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PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE
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Direitos Difusos e Coletivos
PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE CEI
CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET
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🏳🏳 DIREITO AMBIENTAL
Com base em tais premissas, J. J. Gomes Canotilho aponta para os “problemas de risco” como um dos
principais desafios postos para a Teoria da Constituição na contemporaneidade. Entre os conceitos de
risco, o constitucionalista português elenca: os perigos (conhecidos e desconhecidos) gerados pela
moderna tecnologia; as ameaças de toda a civilização planetária (a partir da teoria de Ulrich Beck); as
potencialidades do domínio tecnológico da natureza e da pessoa; os desafios colocados às comunidades
humanas no plano da segurança e previsibilidade perante eventuais catástrofes provocadas pela técnica
e pela ciência.1
De igual maneira, J. C. Vieira de Andrade situa a problemática do risco no âmbito da Teoria Constitucional,
pontuando que os sociólogos descrevem a sociedade atual, já num contexto pós-industrial, como uma
“sociedade de risco” (Beck) ou uma “sociedade do desaparecimento” (Breuer), seja em face dos “perigos
ecológicos” (e mesmo perigos genéticos) ou, segundo alguns, em virtude de uma caminhada, por força
do seu próprio movimento, para a destruição das condições de vida naturais e sociais, transitando
da “da autorreferência (autopoiesis) para a autodestruição”.2 Destarte, a Teoria da Constituição e,
consequentemente, a Teoria dos Direitos Fundamentais, assim como o direito constitucional positivo,
devem avançar e se desenvolver, acolhendo os novos conceitos e os valores ecológicos, especialmente
1 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 1354.
2 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 2. ed. Coimbra: Almedina,
2001, p. 61.
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no sentido de uma Teoria Constitucional e uma Teoria dos Direitos Fundamentais “ecologicamente”
adequada e comprometida.
O Estado contemporâneo, pelo menos como aqui compreendido, não pode ser concebido como um
Estado “Pós-Social”, precisamente em virtude da circunstância de que o projeto de realização dos
direitos fundamentais sociais longe está de uma realização satisfatória, ainda mais considerando a
privação, até mesmo na esfera de um patamar minimalista, do acesso aos bens sociais básicos para um
expressivo número de seres humanos. Em regra, a miséria e a pobreza (como projeções da falta de acesso
aos direitos sociais básicos, como saúde, saneamento básico, educação, moradia, alimentação, renda
mínima etc.) caminham juntas com a degradação e poluição ambiental, expondo a vida das populações
de baixa renda e violando, por duas vias distintas, a sua dignidade.
O processo de afirmação histórica dos direitos fundamentais, sob a perspectiva das suas diferentes
dimensões (liberal, social e ecológica), reforça a caracterização constitucional do Estado Socioambiental,
em superação aos modelos de Estado Liberal e Social. O marco jurídico-constitucional socioambiental
ajusta-se à necessidade da tutela e promoção – integrada e interdependente – dos direitos sociais e dos
direitos ambientais num mesmo projeto jurídico-político para o desenvolvimento humano em padrões
sustentáveis, inclusive pela perspectiva da noção ampliada e integrada dos direitos fundamentais
3 SARMENTO, Daniel. “Os direitos fundamentais nos paradigmas liberal, social e pós-social (pós-modernidade
constitucional?)”. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (Coord.). Crise e desafios da Constituição: perspectivas críticas da teoria e das
práticas constitucionais brasileiras. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 375-414.
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Não sem razão, adota-se aqui a formulação do jurista alemão Gerd Winter e o reconhecimento dos três
pilares centrais que integram e dão suporte à noção de desenvolvimento sustentável, quais sejam, o
econômico, o social e o ambiental,4 o que, diga-se de passagem, encontra perfeita sintonia com o projeto
normativo da nossa Lei Fundamental de 1988, facilmente apreensível do somatório entre o objetivo
constitucional erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades sociais (art. 3.º, I e III), o estabelecimento
de uma ordem econômica sustentável (art. 170, VI) e o dever de tutela ecológica atribuído ao Estado e à
sociedade (art. 225).
O Estado de Direito contemporâneo, nesse novo cenário jurídico, tem por missão e dever constitucional
atender ao comando normativo emanado do art. 225 da Constituição Ecológica de 1988, considerando,
inclusive, o extenso rol exemplificativo de deveres de proteção ambiental do Estado elencado no seu § 1.º,
sob pena de, não o fazendo, tanto sob a ótica da sua ação quanto da sua omissão (ou atuação insuficiente),
incorrer em práticas inconstitucionais ou antijurídicas autorizadoras da sua responsabilização por danos
causados a terceiros – além do dano causado ao meio ambiente em si.
CAPÍTULO VI
DO MEIO AMBIENTE
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico
das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as
entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes
a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente
através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos
que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora
de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que
se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias
4 WINTER, Gerd. Desenvolvimento sustentável, OGM e responsabilidade civil na União Europeia. Campinas: Millennium Editora,
2009, p. 2 e ss.
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Há, nesse sentido, um papel determinante do Poder Judiciário, bem como das instituições públicas
voltadas à tutela dos direitos socioambientais e que dispõem de legitimidade para a adoção de medidas
extrajudiciais e judiciais – por exemplo, do termo de ajustamento de conduta e da ação civil pública – para
5 A norma constitucional em questão foi regulamentada no âmbito infraconstitucional por meio da Lei Complementar
140/2011 (Competência administrativa em matéria ambiental).
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a resolução de tais conflitos, como é o caso do Ministério Público e da Defensoria Pública, além, é claro,
das associações civis de proteção ambiental e do próprio cidadão, este último através do manuseio da
ação popular.
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reconhecimento de um direito fundamental ao meio ambiente (ou à proteção ambiental) constitui aspecto
central da agenda político-jurídica contemporânea. Nesse contexto, consoante pontua Perez Luño, a
incidência direta do ambiente na existência humana (sua transcendência para o seu desenvolvimento ou
mesmo possibilidade) é que justifica a sua inclusão no estatuto dos direitos fundamentais, considerando
o ambiente como todo o conjunto de condições externas que conformam o contexto da vida humana.6
De acordo com Norberto Bobbio – e cientes das justificadas críticas que têm sido formuladas em relação
à classificação dos direitos (humanos e fundamentais) em gerações e mesmo dimensões7 –, “ao lado
dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda geração, emergiram hoje os chamados
direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente
heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata. O mais importante
deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído”.8 Na
base da terceira categoria de direitos fundamentais, conforme pontua Klaus Bosselmann, radica a ideia
de serem eles essencialmente coletivos (transindividuais), expressando direitos coletivos ou de grupos,
bem como o fato de dependerem fortemente de mecanismos de cooperação substancial de todas as
forças sociais para a sua realização.9
Ademais, da mesma forma como os direitos liberais tem o seu alicerce normativo no princípio da liberdade
e os direitos sociais são formatados sob a égide do princípio da igualdade, os direitos fundamentais
de terceira dimensão, como é o caso do direito ao ambiente, encontrariam o seu suporte normativo-
axiológico no princípio (e dever) da solidariedade. As duas dimensões (liberal e social) dos direitos
humanos e fundamentais conformam as duas maiores tradições políticas (o pensamento liberal e o
pensamento social). A primeira resulta do liberalismo cunhado no Século 18 e reformulado nos Séculos
subsequentes, ao passo que a segunda marca os Séculos 19 e 20, desembocando na estruturação do
modelo contemporâneo do Estado Constitucional, na condição de um Estado Democrático, Social e
Ecológico de Direito10, comprometido, para além das liberdades individuais, com as noções de igualdade
6 PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución. 5. ed. Madrid: Editorial Tecnos, 1995,
p. 463.
7 A respeito da trajetória “evolutiva” dos direitos fundamentais e especialmente no que diz com uma perspectiva crítica à
classificação em gerações, v., por todos, SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2009, especialmente p. 52-57.
8 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 10. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 06.
9 BOSSELMANN, Klaus. Ökologische Grundrechte: zum Verhältnis zwischen individueller Freiheit und Natur. Baden-Baden:
Nomos Verlagsgesellschaft, 1998, p. 293.
10 V. SARLET, Ingo W.; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ecologico. 6.ed. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
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substancial e solidariedade.
A Declaração de Estocolmo das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano (1972) apresenta-se como
o marco histórico-normativo inicial da proteção ambiental, projetando pela primeira vez no horizonte
jurídico internacional, a ideia em torno de um direito humano a viver em um ambiente equilibrado
e saudável, tomando a qualidade do ambiente como elemento essencial para uma vida humana com
dignidade e bem-estar.
Vinte anos após a Declaração de Estocolmo, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(1992), quando da Conferência das Nações Unidas (Eco-92), em 1992, reforçou o mesmo entendimento.
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O direito ao ambiente tomou acento de forma definitiva também no âmbito do Direito Internacional dos
Direitos Humanos e dos Sistema Global e Regionais de Proteção dos Direitos Humanos, em razão da sua
essencialidade à dignidade da pessoa humana.
“Artigo 11 (Direito a um meio ambiente sadio) 1. Toda pessoa tem direito a viver em
meio ambiente sadio e a contar com os serviços públicos básicos. 2. Os Estados Partes
promoverão a proteção, preservação e melhoramento do meio ambiente”.
Mais recentemente, merece registro o fenômeno designado de “greening” (ou, em português,
“esverdeamento”) da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), com o
reconhecimento gradual e progressiva da proteção ecológica para o exercício dos demais direitos
humanos no seu conjunto. O ponto culminante de tal evolução jurisprudencial da CIDH foi a edição da
Opinião Consultiva n. 23/2017 sobre “Meio Ambiente e Direitos Humanos”, conforme veremos em
tópico subsequente.
A CF/1988 (art. 225 e art. 5.º, § 2.º), seguindo a influência do direito constitucional comparado (por
exemplo, a Constituição portuguesa de 1976) e do direito internacional, sedimentou e positivou ao
longo do seu texto os alicerces normativos de um constitucionalismo ecológico, atribuindo ao direito
ao ambiente o status de direito fundamental, em sentido formal e material, orientado pelo princípio da
solidariedade, conforme inclusive já resultou reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito de
emblemática decisão relatada pelo Ministro Celso de Mello.
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Aquém de tal padrão ecológico, a vida e a dignidade humana estariam sendo violadas no seu núcleo
essencial. A qualidade, o equilíbrio e a segurança ambiental, com base em tais considerações, passaria a
figurar como elemento integrante do conteúdo normativo do princípio da dignidade da pessoa humana,
sendo, portanto, fundamental ao desenvolvimento de todo o potencial humano num quadrante de
completo bem-estar existencial.
Atualmente, pode-se dizer que os valores ecológicos tomaram assento definitivo no conteúdo do
princípio da dignidade da pessoa humana. Portanto, no contexto constitucional contemporâneo,
consolida-se a formatação de uma dimensão ecológica da dignidade humana, que abrange a ideia em
torno de um bem-estar ambiental (assim como de um bem-estar social) indispensável a uma vida digna,
saudável e segura. Dessa compreensão, pode-se conceber a indispensabilidade de um patamar mínimo
de qualidade ambiental para a concretização da vida humana em níveis dignos.
Não se pode conceber a vida – com dignidade e saúde – sem um ambiente natural saudável e equilibrado.
A vida e a saúde humanas (ou como refere o caput do art. 225 da CF/1988, conjugando tais valores, a sadia
qualidade de vida) só estão asseguradas no âmbito de determinados padrões ecológicos. O ambiente
está presente nas questões mais vitais e elementares da condição humana, além de ser essencial à
sobrevivência do ser humano como espécie natural.
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DIMENSÕES NORMATIVAS
A CIDH reconheceu, por meio da Opinião Consultiva n. 23/2017, “a inegável relação entre a proteção do
meio ambiente e a realização de outros direitos humanos”. Foi a primeira vez a Corte Interamericana
desenvolveu o conteúdo do direito a um ambiente saudável, previsto no artigo 11 do Protocolo de San
Salvador e em alguma medida, também no artigo 26 da Convenção Americana, que contém os direitos
econômicos, sociais e culturais. A CIDH reconheceu expressamente a relação de interdependência e
indivisibilidade entre direitos humanos, meio ambiente e desenvolvimento sustentável.
A Opinião Consultiva n. 23/2017 foi elaborada a partir de consulta formulada pela Colômbia, em 14 de
março de 2016. Um dos pontos mais relevantes do documento da CIDH diz respeito às obrigações dos
Estados-Partes para proteger o meio ambiente. Entre outros pontos, a CIDH assinalou que os Estados-
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Partes estão obrigados a respeitar e garantir os direitos humanos de todas as pessoas e que isso pode
incluir, numa base casuística e excepcional, situações que ultrapassem os seus limites territoriais, inclusive
como uma obrigação de prevenir danos transfronteiriços. Da mesma forma, a CIDH estabeleceu as
obrigações derivadas do respeito e da garantia dos direitos à vida e à integridade pessoal no contexto da
proteção ambiental.
Entre os pontos mais relevantes da Opinião Consultiva 23/2017, a obrigação dos Estado-Partes de:
Por fim, outro aspecto inovador verificado no documento da CIDH diz respeito ao reconhecimento
da proteção jurídica autônoma, ou seja, “em si mesma” da Natureza, destacando “uma tendência a
reconhecer a personalidade jurídica e, por fim, os direitos da Natureza, não só em decisões judiciais,
mas também nos ordenamentos constitucionais”.
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sua relevância social”.13 Em razão de congregar o interesse de toda a coletividade, conforme evidencia a
norma constitucional-ambiental contida no caput do art. 225, a sua natureza jurídica transcenda da órbita
individual que tradicionalmente sempre caracterizou o regime jurídico dos direitos (fundamentais e
não fundamentais).
O direito ao ambiente rompe com tal paradigma, de modo que a lesão ao ambiente passa a ser uma lesão
a toda a coletividade, e não apenas a direitos individuais. Ou seja, tem-se a indeterminação dos sujeitos
titulares do direito. Apropriando-nos novamente da lição de Mancuso, “essa ‘indeterminação de sujeitos’
revela-se, também, quanto à natureza da lesão decorrente de afronta aos interesses difusos: essa lesão é
disseminada por um número indefinido de pessoas, tanto podendo ser uma comunidade (por exemplo,
uma vila de pescadores, ameaçada pela emissão de dejetos urbanos no mar) como uma etnia (nos casos
de discriminação racial) ou mesmo toda a humanidade (como a ameaça constante de guerra nuclear, ou
na ‘exploração’ predatória e anárquica da Amazônia)”.14
Isso, por si só, implica abrir mão da tradição clássica de matriz liberal-individualista na leitura de
diversos institutos jurídicos. O conceito de bem ambiental difere substancialmente do que a doutrina
civilista clássica conceitua como “coisa”15, sobre a qual recai a exclusividade do exercício da titularidade.
O ordenamento jurídico brasileiro identifica a natureza de direito difuso que recai sobre o patrimônio
ambiental, ou seja, o bem jurídico ambiental é um bem de uso comum do povo (caput do art. 225 da
CF/1988).
Toda a sociedade é titular de tal direito, incidindo sobre os bens ambientais uma multiplicidade de
interesses (patrimoniais e não patrimoniais; individuais, coletivos e difusos) e, consequentemente,
limitações a outros direitos (fundamentais e não fundamentais). Ao mesmo tempo em que reconhece a
incidência do interesse social e o regime de direito público na regulação dos bens jurídicos ambientais,
a norma constitucional limita substancialmente o poder de disposição dos indivíduos (particulares) em
relação aos mesmos.
Outra questão relevante na caracterização da natureza difusa do bem jurídico ambiental diz respeito
a não o confundir com o interesse do Estado em sentido estrito. Ou seja, a sociedade é a titular do
direito ao ambiente, e não o Estado. A categoria do interesse público primário, empregada comumente
13 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2004, p. 93.
14 MANCUSO, “Interesses difusos...”, p. 97.
15 De modo a sinalizar a evolução do Direito Civil, sob a perspectiva da proteção ecológica, o Código Civil de 2002 dispôs
no seu art. 1228, § 1º, que “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as sua finalidade econômicas e
sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como a poluição do ar e das águas”.
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na seara do Direito Administrativo16, pode ser utilizada, em certa medida, para caracterizar o interesse da
sociedade na proteção do patrimônio ambiental, mas jamais o interesse público secundário (ou seja, o
puro interesse do Estado).
De acordo com a lição de Hugo Nigro Mazzilli, ao retomar os ensinamentos do publicista italiano Renato
Alessi, a distinção ora tratada “permite evidenciar, portanto, que nem sempre coincidem o interesse público
primário e o secundário. Nesse sentido, o interesse público primário (bem geral) pode ser identificado
com o interesse social, o interesse da sociedade ou da coletividade, e até mesmo com alguns dos mais
autênticos interesses difusos (o exemplo, por excelência, do meio ambiente em geral)”.17
Muito embora a natureza do Direito Ambiental seja essencialmente pública, o bem jurídico ambiental
transita na “fronteira” entre o público e o privado. A natureza difusa do bem jurídico ambiental implica
a fusão dos universos público e privado, mas sempre permeado pela prevalência do interesse de toda
a coletividade na sua proteção, bem como pela limitação ao interesse privado e público (secundário)
quando esses se colocarem em rota de colisão com a tutela ecológica. Em sintonia com esse entendimento,
o art. 2º, I, da Lei 6.938/81 institui como princípio da Política Nacional do Meio Ambiente que “a ação
governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um
patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo”.
16 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 69.
17 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 22.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 49.
18 STJ, REsp 1.071.741/SP, 2.ª T., rel. Ministro Herman Benjamin, j. 24.03.2009.
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Drittwirkung) balanceia a relação entre Estado e sociedade, em vista de que o primeiro é destituído do
cargo de único responsável (e guardião) pela efetivação dos direitos fundamentais.
De tal sorte, coloca-se agora parcela da responsabilidade (e deveres jurídicos) também nas mãos dos
particulares (pessoas físicas e jurídicas), o que tem especial importância num contexto social onde
certos atores sociais privados possuem tanto ou mais poder (econômico, político, técnico, etc.) do que os
próprios Estados nacionais. Há que se postular, portanto, um dever de respeito e consideração mútuo
entre particulares, fundado no marco constitucional da solidariedade, o que, no seu conjunto, e diante do
quadro de risco existencial imposto pela degradação ecológica, impõe maior carga de responsabilidade
(e deveres) pelas ações e omissões de particulares (pessoas físicas e jurídicas), que, de alguma forma,
possam, mesmo que potencialmente – em face da aplicação do princípio e dever de precaução –,
comprometer o equilíbrio ecológico.
A título de exemplo, a inversão do ônus da prova pode ser fundamentada na eficácia dos direitos
fundamentais entre particulares. No entanto, o mecanismo de equalização da relação processual suscitado
não deve ser tomado de forma abstrata ou a priori, mas sempre à luz da constatação da desigualdade na
relação jurídica posta no caso concreto (ou seja, a posteriori). Juntamente com a inversão do ônus da
prova, há que se ter em conta também o dever fundamental de informação ambiental como projeção
normativa da eficácia entre particulares do direito fundamental ao ambiente.
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Sem o acesso a tais condições existenciais básicas (que, todavia, não podem ser compreendidas no
sentido de uma redução da proteção dos direitos socioambientais a um patamar minimalista), que
exigem o respeito, proteção e promoção de um padrão mínimo – no sentido de necessário – de qualidade
ambiental, não há que falar em liberdade real ou fática, quanto menos em um padrão de vida digno.
Dentre outras justificativas que se poderia invocar, assume relevância a noção do dever de respeito e
consideração, por parte do Estado e da sociedade, pela vida de cada indivíduo. Mais recentemente, a CIDH,
por meio da Opinião Consultiva 23/2017, reconheceu expressamente que “vários direitos fundamentais
exigem, como condição prévia necessária para o seu exercício, uma qualidade ambiental mínima e são
profundamente afetados pela degradação dos recursos naturais”.19
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constitucionais. (...) 9. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública
implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto
no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano submete-se à própria
justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o
malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da
promessa constitucional. 10. “A questão do lixo é prioritária, porque está em jogo a saúde
pública e o meio ambiente.” Ademais, “A coleta do lixo e a limpeza dos logradouros públicos
são classificados como serviços públicos essenciais e necessários para a sobrevivência do
grupo social e do próprio Estado, porque visam a atender as necessidades inadiáveis da
comunidade, conforme estabelecem os arts. 10 e 11 da Lei n.º 7.783/89. Por tais razões, os
serviços públicos desta natureza são regidos pelo princípio da continuidade”. 11. Recurso
especial provido” (STJ, REsp 575.998/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. 07.10.2004).
2) “O mínimo existencial não se resume ao mínimo vital, ou seja, o mínimo para se
viver. O conteúdo daquilo que seja o mínimo existencial abrange também as condições
socioculturais, que, para além da questão da mera sobrevivência, asseguram ao indivíduo
um mínimo de inserção na ‘vida’ social”. (STJ, REsp 1.185.474/SC, Rel. Min. Humberto
Martins, j. 20.04.2010).
Ao declarar ser a qualidade ambiental essencial a uma vida humana saudável (e também digna), o
constituinte consignou no pacto constitucional sua escolha de incluir a proteção ambiental entre os
valores permanentes e fundamentais da República brasileira. Portanto, eventual retrocesso em tal
matéria constitucional – por exemplo, supressão total ou parcial do conteúdo na norma inscrita no art.
225 da CF/88 – representaria flagrante violação aos valores edificantes do nosso sistema constitucional.
Conforme a lição de José Afonso da Silva, em razão da aderência do direito ao ambiente ao direito à vida,
há a contaminação da proteção ambiental com uma qualidade que impede sua eliminação por via de
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emenda constitucional20, estando, por via de consequência, inserido materialmente no rol das matérias
componentes dos limites materiais ao poder de reforma constantes do art. 60, § 4.º, da CF/88, de modo
a conferir ao direito fundamental ao ambiente o status de cláusula pétrea.
Art. 60 (...) § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
Outra não poderia ser a interpretação constitucional dada ao direito ao ambiente, em vista da consagração
da sua jusfundamentalidade. Com o reconhecimento da proteção ambiental como cláusula pétrea, a
Constituição brasileira, como identificou Antonio Herman Benjamin, conferiu um “valioso atributo
de durabilidade” à proteção ambiental no âmbito ordenamento jurídico-constitucional brasileiro,
o qual “funciona como barreira à desregulamentação e a alterações ao sabor de crises e emergências
momentâneas, artificiais ou não”.21 O reforço constitucional que se pretende conferir ao direito fundamental
ao ambiente por meio do seu reconhecimento como cláusula pétrea também está em consonância
com a garantia constitucional de proibição de retrocesso (social e ecológico ou socioambiental), já
que tal instituto jurídico-constitucional objetiva blindar o bloco normativo constitucional-ambiental
contra eventuais retrocessos. O STJ, nesse sentido, passou a reconhecer a categoria jurídica dos direitos
ambientais adquiridos, como “limite constitucional intocável e intransponível da “incumbência” do
Estado de garantir a preservação e a restauração dos processos ecológicos essenciais” (art. 225, § 1º, I).
20 SILVA, José Afonso da. Fundamentos constitucionais da proteção do meio ambiente. In: Revista de Direito Ambiental, n. 27,
jul.-set., 2002, p. 55.
21 BENJAMIN, Antonio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição brasileira. In: CANOTILHO,
José Joaquim Gomes; MORATO LEITE, José Rubens (Orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007,
p. 79.
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(art. 225, § 1º, I). Precedentes. Agravo regimental improvido.” (STJ, AgRg no REsp 1.434.797/
PR, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, j. 17.05.2016)
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Ao Estado, no que tange aos seus deveres de proteção ambiental, também incumbe medidas positivas
no sentido de assegurar a tutela do ambiente, de tal sorte que a ação estatal acaba por se situar, no
âmbito do que se convencionou designar de uma dupla face (ou dupla dimensão) do princípio da
proporcionalidade, entre a proibição de excesso de intervenção, por um lado, e a proibição de proteção
insuficiente ou deficiente, por outro. Se, por um lado, o ente estatal não pode atuar de modo excessivo,
intervindo na esfera de proteção de direitos fundamentais a ponto de desatender aos critérios da
proporcionalidade ou mesmo a ponto de violar o núcleo essencial do direito fundamental em questão,
também é certo que o Estado, por força dos deveres de proteção aos quais está vinculado, não pode
omitir-se ou atuar de forma insuficiente na promoção e proteção de tal direito, sob pena incorrer em
violação da ordem jurídico-constitucional.
Se tomarmos a questão ambiental como exemplo, considerando os deveres de proteção ambiental dos
entes federativos delineados na CF/1988 (art. 225 e art. 23, VI e VII), a não atuação (quando lhe é imposto
juridicamente agir) ou a atuação insuficiente ou deficiente (de modo a não proteger o direito fundamental
de modo adequado), no tocante a medidas legislativas e administrativas voltadas ao combate às causas
geradoras da degradação do ambiente, pode ensejar até mesmo a responsabilidade do Estado, inclusive
no sentido de reparar os danos causados a indivíduos e grupos sociais afetados pelos efeitos negativos
dos danos ambientais.
A nossa Corte Constitucional já se pronunciou sobre dever estatal de proteção ecológica ass luz do
princípio da proporcionalidade e a vedação de proteção insuficiente ou deficiente. Em passagem do voto
do Ministro Celso de Mello no julgamento da ADI 4.901/DF, que versava sobre a constitucionalidade do
Novo Código Florestal de 2012, resultou consignado:
“Com efeito, emerge do próprio art. 225 de nossa Lei Fundamental o dever constitucional
de proteção ao meio ambiente, que incide não apenas sobre a própria coletividade, mas,
notadamente, sobre o Poder Público, a quem se impõe o gravíssimo encargo de impedir,
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Do ponto de vista da Teoria dos Direitos Fundamentais e mesmo do Direito Internacional dos Direitos
Humanos, nos parece adequado o tratamento integrado e interdependente dos direitos sociais e dos
direitos ecológicos, a partir da sigla DESCA (para além da clássica denominação de DESC), ou seja, como
direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, de modo a contemplar a evolução histórica dos
direitos fundamentais e humanos, incorporando a tutela do ambiente em tal núcleo privilegiado de
proteção da pessoa. Nesse sentido, o Protocolo de San Salvador Adicional à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1988) incorpora a compreensão
acerca dos DESCA, apontando, no bojo do seu texto, que “toda pessoa tem direito a viver em um meio
ambiente sadio e a contar com os serviços públicos básicos” (art. 11.1), bem como que “os Estados-Partes
24 STF, ADI 4.901/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, j. 28.02.2018.
25 BENJAMIN, O princípio da proibição de retrocesso ambiental..., p. 72.
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A cláusula de progressividade atribuída aos direitos sociais, consagrada tanto no art. 2º, § 1º, do PIDESC
quanto no art. 1º do Protocolo de San Salvador, deve abarcar, necessariamente, também as medidas
fáticas e normativas voltadas à tutela ecológica, de modo a instituir uma progressiva melhoria da
qualidade ambiental e, consequentemente, da qualidade de vida em geral. A proibição de retrocesso
em matéria de proteção e promoção dos DESCA guarda relação com a previsão expressa de um dever de
progressiva realização contido em cláusulas vinculativas de direito internacional, poder-se-á afirmar que
pelo menos tanto quanto proteger o pouco que há em termos de direitos sociais e ecológicos efetivos,
há que priorizar o dever de progressiva implantação de tais direitos. O progresso (em termos fáticos e
normativos), compreendido na perspectiva de um dever estatal de desenvolvimento sustentável, deve
necessariamente conciliar os eixos econômico, social e ambiental.
O regime jurídico ecológico – tanto sob a perspectiva constitucional quanto infraconstitucional – deve
operar de modo progressivo, a fim de ampliar a qualidade de vida existente hoje e atender a padrões cada
vez mais rigorosos de tutela da dignidade da pessoa humana, não admitindo o retrocesso, em termos
fáticos e normativos, a um nível de proteção inferior àquele verificado hoje. De acordo com Canotilho, “a
liberdade de conformação política do legislador no âmbito das políticas ambientais tem menos folga
no que respeita à reversibilidade político-jurídica da proteção ambiental, sendo-lhe vedado adoptar
novas políticas que traduzam em retrocesso retroactivo de posições jurídico-ambientais fortemente
enraizadas na cultura dos povos e na consciência jurídica geral”.27
Não sem razão, o conceito de desenvolvimento sustentável, cunhado no âmbito da Comissão Mundial
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas, por conta da publicação, no ano de 1987, do
Relatório Nosso Futuro Comum, traz que o mesmo seria “aquele que atende às necessidades do presente
sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades”.28
A ideia de sustentabilidade está na razão de ser da proteção do ambiente, já que manter (e, em alguns
casos, recuperar) o equilíbrio ambiental implica o uso racional e harmônico dos recursos naturais, de
modo a não os levar ao seu esgotamento, e, consequentemente, à sua degradação.
Até por uma questão de justiça entre gerações humanas, a geração presente teria a responsabilidade de
deixar como legado às gerações futuras condições ambientais idênticas ou melhores do que aquelas
recebidas das gerações passadas, estando a geração vivente, portanto, vedada a alterar em termos
negativos as condições ecológicas, até por força do princípio da proibição de retrocesso ambiental e do
26 Mais recentemente, resultou consagrado no Princípio 25 da Declaração do Rio de 1992 que “a paz, o desenvolvimento e a
proteção ambiental são interdependentes e indivisíveis”.
27 CANOTILHO, Direito constitucional ambiental português..., p. 5.
28 Relatório Nosso Futuro Comum..., p. 43.
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No ordenamento jurídico brasileiro, em sintonia com tal contexto normativo internacional e comparado,
verifica-se também, em diversos diplomas, a adoção de um princípio (ou dever) de melhoria progressiva
da qualidade ambiental. O nosso “Código Ambiental”, ou seja, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente
(Lei 6.938/81), de forma bastante clara, seguiu tal diretriz normativa e consagrou, no seu art. 2º, caput,
“que a Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação
da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento
socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana”.29
Outro exemplo é verificado no caso do direito ao saneamento, onde resultou consagrada de forma expressa
na Lei da Política Nacional de Saneamento Básico (Lei 11.445/2007), art. 3.º, III, que, por meio do objetivo
de universalização das políticas públicas para o setor, deve-se contemplar a “ampliação progressiva do
acesso de todos os domicílios ocupados ao saneamento básico”. Assim, no tocante às medidas legislativas
e políticas públicas levadas a cabo para a efetivação do direito fundamental ao saneamento básico,
típico direito fundamental de feição socioambiental, deve o Legislador – e, em certa medida, também o
Administrador – atentar para a garantia constitucional da proibição de retrocesso ambiental, conforme
resulta expresso na norma em comento.
Seguindo na análise da legislação brasileira, é importante destacar, ainda, que há um déficit de proteção
ambiental existente hoje, na medida em que, como é visível na questão do aquecimento global, impõem-
se medidas no sentido de “recuar” em termos de práticas poluidoras – por exemplo, reduzir as emissões
dos gases geradores do efeito estufa –, não sendo suficiente apenas impedir que tais práticas sejam
ampliadas. Em sintonia com tal entendimento, com o intuito de fazer com que as práticas poluidoras
“recuem” – através da “redução dos impactos” da ação humana sobre o ambiente – e a qualidade
ambiental melhore de forma progressiva, a Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC
(Lei 12.187/2009), que, além de enunciar, no caput do art. 3º, como diretrizes para a questão climática, a
consagração dos princípios da precaução, da prevenção, da participação cidadã e do desenvolvimento
sustentável – bem como do princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, aplicado no
âmbito internacional –, estabelece, no mesmo artigo citado, inciso I, que “todos têm o dever de atuar, em
benefício das presentes e futuras gerações, para a redução dos impactos decorrentes das interferências
antrópicas sobre o sistema climático”.
No caso especialmente da legislação ambiental que busca dar operatividade ao dever constitucional de
proteção do ambiente, há que se assegurar a sua blindagem contra retrocessos que a tornem menos
rigorosa ou flexível, não admitindo que voltem a ser adotadas práticas poluidoras hoje proibidas, assim
29 De modo complementar, o art. 4.º, VI, da Lei 6.938/81, entre os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente, destaca “a
preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo
para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida”.
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como buscar sempre um nível mais rigoroso de proteção, considerando especialmente o déficit legado
pelo nosso passado e um “ajuste de contas” com o futuro, no sentido de manter um equilíbrio ambiental
também para as futuras gerações. O que não se admite, até por um princípio de justiça (equidade e
solidariedade) entre gerações humanas, é que sobre as gerações futuras recaia integralmente o ônus do
descaso ecológico perpetrado pelas das gerações presentes e passadas.
Ao analisar a proibição de retrocesso ambiental (ou princípio da não regressão, como prefere), Michel
Prieur assinala que “a regressão não deve, jamais, ignorar a preocupação de tornar cada vez mais efetivos
os direitos protegidos. Enfim, o recuo de um direito não pode ir aquém de certo nível, sem que esse direito
seja desnaturado. Isso diz respeito tanto aos direitos substanciais como aos direitos procedimentais.
Deve-se, assim, considerar que, na seara ambiental, existe um nível de obrigações jurídicas fundamentais
de proteção, abaixo do qual toda medida nova deveria ser vista como violando o direito ao ambiente”.31
Em outras palavras, não se deixa de admitir uma margem de discricionariedade do legislador em matéria
ambiental, mas, como bem colocado por Prieur, existem fortes limites à adoção de medidas restritivas no
tocante aos direitos ecológicos, tanto pelo prisma material quanto processual (ou procedimental).
Assumindo como correta a tese de que a proibição de retrocesso não pode impedir qualquer tipo de
restrição a direitos socioambientais, parte-se aqui da mesma diretriz que, de há muito, tem sido adotada
no plano da doutrina especializada, notadamente a noção de que sobre qualquer medida que venha
a provocar alguma diminuição nos níveis de proteção (efetividade) dos direitos fundamentais recai
a suspeição de sua ilegitimidade jurídica, portanto, na gramática do Estado Constitucional, de sua
inconstitucionalidade, acionando assim um dever no sentido de submeter tais medidas a um rigoroso
controle de constitucionalidade,32 onde assumem importância os critérios da proporcionalidade (na
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sua dupla dimensão anteriormente referida), da razoabilidade e do núcleo essencial (com destaque para
o conteúdo “existencial”) dos direitos socioambientais, sem prejuízo de outros critérios, como é o da
segurança jurídica e dos seus respectivos desdobramentos.
No campo da edição de atos legislativos e administrativos que afetam o âmbito de proteção dos direitos
ecológicos ou mesmo socioambientais, é preciso ter sempre presente que tanto o legislador quanto
o administrador encontram-se vinculados às proibições de excesso e de insuficiência de proteção,
portanto, deverão observar as exigências internas do princípio da proporcionalidade, quais sejam, da
adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, bem como da razoabilidade,
mas que são – juntamente com a segurança jurídica (em especial a proteção da confiança e dos direitos
adquiridos) reconhecidos por expressiva doutrina como indispensáveis também ao controle de medidas
restritivas em matéria de direitos ecológicos. A título de exemplo, o STJ reconheceu na sua jurisprudência
a existência de direitos adquiridos ambientais, no sentido de impedir a redução do patamar normativo
de proteção ambiental vigente, inclusive no sentido da existência de “limite constitucional intocável e
instransponível”.
JURISPRUDÊNCIA STJ. Direitos adquiridos ambientais: “’o novo Código Florestal não
pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a
coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações
ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de
extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da
‘incumbência’ do Estado de garantir a preservação e a restauração dos processos ecológicos
essenciais (art. 225, § 1º, I)”. 33
A garantia ou constitucional da proibição de retrocesso ambiental ou ecológico, tem ganhado cada vez
mais destaque no cenário jurídico brasileiro, tanto do ponto de vista doutrinário quanto jurisprudencial.
De tal sorte, a garantia (e princípio) constitucional em análise assume importância ímpar na edificação do
Estado de Direito contemporâneo, pois opera como instrumento jurídico apto a assegurar, em conjugação
com outros elementos, níveis normativos mínimos em termos de proteção jurídica do ambiente, bem
como, numa perspectiva mais ampla, de tutela da dignidade da pessoa humana e do direito a uma
existência digna, sem deixar de lado a responsabilidade para com as gerações humanas vindouras.
33 STJ, AgRg no REsp 1.434.797/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, j. 17.05.2016; e STJ, AgInt no AREsp n. 1.319.376/SP,
2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 04.12.2018.
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34 STJ, REsp 769.753/SC, 2.ª T., rel. Min. Herman Benjamin, j. 08.09.2009.
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Por força do disposto no art. 5.º, § 2.º e § 3.º, da CF/1988, os tratados internacionais em matéria de direitos
humanos (o que se evidencia também no caso da proteção ambiental, a teor do que sinaliza o art. 11 do
Protocolo de San Salvador Adicional à Convenção Americana de Direito Humanos em Matéria de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais de 198835), passaram a fruir de um estatuto jurídico-constitucional
privilegiado, agregando-se ao conjunto dos direitos e garantias fundamentais estabelecidos pelo
Constituinte de 1988, no âmbito do que se convencionou designar de cláusula de abertura em matéria
de direitos fundamentais
35 O Protocolo de San Salvador entrou em vigor no plano internacional em novembro de 1999, quando foi depositado o 11.º
instrumento de ratificação (art. 21). O Brasil, por sua vez, ratificou o Protocolo de San Salvador no ano de 1999, tendo o mesmo
sido promulgado internamente por meio do Dec. 3.321, de 30 de dezembro de 1999.
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No nosso sentir, cuidando-se de tratados de direitos humanos (pelo menos no que diz com parte de
seus preceitos), os tratados internacionais em matéria ambiental deveriam ter reconhecido o seu status
constitucional ou, ao menos, supralegal, conforme, alias, já se pronunciou o STF no julgamento da ADI
4.066/DF (Caso do Amianto), em razão dos diplomas internacionais ambientais veicularem conteúdo
inerente ao regime jurídico de proteção tanto dos direitos fundamentais quanto dos direitos humanos.36
Art. 5.º (...) “§ 2.º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais
em que a República Federativa do Brasil seja parte.
§ 3.º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos
dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais” (incluído pela
EC 45/2004).
Desde logo, importa frisar a divergência a respeito do procedimento de incorporação dos tratados
internacionais sobre direitos humanos. Especialmente desde a inserção, mediante a EC 45/2004 (Reforma
do Judiciário), do citado § 3 º do art. 5º., da CF/1988, a matéria voltou a ser objeto de atenção pela doutrina
e jurisprudência, pois tal dispositivo prevê que os tratados aprovados pelo Congresso Nacional mediante
o procedimento ali regulado (maioria de três quintos, nas duas casas do Congresso e em dois turnos de
votação), passam a ter valor equivalente ao das emendas constitucionais, ainda que não venham a alterar
o texto da Constituição. Isso, contudo, não significa que os tratados aprovados antes da vigência do § 3.º
do art. 5.º da CF/1988 não possam ter reconhecida sua hierarquia constitucional já por força do próprio
§ 2.º do mesmo artigo, como, aliás, vinha sustentando importante doutrina37, mas é certo que, mediante
o novo procedimento, os tratados assim aprovados terão sempre hierarquia normativa constitucional.
36 STF, ADI 4.066/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Rosa Weber, j. 24.08.2017.
37 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 71 e ss.
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Dito de outro modo, tais tratados situam-se apenas abaixo da Constituição, de tal sorte que segue
cabendo o controle de sua constitucionalidade. Tal entendimento convém lembrar, resultou cristalizado
na hipótese da prisão civil do depositário infiel, que foi considerada incompatível com a Convenção
Interamericana de Direitos Humanos (ou Pacto de San José da Costa Rica), segundo a qual é autorizada
somente prisão civil do devedor de alimentos, de tal sorte que a tendência vai no sentido de ampliação
dos casos levados ao STF no sentido de ver reconhecida a prevalência dos tratados sobre a legislação
interna, no âmbito do que se convencionou chamar de controle de convencionalidade, que será objeto
de análise logo a seguir.
38 STF, HC 94.523/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, j. 10.02.2009. Ver também os precedentes do HC 87.585 e do HC
92.566.
39 Na doutrina brasileira, sustentando o mesmo entendimento, v. CAPPELLI, Sílvia; MARCHESAN, Ana Maria Moreira;
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Mas isso, a nosso ver, só valeria para aquele conteúdo de caráter mais protetivo em termos materiais e
procedimentais disposto nos diplomas internacionais em matéria ambiental. Do contrário, se a legislação
internacional fosse mais permissiva, prevaleceria a legislação infraconstitucional, considerando a
incidência do princípio pro homine40, ou seja, dito de modo mais preciso, fazendo prevalecer a norma
mais favorável à proteção da pessoa (no tocante aos seus direitos humanos e fundamentais e dignidade).
Na medida em que os tratados internacionais em matéria ambiental, por deterem a mesma natureza
dos tratados internacionais de direitos humanos, possuem status supralegal, o seu conteúdo prevalece
em face da legislação infraconstitucional. Mas, cumpre reiterar, a prevalência ocorre apenas no tocante
ao conteúdo que estabelecer um padrão normativo mais protetivo e rígido. Do contrário, prevalece a
legislação infraconstitucional nacional, haja vista os princípios que norteiam o Direito Internacional
dos Direitos Humanos, bem como o critério hermenêutico de prevalência da norma mais protetiva,
aplicando-se aqui o conhecido postulado do in dubio pro natura.42
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Direito ambiental. 7. ed. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2013, p. 40.
40 V. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 869.
41 MAZZUOLI, Curso de direito internacional público..., p. 404. Para Valerio de Oliveira Mazzuoli, os tratados internacionais
de direitos humanos, independentemente da adoção do rito previsto no art. 5.º, § 3.º da CF/1988, por serem os mesmos
materialmente constitucionais (art. 5.º, § 2.º), ensejariam o controle difuso de convencionalidade, ao passo que os tratados
internacionais de direitos humanos submetidos ao procedimento do § 3.º do art. 5.º, por serem material e formalmente
constitucionais, possibilitariam o controle concentrado de constitucionalidade, por exemplo, por meio de ADI perante o STF (p.
409-413).
42 STJ, REsp 1.198.727/MG, 2.ª T., rel. Min. Herman Benjamin, j. 14.08.2012.
43 PRIEUR, Michel. Princípio da proibição de retrocesso ambiental. In: Comissão de meio ambiente, Defesa do consumidor
e fiscalização e Controle do Senado Federal (Org.). O princípio da proibição de retrocesso ambiental. Brasília: Senado Federal,
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legislação brasileira (constitucional ou infraconstitucional). Tal princípio, todavia, foi objeto de expresso
reconhecimento pelo Protocolo de San Salvador Adicional à Convenção Americana sobre Direito Humanos
em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1988), mais precisamente no seu art. 1.º. O art. 11
(11.1 e 11.2) do referido diploma internacional, conforme sinalizamos no tópico anterior, prevê o direito
ao ambiente como direito humano.
De tal sorte, o status supralegal do Protocolo de San Salvador, na linha do entendimento do STF,
estabelece também no direito interno (em virtude da ratificação do tratado), e com hierarquia supralegal,
a garantia da proibição de retrocesso ambiental para fazer frente a toda e qualquer nova medida legislativa
infraconstitucional que tenha por escopo a flexibilização, de forma desproporcional e arbitrária, da
legislação ambiental brasileira atualmente vigente. Assim, importa enfatizar, um dos aspectos mais
importantes do controle de convencionalidade diz respeito ao dever ex officio de Juízes e Tribunais
internos de atentarem para o conteúdo dos diplomas internacionais sobre direitos humanos, entre os
quais o direito ao meio ambiente.
2012, p. 45 e ss.
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as normas estabelecidas na Opinião Consultiva n. 23/2017 como parâmetro para tal controle.44
Com efeito, em homenagem ao necessário Diálogo das Fontes Normativas45 e também Diálogo de
Cortes46, cabe aos aplicadores do Direito, com destaque especial para Juízes e Tribunais, interpretarem a
legislação nacional infraconstitucional não apenas pelo prisma do regime constitucional de proteção dos
direitos fundamentais, mas também em vista do regime internacional global e regional de proteção dos
direitos humanos, com o propósito de assegurar efetividade ao direito humano a viver em um ambiente
sadio, equilibrado e seguro.
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Simulado
1) Os direitos fundamentais de terceira dimensão ou geração, entre os quais se inclui o direto ao meio
ambiente, encontram seu fundamento nuclear no princípio da igualdade, o quer toma forma por meio
do princípio da igualdade intergeracional.
2) A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) foi o primeiro documento
internacional a reconhecer o status de direito humano (e fundamental) do direito a viver em um
ambiente de qualidade, inclusive como condição a uma vida digna.
3) Não obstante a Corte Interamericana de Direitos Humanos tenha reconhecido o seu status de direito
humano na Opinião Consultiva 23/2017 sobre “Meio Ambiente e Diretos Humanos”, tal decorre de uma
interpretação ampliativa, sistemática e teleológica do Pacto de São José da Costa Rica, haja vista
que não há previsão expressa de um direito humano ao meio ambiente adequado nos diplomas que
integram o Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
GABARITO
Q1 ERRADO
02 ERRADO
Q3 ERRADO
Q4 ERRADO
05 CERTO