Você está na página 1de 13

XIX ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, São Paulo, 2009, pp.

1-13

A QUESTÃO AGRÁRIA NA AMAZÔNIA BRASILEIRA¹

¹ Rosilene Silva da Conceição


Mestranda do Programa de Pós – Graduação em Geografia da Universidade
Federal do Amazonas - UFAM
nenarosilene@bol.com.br

Resumo: A problemática Agrária Brasileira é um destes desafios a ser enfrentados por


governos que realmente fixem como meta iniciar um processo de reforma agrária
abrangente, que preferencie os pequenos agricultores. Este artigo é resultado de
reflexões realizadas ao longo de uma trajetória docente e ao mesmo tempo enquanto
estudante de graduação e Pós-Graduação em Geografia; o qual pretende contribuir
com a discussão sobre a problemática agrária na Amazônia, onde a melhoria da
qualidade de vida da população, principalmente a rural, é um tanto difícil de
concretizar-se, entre outros, por desconhecimento sócio-cultural e ambiental da região,
por parte de quem pensa as políticas públicas para a mesma.
Palavras – Chave: Reforma Agrária, Pequenos Agricultores, Políticas Publicas,
Amazônia Brasileira.

Resumen: La cuestión es un brasileño Agraria a estos desafíos se enfrentan los


gobiernos que realmente se fija una meta iniciar un amplio proceso de reforma agraria
que preferencie los pequeños agricultores. Este artículo es resultado de las
deliberaciones celebradas durante un profesor de historia al mismo tiempo que un
estudiante de graduados y post-graduación en Geografía, que tiene por objeto
contribuir al debate sobre la cuestión agraria en la Amazonas, donde una mejor calidad
de vida de población, principalmente rural, es un poco difícil a llevarse a cabo, entre
otros, por la ignorancia socio -cultural y ambiental en la región.
Palabras - clave: Reforma Agraria, los pequeños agricultores, Políticas Públicas,
Amazonia brasileña.
2 XIX ENGA, São Paulo, 2009 CONCEIÇÃO, R. S.

Este trabalho pretende contribuir com a discussão sobre a problemática agrária


na Amazônia Brasileira, onde a real melhoria da qualidade de vida da população rural é
um tanto difícil de concretizar-se, entre outros, por desconhecimento sócio-cultural e
ambiental da região, como também devido, historicamente, no Brasil não ter se
efetivado, de fato, a Reforma Agrária. Sobretudo pela ausência de vontade política,
onde o discurso ideológico defensor da concentração da terra e renda em favor da elite
(principalmente a latifundiária) exclui de políticas públicas a classe popular brasileira,
de modo particular, as que habitam as regiões mais distantes geograficamente e
menos desenvolvidas economicamente, como a Amazônia Brasileira.

Pensar a Reforma Fundiária para a Amazônia perpassa necessariamente em


considerar questões sociais, culturais, ambientais, como também político-ideológicas,
as quais percebe-se que atrapalham o efetivo e sustentável desenvolvimento do país
em si, uma vez que ao longo de sua história política, o Estado Nacional Brasileiro
defende o interesse do capital nacional e internacional, privilegiando, assim, o modelo
agrário exportador dependente. Tal discurso sempre surte grandes efeitos, tanto que
quando sente-se concretamente ameaçado - momento em que o presidente João
Goulart anuncia “o conjunto das reformas de base em que sobressaía a Reforma
Agrária, provoca o golpe militar de 1964”. (Canuto & Balduino, 2003); impulsionando
imediatamente a mobilização da sociedade em torno do tema, emergindo desta forma,
as Ligas Camponesas do Nordeste, e a Mobilização Camponesa em Goiás, as quais
forçaram a criação do Estatuto da Terra (Lei Nº 4.504, de 1964) e demais órgão
estatais que teriam função deliberativa, normativa, fiscalizadora, etc, (INCRA, por
exemplo), mas que infelizmente nem, no passado, nem no presente, cumprem
condignamente seu papel a contento.
A ausência de uma concreta reforma fundiária ao longo da história brasileira
possibilitou entre outros, a organização e o fortalecimento político do latifúndio - a
bancada ruralista, como ficou conhecia no Congresso Nacional. Esta com voz e vez
nos governos tanto federal, como estadual e municipal, consegue defender seus
interesses, inclusive manter o latifúndio improdutivo, causador de muitos conflitos no
campo. Questão que tornou-se mais contundente a partir da década de 1980 com a
propagação do sindicalismo no campo e o surgimento do MST (Movimento de
Trabalhadores Rurais Sem Terra), os quais têm em comum, forçar a reforma fundiária.
Uma reforma que beneficie o pequeno produtor rural, a agricultura familiar, não
somente com o assentamentos, mas, com assistência técnica e infra-estrutura social
A questão agrária na amazônia brasileira, pp. 1-13 3

para os mesmos. Infelizmente apenas após o conflito ocorrido aqui na Amazônia


Brasileira, mas precisamente em Eldorado dos Carajás (PA) é que o Governo Federal
começa a direcionar determinadas ações, a exemplo dos assentamentos, para
“minimizar” tais conflitos e dar alguma resposta à sociedade, neste sentido. Porém, na
realidade,

O que o governo FHC desenvolveu foi uma política de assentamentos,


sem ter tocado em nada na estrutura fundiária brasileira. Ao mesmo
tempo em que efetuou o maior número de assentamento da história, um
número superior de famílias abandonou o campo pela ausência de
políticas que lhe permitissem nele viver com dignidade (CANUTO &
BALDUINO, 2003, p. 43).

Um dos compromissos de campanha do Governo Lula é a Reforma Agrária, mas


também por razões políticas (alianças políticas com centro e direita) ainda não verifica-
se ações concretas neste sentido.
A partir da década de 1980 várias entidades não governamentais vêm dando sua
contribuição no sentido não só de pressionar por uma real reforma agrária, como
também cumprindo seu papel social junto ao pequeno produtor rural, pescador,
extrator, tanto em nível federal como regional, exemplo disto é o trabalho da CPT
(Comissão Pastoral da Terra), entidade ligada à Igreja Católica que trabalha a
orientação, conscientização e organização do homem do campo, imprimindo-lhe mais
cidadania.
Uma ação significativa da CPT, em nível nacional, foi uma reflexão sobre o que
um programa de reforma agrária deve incorporar, o qual resultou na elaboração dos
apontamentos da CPT para o II Plano Nacional da Reforma Agrária, onde é destacado
cinco dimensões: acesso à terra; acesso a água; organização da produção; mercado,
cultura camponesa, esta última trabalha a perspectiva da transversalidade,
considerando a diversidade regional, onde a reforma agrária valorize e resgate as
experiências existentes, bem como a diversidade de ecossistemas e culturas existente
no Brasil. Assim, nós, amazônidas por exemplo, deveremos definir que reforma agrária
deve ser implantada em nossa Região.
4 XIX ENGA, São Paulo, 2009 CONCEIÇÃO, R. S.

Se esta idéia, em algum momento for incorporada pelo Estado Nacional


Brasileiro, terá sido um avanço para o pequeno trabalhador rural amazônida, uma vez
que, neste sentido, ao longo do tempo, as ações são pensadas de cima para baixo,
sem considerar a realidade ecossistêmica, econômica, social e cultural da região e, de
equívoco em equívoco, sem políticas públicas que de fato o beneficiem, com crédito
bancário, extensão rural eficiente, saúde e educação, garantia de preço e mercado, o
“nosso” ribeirinho fica cada vez mais desassistido, empobrecido, desacreditado, enfim,
sem esperança de dias melhores no campo. E assim, sua migração para a cidade é
uma constante, onde costumeiramente, torna-se favelado, marginalizado (pela fa1ta de
acesso a benefícios, como emprego), sentido-se “um peixe fora d’gua”, pois sua
identidade, espacialidade, modo de vida é rural.
Se no Brasil, as políticas públicas para o trabalhador rural sempre foram
modestas, na Amazônia estas são irrisórias, realidade contraditória demais, uma vez
que estudos no sentido de que os recursos naturais de nossas florestas e rios são
suficientes para gerar nossa riqueza econômica, então porque não explorá-la de forma
sustentável, valorizando o saber empírico do amazônida que tem conhecimento de
causa sobre a dinâmica dos mesmos? Por exemplo, dando condições técnicas para
mantê-lo no campo praticando a agricultura familiar ou manejando racionalmente a
pesca? A produção de alimentos foi à saída na geração de riquezas para outros
países. Por que não seria para o Brasil?
Historicamente o homem amazônico vive esquecido; assim sendo, em alguns
lugares, percebendo o esgotamento dos recursos naturais, em virtude da prática de
manejo se efetivar de forma irresponsável, pelo capital nacional e internacional
instalados na região, inicia processos de organização social, primeiramente com apoio
a C.P.T (Comissão Pastoral da Terra), os quais se constituem num primeiro momento
nos chamados Movimentos de Preservação dos Lagos, como também em
conseqüência da mobilização social por ocasião da Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco/92), estes movimentos ampliam-se, a
saber: Grupo Ambiental Natureza Viva (GRANAV/PARINTINS); Grupo de Preservação
e Desenvolvimento (GPD/TEFÉ); Associação pela Preservação Ambiental e Cultura
(ASPAC/SILVES), trabalhando uma perspectiva sócio-ecológica do uso de gestão local
de recursos naturais de uso coletivo. A este respeito, Borrini - Feyerabend (2000) apud
Pereira (2007, p. 68), argumenta:
A questão agrária na amazônia brasileira, pp. 1-13 5

Uma situação na qual dois ou mais atores sociais negociam, definem e


asseguram entre si uma divisão justa das atividades de manejo, direitos
e responsabilidades sobre um determinado território, área ou conjunto
de recursos naturais.

Percebe-se que a formação desses grupos ambientalistas têm significativa


importância não só porque se afirmam como resistência na luta por uma reforma
fundiária que traga reais melhorias da qualidade de vida no campo, mas sobretudo em
virtude de motivarem e amadurecerem as discussões sobre a realidade rural da
Amazônia; onde apesar deste modelo de gestão local de recursos naturais apresentar
aparente fragilidade, devido ao traço característico do localismo ecossistêmico, não
deixa de ter, um certo fortalecimento sócio-político, uma vez que trabalha a troca de
experiência de forma organizada; mudando até certo ponto a concepção de décadas
atrás, sobre o ribeirinho amazônico. Pois, segundo Álvaro Maia, na década de 1940,
era comum assim referir-se ao ribeirinho:

Fala-se ainda dessa gente que vive sem esmorecer e cresce sem
gemer. Certos atos aparentemente desusados, têm a desculpa do
ambiente. Aqui não há polícia, não há remédios, não há professores,
não há médicos (MAIA, 2002 apud SCHERER, et al, 2007, p. 106)

Contemporaneamente esta situação não experimentou significativas mudanças,


pois com o advento da Zona Franca de Manaus (1967) impulsionou-se os mega-
projetos para a região, apoiados pelo Estado Nacional Brasileiro; porém o modelo
econômico aqui implantado, segundo Scherer. et al (2007),

Ignorou e menosprezou historicamente a diversidade tanto dos


inúmeros ecossistemas amazônicos quanto das populações
tradicionais: caboclos, castanheiros, pescadores e seringueiros além de
várias etnias (p. 92).

Infelizmente a educação, com ênfase ambiental e saúde de qualidade para esta


população ainda é um sonho difícil de concretizar-se, uma vez que em instância
6 XIX ENGA, São Paulo, 2009 CONCEIÇÃO, R. S.

governamental faltam investimentos maciços e suas ações são continuadamente


demagógico-eleitoreiras. Com a economia, não é diferente, pois está voltada para a
agricultura de subsistência, geralmente com a utilização de técnicas rudimentares.
Nas ações voltadas para a população carente, dos governos federal, do tipo Brasil
em Ação, desdobrado em Avança Brasil, e estadual - Ações para o Amazonas crescer
com trabalho e renda para todos, onde está contido o programa Zona Franca Verde,
verifica-se o discurso da preservação ambiental; política fundiária com crédito acessível
voltada para a permanência do homem no campo, enfim, melhoria cidadã. Contudo,
fica difícil acreditar no discurso cidadão que não considera, de fato, modos de vida de
populações tradicionais (a exemplo de índios e caboclos); culturas; saberes; como
também não beneficia significativamente estas populações amazônicas com efetivo
trabalho, o qual é gerador de renda e emprego.
Neste sentido, é oportuno fazer-se uma reflexão sobre a Carta da Terra,
percebendo, assim, alguns avanços na geração de renda e emprego no campo e
conseqüentemente na cidade, uma vez que teríamos a realização de uma ampla
reforma agrária, a qual contemplaria verdadeiramente o fortalecimento da agricultura
familiar, garantindo o direito ao trabalho para a população rural, excluída desse
processo, principalmente na Amazônia, concretizando, com isso a produção satisfatória
de alimentos para atender a demanda interna e, quem sabe, exportar o excedente. Ao
mesmo tempo em que seria concretizada a democratização do acesso a terra e a água;
a assimilação e efetivação do desenvolvimento sustentável e solidário; o respeito aos
direitos do campo, inclusive quanto ao reconhecimento e demarcação das terras das
comunidades indígenas e de remanescentes de quilombos; criação de reservas
extrativistas; bem como o respeito à cultura, saberes e modos de vida de populações
tradicionais, que historicamente vivem na Amazônia, e que dificilmente desfrutam de
qualidade de vida.
Dentro da perspectiva do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no
Campo, acredita-se que é possível ter paz, justiça social e, de fato, qualidade de vida
na Amazônia, nas demais Regiões Brasileiras e, particularmente, no campo, se houver
vontade, pois se assim o for, haverá políticas públicas sérias, nessa direção.
Na Amazônia Brasileira principalmente no Pará e Rondônia e, mais recentemente,
em Roraima e Amazonas os conflitos de terra são constantes em virtude de fatores
como: sobreposição de territórios, a falta de política fundiária, que beneficie indígenas,
pequenos agricultores, garantindo sua produção agrícola e a prática do extrativismo, os
quais asseguram sua sobrevivência; o avanço da pecuária, inclusive em áreas de
A questão agrária na amazônia brasileira, pp. 1-13 7

várzea; grilagem de terra, onde os madeireiros e grandes produtores aproveitando-se


da falta de política fundiária, apropriam-se de grandes áreas de terra, objetivando a
prática do desmatamento em larga escala, com fins de extração de madeira e
plantação de soja e outras monoculturas.
Alguns avanços têm no surgido no sentido de concretizar uma Política Fundiária
para a Amazônia; porém nota-se que estes surgem mais em decorrência de pressões
institucionais em níveis internacionais, nacionais e regionais para que os governos
pensem em políticas publicas que possibilitem o desenvolvimento com equilíbrio da
Região. Todavia, tais governos comentem equívocos neste sentido, em virtude do
desconhecimento das realidades geográficas locais, aliado ao fato das ações nesta
direção serem pensadas por técnicos que além de desconhecerem estas realidades,
desconsideram a complexidade da dinâmica do Sistema Amazônico. Da mesma forma,
o fator cultural do homem amazônico e seu conhecimento de causa sobre a dinâmica o
meio natural a que está inserido, deveriam necessariamente ser considerados no
momento em que são pensadas ações desenvolvimentistas para a Região. Percebe-
se, no entanto, que o fracasso das mesmas são constantes, por não serem valorizados
os fatores aqui descritos. Por outro lado, já começa a surgir discussão, em nível de
Congresso Nacional sobre esta necessidade.
Vejamos alguns exemplos que em 2008 caracterizaram a falta de política
fundiária para a Amazônia.
1. Presença de pecuaristas em áreas de proteção ambiental e pressão dos
sojicultores de Mato Grosso sobre as Unidades de Conservação. Em função de
situações como esta, o IBAMA conjuntamente com o Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade preparam um conjunto de ações para enfrentar
o desmatamento e acelerar a regularização fundiária; uma vez que segundo o
IBAMA, estima-se que deve haver, mais de 500 famílias dentro de duas
Unidades Estaduais (Floresta do Iriri, 500 mil hectares, e a área de Proteção
Ambiental Triunfo do Xingu de 1.679 milhões de hectares), as quais terão que
ser remanejadas.
2. Em discussão no Senado Federal sobre a aprovação de Lei que atualize o
Código Florestal (lei 4.771/65), o senador Jonas Pinheiro (DEM-MT) afirmou que
atualização estabelecerá regras para o direito a propriedade, visto que a maioria
das alterações do Código Florestal foi feito por meio de medidas provisórias, e
estas, por não terem se transformado em lei pelo Congresso, causam indecisão
aos proprietários de terra. Afirmou ainda que mais de 35 municípios de Mato-
8 XIX ENGA, São Paulo, 2009 CONCEIÇÃO, R. S.

Grosso estão impedidos de desmatar qualquer área, situação que em sua


avaliação, prejudica os pequenos agricultores.
3. Segundo a Superintendente do IBAMA em Roraima, Srª Nilza Baraúna, “os
produtores dos 36 mil hectares de plantação de arroz na Terra Indígena Raposa
Serra do Sol, não têm autorização do órgão competente para o cultivo da
cultura. Estes plantadores de arroz têm autorização e estadual e não federal”.
Ainda em referencia a esta questão, o Coordenador do Conselho Indigenista de
Roraima, Sr. Dionito de Souza, declarou:

“vamos defender a nossa terra. Queremos manter a nossa terra.


Queremos manter a reserva como está para não sofrer, ficar sem teto,
roubar. É preciso defender a vida de vários povos que lá existem.
Favorecendo ou não a Reserva Raposa Serra do Sol, os povos
indígenas são moradores dali”.

Em função dos debates no Supremo Tribunal Federal e a discussão na mídia


sobre a Raposa, o fórum em Defesa dos Povos Indígenas e uma dezena de
entidades de apoio, publicaram em Roraima um Manifesto de Apoio aos
Indígenas, onde afirmaram que a ocupação tradicional indígena sobre a
extensão integral da Raposa é comprovada por documentação histórica
considerada determinante para a definição da fronteira do Brasil com a Guiana e
que mais de 18 mil índios de várias etnias vivem nessa área.
4. “São gigantescas extensões de várzea. Por enquanto nossos produtores atuam
somente em pedaços de terra de no máximo três hectares”. Esta afirmação é do
Secretário de Estado da Produção Rural do Amazonas, Eron Bezerra, quando
da divulgação de parceria entre o Governo do Estado do Amazonas e a
SUFRAMA (Superintendência da Zona Franca de Manaus) para o incentivo do
plantio de juta e malva, nos municípios de Itacoatiara, Manacapuru e Parintins,
intencionando tornar o Brasil auto-suficiente na produção destas fibras. Todavia,
declarações como esta deixam margem para deduzir que grande parte da
extensão de várzea do Estado do Amazonas não é terra devoluta, está talvez
indevidamente ocupada; uma vez que é sabido que a maioria dos ribeirinhos
amazônicos possuem pequenas áreas de terra para plantar, ou às vezes nem as
possuem, plantam em terras cedidas.
5. Após conflitos entre os agricultores que fazem parte da Associação dos
Trabalhadores Agrícolas do Paraná do Espírito Santo do meio (Município de
A questão agrária na amazônia brasileira, pp. 1-13 9

Parintins-AM, área fronteira com o Estado do Pará) e o pecuarista Valdilson


Monteiro Pontes, os quais resultam em processo judicial para membros desta
Associação; seu presidente, Sr. Adilson Brito da Silva, declarou “Agimos errado,
tocamos fogo na casa deles e quase acontece, coisa mais grave. Somos
agricultores e não bandidos, mais a revolta e as constantes ameaças acabou
gerando essa situação”.

Nos últimos anos, verifica-se que começam a surgir iniciativas em nível de


Congresso Nacional e autarquias federais sobre a necessidade de discutir-se a
efetivação de políticas públicas para a Amazônia condinzentes com sua realidade
geográfica e cultural. Neste sentido os Senadores, Cristóvam Buarque e Geraldo
Mesquita Júnior, declaram respectivamente: “Temas como a falência das políticas
públicas para a Região, bem como os associados à soberania brasileira e a
preservação ambiental precisam estar presentes nas discussões do Congresso
Nacional”. “As políticas públicas para essa parte do território brasileiro precisam
enfocar o ser humano uma vez que eles utilizam técnicas de plantio rudimentares por
que não têm acesso às novas tecnologias agrícolas. O foco não tem sido o homem,
quando se fala em queimada, em produção”.
Com o propósito de consolidar políticas públicas fundiárias para a Região, órgãos
como o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) já começam a
sinalizar com iniciativas como a de destinar R$ 7,5 milhões para a recuperação e
abertura de Estradas Vicinais no Estado do Amazonas, beneficiando 12 projetos de
assentamento nos municípios de Manaus, Nova Olinda do Norte, Apuí, Novo Aripuanã,
Presidente Figueiredo, Parintins, Rio Preto da Eva e Lábrea, visando facilitar o
escoamento da produção, garantindo a geração de renda aos assentados.
Porém é desestimulador para os pequenos produtores amazônicos quando
tomam conhecimento de notícias como a da Concessão Florestal, pelo Governo
Federal, de 96 mil hectares da Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia, amparada
pela Lei de Gestão das Florestas Públicas, que possibilita a exploração da floresta por
concessionárias, durante um período de até 40 anos, objetivando evitar a grilagem de
terras na Amazônia, e promover o desenvolvimento sustentável da floresta. Ações
como esta desagradam bastante os habitantes da Amazônia, pois fica visível que a
Região não é pensada pelos Amazônidas e para os Amazônidas. Para estes, a
pergunta que não quer calar é: Por que o Governo Federal concede terras a grandes
concessionárias madeireiras e ao agronegócio e não aos pequenos/médios produtores
10 XIX ENGA, São Paulo, 2009 CONCEIÇÃO, R. S.

de alimentos, bem como a pequenos madeireiros aqui mesmo da Amazônia, que já


trabalham com madeira certificada, conseqüência dos Projetos de Manejo Florestal.
Iniciativas como esta não coíbem significativamente a grilagem nem promovem o
desenvolvimento sustentável da região, porque o grandes empreendimentos que
instalam-se na mesma não tendo compromisso com a sua gente, cultura e
biodiversidade; manejam os recursos de forma insustentável, acumulam capital e
voltam para regiões mais desenvolvidas, deixando a degradação ambiental com
herança para os povos da Amazônia. Isto é possível principalmente por que a infra-
estrutura dos órgãos fiscalizados, tanto federais como estaduais está a quem da que a
necessidade exige.
Enquanto população da Amazônia, tem-se que concordar com o Governador do
Amazonas, Eduardo Braga, quando contestou a proposta do Ministro da Secretaria de
Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Mangubeira Unger, que propôs a
criação de um órgão para cuidar da Regularização Fundiária na Amazônia. Segundo o
governador,

“é preciso estabelecer uma política compartilhada com outros Estados;


não será um novo órgão que vai resolver, mas uma ação integrada
entre o governo federal, estadual e municipal. Só assim poderemos
resgatar a divida do país com o nosso maior patrimônio”.

O que espera-se dos governantes é que os mesmos em suas devidas esferas,


passem dos discursos às ações, promovendo a real melhoria da qualidade de vida não
somente dos amazônicas, mas de todos os brasileiros, pois sabe-se que esta melhoria
perpassa por priorizar as questões fundiárias, produção de alimentos e geração de
renda e emprego, imprescindíveis para um país que se propõem a sair da condição de
subdesenvolvimento.
Em instância regional, iniciativas como a dos Institutos de Terras do Amazonas e
Pará são importantes para reforçar a consolidação de Políticas Fundiárias para a
Região Amazônica. Conseqüência de conflitos pela posse da terra tais institutos estão
agilizando títulos definitivos para pequenos produtores residentes em comunidades
situadas em área de fronteira interestadual. Estas ações contribuem também para a
resolução de problemas de identidade territorial, característico de área de fronteira.
Outra iniciativa interessante é a de AAM (Associação Amazonense de Municípios)
que defendeu em Brasília durante a reunião do Projeto Diálogos Setoriais;
contribuições à Construção do Plano Nacional sobre Mudança do Clima, várias
A questão agrária na amazônia brasileira, pp. 1-13 11

proposições a serem implementadas na Amazônia. Entre as reivindicações está a


defesa da Regularização Fundiária, priorizando a promoção de um modelo de
ocupação e uso do solo, bem como a garantia dos órgãos competentes para a
efetivação desta regularização e reordenamento da terra, sem tanta burocracia.

PALAVRAS FINAIS

Os problemas fundiários da Amazônia, são conseqüência do Estado Nacional


Brasileiro, não ter promovido, ao longo de seu processo histórico, uma ampla reforma
agrária, que beneficiasse significamente os pequenos agricultores, os quais em sua
maioria, sobrevivem precariamente nas Regiões Brasileiras, principalmente nos lugares
mais distantes geograficamente, como é o caso das margens dos rios amazônicos ou
dentro de ramais de precárias rodovias.
Enquanto Sociedade Civil Organizada sem dúvida o MST, contribuiu com o
aceleramento do processo de regularização fundiária e reordenamento da terra,todavia,
acredita-se que conquistou certo descrédito social, por cometer excessos em suas
ações de luta, os quais caracterizaram-se como falta de respeito às leis, uma vez que
não é licito depredar o patrimônio público nem a propriedade privada. Mesmo assim,
continua sendo um movimento de luta em favor da Reforma Agrária.
Organismos como: Associações Comunitárias, de Produtores Rurais, de
Municípios e a Comissão Pastoral da Terra, têm contribuído significativamente não
somente para efetivar estratégias em benefício da regularização fundiária, na
Amazônia e reordenamento da terra, mas também para que haja mais justiça social e
qualidade de vida no campo e nas periferias urbanas.
Costumeiramente ouvi-se afirmações do tipo: “A Amazônia é dos brasileiros”. “A
Amazônia precisa ser preservada”. “A Amazônia é intocável”. Para os amazônidas que
vivem na Região, são conhecedores de sua realidade, e têm laços afetivos com a
mesma, estas afirmações soam como meias verdades, pois a Amazônia como está
pode deixar de ser dos brasileiros, isto se consideráramos a geopolítica dos países
desenvolvidos e falta de significativas políticas públicas direcionadas à mesma.
Por outro lado, o sentido de preservar a Amazônia não deve ser o de não
explorá-la de forma alguma, pois a biodiversidade amazônica precisa gerar a
sobrevivência digna do seu povo processando-se o manejo dos seus recursos
equilibradamente, inclusive com uso de tecnologias e o incentivo financeiro dos Bancos
12 XIX ENGA, São Paulo, 2009 CONCEIÇÃO, R. S.

públicos como o Banco da Amazônia, possibilitando a prática da agricultura familiar,


sem tanta burocracia. Se os recursos da natureza amazônica forem manejados com
equilíbrio, estes se renovarão e sua conservação estará garantida.
Por esta via, Adalberto Veríssimo, pesquisador Sênior do IMAZON (Instituto do
Homem e citação Meio Ambiente), argumenta:

O desafio de manter a integridade a floresta amazônica é imenso e


urgente. As ameaças contra a floresta persistem e se ampliam com o
avanço da agropecuária grilagem de terras e exploração madeireira
predatória. As oportunidades para promover um desenvolvimento com
base na floresta e que possa respetar a natureza e o homem da região
estão presente, mais precisam evoluir do caráter piloto e periférico para
o pilar central da vida política, econômica e social da região.

Enquanto amazônidas, comunga-se com a concepção do pesquisador, pois ainda


faz parte do seu cotidiano regional a contradição de famílias sem acesso a água
potável, importando farinha de mandioca de outros Estados, muitos conflitos pela
posse da terra, sobreposição de territórios indígenas/Unidades de Conservação e
grupos indígenas que invadiram os escritórios da FUNAI (janeiro/2005) em Manaus -
caso dos Sateré-Mauwé, exigindo a presença do presidente do INCRA, para tratar da
demarcação das áreas Tracajá e Murutinga em Autazes-Am.
As estratégias de luta pela Reforma Agrária na Amazônia Brasileira e demais
regiões do Brasil já começam a surgir, porém, sabe-se que as decisões para o
estabelecimento de significativas de Políticas Públicas perpassam pelo âmbito do
poder político, o qual não tem vontade política de efetivá-las a contento da necessidade
da população brasileira. Assim sendo, os brasileiros e amazônidas precisam continuar
sonhando e lutando em favor de uma Reforma Agrária abrangente, promotora de dias
melhores para as maiorias sem terra, sem teto, pequenos e médios criadores,
pequenos e médios agricultores, que com seu trabalho em família produzem e
garantem o alimento nosso de cada dia.
A questão agrária na amazônia brasileira, pp. 1-13 13

REFERÊNCIAS

CANUTO, Antônio; BALDUÍNO, Dom Tomás. Reforma Agrária, Ontem e Hoje.


Cadernos do Centro de Estudos e Ação Social - CEAS. Salvador: Julho/Agosto,
2003, N° 206.

HECK Egon Dionísio. et al. Amazônia Indígena: Conquistas e Desafios. Cadernos do


Centro de Estudos e Ação Social - CEAS. Salvador: Setembro/Outubro, 2003,
N° 207.

JORNAL AMAZONAS EM TEMPO. 05 de Janeiro de 2005 - Ano XVII - 5180.


Reportagem: Clima Tenso entre Índios e Policiais Federa.

JORNAL AMAZONAS EM TEMPO. 12 de Setembro de 2008, p. A8.

JORNAL AMAZONAS EM TEMPO. 12 de Setembro de 2008, p. C8.

JORNAL O DIÁRIO DO AMAZONAS. 14 de Setembro de 2008. p C15.

JORNAL O DIÁRIO DO AMAZONAS. 10 de Fevereiro de 2008. p 7.

JORNAL O DIÁRIO DO AMAZONAS. 12 de Janeiro de 2008. p 15.

JORNAL MONTE RORAIMA. 2 de Novembro de 2008 . p. C8.

JORNAL DIÁRIO DO PARÁ. 01 de Janeiro de 2008, p. E1.

MONTE RORAIMA. 18 a 24 de Maio de 2008 . Caderno 3.

SCHERER, Faria Elenice. et aI. Políticas Sociais para os Povos das Águas. Cadernos
do Centro de Estudos e Ação Social - CEAS. Salvador: Julho/Agosto, 2003, N°
206.

Você também pode gostar