambiente, bem
como, numa perspectiva mais ampla, de tutela da dignidade da pessoa humana e do direito a uma
existência digna, sem deixar de lado a responsabilidade para com as gerações humanas vindouras.

PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO ECOLÓGICO CONSAGRADO NO ROL DE


PRINCÍPIOS DO ACORDO DE ESCAZÚ (2018):
Artigo 3 – Princípios - Na implementação do presente Acordo, cada Parte será guiada
pelos seguintes princípios:

33 STJ, AgRg no REsp 1.434.797/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, j. 17.05.2016; e STJ, AgInt no AREsp n. 1.319.376/SP,
2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 04.12.2018.

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a) princípio de igualdade e princípio de não discriminação;


b) princípio de transparência e princípio de prestação de contas;
c) princípio de vedação do retrocesso e princípio de progressividade;
d) princípio de boa-fé;
e) princípio de prevenção;
f) princípio de precaução;
g) princípio de equidade intergeracional;
h) princípio de máxima publicidade;
i) princípio de soberania permanente dos Estados sobre
seus recursos naturais;
j) princípio de igualdade soberana dos Estados;
k) princípio pro persona.

JURISPRUDÊNCIA STJ. Princípio da melhoria da qualidade ambiental. A Corte consagrou


o princípio da melhoria progressiva da qualidade ambiental na sua jurisprudência,
conforme passagem que segue:“(...) Ante o princípio da melhoria da qualidade ambiental,
adotado no Direito brasileiro (art. 2.º, caput, da Lei 6.938/81), inconcebível a proposição de
que, se um imóvel, rural ou urbano, encontra-se em região já ecologicamente deteriorada
ou comprometida por ação ou omissão de terceiros, dispensável ficaria sua preservação e
conservação futuras (e, com maior ênfase, eventual restauração ou recuperação). Tal tese
equivaleria, indiretamente, a criar um absurdo cânone de isonomia aplicável a pretenso
direito de poluir e degradar: se outros, impunemente, contaminaram, destruíram, ou
desmataram o meio ambiente protegido, que a prerrogativa valha para todos e a todos
beneficie”. 34

JURISPRUDÊNCIA STJ. Princípio da não regressão (ou da proibição de retrocesso)


urbanístico-ambiental. “PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO, AMBIENTAL E
URBANÍSTICO. LOTEAMENTO CITY LAPA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE
OBRA NOVA. RESTRIÇÕES URBANÍSTICO-AMBIENTAIS CONVENCIONAIS ESTABELECIDAS
PELO LOTEADOR. ESTIPULAÇÃO CONTRATUAL EM FAVOR DE TERCEIRO, DE NATUREZA
PROPTER REM. DESCUMPRIMENTO. PRÉDIO DE NOVE ANDARES, EM ÁREA ONDE SÓ SE
ADMITEM RESIDÊNCIAS UNIFAMILIARES. PEDIDO DE DEMOLIÇÃO. VÍCIO DE LEGALIDADE
E DE LEGITIMIDADE DO ALVARÁ. IUS VARIANDI ATRIBUÍDO AO MUNICÍPIO. INCIDÊNCIA DO
PRINCÍPIO DA NÃO REGRESSÃO (OU DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO) URBANÍSTICO-

34 STJ, REsp 769.753/SC, 2.ª T., rel. Min. Herman Benjamin, j. 08.09.2009.

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AMBIENTAL. (...) 1. As restrições urbanístico-ambientais convencionais, historicamente


de pouco uso ou respeito no caos das cidades brasileiras, estão em ascensão, entre nós e
no Direito Comparado, como veículo de estímulo a um novo consensualismo solidarista,
coletivo e intergeracional, tendo por objetivo primário garantir às gerações presentes e
futuras espaços de convivência urbana marcados pela qualidade de vida, valor estético,
áreas verdes e proteção contra desastres naturais. (...) 10. O relaxamento, pela via
legislativa, das restrições urbanístico-ambientais convencionais, permitido na esteira do ius
variandi de que é titular o Poder Público, demanda, por ser absolutamente fora do comum,
ampla e forte motivação lastreada em clamoroso interesse público, postura incompatível
com a submissão do Administrador a necessidades casuísticas de momento, interesses
especulativos ou vantagens comerciais dos agentes econômicos. 11. O exercício do ius
variandi, para flexibilizar restrições urbanístico-ambientais contratuais, haverá de respeitar
o ato jurídico perfeito e o licenciamento do empreendimento, pressuposto geral que, no
Direito Urbanístico, como no Direito Ambiental, é decorrência da crescente escassez de
espaços verdes e dilapidação da qualidade de vida nas cidades. Por isso mesmo, submete-
se ao princípio da não regressão (ou, por outra terminologia, princípio da proibição de
retrocesso), garantia de que os avanços urbanístico-ambientais conquistados no passado
não serão diluídos, destruídos ou negados pela geração atual ou pelas seguintes (...)” (STJ,
REsp 302.906/SP, 2.ª T., rel. Min. Herman Benjamin, j. 26.08.2010).

JURISPRUDÊNCIA STF. Proibição de retrocesso ecológico:


1) O caso da suspensão do defeso e a proibição de retrocesso ecológico (ADI 5.447/DF).
2) O caso do NOVO CÓDIGO FLORESTAL – LEI 12.651/2012 (ADIS 4.901, 4.902 E 4.903), como
referido ontem na audiencia publica pelo Mauricio Gueta, a nossa Corte Constitucional
reconheceu a proibicao de retrocesso ambiental como um principio do nosso sistema
juridico.
3) O caso da redução dos limites de unidade de conservação por medida provisória: a
proteção do núcleo essencial do direito fundamental ao ambiente e vedação de retrocesso
ecológico (ADI 4.717/DF). A decisão do STF reconheceu a impossibilidade de diminuição ou
supressão de espaços territoriais especialmente protegidos por meio de medida provisória.
Segundo a Corte, a proteção ao meio ambiente é um limite material implícito à edição
de medida provisória, ainda que não conste expressamente do elenco das limitações
previstas no art. 62, § 1º, da CF/1988. Além disso, segundo a nossa Corte Constitucional, as
normas que importem diminuição da proteção ecológica só podem ser editadas por meio
de “lei formal”. A adoção de Medida Provisória nessas hipóteses, conforme entendimento
do STF, “possui evidente potencial de causar prejuízos irreversíveis ao meio ambiente

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na eventualidade de não ser convertida em lei”. No que tange ao aspecto material,


segundo a Corte, a norma impugnada “contrariou o princípio da proibição de retrocesso
socioambiental. Isso porque as alterações legislativas atingiram o núcleo essencial do
direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da CF/1988)”.

JURISPRUDÊNCIA STF. Proibição de retrocesso ecológico:


1) O caso da suspensão do defeso e a proibição de retrocesso ecológico (ADI 5.447/DF).
2) O caso do NOVO CÓDIGO FLORESTAL – LEI 12.651/2012 (ADIS 4.901, 4.902 E 4.903), como
referido ontem na audiencia publica pelo Mauricio Gueta, a nossa Corte Constitucional
reconheceu a proibicao de retrocesso ambiental como um principio do nosso sistema
juridico.
3) O caso da redução dos limites de unidade de conservação por medida provisória: a
proteção do núcleo essencial do direito fundamental ao ambiente e vedação de retrocesso
ecológico (ADI 4.717/DF). A decisão do STF reconheceu a impossibilidade de diminuição ou
supressão de espaços territoriais especialmente protegidos por meio de medida provisória.
Segundo a Corte, a proteção ao meio ambiente é um limite material implícito à edição
de medida provisória, ainda que não conste expressamente do elenco das limitações
previstas no art. 62, § 1º, da CF/1988. Além disso, segundo a nossa Corte Constitucional, as
normas que importem diminuição da proteção ecológica só podem ser editadas por meio
de “lei formal”. A adoção de Medida Provisória nessas hipóteses, conforme entendimento
do STF, “possui evidente potencial de causar prejuízos irreversíveis ao meio ambiente
na eventualidade de não ser convertida em lei”. No que tange ao aspecto material,
segundo a Corte, a norma impugnada “contrariou o princípio da proibição de retrocesso
socioambiental. Isso porque as alterações legislativas atingiram o núcleo essencial do
direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da CF/1988)”.

JURISPRUDÊNCIA STF. Dever de progressividade em matéria ambiental:


1) ADI 3.646, PRINCIPIO DA PROGRESSIVIDADE e UCs (ACO 838)
O Min. Alexandre de Moraes proferida em 16.05.2019, julgou improcedente a Ação Cível
Originária (ACO) 838, na qual o Estado de Santa Catarina pedia a declaração de nulidade
do Decreto Presidencial 19/2005, que criou o Parque Nacional das Araucárias. O Min.
Alexandre de Morais, muito embora não tenha utilizado a expressão “princípio da
progressividade”, decidiu o caso tomando por base as premissas que o caracterizam. O
Ministro assinalou que a exigência de lei para a alteração de espaços ambientais, prevista
no artigo 225, parágrafo 1º, inciso III, da CF/1988, visa à manutenção de um determinado
nível de proteção ambiental. “Entretanto, essa garantia não pode agir em detrimento da

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melhoria do nível de proteção ambiental...”.


2) Competência legislativa concorrente, proibição de retrocesso e dever de
progressividade em matéria de Direitos (Humanos e Fundamentais) Econômicos, Sociais,
Culturais e Ambientais - DESCA (ADI 5016/BA, Rel. Min. Rel. Min. Alexandre de Moraes, j.
11.10.2018) “A lei atacada resultou em afronta ao princípio da vedação do retrocesso, que
impossibilita qualquer supressão ou limitação de direitos fundamentais já adquiridos. Tal
garantia se coaduna com os princípios da dignidade da pessoa humana e da segurança
jurídica, estabelecendo um dever de progressividade em matérias sociais, econômicas,
culturais e ambientais”.

1.7. O STATUS CONSTITUCIONAL (OU, AO MENOS, SUPRA LEGAL) DOS TRATADOS


INTERNACIONAIS EM MATÉRIA AMBIENTAL
A incorporação ao direito interno de normas internacionais, com destaque aqui para os tratados
internacionais como ato típico de direito internacional público que estabelece direitos e obrigações
recíprocas entre os Estados-Parte, não é um privilégio reservado aos tratados em matéria de direitos
humanos. Isso porque todo e qualquer tratado internacional, uma vez celebrado pelo Poder Executivo e
referendado pelo Congresso Nacional (que vem utilizando o instrumento formal do Decreto Legislativo
para tanto), passa a viger como norma jurídica vinculante e com força de lei ordinária na esfera jurídica
interna brasileira, quando não for o caso de um tratado de direitos humanos, pois a esses foi assegurada
uma hierarquia mais qualificada.

Por força do disposto no art. 5.º, § 2.º e § 3.º, da CF/1988, os tratados internacionais em matéria de direitos
humanos (o que se evidencia também no caso da proteção ambiental, a teor do que sinaliza o art. 11 do
Protocolo de San Salvador Adicional à Convenção Americana de Direito Humanos em Matéria de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais de 198835), passaram a fruir de um estatuto jurídico-constitucional
privilegiado, agregando-se ao conjunto dos direitos e garantias fundamentais estabelecidos pelo
Constituinte de 1988, no âmbito do que se convencionou designar de cláusula de abertura em matéria
de direitos fundamentais

Art. 11 do Protocolo de San Salvador Adicional à Convenção Americana de Direito


Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1988): “Art. 11.1. Toda
pessoa tem direito a viver em um meio ambiente sadio e a contar com os serviços públicos
básicos. Art. 11.2. Os Estados-Partes promoverão a proteção e melhoramento do meio
ambiente”.

35 O Protocolo de San Salvador entrou em vigor no plano internacional em novembro de 1999, quando foi depositado o 11.º
instrumento de ratificação (art. 21). O Brasil, por sua vez, ratificou o Protocolo de San Salvador no ano de 1999, tendo o mesmo
sido promulgado internamente por meio do Dec. 3.321, de 30 de dezembro de 1999.

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No nosso sentir, cuidando-se de tratados de direitos humanos (pelo menos no que diz com parte de
seus preceitos), os tratados internacionais em matéria ambiental deveriam ter reconhecido o seu status
constitucional ou, ao menos, supralegal, conforme, alias, já se pronunciou o STF no julgamento da ADI
4.066/DF (Caso do Amianto), em razão dos diplomas internacionais ambientais veicularem conteúdo
inerente ao regime jurídico de proteção tanto dos direitos fundamentais quanto dos direitos humanos.36

Art. 5.º (...) “§ 2.º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais
em que a República Federativa do Brasil seja parte.
§ 3.º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos
dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais” (incluído pela
EC 45/2004).
Desde logo, importa frisar a divergência a respeito do procedimento de incorporação dos tratados
internacionais sobre direitos humanos. Especialmente desde a inserção, mediante a EC 45/2004 (Reforma
do Judiciário), do citado § 3 º do art. 5º., da CF/1988, a matéria voltou a ser objeto de atenção pela doutrina
e jurisprudência, pois tal dispositivo prevê que os tratados aprovados pelo Congresso Nacional mediante
o procedimento ali regulado (maioria de três quintos, nas duas casas do Congresso e em dois turnos de
votação), passam a ter valor equivalente ao das emendas constitucionais, ainda que não venham a alterar
o texto da Constituição. Isso, contudo, não significa que os tratados aprovados antes da vigência do § 3.º
do art. 5.º da CF/1988 não possam ter reconhecida sua hierarquia constitucional já por força do próprio
§ 2.º do mesmo artigo, como, aliás, vinha sustentando importante doutrina37, mas é certo que, mediante
o novo procedimento, os tratados assim aprovados terão sempre hierarquia normativa constitucional.

Todavia, independentemente do posicionamento aqui adotado no sentido da hierarquia constitucional


de todos os tratados de direitos humanos, já por força do disposto no art. 5º, § 2º, da CF/1988, o STF, desde
o julgamento do RE 466.343/SP, ocorrido em 03 de dezembro de 2008, muito embora alguns ministros
tenham adotado posição em prol da hierarquia constitucional de todos os tratados de direitos humanos,
acabou chancelando a tese da supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos,
ressalvados os tratados aprovados pelo rito previsto no § 3.º do art. 5.º da CF/1988. Assim, a nossa
Corte Constitucional entende que os tratados internacionais em matéria de direitos humanos aprovados
anteriormente ou os que vierem a ser aprovados por maioria simples em um turno de votação, ocupam
posição normativo-hierárquica superior à legislação infraconstitucional de um modo geral, cedendo
apenas em face da Constituição.

36 STF, ADI 4.066/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Rosa Weber, j. 24.08.2017.
37 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 71 e ss.

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Dito de outro modo, tais tratados situam-se apenas abaixo da Constituição, de tal sorte que segue
cabendo o controle de sua constitucionalidade. Tal entendimento convém lembrar, resultou cristalizado
na hipótese da prisão civil do depositário infiel, que foi considerada incompatível com a Convenção
Interamericana de Direitos Humanos (ou Pacto de San José da Costa Rica), segundo a qual é autorizada
somente prisão civil do devedor de alimentos, de tal sorte que a tendência vai no sentido de ampliação
dos casos levados ao STF no sentido de ver reconhecida a prevalência dos tratados sobre a legislação
interna, no âmbito do que se convencionou chamar de controle de convencionalidade, que será objeto
de análise logo a seguir.

JURISPRUDÊNCIA STF: HABEAS CORPUS. (...) DEPOSITÁRIO INFIEL. PRISÃO CIVIL.


INADMISSIBILIDADE. ORIENTAÇÃO PLENÁRIA DESTE SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ORDEM
CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O Plenário do STF firmou a orientação de que só é possível a
prisão civil do ‘responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação
alimentícia’ (inc. LXVII do art. 5.º da CF/1988). Precedentes: HCs 87.585 e 92.566, da relatoria
do Min. Marco Aurélio. (...) 3. O Pacto de San José da Costa Rica (ratificado pelo Brasil - Decr.
678, de 6 de novembro de 1992), para valer como norma jurídica interna do Brasil, há de ter
como fundamento de validade o § 2.º do art. 5.º da Magna Carta. A se contrapor, então, a
qualquer norma ordinária originariamente brasileira que preveja a prisão civil por dívida.
Noutros termos: o Pacto de San José da Costa Rica, passando a ter como fundamento de
validade o § 2.º do art. 5.º da CF/1988, prevalece como norma supralegal em nossa ordem
jurídica interna e, assim, proíbe a prisão civil por dívida. Não é norma constitucional - à
falta do rito exigido pelo § 3.º do art. 5.º -, mas a sua hierarquia intermediária de norma
supralegal autoriza afastar regra ordinária brasileira que possibilite a prisão civil por
dívida. 4. Na concreta situação dos autos, a prisão civil do paciente foi decretada com base
nos arts. 652 do CC e 904, parágrafo único, do Diploma Civil Adjetivo (...)”.38
Com base nesse raciocínio, nos parece correto que também os tratados internacionais em matéria
ambiental, notadamente no tocante ao seu conteúdo nuclear, vinculado diretamente à proteção do direito
humano ao ambiente, passariam a ter ao menos (salvo se aprovados pelo rito do art. 5.º, § 3.º, da CF/1988)
natureza hierárquico-normativa supralegal, prevalecendo em face da legislação infraconstitucional. No
entanto, a incorporação não deve ser tomada em termos abrangentes, ou seja, no sentido de abarcar
todas as normas ambientais dispostas em tratados internacionais, sob pena de se subverter o sistema
de proteção dos direitos humanos em si, mas especificamente aquelas normas (em termos materiais
e procedimentais) que tratam de forma direta núcleo normativo da proteção do direito humano ao
ambiente.39

38 STF, HC 94.523/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, j. 10.02.2009. Ver também os precedentes do HC 87.585 e do HC
92.566.
39 Na doutrina brasileira, sustentando o mesmo entendimento, v. CAPPELLI, Sílvia; MARCHESAN, Ana Maria Moreira;

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Mas isso, a nosso ver, só valeria para aquele conteúdo de caráter mais protetivo em termos materiais e
procedimentais disposto nos diplomas internacionais em matéria ambiental. Do contrário, se a legislação
internacional fosse mais permissiva, prevaleceria a legislação infraconstitucional, considerando a
incidência do princípio pro homine40, ou seja, dito de modo mais preciso, fazendo prevalecer a norma
mais favorável à proteção da pessoa (no tocante aos seus direitos humanos e fundamentais e dignidade).

1.8. O “CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE” EM MATÉRIA AMBIENTAL


O entendimento adotado pelo STF, por ocasião da decisão que referimos no tópico anterior, reconhecendo
o caráter supralegal dos tratados internacionais sobre direitos humanos, implica a possibilidade
do chamado controle de convencionalidade da legislação infraconstitucional. Conforme assinala
Valério de Oliveira Mazzuoli, o controle de convencionalidade das leis “nada mais é que o processo de
compatibilização vertical (sobretudo material) das normas domésticas com os comandos encontrados
nas convenções internacionais de direitos humanos. À medida que os tratados de direitos humanos ou
são materialmente constitucionais (art. 5.º, § 2.º) ou material e formalmente constitucionais (art. 5.º, §
3.º), é lícito entender que o clássico ‘controle de constitucionalidade’ deve agora dividir espaço com esse
novo tipo de controle (de convencionalidade) da produção e aplicação da normatividade interna”.41

Na medida em que os tratados internacionais em matéria ambiental, por deterem a mesma natureza
dos tratados internacionais de direitos humanos, possuem status supralegal, o seu conteúdo prevalece
em face da legislação infraconstitucional. Mas, cumpre reiterar, a prevalência ocorre apenas no tocante
ao conteúdo que estabelecer um padrão normativo mais protetivo e rígido. Do contrário, prevalece a
legislação infraconstitucional nacional, haja vista os princípios que norteiam o Direito Internacional
dos Direitos Humanos, bem como o critério hermenêutico de prevalência da norma mais protetiva,
aplicando-se aqui o conhecido postulado do in dubio pro natura.42

A título exemplificativo, pode-se destacar a garantia (e princípio) da proibição de retrocesso em


matéria ambiental. Isso porque, independentemente de a doutrina atual – brasileira e comparada - já
o reconhecer como um princípio geral do Direito Ambiental43, não há previsão expressa do mesmo na

STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Direito ambiental. 7. ed. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2013, p. 40.
40 V. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 869.
41 MAZZUOLI, Curso de direito internacional público..., p. 404. Para Valerio de Oliveira Mazzuoli, os tratados internacionais
de direitos humanos, independentemente da adoção do rito previsto no art. 5.º, § 3.º da CF/1988, por serem os mesmos
materialmente constitucionais (art. 5.º, § 2.º), ensejariam o controle difuso de convencionalidade, ao passo que os tratados
internacionais de direitos humanos submetidos ao procedimento do § 3.º do art. 5.º, por serem material e formalmente
constitucionais, possibilitariam o controle concentrado de constitucionalidade, por exemplo, por meio de ADI perante o STF (p.
409-413).
42 STJ, REsp 1.198.727/MG, 2.ª T., rel. Min. Herman Benjamin, j. 14.08.2012.
43 PRIEUR, Michel. Princípio da proibição de retrocesso ambiental. In: Comissão de meio ambiente, Defesa do consumidor
e fiscalização e Controle do Senado Federal (Org.). O princípio da proibição de retrocesso ambiental. Brasília: Senado Federal,

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legislação brasileira (constitucional ou infraconstitucional). Tal princípio, todavia, foi objeto de expresso
reconhecimento pelo Protocolo de San Salvador Adicional à Convenção Americana sobre Direito Humanos
em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1988), mais precisamente no seu art. 1.º. O art. 11
(11.1 e 11.2) do referido diploma internacional, conforme sinalizamos no tópico anterior, prevê o direito
ao ambiente como direito humano.

De tal sorte, o status supralegal do Protocolo de San Salvador, na linha do entendimento do STF,
estabelece também no direito interno (em virtude da ratificação do tratado), e com hierarquia supralegal,
a garantia da proibição de retrocesso ambiental para fazer frente a toda e qualquer nova medida legislativa
infraconstitucional que tenha por escopo a flexibilização, de forma desproporcional e arbitrária, da
legislação ambiental brasileira atualmente vigente. Assim, importa enfatizar, um dos aspectos mais
importantes do controle de convencionalidade diz respeito ao dever ex officio de Juízes e Tribunais
internos de atentarem para o conteúdo dos diplomas internacionais sobre direitos humanos, entre os
quais o direito ao meio ambiente.

JURISPRUDÊNCIA STF. O primeiro julgamento da nossa Corte Constitucional que se tem


notícia no sentido de reconhecer a supralegalidade de tratado internacional em matéria
ambiental, conferido, assim, o mesmo tratamento assegurado aos tratados internacionais
de direitos humanos, verificou-se na fundamentação lançada no voto-relator da Min.
Rosa Weber no julgamento da ADI 4066/DF (Caso do Amianto). No seu voto, a Ministra
atribui status supralegal à Convenção de Basileia sobre o Controle de Movimentos
Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito, de 1989, aprovada no Brasil pelo
Decreto Legislativo n. 34/1992 e promulgada pelo Decreto n. 875/1993. Segundo a Ministra,
“porque veiculadoras de regimes protetivos de direitos fundamentais, as Convenções n.
139 e 162 da OIT, bem como a Convenção de Basileia, assumem, no nosso ordenamento
jurídico, status de supralegalidade (…). (STF, ADI 4066/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Rosa
Weber, j. 24.08.2017).
Mais recentemente, a CIDH, no âmbito da Opinião Consultiva n. 23/2017 sobre “Meio Ambiente e Direitos
Humanos”, assinalou que, na linha da jurisprudência consolidada pelo Tribunal e nos termos do direito
internacional, quando um Estado é parte de um tratado internacional, como a Convenção Americana
de Direitos Humanos, esse tratado vincula todos os seus órgãos, incluindo os Poderes Legislativo
e Judiciário, de modo que a violação da normativa internacional por um desses órgãos implica a
responsabilidade internacional do Estado-Parte. Por essa razão, a CIDH manifestou seu entendimento
no sentido da necessidade de que os vários órgãos do Estado efetuem o correspondente controle da
convencionalidade, também com base no exercício da sua competência consultiva, aplicando, portanto,

2012, p. 45 e ss.

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as normas estabelecidas na Opinião Consultiva n. 23/2017 como parâmetro para tal controle.44

Com efeito, em homenagem ao necessário Diálogo das Fontes Normativas45 e também Diálogo de
Cortes46, cabe aos aplicadores do Direito, com destaque especial para Juízes e Tribunais, interpretarem a
legislação nacional infraconstitucional não apenas pelo prisma do regime constitucional de proteção dos
direitos fundamentais, mas também em vista do regime internacional global e regional de proteção dos
direitos humanos, com o propósito de assegurar efetividade ao direito humano a viver em um ambiente
sadio, equilibrado e seguro.

44 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, Opinião Consultiva n. 23/2017..., p. 15-16.


45 MARQUES, Cláudia Lima (Coord.). Diálogo das fontes : do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2012.
46 RAMOS, André de Carvalho. O diálogo das cortes: o Supremo Tribunal Federal e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
In: AMARAL JUNIOR, Alberto do; JUBILUT, Liliana Lyra (Orgs.) O STF e o direito internacional dos direitos humanos. São Paulo:
Quartier Latin, 2009, v. 1, p. 805-850.

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Simulado
1) Os direitos fundamentais de terceira dimensão ou geração, entre os quais se inclui o direto ao meio
ambiente, encontram seu fundamento nuclear no princípio da igualdade, o quer toma forma por meio
do princípio da igualdade intergeracional.

2) A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) foi o primeiro documento
internacional a reconhecer o status de direito humano (e fundamental) do direito a viver em um
ambiente de qualidade, inclusive como condição a uma vida digna.

3) Não obstante a Corte Interamericana de Direitos Humanos tenha reconhecido o seu status de direito
humano na Opinião Consultiva 23/2017 sobre “Meio Ambiente e Diretos Humanos”, tal decorre de uma
interpretação ampliativa, sistemática e teleológica do Pacto de São José da Costa Rica, haja vista
que não há previsão expressa de um direito humano ao meio ambiente adequado nos diplomas que
integram o Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

4) No tocante ao princípio da proibição de retrocesso ambiental (ou socioambiental), em que pese


o reconhecimento e a defesa da sua aplicação no âmbito doutrinário, o mesmo não foi consagrado
expressamente no sistema jurídico brasileiro, de modo que o nossos Tribunais Superiores (STJ e STF)
rejeitam a sua aplicação.

5) O Supremo Tribunal Federal reconhece o status supralegal de tratados internacionais em matéria


ambiental.

GABARITO
Q1 ERRADO
02 ERRADO
Q3 ERRADO
Q4 ERRADO
05 CERTO

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