Clusters e

competitividade
Em uma economia globalizada, muitas vantagens competitivas
dependem de fatores locais; por isso ganham importância as
concentrações geográficas de empresas. Por Michael Porter

Agora que as empresas podem adquirir capital, bens, informações e O mapa econômico do mundo é
tecnologia em todo o mundo, muitas vezes apenas com um clique do dominado hoje pelo que chamo de
mouse, grande parte do conhecimento acumulado sobre a concorrência cluster: agrupamento de empresas
de negócios e países precisa ser revista. Teoricamente, mercados em uma região com sucesso extraor-
dinário em determinado setor de
internacionais mais abertos, transportes e comunicações mais velozes
atividade. O cluster é uma caracterís-
deveriam diminuir a importância, para a competição, da localização tica marcante de praticamente todas
geográfica das empresas. Afinal, tudo pode ser eficientemente comprado as economias, principalmente nos
a distância. Certo? países desenvolvidos. Seus exemplos
Errado. Acompanhe este raciocínio: se a localização geográfica perdeu mais famosos talvez sejam o Vale do
importância, por que as chances de descobrir uma administradora de Silício e Hollywood, ambos na
fundos mútuos de padrão internacional em Boston são muito maiores Califórnia, EUA.
do que em vários outros lugares? Por que o mesmo pode ser dito das Os clusters, no entanto, não são
tecelagens da Carolina do Norte e da Carolina do Sul, dos fabricantes singulares; ao contrário, são típicos.
Daí o paradoxo: as vantagens
de veículos de alto desempenho do sul da Alemanha ou, ainda, dos
competitivas duradouras em uma
fabricantes de calçados sofisticados do norte da Itália? economia globalizada dependem
Por causa dos clusters. É isso que o especialista em estratégia Michael cada vez mais de fatores locais –
Porter explica neste artigo. Clusters (grupos, agrupamentos ou conhecimento, relacionamentos,
aglomerados) são concentrações geográficas de empresas de determinado motivação etc.– com os quais os
setor de atividade e organizações correlatas, de fornecedores de insumos concorrentes geograficamente
a instituições de ensino e clientes. No Brasil, pode-se pensar, por distantes não conseguem competir.
exemplo, no cluster dos fabricantes de cristais ao redor de Blumenau (SC). Embora a localização geográfica
ESTRATÉGIA

Neste artigo, Porter aborda o assunto com profundidade e mostra como as continue sendo fundamental para a
concorrência, seu papel hoje é muito
empresas podem participar e tirar proveito de um cluster. Nos quadros das
diferente do que há uma geração.
páginas 104 e 109, o estrategista, que frequentemente assessora empresas Quando a competição era impulsio-
e governos, discorre sobre a importância dos clusters para países em nada basicamente pelo custo dos
desenvolvimento e sobre a responsabilidade do Estado de incentivar insumos, as regiões com algum
100
sua formação. recurso importante –um porto

HSM Management 15 julho-agosto 1999


natural ou mão-de-obra barata, por
exemplo– geralmente desfrutavam
uma “vantagem comparativa”, ao
mesmo tempo decisiva e duradoura.
A concorrência atualmente é
muito mais dinâmica. As empresas
podem atenuar desvantagens de
custo de insumos por meio de
compras ao redor do mundo, o que
torna a antiga noção de vantagem
comparativa menos relevante. Mais
que isso, a vantagem competitiva
HSM Management 15 julho-agosto 1999
depende hoje do uso mais produti-
vo dos insumos, o que requer
constante inovação.
A solução do paradoxo da
localização geográfica em uma
economia globalizada revela como
as empresas criam continuamente
vantagem competitiva. O que
acontece dentro das empresas é
importante, mas os clusters mostram
que o ambiente empresarial fora
das empresas também desempenha
Ilustrações Lorenzo Amengual
um papel vital. A importância da
localização geográfica vem sendo,
entretanto, negligenciada, a despei-
to da evidência clara de que a
inovação e o sucesso competitivo
em vários setores estão geografica-
mente concentrados –sejam o
entretenimento em Hollywood e
as finanças em Wall Street, sejam
os produtos eletrônicos no Japão.
Os clusters afetam a competitivi- ➙
101
dade dentro e fora das fronteiras
 nacionais. Por isso, eles criam novas
prioridades para os executivos de
todas as empresas, e não somente
para os das que concorrem interna-
cionalmente. Representam também
uma nova forma de encarar a
localização geográfica, desafiando
muito do conhecimento acumulado
sobre como as empresas devem ser
formadas, de que forma instituições
como as universidades podem
contribuir para o sucesso competi-
tivo e sobre como os governos
podem promover o desenvolvimen-
to econômico e a prosperidade.
O que é um cluster?
Os clusters (grupos, agrupamen-
tos ou aglomerados) são concentra-
ções geográficas de empresas de
determinado setor de atividade e
companhias correlatas. Estas podem
ser, por exemplo, fornecedores de
insumos especiais –componentes,
máquinas, serviços– ou provedores
de infra-estrutura especializada.
Em geral, os clusters também se
expandem diretamente em direção
aos canais de distribuição e clientes
e marginalmente em direção aos
fabricantes de produtos comple-
mentares e empresas de setores
afins. Muitos clusters incluem ainda
instituições, governamentais ou
não, como universidades, entidades
normativas e associações comerciais.
Essas instituições oferecem treina-
mento, informação, pesquisa e
apoio técnico.
O cluster do vinho da Califórnia,
o Wine Country, é um bom exem-
plo disso. Ele envolve 680 vinícolas
comerciais e vários milhares de
produtores independentes de uvas.
Além disso, conta com um grande
número de setores de apoio à
produção de uva e vinho, que inclui
fornecedores de equipamentos
Num mesmo local há concorrência
e cooperação entre as empresas, pois
as duas coisas ocorrem em dimensões
102
diferentes e entre participantes distintos
HSM Management 15 julho-agosto 1999
para irrigação e colheita, de
barris e de rótulos; firmas especiali-
zadas em relações públicas e publi-
cidade; e inúmeras publicações
dirigidas ao público consumidor
e a empresas.
Várias instituições locais estão
envolvidas com o vinho, como o
mundialmente conhecido progra-
ma de viticultura e enologia da
University of California em Davis, o
Wine Institute (Instituto do Vinho)
e a comissão especial da assembléia
legislativa da Califórnia. O cluster do
vinho também tem ligações secun-
dárias com outros clusters da Califór-
nia, nas áreas de agricultura,
alimentação e turismo.
As fronteiras de um cluster são
definidas pelos elos e pela interde-
pendência entre os diferentes
setores e instituições. Por isso,
embora em geral os clusters perma-
neçam confinados às fronteiras
políticas, nada impede que eles
cruzem fronteiras estaduais e até
nacionais. Nos EUA, por exemplo,
o cluster de produtos farmacêuticos
esparrama-se pelos Estados de Nova
Jersey e Pensilvânia. Da mesma
forma, o cluster alemão de produtos
químicos atravessa as fronteiras e
chega até a região suíça de língua
alemã.
Os clusters promovem tanto a
concorrência como a cooperação.
Os concorrentes competem intensa-
mente para vencer e reter seus
clientes, e sem isso nenhum cluster
poderia ter sucesso. Mas a coopera-
ção também está presente, em
grande parte verticalizada, envol-
vendo empresas de setores afins e
instituições locais. A concorrência
convive com a cooperação, pois as
duas ocorrem em dimensões
diferentes e entre participantes
distintos.
Os clusters são uma forma alter-
nativa de organização da cadeia de
valor. Comparada com as transações
de mercado entre compradores e
vendedores dispersos e heterogêneos,
a proximidade física de empresas
e instituições, assim como as suces-
sivas trocas entre elas, facilita a
coordenação e amplia a confiança.
E sem impor às empresas as caracte-
rísticas de inflexibilidade da integra-
ção vertical ou os desafios de criar
e manter associações formais como
redes, alianças e parcerias. Um
cluster de empresas e instituições
independentes e informalmente
vinculadas representa um modelo
organizacional robusto, que oferece
vantagens em fatores como eficiên-
cia e flexibilidade.
A importância dos clusters
A concorrência moderna depen-
de da produtividade, não do acesso
a insumos ou da economia de
escala de empreendimentos isola-
dos. A produtividade, por sua vez,
depende de como as empresas
concorrem, não dos campos em
que concorrem. As empresas
podem ser altamente produtivas em
qualquer setor se empregarem
métodos sofisticados, utilizarem
tecnologia avançada e oferecerem
produtos e serviços diferenciados.
Todos os setores podem tanto
empregar tecnologia avançada
como se caracterizar pelo uso
intensivo de conhecimento.
O grau de sofisticação das
empresas, entretanto, é fortemente
influenciado pelas condições do
ambiente empresarial local. As
empresas não podem empregar
técnicas avançadas de logística, por
exemplo, sem uma infra-estrutura
de transporte de alta qualidade.
E também não podem concorrer
de forma eficaz oferecendo serviços
sofisticados se não tiverem funcio-
nários bem formados.
Nesse sentido, os clusters afetam
a capacidade de competição de
três maneiras principais:
aumentando a produtividade
das empresas sediadas na região;
indicando a direção e o ritmo da
inovação, que sustentam o futuro
 Os clusters e o desenvolvimento de um país
Os países pobres e em desenvol-
vimento, em geral, concorrem no
mercado mundial com mão-de-obra
barata e recursos naturais. Para
ultrapassar esse estágio, o desenvol-
vimento de clusters eficientes é
essencial. Isso significa começar
pelo nível mais básico. Seus dirigen-
tes precisam enfrentar primeiro os
problemas fundamentais: melhorar
os níveis de educação e de capacita-
ção, desenvolver tecnologia, promo-
ver o acesso aos mercados de
capital e aperfeiçoar as instituições.
As políticas governamentais dos
países em desenvolvimento funcio-
nam em geral involuntariamente
contra a formação de clusters. As
restrições à instalação de indústrias
em determinadas áreas e os subsí-
dios para investir em regiões com
alto nível de desemprego, por
exemplo, podem dispersar artifi-
cialmente as empresas.
Nos estágios iniciais do desenvol-
vimento econômico, os países
devem expandir o comércio inter-
no entre cidades e Estados e com
crescimento da produtividade;
estimulando a formação de novas
empresas, o que expande e reforça
o próprio cluster.
Os clusters e a produtividade
A participação em um cluster
permite às empresas ser mais
produtivas na compra de insumos
e contratação de mão-de-obra, no
acesso a informações, tecnologias e
instituições, na coordenação com
empresas complementares e na
melhora de fatores como medição e
motivação.
Maior acesso a mão-de-obra e
fornecedores. As empresas que
participam de clusters dinâmicos
podem utilizar um pool de profissio-
nais especializados e experientes e
assim reduzir seus custos de recruta-
mento. Por oferecer oportunidades
e diminuir os riscos de transferên-
104
cias para os funcionários, o cluster
HSM Management 15 julho-agosto 1999
países vizinhos. E isso favorece
muito a formação dos clusters. O que
vemos, no entanto, é esses países se
voltarem para mercados desenvolvi-
dos, onde comercializam principal-
mente commodities e bens sensíveis
ao custo da mão-de-obra.
A localização geográfica do
cluster também é importante. Nos
países em desenvolvimento, grande
parte da atividade econômica se
concentra em torno das capitais
dos Estados. Mas os problemas
decorrentes dessa tendência
–como congestionamento e inflexi-
bilidade– trazem custos administra-
tivos e ineficiência. As empresas,
entretanto, não podem simplesmen-
te sair das áreas centrais, porque
as cidades pequenas não possuem
infra-estrutura nem clusters rudi-
mentares.
Por isso, a formação de clusters
de turismo nos países em desenvol-
vimento pode contribuir tanto
para melhorar a infra-estrutura de
cidades afastadas como para distri-
buir a atividade econômica.
também pode se tornar mais atraen-
te para pessoas talentosas de outras
regiões –uma vantagem decisiva em
certos setores.
Um cluster bem desenvolvido
representa um meio eficiente para
a aquisição de insumos relevantes,
por contar com uma base sólida e
especializada de fornecedores. A
aquisição de insumos no próprio
local reduz o custo total das transa-
ções. Isso porque a empresa minimi-
za a necessidade de manter esto-
ques, elimina custos e atrasos nas
A participação em um cluster permite às
empresas ser mais produtivas na compra
de insumos e contratação de mão-de-
obra e no acesso a tecnologia
entregas de fornecedores distantes
e, uma vez que a reputação local é
importante, diminui o risco de os
fornecedores cobrarem preços mais
altos ou faltarem com seus compro-
missos. A proximidade também
melhora a comunicação e permite
aos fornecedores proporcionar
serviços auxiliares ou de apoio,
como instalação e depuração. Dessa
maneira, em condições de igualda-
de, o “abastecimento” local é mais
vantajoso do que as compras a
distância, principalmente de insu-
mos avançados e especializados que
envolvem tecnologia, informação
e serviços.
Em muitos casos, os clusters
também representam uma alternati-
va à integração vertical. Compara-
dos com as unidades internas, os
especialistas externos geralmente
custam menos e são mais ágeis, não
apenas na produção de componen-
tes mas também em serviços, como
os de treinamento. Embora a
integração vertical em grande escala
possa ter sido norma no passado,
um ambiente de mudanças rápidas
como o de hoje pode torná-la
ineficiente, ineficaz e inflexível.
O que talvez afete negativamente
as vantagens de um cluster de reunir
recursos é a possibilidade de que a
concorrência os torne mais caros
e escassos. Entretanto, as empresas
continuam a dispor da alternativa
de comprar vários insumos de
outras regiões, o que pode ajudar
a atenuar os possíveis aumentos em
seus custos. Além disso, os clusters
aumentam não apenas a demanda,
como também a oferta de insumos
especializados.
Acesso a informações especializa-
das. Os clusters acumulam uma
grande quantidade de informações,
dos mais diversos tipos, com acesso
preferencial garantido a seus
membros. Além disso, os relaciona-
mentos pessoais e os laços com a
comunidade promovem a confiança
e facilitam o fluxo de informações.
Atividades correlatas. O grande
número de ligações dos membros
de um cluster faz com que o todo
seja maior do que a simples soma
das partes. Em um cluster de turismo
típico, por exemplo, a satisfação
do turista depende não apenas do
apelo da atração primária do local,
mas também da qualidade e eficiên-
cia de empresas correlatas –hotéis,
restaurantes, centros comerciais
Nascimento, evolução e declínio de um cluster
As raízes de um cluster geralmen-
te remontam a circunstâncias
históricas –em Massachusetts, por
exemplo, vários deles tiveram
origem em pesquisas feitas pelo
MIT (Massachusetts Institute of
Technology) ou pela Harvard
University. Mas os clusters também
podem surgir devido a uma necessi-
dade local específica. É o caso do
cluster de equipamentos para
irrigação e outras tecnologias
agrícolas avançadas de Israel.
A existência anterior de setores
de fornecedores, setores afins ou
mesmo clusters inteiros relacionados
proporciona outra semente para o
florescimento de novos clusters. E
novos clusters podem emergir ainda
a partir de uma ou duas empresas
inovadoras que estimulem a forma-
ção de outras.
Assim que um cluster começa a se
formar, um ciclo de auto-reforço
promove seu crescimento, especial-
mente quando as instituições locais
o apóiam e a concorrência local é
vigorosa. À medida que o cluster se
expande, aumenta também sua
influência sobre o governo e sobre
as instituições públicas e privadas.
Um cluster em crescimento sinaliza
oportunidades, e suas histórias de
sucesso atraem os melhores talentos.
Surgem os fornecedores especializa-
HSM Management 15 julho-agosto 1999
e meios de transporte. Como os
membros do cluster são mutuamente
dependentes, o bom desempenho
de um pode aumentar o sucesso
dos demais.
Tal complementação assume
formas diversas. A mais óbvia é
quando os produtos se complemen-
tam para atender às necessidades
dos clientes, como ilustra o exem-
plo do turismo. Outra forma é a
coordenação de atividades entre as
empresas para otimizar sua produti-
vidade coletiva. Na indústria madei-
reira, por exemplo, a eficiência
das serrarias depende do forneci-
dos; acumulam-se as informações;
treinamento, pesquisa e infra-
estrutura especializados são desen-
volvidos pelas instituições locais;
e crescem a força e a visibilidade
do cluster. Finalmente, o cluster é
ampliado para englobar os setores
associados.
Os clusters evoluem continuamen-
te à medida que novas empresas e
setores crescem e as instituições
locais se desenvolvem e se modifi-
cam. Eles podem manter seu vigor
como áreas competitivas por sécu-
los; muitos clusters bem-sucedidos
prosperam por décadas, no míni-
mo. Mas eles podem perder –e de
fato perdem– sua vantagem compe-
titiva devido a forças externas e
internas.
As descontinuidades tecnológicas
talvez sejam a mais significativa das
ameaças externas, porque podem
neutralizar muitas vantagens simul-
taneamente. Nesse caso, os recursos
de um cluster –informações de
mercado, habilidades dos funcioná-
rios, expertise científico-técnico e
bases de fornecedores– podem se
tornar irrelevantes.
A perda de participação no
mercado do Estado da Nova Ingla-
terra, EUA, no setor de materiais
para golfe é um bom exemplo.
O cluster da Nova Inglaterra tinha
mento confiável de toras de alta
qualidade e de sua capacidade de
utilizá-las integralmente, fabricando
desde móveis de alta qualidade
a estrados e caixas de menos
qualidade.
Há também complementações na
área de marketing. Um cluster
geralmente melhora a reputação de
uma região em determinado setor,
aumentando as oportunidades de os
compradores procurarem as empre-
sas ali sediadas. A reputação da
Itália em moda e design, por exem-
plo, beneficia as empresas ligadas
a produtos de couro, calçados,
como base os tacos com haste de
aço, com cabeças de metal e de
madeira. Quando as empresas da
Califórnia começaram a produzir
tacos de golfe com materiais avança-
dos, os fabricantes da Costa Leste
passaram a ter dificuldade de
concorrer. Muitos deles foram
comprados ou faliram.
Os clusters são, no mínimo, tão
vulneráveis à inflexibilidade interna
quanto às ameaças externas. O
excesso de fusões, os acordos, os
cartéis e outras restrições à competi-
ção solapam a concorrência local.
A inflexibilidade normativa ou a
introdução de regras sindicais
restritivas retardam a melhoria da
produtividade. A qualidade de
instituições como escolas e universi-
dades pode estagnar.
Na medida em que a concorrên-
cia interna permaneça suficiente-
mente vigorosa, as empresas podem
compensar parcialmente algum
declínio na capacidade de competi-
ção do cluster, recorrendo a fornece-
dores distantes ou transferindo sua
produção, total ou parcialmente,
para outra região, a fim de contra-
balançar os gastos com salários
locais, que crescem mais que a
produtividade. É exatamente isso
que as empresas alemãs, por exem- ➙
105
plo, vêm fazendo nos anos 90.
 Os clusters têm papel crucial na
capacidade de inovação das empresas.
Os fabricantes de computadores do Vale
do Silício descobrem as tendências dos
clientes mais rapidamente
vestuário e acessórios. Os membros
do cluster lucram ainda com a
variedade de mecanismos conjuntos
de marketing, como feiras e revistas
especializadas.
Por fim, o cluster pode tornar as
compras mais atraentes para os
clientes, que têm a oportunidade de
visitar vários fornecedores em uma
única viagem, comparando as
ofertas. Em parte, é por esse
motivo que Hong Kong prospera
como fornecedora de vestuário.
Acesso a instituições e bens públicos.
Os investimentos feitos por governos
e outras instituições públicas, entre
eles os relativos à infra-estrutura e
à educação, podem aumentar a
produtividade de uma empresa. A
possibilidade de recrutar profissio-
nais treinados em programas locais,
por exemplo, reduz os custos do
treinamento interno.
Mas não são apenas os governos
que criam os bens públicos que
contribuem para o aumento da
produtividade do setor privado.
Os investimentos das empresas
–em programas de treinamento,
infra-estrutura, centros de qualida-
de, laboratórios de teste etc.–
também desempenham esse papel.
Nos clusters, em geral, tais investi-
mentos privados são feitos coletiva-
mente, porque os membros reco-
nhecem sua importância.
Melhora da motivação e da avalia-
ção de desempenho. A concorrên-
cia local é altamente motivadora. A
pressão dos pares amplia a pressão
competitiva em um cluster, mesmo
entre empresas não-concorrentes
ou de concorrência indireta.
Os clusters também facilitam a
medição e a comparação de desem-
penhos, pois os concorrentes locais
106
compartilham as mesmas variáveis
HSM Management 15 julho-agosto 1999
–por exemplo, custo da mão-de-
obra e acesso– e executam ativida-
des semelhantes. As empresas do
cluster geralmente sabem muito bem
quais são os custos de seus fornece-
dores, e os executivos podem
comparar os custos e o desempenho
de seus funcionários com os das
demais empresas.
Os clusters e a inovação
Além de melhorar a produtivida-
de, os clusters desempenham um
papel crucial na capacidade de
inovação permanente das empresas.
Já que os consumidores mais
exigentes costumam fazer parte do
cluster, as empresas participantes
geralmente dispõem de uma janela
mais adequada para o mercado do
que seus concorrentes isolados.
Os fabricantes de computadores do
Vale do Silício e de Austin (Texas,
EUA), por exemplo, conseguem
descobrir as necessidades e tendên-
cias dos clientes com uma velocida-
de difícil de ser igualada por
empresas de outras regiões.
Ao mesmo tempo, o relaciona-
mento permanente com outras
entidades do cluster contribui para
que as empresas saibam com
antecedência como a tecnologia
está evoluindo, qual a disponibili-
dade de componentes e máquinas,
quais os novos conceitos de serviço
e marketing, e assim por diante.
Fornecedores novos proliferam nos
clusters, porque uma concentração de
clientes reduz seus riscos e facilita a
descoberta de oportunidades
A obtenção dessas informações é
facilitada pela proximidade das
empresas e pelo contato frequente.
Mas os clusters vão além de tornar
mais visíveis as oportunidades de
inovação; eles proporcionam
capacidade e flexibilidade para uma
atitude rápida. As empresas que
fazem parte de um cluster podem
adquirir com maior rapidez tudo
que necessitam para implementar
suas inovações. Os fornecedores e
parceiros locais podem se envolver
–e de fato o fazem– muito mais com
o processo de inovação, garantindo
assim um resultado que melhor
atenda às necessidades dos clientes.
E mais: as empresas do cluster podem
fazer experiências gastando menos e
postergar os grandes compromissos
até que tenham segurança de que
determinada inovação terá um
resultado positivo.
Os clusters e a criação de novas
empresas
Por tudo isso, não é surpresa que
muitas empresas novas surjam nos
clusters mais do que em regiões
isoladas. Fornecedores novos, por
exemplo, proliferam no cluster,
porque uma base concentrada de
clientes diminui seus riscos e facilita
a descoberta de oportunidades de
mercado. Além disso, como os
clusters desenvolvidos englobam
setores relacionados que normal-
mente utilizam insumos comuns
ou bastante semelhantes, os forne-
cedores desfrutam oportunidades
ainda maiores.
Os clusters são propícios à forma-
ção de novas empresas por uma
série de motivos. Quem trabalha
em um cluster pode perceber mais
facilmente as lacunas em produtos
ou serviços, o que é um bom motivo
para montar uma empresa. As
 barreiras à entrada no mercado são
menores do que em outras regiões,
enquanto os ativos necessários
–capacidades, insumos e mão-de-
obra– geralmente estão à disposição
na região do cluster.
As instituições financeiras e os
investidores locais, por sua vez, já
familiarizados com o cluster, podem
exigir um prêmio menor de risco
sobre o capital. Por fim, o cluster
geralmente apresenta um mercado
local significativo, e o novo empreen-
dedor pode se beneficiar dos rela-
cionamentos já estabelecidos.
Implicações para as empresas
Como já destaquei, o que mais
pesa na nova economia não são
insumos e escala, mas produtividade
–e isso se aplica a todos os setores.
O termo alta tecnologia, geralmen-
te utilizado para se referir a setores
como os de tecnologia da informa-
ção e de biotecnologia, distorceu o
conceito de concorrência, criando
a idéia equivocada de que somente
um punhado de empresas concorre
de forma avançada.
Na verdade, não existem setores
de baixa tecnologia. Existem apenas
empresas de baixa tecnologia, ou
seja, aquelas que não utilizam
tecnologia e práticas de padrão
internacional para melhorar sua
produtividade e estimular a inova- suas operações para regiões com pesquisa e desenvolvimento, escala
ção. Um cluster vigoroso pode salários, impostos e serviços públi- de produção ou prestação de
ajudar qualquer empresa, de cos mais baratos. Mas algumas serviços mais sofisticada– criam e
qualquer setor, a concorrer por dessas vantagens podem ser ilusó- renovam os produtos, processos
meio da utilização das capacidades rias. As regiões que oferecem essas e serviços de uma empresa.
e das tecnologias mais avançadas. vantagens geralmente carecem de Portanto, as decisões sobre
Por isso mesmo, os executivos infra-estrutura eficiente, fornecedo- localização geográfica devem basear-
precisam ir além do que acontece res experientes e outros benefícios se no custo total dos sistemas e no
em suas organizações e em seus proporcionados por um cluster, potencial para inovação, não apenas
setores. A integração vertical pode o que pode reduzir a vantagem no custo dos insumos. O conheci-
ter sido uma estratégia apropriada decorrente de insumos mais baratos. mento acumulado sobre clusters
no passado, mas hoje as empresas Mesmo assim, no caso de ativida- indica que cada linha de produto
precisam construir relações sólidas des estáveis e de mão-de-obra intensi- precisa de uma base de operações,
com compradores, fornecedores va –como elaboração e tradução de e os clusters mais vigorosos oferecem
e outras instituições. software–, os elementos de custo mais as melhores localizações geográficas.
Assim, o conceito de cluster baixo acabam sendo decisivos para Nos Estados Unidos, por exem-
acrescenta à agenda estratégica a escolha de uma região. plo, a Hewlett-Packard escolheu
das empresas quatro questões: Mas os clusters são fundamentais as seguintes regiões para instalar as
1. Como escolher a localização para a “base de operações” das bases de operações de suas princi-
geográfica. A globalização e a linhas de produtos de uma empre- pais linhas de produtos: a Califórnia,
facilidade de transporte e comuni- sa. As atividades da base de opera- onde estão quase todas as empresas
cação levaram muitas empresas a ções –elaboração de estratégias, com liderança mundial na fabrica-
108
transferir parte ou a totalidade de produtos e processos essenciais, ção de microcomputadores, é a base

HSM Management 15 julho-agosto 1999

Novas responsabilidades públicas e privadas
Diante da nova economia mun-
dial, os governos têm novos papéis
para desempenhar. Eles precisam
garantir o suprimento de insumos
de alta qualidade, como infra-
estrutura física e cidadãos com boa
formação, e devem estabelecer
regras para a concorrência –prote-
gendo a propriedade intelectual e
aplicando leis antitruste, por
exemplo–, a fim de que a produtivi-
dade e a inovação determinem o
sucesso econômico. Finalmente, os
governos devem promover a forma-
ção e a evolução dos clusters, bem
como o acúmulo de bens públicos
que tenham impacto significativo
sobre muitas empresas relacionadas.
Esses desafios estão a anos-luz
do conceito de política industrial.
Na política industrial, os governos
definem os setores de atividade
“desejáveis” e intervêm –com
subsídios ou restrições aos investi-
mentos de empresas estrangeiras,
por exemplo– para favorecer as
empresas locais. O objetivo da
política de clusters, em vez disso,
de operações para seus micros e
estações de trabalho; e Massachusetts,
que possui uma concentração
extraordinária de hospitais dedica-
dos à pesquisa internacionalmente
conhecidos e de importantes fabri-
cantes de produtos médicos, é a base
de operações para seus produtos
médicos.
Como a concorrência global
anula as vantagens comparativas
tradicionais e expõe as empresas
a seus melhores concorrentes em
todo o mundo, um número crescen-
te de multinacionais está transfe-
rindo suas bases de operações para
clusters mais vigorosos.
A Nestlé, por exemplo, transferiu
a divisão de confeitaria para York,
na Inglaterra, onde há consumido-
res viciados em chocolate, varejistas
sofisticados, agências de publici-
dade de primeira linha e firmas
HSM Management 15 julho-agosto 1999
é reforçar o desenvolvimento de
todos os clusters. Isso significa que
um cluster tradicional, como o de
agricultura, não deve ser abandona-
do; deve ser modernizado.
O governo, trabalhando com
o setor privado, deve reforçar
e aprimorar os clusters existentes e
emergentes em vez de tentar criar
outros totalmente novos. Setores
e clusters novos e bem-sucedidos
geralmente emergem daqueles já
estabelecidos. As empresas que
utilizam tecnologia avançada não
progridem no vácuo, mas sim nas
regiões onde já existe uma base de
atividades relacionadas com
seu setor.
As iniciativas para o desenvolvi-
mento de novos clusters devem
concentrar-se na busca de vantagem
competitiva e especialização em vez
de simplesmente imitar os clusters
bem-sucedidos de outras regiões.
Isso requer o aproveitamento de
fontes locais de recursos exclusivos.
Em geral, a descoberta de áreas de
especialização tem-se mostrado mais
As vantagens de escolher regiões com
salários e impostos mais baratos podem
ser ilusórias se a infra-estrutura e os
fornecedores forem ineficientes
de mídia altamente competitivas.
2. Como se envolver na região.
O fator social de união dos clusters
facilita o acesso a importantes
recursos e informações. A explora-
ção dos recursos competitivos
valiosos contidos em um cluster
requer relacionamentos pessoais,
contatos individuais, interesses
comuns e status de “insider”.
A simples reunião geográfica de
empresas, fornecedores e institui-
ções cria a possibilidade de valor
eficaz do que a concorrência direta
com regiões rivais bem estabelecidas.
Todos os líderes de empresas,
governos e instituições têm um
papel para desempenhar na nova
economia da concorrência. Os
clusters revelam a dependência
mútua e a responsabilidade coletiva
dessas entidades na criação das
condições para uma concorrência
produtiva. Essa tarefa exige uma
nova reflexão por parte desses
líderes e a disposição de abandonar
as categorias tradicionais que
orientam nossa visão sobre quem
faz o que na economia.
A fronteira entre investimento
público e privado tornou-se obscu-
ra. As empresas, não menos que os
governos e as universidades, têm
participação na formação profissio-
nal. As universidades têm participa-
ção na competitividade das empre-
sas locais. Ao revelar o processo
pelo qual a riqueza é realmente
criada em uma economia, os clusters
abrem novos caminhos públicos e
privados para a ação construtiva.
econômico, mas não garante,
necessariamente, que ela se trans-
formará em realidade.
Para maximizar os benefícios de
envolvimento no cluster, as empresas
precisam participar ativamente e
estabelecer uma presença significa-
tiva na região. Elas devem investir
substancialmente na área, mesmo
que sua matriz esteja localizada em
outro lugar, e promover um relacio-
namento permanente com órgãos ➙
109
governamentais e instituições locais.
 Saiba mais sobre Michael Porter
Michael Porter acaba de lançar
no Brasil seu novo livro, Competição
– Estratégias Competitivas Essenciais
(ed. Campus), uma tradução do
original On Competition, que inclui
dois ensaios de 1998 em que o
especialista analisa especificamente
a importância da localização
geográfica para a estratégia de uma
empresa. Professor de Adminis-
tração de Empresas da Harvard
Business School (veja reportagem na
página 26), Porter é considerado a
maior autoridade mundial em
estratégia competitiva e também é
um dos consultores mais solicitados
por companhias e governos do
mundo inteiro.
Influência sobre o governo
brasileiro
Na década de 1980, Michael
Porter contribuiu para mudar os
paradigmas de competitividade ao
fazer parte de uma comissão de
3. Como aprimorar o cluster. Como a
saúde do ambiente empresarial local
é importante para a saúde da pró-
pria empresa, o aprimoramento do
cluster deve ser uma das prioridades
de seus executivos. Isso pode ser
feito de várias maneiras.
Examinemos a Genzyme, com
sede em Massachusetts (EUA). O
Estado abriga um vigoroso cluster de
biotecnologia, que se beneficia da
solidez das universidades, dos cen-
tros médicos e das firmas de capital
de risco da região. Mas, quando a
Genzyme atingiu o estágio de de-
senvolvimento em que precisava de
instalações para fabricação, o CEO
Henri Termeer pensou no cluster de
indústrias farmacêuticas da região
de Nova Jersey e Filadélfia, porque
ela possuía o que Massachusetts não
tinha: um expertise estabelecido na
fabricação de medicamentos.
Depois de refletir, no entanto,
Termeer decidiu se empenhar para
desenvolver essa capacidade na
110
própria base de operações da
HSM Management 15 julho-agosto 1999
competitividade industrial instalada
pelo governo dos Estados Unidos
no período Reagan para pesquisar
as razões do sucesso das empresas
japonesas. No início da década de
1990, o especialista influenciou a
abertura econômica brasileira e de
outros países.
De seus livros, além do último,
Competição, foram publicados
no Brasil Vantagem Competitiva,
Estratégia Competitiva e A Vantagem
Competitiva das Nações (os três,
também ed. Campus). Porter já
concedeu entrevista exclusiva
a HSM Management, em que
discorreu sobre vários assuntos
relativos a estratégia. Foi publicada
na edição número 5 (página 6).
Além disso, teve artigo publicado
na edição número 1 (página 88),
sobre como criar vantagem compe-
titiva, e foi tema de artigo de
Steve Milunovich na número 3
(página 58).
Genzyme, argumentando que, se
seus planos fossem bem-sucedidos,
a empresa poderia se tornar mais
competitiva.
Assim, a Genzyme decidiu traba-
lhar com construtoras comprometi-
das com a área de Boston, preterin-
do as inúmeras firmas de engenharia
especializadas existentes perto de
Filadélfia. Além disso, a empresa
tomou uma série de iniciativas, com
a ajuda dos governos municipal e
estadual, para melhorar a qualifica-
ção da mão-de-obra, entre elas a
oferta de bolsas de estudo e estágios
para os jovens de Massachusetts.
Dessa forma, a Genzyme se empe-
nhou para criar uma massa crítica
de profissionais para seu cluster.
Termeer acredita que o sucesso da
Genzyme está ligado ao sucesso do
cluster e que uma sólida base de
funções e instituições de apoio be-
neficia todos os seus membros.
4. Como trabalhar coletivamente.
O modo de operação dos clusters
sugere uma nova agenda de ações
coletivas para o setor privado.
O investimento em bens públicos
é geralmente considerado como
função do governo, mas o conceito
de cluster demonstra claramente
que os recursos e as instituições
locais beneficiam as empresas.
Nesse sentido, as associações
comerciais podem se transformar
em fóruns para a troca de idéias
e em centros de ação coletiva para
a superação dos obstáculos à produ-
tividade e ao crescimento. Também
podem assumir a liderança em
atividades como montagem de
instalações de teste e programas
de treinamento, ou pesquisa em
parceria com universidades, coleta
de informações relacionadas com
os clusters, promoção de fóruns
sobre problemas comuns de gestão,
investigação de soluções sobre
questões ambientais, organização
de feiras e delegações comerciais e
gestão de consórcios de compras.
No caso de clusters com grande
participação de pequenas e médias
empresas –como os de turismo, ves-
tuário e agricultura–, há uma enor-
me necessidade de órgãos coletivos
que assumam funções que levem a
economias de escala. Na Holanda,
por exemplo, as cooperativas de
produtores construíram instalações
especializadas em leilão e manejo
que são uma das maiores vantagens
competitivas do cluster de flores
holandesas.
A maioria das associações comer-
ciais de hoje é muito limitada;
representa setores, não clusters.
Além disso, uma vez que seu papel
é definido como de pressão sobre
o governo federal, seu escopo é
nacional, e não local. E associações
nacionais raramente dão conta de
questões locais que afetam a produ-
tividade dos clusters. ◆
© Traduzido e reproduzido com
autorização da Harvard Business
Review. Este artigo foi originalmente
publicado com o título Clusters and
the new economics of competition,
de Michael Porter, em novembro-
dezembro de 1998. Copyright 1998 do
presidente e membros do Harvard
College. Todos os direitos reservados.