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Revista Seminário de História da Arte

ISSN 2237-1923
VOLUME 01, Nº 08, 2019

MOVIMENTOS DA CARTOGRAFIA SOBRE EXPERIÊNCIAS


SUBJETIVAS EM SER PROFESSOR/ARTISTA
MOVEMENTS OF THE CARTOGRAPHY ABOUT SUBJECITVE EXPERIENCES IN BEING
A TEACHER/ARTIST

Janaina Schvambach
Doutoranda/UDESC/IFSUL1
janainaschvambach@gmail.com

RESUMO
O trabalho apresenta uma investigação de doutoramento em Artes Visuais cuja a criação de narrativas se dá pelo
método cartográfico a partir de imagens oriundas de um diário visual, tentando, nos interstícios, aprender as
subjetividades que compõe o ser professor/artista. A pesquisa pressupõe uma atitude cartográfica, pois as imagens
atuam como dispositivos para essas narrativas. Assim, a pesquisa mostra ou aponta experiências incorporadas pela
apreensão de sensações e afetos construídos ao longo de um determinado tempo e espaço, justificando-se por
caracterizar-se como um exercício de percursos sobre experiências no campo da arte e da docência, intermediadas
pelo olhar fotográfico. Para o caminho rizomático de investigação sobre a cartografia como método são utilizados
os autores Eduardo Passos, Virgínia Kastrup e Liliana da Escóssia (2015), Suely Rolnik (2006), Martins e
Tourinho (2009) e Wolney Fernandes de Oliveira (2016). Para os conceitos de dispositivo Agamben (2009) e de
experiência Jorge Larrosa (2002).

Palavras-chave: Cartografia. Professor/artista. Dispositivo. Experiência. Narrativas.

ABSTRACT
The work presents a doctoral research in Visual Arts whose narrative creation is by cartographic method based on
images from a visual diary, trying, in the interstices, to learn the subjectivities that make up the teacher/artist. The
research presupposes a cartographic attitude, because the images act as devices for these narratives. Therefore, the
research shows or points out experiences incorporated by the apprehension of sensations and affections built over
a certain time and space, justifying for being characterized as an exercise of paths about experiences in the field
of art and teaching, intermediated by the photographic look. For the rhizomatic path of research on cartography as
a method, authors Eduardo Passos, Virginia Kastrupo and Liliana da Escóssia (2015), Suely Rolnik (2006),
Martins and Tourinho (2009) and Wolney Fernandes de Oliveira (2016). For the concepts of dispositive Agamben
(2009) and experience Jorge Larrosa (2002).

Keywords/Palabras clave: Cartography. Teacher/artist. Dispositive. Experience. Narratives.

1
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais/CEART/UDESC e professora efetiva do
Instituto Federal Sul-Riograndense, campus Lajeado/RS.
Revista Seminário de História da Arte
ISSN 2237-1923
VOLUME 01, Nº 08, 2019

O presente artigo explanará sobre a pesquisa em desenvolvimento no Doutorado em


Artes Visuais/UDESC que relaciona imagens com experiências docentes e artísticas explorando
a criação de narrativas por meio da fotografia, mais especificamente, sobre a produção dos
dados usando a cartografia como método. Professor/artista, fotografia, experiência e dispositivo
(Figura 1) regem os caminhos conceituais, estruturando a pesquisa como uma paisagem
efêmera, que mostra ou aponta experiências em minha trajetória enquanto sujeito que percebe
o mundo por meio do encantamento de vistas cambiantes.

Figura 1: Construção do mapa da pesquisa (2019).


Fonte: https://www.instagram.com/diariodepassagens/

No início do doutoramento, criei um diário fotográfico no aplicativo de


relacionamentos, Instagram2. O 'Diário de Passagens'3 (figura 2) possui fragmentos de
realidades fugidias, imagens do passado, fotografias do presente, pequenos textos. Como um
arquivo, registro livros que quero ler, artistas que tenho como referência, trabalhos artísticos
que me afetam diretamente. Por meio do aplicativo, construo minha trajetória, em especial, o
percurso de doutoramento via tela de celular, portanto, tenho em mãos um ateliê móvel, um
álbum de fotografia que é também caderno de memórias e sala de exposição.

2
O aplicativo Instagram, suporte do Diário, é um site de rede social de fotografia que surgiu em 2010 e está
disponível para download gratuito nas plataformas Android e IOS.
3
Disponível em: https://www.instagram.com/diariodepassagens/, acesso 2018.
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Figura 2: Feed do Diário de Passagens (2019).


Fonte: https://www.instagram.com/diariodepassagens/

O percurso de doutoramento necessita de ferramentas e dispositivos para auxiliar a


pesquisa. No campo das artes visuais, as estratégias de construção da investigação, como
também as metodologias escolhidas, dissentem muitas vezes das tradicionais abordagens
cientificas. É importante e salutar o transbordamento de novas fontes primárias na elaboração
e coleta de dados, além da participação do pesquisador em alguns casos. Entre diários,
anotações, álbuns, fotografias, escutas, coletas, desenho e outras formas sensíveis de registro
do processo, a imagem permeia um campo expansivo e potente, assumindo proposições
narrativas que corroboram para encontros capazes de aprofundar os vínculos entre as
experiências.
Por conseguinte, em uma investigação onde o pesquisador se coloca como professor e
artista, suas vivências atravessam campos epistemológicos, como também, fazeres e saberes
inerentes às práticas. Olhar para esses momentos possibilita a construção de conhecimento por
meio de narrativas e subjetividades que segundo os autores Martins e Tourinho (2018, p. 01)
podem "ajudar a compreender e explicar como práticas culturais, sociais e visuais marcam a
trajetória e a subjetividade dos indivíduos, seus modos de perceber, interpretar e narrar".
A pesquisa narrativa abrange experiências humanas na tentativa de compreender ações
cognitivas e afetivas, muitas vezes ambíguas, mas potentes na criação de novas formas de
investigação. (MARTINS, TOURINHO, 2018, p.02). Por meio do conjunto, sensibilidade
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intelectual, ideológica e psicológica, a construção desse trajeto estabelece fluxos narrativos que
em muitos casos não possuem uma ordem coerente, porém, possibilitam "mediações entre
pensamento e ação, contexto e circunstância, presente e passado, mapeando os elementos que
constroem, tecem significados entre a história individual e a história social dos indivíduos".
(MARTINS, TOURINHO, 2018, p. 04)
O ponto de convergência entre a pesquisa narrativa, a experiência e o desejo de
investigar a minha trajetória é a cartografia que está sendo traçada durante o processo,
corroborando para mapear momentos em que a arte torna-se o olhar de como vejo o mundo e
como esse olhar pode interferir na minha docência, como também, na prática enquanto artista.
Assim, pela sensibilidade possibilitada pelo meu olhar fotográfico, a contemplação e as
experiências que marcaram minha formação enquanto devir, sigo sensível nas passagens entre
paisagens carregadas de afeto e que formam meus repertórios e referências.
A relação infinita de devir4 entre tempo/espaço produz um encantamento que reverbero
por meio do trabalho enquanto professora e artista. Investigar minha constituição enquanto
sujeito que é afetado constantemente por paisagens possibilita o entendimento da prática
profissional, docente e artística, que possui influência direta em minhas experiências de como
percebo o mundo.
Neste sentido, a experiência, segundo Larrosa (2002), se relaciona com paixão, com o
arrebatamento que determinada ação provocou internamente, que nos toca, que provoca uma
conexão significativa entre os acontecimentos. Deste modo, "se a experiência é o que nos
acontece, e se o sujeito da experiência é um território de passagem, então a experiência é uma
paixão" (Larrosa, 2002, p. 07). "O que nos passa, o que nos acontece", deixam marcas numa
superfície sensível, produzindo afetos, deixando vestígios; formando e transformando o sujeito.
Na perspectiva de Larrosa (2002), ter uma experiência tem se tornado momento raro na
vida do sujeito moderno; para o autor existem quatro fatores principais que prejudicam essa
relação: o excesso de informação, de opinião, falta de tempo e excesso de trabalho. É na falta
do silêncio e da contemplação que acabamos nos perdendo em meio à exageros desnecessários,
o desejo e necessidade de estar sempre "fazendo algo” boicota a possibilidade de que algo nos
toque:
A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto

4
“Devir é da ordem da aliança [...] Devir é um rizoma, não é uma árvore classificatória nem genealógica. Devir
não é certamente imitar, nem identificar-se; nem regredir-progredir; nem corresponder, instaurar relações
correspondentes; nem produzir, produzir uma filiação, produzir por filiação.” (DELEUZE; GUATTARI, 2005, p.
19).
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de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar
para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais
devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se
nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender
o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos,
falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte
do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA, 2017, p.
05).

Portanto, no presente trabalho, busco fomentar narrativas potencializadas pela produção


dos dados via método cartográfico, onde a imagem, em especial a fotográfica aponta para a
criação de histórias. A produção dos dados será proveniente do álbum de fotografias Diário de
Passagens que por meio dele construo conexões entre as experiências e passagens vivenciadas.

Diário como dispositivo


O Instagram se caracteriza como um álbum fotográfico que permite capturar imagens,
editá-las e compartilhá-las diretamente via celular. Por ser on-line, possibilita que as pessoas
produzam seus próprios conteúdos, compartilhando com amigos e seguidores. O Diário de
Passagens é utilizado como uma ferramenta que armazena o cotidiano em forma de arquivo
imagético. As fotografias, na maioria das vezes são realizadas e editadas via celular e a
plataforma onde estão disponibilizadas é aberta, sem restrições para o acesso. Escapam as
qualidades técnicas de uma boa imagem (luz, composição, enquadramento, exposição, etc),
pois privilegiam mostrar questões individuais e subjetivas, num emaranhado de visualidades,
referências e pensamentos que trafegam entre meu jeito de ver o mundo numa espécie de
narrativa imagética autobiográfica.
Deste modo, o Diário de passagens, atua como um dispositivo, na perspectiva de um
conjunto de forças inscrito num tempo e espaço, com práticas e mecanismos heterogêneos,
estabelecendo conexões entre elementos envolvidos nas relações de poder, saber e potência.
Neste sentido, dispositivo para Agamben é:

[...]qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar,


determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas,
as opiniões e os discursos dos seres viventes. Não somente, portanto, as
prisões, os manicômios, o Panóptico, as escolas, a confissão, as fábricas, as
disciplinas, as medidas jurídicas, etc., cuja conexão com o poder é num certo
sentido evidente, mas também a caneta, a escritura, a literatura, a filosofia, os
telefones celulares e – por que não – a própria linguagem, que talvez é o mais
antigo dos dispositivos. (2009, p. 40-41).
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Assim, coleciono imagens e através dele, construo o relato enquanto professora e artista
estabelecendo redes afetivas na cartografia das minhas experiências. Por meio das imagens,
delineio um caminho que se constrói como o movimento do vento, às vezes as nuvens densas
propiciam uma reflexão mais complexa e pessoal, noutras, nuvens esparsas pontuam falhas ou
mesmo, assuntos que devo explorar com mais atenção.

Figura 3: Tormenta (2019).


Fonte: https://www.instagram.com/diariodepassagens/

“Às vezes entre a tormenta, quando já umedeceu, raia uma nesga no céu, com
que a alma se alimenta. E às vezes entre o torpor que não é tormenta da alma,
raia uma espécie de calma que não conhece o langor. E, quer num quer noutro
caso, como o mal feito está feito, restam os versos que deito, vinho no copo do
acaso. Porque verdadeiramente sentir é tão complicado que só andando
enganado é que se crê que se sente. Sofremos? Os versos pecam. Mentimos?
Os versos falham. E tudo é chuvas que orvalham, folhas caídas que secam”.
Fernando Pessoa.

Como céu, me constituo passageira, moldada pelo vento e pela terra (figura 3). O diário
armazena e sugere outros desvios entre os caminhos enquanto professora e artista, nesses
atravessamentos trabalho com o inesperado. Nessas relações, criam-se paisagens e passagens,
olho para as imagens que me constituem, e percebo que o meu olhar fotográfico se torna
potência para a constituição do que sou enquanto sujeito atuante no campo das artes visuais.
Desse modo, a fotografia é o meu objeto de estudo, pois pela imagem cartografo a constituição
de uma subjetividade, tanto docente quanto artística, que contribua com a possibilidade de uma
docência inventiva.
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O diário é utilizado como uma ferramenta que armazena o cotidiano em forma de arquivo
imagético e como dispositivo provocador de rememorações visuais. Além de ser uma ferramenta
de auxílio para demarcar, guardar e expor minhas experiências, vivências e pensamentos, o
diário busca ser um lugar de estudos, procedimentos experimentais, bem como um dispositivo
de acesso democrático, no qual é possível acompanhar minha trajetória durante a pós-
graduação. Em relação ao uso do diário na pesquisa em arte, Goulart (2016, p. 92) afirma que
ele:

[...] desenvolve ressonâncias sobre a atividade plástica e textual, colabora para a


organização dos pensamentos, de ideias para obras e futuros projetos. Pensar o diário
como arquivo é ater-se ao guardado, o que se guarda com estima devido ao valor
atribuído. Este suporte pode ser um adendo físico da memória, mas diferente da
memória não escrita, aquela presente apenas no pensar, que não é exteriorizada, e que
passa por processo de reconstrução a cada momento em que é lembrada, o diário
mantém uma constante devido à documentação.

Enquanto ferramenta de criação e registro, o diário se torna um método de organização


e um receptáculo virtual que se constrói à medida dos percursos realizados, constituindo-se
como meio e não fim de uma ação. Nesse sentido, Sandra Rey (1996, p. 87) pontua: “pensar a
obra como processo, implica pensar esse processo não como meio para atingir um determinado
fim – a obra acabada – mas como devir.” Esse vir a ser no processo de criação pode continuar
indefinidamente, dialogando com a própria produção e com os outros pares.
Logo, esses registros não são apenas instrumentos de interação na web, mas uma criação
subjetiva que possibilita pensar sobre suas ressonâncias na minha constituição enquanto
professora/artista reconectando experiências e demarcando cronologicamente momentos e
lembranças, todas disponíveis ao mesmo tempo na linha de publicação. Para Monteiro (2016, p.
7),

A adição de relatos pessoais nestas plataformas constituiria uma tentativa de


catalogação de registros sobre nossas vidas. Enquanto plataformas que permitem o
compartilhamento de fotos, vídeos e textos, estas redes seriam um serviço de
digitalização de memórias pessoais e, também uma tentativa dos usuários de reter a
própria identidade – mesmo que temporariamente.

Ao expor meus registros, torno público o trajeto que venho percorrendo para ter a
possibilidade de interação com outros pares5. Portanto, na visão de Monteiro (2016, p. 3), “os

5
O Diário de Passagens não é secreto, pois se encontra disponível em uma rede social. Porém, sua exposição é
indireta, tendo como mediação a distância com o espectador/seguidor. Desse modo, acredito que a liberdade,
fundamental na criação de um trabalho, se encontra presente justamente por causa desse contato virtual, por meio
do qual os fluxos das interações transformam-se também em processo poético.
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sites de redes sociais seriam, então, lugares privilegiados para troca de experiências e relatos
acerca da própria vida.” Nesse caso, o diário media todo o processo, pois realiza as conexões
entre as várias subjetividades que constituem a construção da pesquisa acontece por meio do
cruzamento das leituras referenciais, dos conceitos/noções e das relações que estabeleço com
os momentos vivenciados.

Movimentos da cartografia
A produção de fotografias, via diário, estrutura a composição de um eixo narrativo em
que a imagem perpassa além da técnica e sugere a potencialidade da fotografia por meio do
meu olhar. A pesquisa pressupõe uma atitude cartográfica, pois escolho as imagens, que atuam
como dispositivos para criação das narrativas. “Eis então o sentido da cartografia:
acompanhamento de percursos, implicação em processos de produção, conexões de rede ou
rizomas.” (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015, p. 10). Não há finais, apenas inícios, que
apontam para uma estrada com diversos caminhos, sendo que a paisagem efêmera se desfaz a
todo momento, tornando-se, para mim, lugar afetivo.
O trajeto metodológico que percorro parte da construção do conhecimento durante o
percurso, numa condição de efemeridade e fragmentação, por meio da fluidez e devir. Para o
pesquisador Wolney Fernandes (2016), "toda experiência cartográfica pressupõe o
acompanhamento de processos e o desmanchamento de certas rotas para a elaboração de outras
enquanto o caminho está sendo trilhado e continuado. FERNANDES, 2016, p. 27). Assim, "a
cartografia sugere um fluxo permanente, um devir, um tornar- se, um vir-a-ser".
(FERNANDES, 2016, p. 44).
Assim, com a “[...] cartografia, que tem como desafio desenvolver práticas de
acompanhamento de processos inventivos e produção de subjetividades” (BARROS;
KASTRUP, 2015, p. 56), componho a pesquisa como uma paisagem inventário; entre o sujeito,
o mundo e seu entendimento, existem diversas linhas atravessadas, esses
encontros/desencontros podem ser considerados zonas de tensão; entre linhas que se cruzam e
se tencionam, temos a opção de fazer escolhas. Para Kastrup e Barros (2015, p. 76-77):

A opção pelo método cartográfico [...] ratifica sua pertinência para acompanhar
a processualidade dos processos de subjetivação que ocorrem a partir de uma
configuração de elementos, forças ou linhas que atuam simultaneamente. As
configurações subjetivas não apenas resultam de um processo histórico que
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lhes molda estratos, mas portam em si mesmas processualidade, guardando a


potência do movimento.

Portanto, pensar nossa condição enquanto processo de ser professor perpassa o sujeito
em si indo além das práticas educacionais, pois se relaciona com o meio em que está inserido,
tanto em práticas culturais, quanto sociais e históricas. Entender o processo de formação do
professor/artista permite um desdobramento de novas possibilidades; o sujeito quando
descobre/questiona/revê sua caminhada tem a possibilidade de se olhar criticamente e se
transformar. Essa reflexão dentro do campo do ensino da arte é relevante para conectar a
subjetividade da prática docente e o próprio processo de formação docente. (LAMPERT, 2015).
Acredito que será em meio a tempestades, tormentas e rajadas de vento, que o devir
poderá compor outros modos de ser. Assim, aproprio-me das palavras de Joaquim Alberto Luz
de Jesus (2013, p. 24), quando o autor justifica sua pesquisa, “esta investigação mais do que
definir pretende compreender. Mais do que categorizar, pretende criar. Mais do que esclarecer,
pretende emaranhar. Mais do que responder, pretende perguntar.” Ao olhar para minha
subjetividade enquanto professora/artista, olho também para o outro e para a grande área da
educação e da arte. Em uma investigação em que o pesquisador se coloca como objeto, suas
vivências atravessam campos epistemológicos, como, também, fazeres e saberes inerentes às
práticas. Olhar para esses momentos, pode possibilitar a construção de conhecimento por meio
de narrativas que, segundo os autores Martins e Tourinho (2009, p. 1), podem “ajudar a
compreender e explicar como práticas culturais, sociais e visuais marcam a trajetória e a
subjetividade dos indivíduos, seus modos de perceber, interpretar e narrar”.
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Figura 4: Será esse o único caminho? (2016). Fonte: https://www.instagram.com/diariodepassagens/

Como um mapa (figura 4) sem começo e fim, o caminho metodológico traça em


pequenas trilhas uma cartografia, como a sombra que se mostra frágil e sujeita há movimentos
solares, as escolhas das imagens, como também, dos procedimentos utilizados constroem uma
paisagem efêmera, múltipla e transversal. Para Eduardo Passos e Regina de Barros (2015, p.
17, grifo do autor):
A cartografia como método de pesquisa-intervenção pressupõe uma orientação
do trabalho do pesquisador que não se faz de modo prescritivo, por regras já
prontas, nem com objetivos previamente estabelecidos. No entanto, não se trata
de uma ação sem direção, já que a cartografia reverte o sentido tradicional de
método sem abrir mão da orientação do percurso da pesquisa. O desafio é o de
realizar uma reversão do sentido tradicional de método – não mais um
caminhar para alcançar metas prefixadas (metá-hodos), mas o primado do
caminhar que traça, no percurso, suas metas. A reversão, então, afirma um
hódos-metá.

Nessas estradas que não possuem um destino final, a pesquisa percorre e ao mesmo
tempo cria; abrange experiências humanas na tentativa de compreender ações cognitivas e
afetivas, muitas vezes ambíguas, mas potentes na criação de novas formas de investigação.
(MARTINS; TOURINHO, 2009). “Há transformação da experiência em conhecimento e de
conhecimento em experiência, numa circularidade aberta ao tempo que passa.” (BARROS,
KASTRUP, 2015, p. 70). Portanto, a pesquisa exige “um mergulho no plano da experiência”,
que se realiza no tempo presente na revelação da imanência dos saberes, fazeres e afetos.
Assim, essas narrativas para a área da educação podem proporcionar outra dimensão
nos repertórios, eventos, experiências do docente enquanto sujeito ativo de uma história,
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possibilitando a compreensão de sua trajetória e contribuindo para a reflexão dos saberes e


fazeres contingentes nessas relações. Ao dar sentido a essa prática, rever a própria trajetória,
olhar para a área da educação e refletir sobre esses momentos, a pesquisa pode reverberar
também na prática dos pares, logo, a investigação ganha corpo e pluralidade, ajudando a
repensar e reavaliar repertórios e construções epistemológicas, neste caso, nos referenciais que
conversam com o ensino e a prática em artes.

Considerações finais, o fim que é início

Figura 5: “Preciso ouvir o céu”. (2019).


Fonte: https://www.instagram.com/diariodepassagens/

Como uma observadora de olhar encantado (figura 5), construo silenciosa o Diário de
Passagens na perspectiva de um conjunto de forças inscrito num tempo e espaço, com práticas
e mecanismos heterogêneos, estabelecendo conexões entre seus elementos. Desse modo,
coleciono e retiro imagens, através do diário, crio narrativas enquanto professora e artista,
estabelecendo redes afetivas na cartografia das minhas experiências. Por meio das imagens,
delineio um caminho que se constrói como o movimento do vento, às vezes as nuvens densas
propiciam uma reflexão mais complexa e pessoal; noutras, nuvens esparsas pontuam falhas ou
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mesmo assuntos que devo explorar com mais atenção. Como nuvem, me constituo passageira,
moldada pelo vento e pela terra.
Assim, o diário fotográfico pretende armazenar e sugerir outros desvios entre os
caminhos; nesses atravessamentos, utilizo um método que trabalha com o inesperado. Nessas
relações, criam-se histórias, olho para as imagens que me constituem e percebo que o
encantamento por elas se torna potência para a composição do que sou enquanto sujeito atuante
no campo das artes visuais. Desse modo, a fotografia é o meu objeto de estudo, pois pela imagem
cartografo a constituição de uma subjetividade, tanto docente quanto artística, que contribua com
a possibilidade de uma docência inventiva.
O exposto sugere a gênese de um trabalho que está se formando pelo meio, não há
inícios e fim, existe apenas o desejo de refletir sobre a experiência por meio da potência
ocasionada pela arte e pela fotografia. Pensar, produzir, e refletir sobre a arte, contribuem para
a experiência enquanto docente, pois possuir um pensamento poético exercita um maior
entendimento perante o que se é produzido em nossa cultura, assim, corroboram
transversalmente na prática do ensino. Já a experiência docente, equilibra a construção
epistemológica da minha produção artística. Não há separações e classificações, mas sim, um
devir que vem a ser momento singular, que procura por meio da verdadeira experiência, efetuar
a construção de narrativas, entrecruzando referenciais teóricos, experiências pessoais e
visualidades.

Figura 6: “Navegar é preciso”. (2019).


Fonte: https://www.instagram.com/diariodepassagens/
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“Há um ano escolhi navegar por outros mares. Águas desconhecidas. Sem
mapa e direção, mal sabia que iria me desfazer para ser outra, outra
professora, outra artista, outra Janaina. À deriva fui encontrando meu novo
caminho, minha nova casa, meu novo trabalho. Sei que a viagem não tem um
destino final, apenas alguns portos seguros e ilhas, sem paragem e de
passagem sigo mirando o horizonte e observando o céu. Mudar é preciso.”

Nesse mar de horizontes (figura 6), não há finais, apenas inícios que apontam para uma
estrada com diversos caminhos, a paisagem efêmera que se constitui e se desfaz a todo momento
passa a ser lugar afetivo e por meio das visualidades, escrevo metaforicamente momentos que
somente a contemplação estética poderia provocar; essas paisagens fazem parte do que sou.

REFERÊNCIAS

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