Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
EMPRESAS ESTATAIS·
A. B. COTRIM NETO·.
676
ministerial superior exercerá uma coordenação setorial, através da referida
sociedade holding. E, em trecho seguinte, o jurisperito apontou a Eletrobrás
como um "modelo limitado desta espécie de controle".5
2. Contudo, essa criação de subsidiárias de preexistentes empresas estatais
não tem obedecido - freqüentemente - ao procedimento ortodoxo reco-
mendado pelo Decreto-Iei nQ 200, de 1967, para a criação de órgãos da
administração indireta. Expedientes que circulam nos setores internos da
administração, ou, simplesmente, nas assembléias formais (geralmente não-
reais) das empresas geratrizes, são a maneira de dar nascimento a pessoas
jurídicas filiais, as quais, por isso, desencadeiam no cosmo jurídico um
elenco de querelas que se originam, praticamente, nas dúvidas sobre a legiti-
midade do expediente da criação. Dentre essas questões~ não será despi-
ciendo alinharmos as que mais se destacam por sua importância e freqüência:
1Q) a empresa filial traz a natureza jurídica da empresa-mãe, ou será empresa
genuinamente privada? 2Q) qual o foro para as causas em que a subsidiária
seja parte ou interessada, em face do art. 125-1, da Constituição federal? 3Q)
qual a natureza jurídica dos bens das subsidiárias: serão eles passíveis dos
ônus resultantes de medidas judiciais, como penhora, arresto, seqüestro,
hasta pública? 4Q) em face do contido no art. 99, § 2Q, ainda da Constituição
federal, diretor ou funcionário pode acumular cargo ou função nas empresas
em tela? 5Q) a subsidiária será passível de decretação de falência? Enflm,
teríamos um rosário a desenrolar, fôssemos articular o enorme rol de questões
suscitadas pelas entidades em referência.
3. Não obstante, tem-se verificado por vezes, no Brasil, que a criação de
subsidiárias de preexistentes empresas estatais é resultado de expressa auto-
rização legal; mas também tem resultado - como apontamos - de meras
deliberações de assembléia geral das empresas matrizes, sem o suporte de
expressa autorização, contida em sua lei orgânica.
No caso da Petróleo Brasileiro S.A. é, realmente, onde se tem feito maior
emprego da autorização legal para criação de subsidiárias, expressa na lei
fundamental da entidade.
Efetivamente, quando se promulgou a Lei nQ 2.004/53, teve-se em vista
a organização jurídica e administrativa do monopólio estata1 da pesquisa
e da lavra, da refinação, como do transporte, marítimo ou por dutos, do
petróleo, no Brasil (art. 1Q). E no art. 2Q foi estabelecido que, no plano de
677
"execução", tal monopólio seria exercido "por meio da sociedade por ações
Petróleo Brasileiro S.A. e das suas subsidiárias, constituídas na forma da
presente lei": essa forma de constituição de subsidiárias foi expressamente
desenvolvida na Seção VII, do Capítulo 111, ainda dessa Lei nQ 2.004.8
Ademais, em vários dos seus arts. (25, 27, 29, 32, 33 e 46) além dos
arts. 39 a 42, da referida Seção VII, que tem o título de quanto nele se
contém (Das subsidiárias da Petrobrás) o diploma orgânico da grande
empresa petrolífera nacional disciplina o funcionamento das subsidiárias a
constituir no futuro.
Após a constituição da Petrobrás, a seguinte grande empresa do Estado
a ser criada, com expressa provisão legal para sua ampliação mediante
subsidiárias, seria a Eletrobrás.
Com efeito, a empresa Centrais Elétricas Brasileiras S.A. vma a ter sua
constituição autorizada pela Lei nQ 3.890-A, de 25 de abril de 1961, com o
objeto de realizar estudos, projetos, construção e operação de usinas produ-
toras e linhas de transmissão, e distribuição de energia elétrica. Mas no art. 15
desse diploma foi estabelecido que a empresa "operará diretamente ou através
de subsidiárias e empresas a que se associar", subsidiárias essas que ela
poderá criar também sob a forma de sociedades de economia mista, e mediante
aprovação do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica. Outro tanto,
a Eletrobrás poderá tomar ações de empresas produtoras e distribuidoras de
energia elétrica que não estejam, e obviamente não devam passar a estar,
sob controle da União, do estados, do Distrito Federal e município. 7
6 O art. 39, o primeiro dessa Seção VII, do Capítulo m, da Lei n.o 2.004/53, dispôs:
'A sociedade (Petrobrás) operará diretamente ou através de suas subsidiárias, organiza·
das com aprovação do Conselho Nacional do Petróleo, nas quais deverá sempre ter a
maioria das ações com direito a voto." Nos seus §§ 1.0, 2.° e 3.°, este artigo ordenou
critérios a seguir na distribuição do capital das subsidiárias, distribuição essa que deverá
aquinhoar estados, Distrito Federal e municípios (conforme o art. 13·U, desta Lei n.o
2.004), e, outro tanto, normas sobre a constituição dos corpos de direção e fiscalização
das empresas filiais.
Os demais artigos da seção pertinente às subsidiárias da Petrobrás, os de n. 08 40, 41
e 42, são minuciosos na enunciação de preceitos que não deixam dúvidas sobre o caráter
semi-estatal dessas empresas, inclusive quanto às isenções tributárias e ao poder de
promover desapropriações.
Mercê dessa provisão legal, a Petrobrás hoje conta com enorme rol de subsidiárias e
associadas independentes, algumas até formadas no exterior, em contubérnio com capitais
ou empresas estrangeiras, inclusive estatais de outros países.
7 Atualmente, a Eletrobrás, sociedade de economia mista, além de contar com inume-
ráveis subsidiárias e associadas, conforme vimos, participa de uma sui generis "entidade
binacional", em partes iguais às detidas - no capital e direção - pela autarquia para-
guaia Ande (Administración Nacional de Eletricidad). Trata-se da Itaipu, que, mercê
de um tratado firmado entre o Brasil e o Paraguai, tem por objeto a construção de
678
Alguns anos mais tarde, a União resolveu transformar o Banco Nacional
do Desenvolvimento Econômico - antiga autarquia - numa empresa
pública. E isso foi feito pela Lei n9 5.662, de 21 de junho de 1971, a qual,
transformando a entidade nessa empresa pública, atribuiu-lhe poderes da
maior amplitude, para "efetuar todas as operações bancárias necessárias à
realização do desenvolvimento da economia nacional, noS setores e com as
limitações consignadas no seu orçamento de investimentos" (art. 59); ao
mesmo tempo, esse diploma transformava em subsidiária da novel empresa,
também como empresa pública, a Agência Especial de Financiamento Indus-
trial (Finame), antiga autarquia (art. 10).
A Lei n9 5.740, de 1 de dezembro de 1971, autorizou a Comissão Nacio-
.nal de Energia Nuclear a constituir uma sociedade de economia mista com
a razão social de Companhia Brasileira de Tecnologia Nuclear (CBTN), que
teria por objeto a pesquisa e a lavra e o tratamento de minérios nucleares,
a promoção do desenvolvimento da tecnologia nuclear, e, ainda, a construção
e operação de instalações para esse tratamento dos referidos minérios. Pos-
teriormente, pela Lei nQ 6.189, de 16 de dezembro de 1974, a CBTN passou
a denominar-se Empresas Nucleares Brasileiras S.A. (Nuclebrás), com o
direito de desempenhar suas funções "diretamente ou através de subsidiárias"
(de acordo com a nova redação atribuída ao art. 59, da mencionada Lei
n9 5.740). Essas subsidiárias seriam constituídas em economia mista, e sua
criação dependeria de autorização do presidente da República. 8
Outra grande entidade econômica do setor da administração indireta do
país, a Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebrás), viria a se tomar,
mercê do diploma que ensejou sua constituição (Lei nQ 5.792, de 11 de
julho de 1972), empresa matriz de um enorme sistema de empresas filiais,
679
no ramo das telecomunicações. Aliás, em vanos de seus preceitos, esse
diploma - além de estabelecer que as empresas privadas de telecomunicações,
que à época exploravam concessões, ao término destas passariam à condição
de subsidiárias ou associadas da Telebrás - dispunha que a empresa poderia
criar subsidiárias, às quais, inclusive, poderia transferir o domínio e a posse de
bens desapropriados. E, na mesma oportunidade, a Lei nQ 5.792 autorizava
o Poder Executivo a transformar a preexistente empresa pública Embratel
numa sociedade de economia mista, que passaria à condição de subsidiária da
Telebrás (arts. 2Q, 3Q e 11). Não será sem interesse consignar-se que, mercê
do art. 3Q, itens 11 e V, dessa Lei nQ 5.792, a Telecomunicações Brasileiras
S.A., obviamente empresa de economia mista, foi constituída para - dentre
outros poucos fins - "gerir a participação acionária do Governo federal nas
empresas de serviços públicos de telecomunicações do país", e, ainda, o de
"promover, através de subsidiárias ou associadas, a implantação e exploração
de serviços públicos de telecomunicações, no território nacional e no exterior".
A Lei nQ 5 . 862, de 12 de dezembro de 1972, autorizou o Executivo federal
a constituir, em forma de empresa pública, a Empresa Brasileira de Infra-
Estrutura Aeroportuária (lnfraero) com a finalidade de implantar, administrar,
operar e explorar industrial e comercialmente a infra-estrutura aeroportuária
que lhe for atribuída pelo Ministério da Aeronáutica, e, ademais, para gerir
a participação acionária do Governo da União nas empresas subsidiárias que
tenham sido criadas (inclusive para o desempenho das funções que a lei
atribuiu à líder). Essas subsidiárias da Infraero, conforme o art. 8Q, serão
constituídas pelo Ministério da Aeronáutica: no entanto, a lei omitiu referência
ao tipo jurídico (se deverão ser empresas públicas ou de economia mista)
dessas filiais.
A partir do momento em que o Governo federal criou essas empresas
holding, iriam multiplicar-se abundantemente as leis autorizativas da criação
de empresas ancilares do Estado, ao mesmo tempo que se emitiriam autori-
zações complementares para sua irradiação, através de subsidiárias. Alguns
casos, mesmo, seriam constituídas empresas que, mais ou menos nos termos
da Eletrobrás, assumiriam a forma de empresas administradoras, antes que,
propriamente, executoras de serviços públicos. É o caso, por exemplo, da
Siderbrás (Siderurgia Brasileira S.A.), a qual resultou da Lei nQ 5.919, de
17 de setembro de 1973, que autorizou o Poder Executivo a constituí-la
como economia mista. Na conformidade do art. 2Q desse diploma, com a
redação modificada pela Lei nQ 6.159, de 6 de dezembro de 1974, a
Siderbrás teria, entre outros, o objetivo de promover e gerir os interesses da
680
União em novos empreendimentos siderúrgicos e atividades afins, programar
as necessidades dos recursos financeiros da União para as subsidiárias que
criará, e associadas, bem como promover, através dessas entidades, a execução
de atividades relacionadas com a indústria siderúrgica no Brasil e no exterior.
O que, no entanto, merece particular destaque é o art. 39 da lei referida
- igualmente sob a nova redação da Lei n9 6. 159 - que transformou em
subsidiárias da Siderbrás todas as empresas siderúrgicas cujas ações com direito
a voto pertençam majoritariamente à União ou à sua administração indireta
(00 ex., a Companhia Siderúrgica Nacional, a Usiminas, etc.).
Finalmente, havemos de registrar a constituição, como "empresa pública",
de uma recentíssima criação empresarial do Governo, a qual, por seus obje-
tivos, está fadada a se constituir numa poderosa holding company: trata-se
da Empresa de Portos do Brasil S.A. - Portobrás, resultante da Lei n9 6.222,
de 10 de julho de 1975. Pelo disposto nesse diploma, conquanto empresa
pública, a Portobrás foi constituída como sociedade anônima, de cujo capital
poderão vir a participar quaisquer pessoas jurídicas de direito público interno,
bem como entidades da administração indireta da União, dos estados, Distrito
Federal e municípios; e sua finalidade é a realização de atividades relacionadas
com a construção, administração e exploração de portos, bem como a
fiscalização das administrações e explorações de portos que se encontrem
no regime de concessão ou autorização, ademais de outras atribuições
correlatas.
Entretanto, a própria lei que a instituiu deu à Empresa de Portos condições
de operar seu desdobramento, quando dispôs, no art. 59, que, "para a con-
secução de suas finalidades, a Portobrás poderá constituir subsidiárias sob
a forma de sociedade de economia mista ou empresa pública, de acordo com
os interesses e necessidades ditados pela administração dos portos e das vias
navegáveis interiores". E, isso, ademais de haver previsto, o mesmo art. 59,
em seu parágrafo único, que a Portobrás poderá participar de outras empresas
- obviamente, inclusive, rigorosamente privadas - cujas atividades sejam
de interesse para a realização de seus objetivos.
4. Ocorre, todavia, que o vezo da instituição de subsidiárias de tal modo
se projetou no seio da administração pública que elas passaram a ser cons-
tituídas até por empresas estatais cujos atos legais de criação não previam
expressamente seu desdobramento filial. E este vezo vai-se tomando um vício,
tanto ocorre na esfera federal, como na dos estados, e até na dos municípios,
onde as subsidiárias passaram, freqüentemente, a ser utilizadas como ótima
fonte de empregos que, por errônea ou equívoca construção hermenêutica,
681
ficam à margem da proibição constitucional de acumulação de cargos ou
funções públicas.
O expediente de que se lança mão, nesses casos, para a criação de subsi-
diárias, é aquele bem simples da deliberação em assembléia geral: desde que
as sociedades de economia mista operam no regime jurídico da S.A., aparen-
temente lhes será fácil convocar assembléia geral para constituição de empre-
sa-filha. Este foi o expediente de que se lançou mão - ad exemplum - no
antigo Estado da Guanabara, para extrair da Companhia Progresso do
Estado da Guanabara (Copeg - hoje Banrio) três empresas filiais (Crédito
Imobiliário Copeg S.A.; Crédito, Financiamento e Investimento Copeg S.A.;
e Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Copeg S.A.), às quais se
tem pretendido atribuir tratamento jurídico de empresa privada, mas privada
no mais estrito sentido do vocábulo, sob o argumento de lhes faltar - a
essas filiais - a origem legal que seria indispensável para que tivessem
a natureza de sociedade de economia mista.
5. No que concerne ao esclarecimento sobre a natureza jurídica das subsidiá-
rias de empresas públicas ou de economia mista, quer parecer-nos nenhuma
dúvida poder ser suscitada no caso daquelas que brotaram de matrizes cujas
leis fundamentais previam esta subdivisão: é o caso das subsidiárias da Petro-
brás, por exemplo. Desde que, nos termos do art. 5Q , do Decreto-lei nQ 200, de
1967 (com a redação do Decreto-lei nQ 900, de 1969), a empresa pública,
como também a sociedade de economia mista deverão ser criadas por lei,
para o exercício de atividade econômica, não vemos como se possa impugnar
existência de provisão legal para criação de subsidiárias, no caso desses
entes estatais cujos diplomas básicos lhes deferiram poderes para tal criação.
Todavia, conquanto convencidos de que também desfrutam da natureza de
entidade ancilar do Estado, aquelas empresas, subsidiárias de matrizes cujas
leis orgânicas são omissas no pertinente ao seu desdobramento, s6 admiti-
ríamos - em princípio - dúvidas no que tange à legalidade da constituição
da empresa filial; mas entendemos absurdo pretender-se que a geração de
empresa-mãe estatal seja, stricto sensu, um empreendimento de natureza
privada.
6. Desenvolvendo seu estudo a propósito dos serviços públicos industriais
ou comerciais, em França, Laubadere sustenta que eles têm um regime jurídico
profundamente diferente daquele dos serviços administrativos: mas, então,
se trata de um "regime misto", no qual se encontram combinados elementos
de direito privado, por força do caráter econômico da atividade, e elementos
de direito público, justificados pela idéia de serviço público. E, prosseguindo,
682
acrescentou o mestre de Paris: "Quanto à repartição do direito público e do
direito privado, no regime desses serviços, ela é, em si mesmo, assaz empírica.
Pode-se dizer que os elementos de direito privado aparecem sobretudo domi-
nantes no funcionamento e na atividade do serviço, em razão do objeto
comercial da atividade, enquanto que as manifestações do direito público se
revelam, sobretudo, na organização do serviço".9
Para nós, também, é inquestionável que a organização de uma empresa ou
sociedade dita - por mera convenção de ordem prática - estatal, isto é, a
organização de seus serviços e da sua estrutura jurídica, há que reger-se pelos
preceitos de direito público. Nem se compreenderia que fosse dependente do
livre e indiferente arbítrio de delegados do Estado - nas assembléias gerais
de sociedades que este controla - a criação de empresas filiais, com aplicação
de capitais de origem pública, e empresas filiais que passariam a dispor desses
recursos como se eles fossem propriedade particular.
Admitir-se possibilidade, reiteramos, de que a constituição de empresa
subsidiária - principalmente quando a lei orgânica da entidade matriz não a
previu - implicará a criação de uma empresa que não estará submetida ao re-
gime jurídico e aos conseqüentes controles das entidades agnadas do Estado, se-
rá o mesmo que admitir a arbitrária disposição dos "bens e valores públicos", de
cuja gestão se deve prestar contas, em face do art. 70 da Constituição Federal.
Destarte, quem dever apreciar o estado jurídico de subsidiária resultante de
assembléia ou qualquer deliberação interna corporis de sociedade cuja lei
fundamental não proveu a semelhante desdobramento, concluirá ter sido nula
essa criação, em virtude do abuso de poder do representante do Estado, na
assembléia como na deliberação administrativa; ou haverá de se manifestar
pelo entendimento de que a entidade filial tem a mesma natureza da entidade
matriz, em regra. lO Na realidade, ainda que eventualmente, o delegado do
acionista majoritário, o Estado, na assembléia de sociedade de economia
mista possa, por hipótese, exorbitar de seus poderes, os controles do órgão
estatal ao qual a mesma sociedade se ache vinculada podem facilmente
683
corrigir o mal (na conformidade do art. 26-1, do Decreto-lei nl? 200, de
1967): mas, se não o fazem, convalesce a deliberação, das suas eivas, e terá
nascido mais uma entidade ancilar do Estado, ainda que de segundo grau.
Quiçá poder-se-á, mesmo, defrontar uma situação dos moldes aproximados
das sociedades de fato, da espécie prevista no art. 20 do Código Civil. Porém,
sempre, a empresa será estatal.
7. Entretanto, para se apurar a natureza jurídica das sociedades subsidiárias
de empresas públicas ou de sociedades de economia mista, é mister conside-
rar-se que estas - as sociétés méres, como as denominam os franceses -
transmitem às filiais a sua natureza orgâJiica de entidade estatal, do modo
como Baccho seria nascido divindade plena da perna de deus-supremo Zeus:
ambas são órgãos de um serviço público que o Estado criou, direta ou
implicitamente, e se externam e agem como entidades do mesmo gênero.
Destarte, a personalidade jurídica de ambas deriva do organismo político-
administrativo do Estado, fonte essencial de uma e, por via desta, da outra.
A matéria relacionada com a personalidade jurídica das subsidiárias
nunca foi muito questionada, quando as holding companies só existiam no
campo da economia privada. Por demais, conforme observou Waldemar
Ferreira, as sociedades mercantis sendo pessoas de direito privado, por expressa
disposição legal (Código Civil, art. 16-Il), nada obsta a que elas, conservan-
do-se íntegras, como personalidade, constituam sociedades novas de que
co-participem: "Pouco importa sejam anônimas ou de diversas categorias ou
tipos. Não o disse explicitamente o Decreto-lei nl? 2.627: mas articulou
preceitos conducentes ao mesmo resultado".l1
Todavia, quando o Estado passou a utilizar expedientes de direito privado
no quadro da administração pública - aplicando normas de direito privado
a órgãos do serviço estatal, conforme o que, hoje, dispõe o art. 170, § 2l?,
da Constituição Federal - teriam de surgir os problemas em tomo da
natureza jurídica das subsidiárias constituídas na ilharga das empresas de
imediata origem estatal: e isso porque, embora travestidas como entidades
privadas, estas últimas empresas são, principalmente, pessoas administrativas,
órgãos instrumentais da administração pública, e estarão submetidas a trata-
mento jurídico predominantemente público (criação por lei, vinculação minis-
terial, supervisão governamental, controle financeiro de natureza estatal, etc.).
Esse, aliás, seria o entendimento de Trajano de Miranda Valverde, quando
escrevia que "o expediente da criação das sociedades-filhas não oferece, em
684
prinCIpIO, motivos para censura ( ... ). Serão porém sociedades anônimas
aparentes, se delas for único acionista a sociedade-mãe" .12
Num certo sentido, Aloysio Lopes Pontes adota o mesmo ponto de vista
quando, invocando a autoridade do escritor precitado, desenvolve este pensa-
mento: "Vivemos sob o domínio das holding companies, que controlam e
dirigem outras sociedades ou companhias, que continuam a ter vida jurídica
distinta, mas que, na realidade, estão na inteira dependência da holding".13
8. f: inquestionável que o fato de o Estado - diretamente ou por intermédio
de órgãos seus, personalizados - participar do capital ou da administração
de empreendimento particular não será, por si só, suficiente para alterar a
estrutura jurídica deste, e lhe deferir a natureza de sociedade de economia
mista. Com muita propriedade tem sido proclamado, como o fez Hely Lopes
Meirelles, que a característica de sociedade estatal, particularmente da
sociedade de economia mista, há de resultar da participação ativa do poder
público na vida e nas realizações da empresa: "Não importa seja o Estado
majoritário ou minoritário; o que importa é que se lhe reserve, por lei ou
convenção, o poder de atuar nos negócios sociais".H
Em excelente parecer, o jurista Moacyr Lobo da Costa teve ensejo de
colocar lucidamente esta posição, deixando claro aquilo que Pontes de
Miranda - num pensamento pelo primeiro transcrito - assim resumiria:
"Mesmo se o Estado se faz titular de mais da metade, ou de mais de dois
terços, ou da quase-totalidade das ações de sociedade por ações, ou tem cota
superior à de qualquer dos cotistas, a sociedade não se toma de economia
mista. O controle que de tal fato resultasse seria como o que resultaria de
qualquer participação econômica por parte de qualquer pessoa física ou
jurídica, de direito privado. Ao tomar de economia mista a sociedade, em
que é acionista ou cotista, a entidade estatal pesa o seu interesse publicístico
na estrutura".15
A razão jurídica desse entendimento terá de ser buscada, evidentemente,
no seguinte fato: embora as empresas do Estado, principalmente as sociedades
de economia mista, que sempre devem ter a forma de sociedades anônimas
(ut Decreto-lei nQ 200-67, art. 5Q-III), devam funcionar em regime de direito
privado, elas são, outro tanto, regidas por inumeráveis normas derrogatórias
12 Miranda Valverde, Trajano de. Sociedades por ações. Rio de Janeiro, Forense, 1941.
v. 1, p. 22.
13 Pontes, Aloysio Lopes. Sociedades anônimas. 4. ed. Rio de Janeiro, Forense, v. 2,
p. 304, n.O 558.
14 Meirelles, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo, Ed. Revista dos
Tribunais, p. 330.
15 Lobo da Costa, Moacyr. Revista de Direito Administrativo, v. 92, p. 406·13.
685
do direito comum, sobretudo quando se encontram naquela posição prevista
pelo art. 163 da Constituição Federal, ou devam beneficiar-se de certas
prerrogativas especiais (como é o caso da Petrobrás). Destarte, faz-se neces-
sário que a transubstanciação jurídica resulte de disposições legais expressas.
9. Pode ocorrer, entretanto, que as normas dispositivas da derrogação do
direito comum não fejam editadas adrede, uma vez que o direito positivo é
regra social obrigatória, mas pode ser expressado em norma agendi nem sempre
formalizada como diploma legal. Consoante a lapidar observação de Paulo
Dourado de Gusmão, hoje, mais do que nunca, necessitamos de uma "teoria
do direito supralegal", onde o "conteúdo justo" do direito há de encerrar-se
em algo mais apreciável do que a "forma" do jurídico; e, acrescente-se -
ainda de Dourado de Gusmão o registro, com invocação da autoridade de
Stammler - se o "direito positivo" supõe a anterioridade de uma noção que
lhe atribui a qualidade e a natureza de Direito, é óbvio carecer de sentido
encadeá-lo estritamente na lei formal. 16
Um raciocínio diverso deste exposto, que implicaria a exigência de lei
formal para a criação de empresas subsidiárias, corresponderia àq~ilo que o
jurisfilósofo italiano Pietro Piovani denominou "complexo do Sinai", pelo fato
de os que o padecem só compreenderam o direito como emanação do ditado
do legislador.
A imperatividade jurídica tem freqüentemente buscado, no caminho de sua
sublimação, uma libertação de origens voluntaristas antropomórficas, na mes-
ma medida em que, através da história, o poder tem-se despersonalizado,
"institucionalizando-se", como sabiamente observou Burdeau. Comentando
esse fenômeno, a que denominou a "objetivação" progressiva do direito, ou,
noutros termos, a "despersonalização progressiva da imperatividade", Miguel
Reale, ilustrando-a, deu um exemplo: "bastará pensar nas mutações operadas
em matéria de hermenêutica jurídica, a qual, de busca inicial da vontade do
monarca ou da ordenação do rei, passou a ser procura da intenção do legis-
lador, convertendo-se, depois, em interpretação da vontade objetiva da lei,
para, já agora, se pôr como indagação do sentido de uma norma no contexto
do ordenamento".u
Temos de reconhecer, no entanto, que Reale não adere de espírito aberto
ao que ele ainda denominou, parafrasticamente, de "heterônoma determinação
axiológica das regras de direito"; mas admite-a, como exigência deontológica,
686
inclusive, reconhecendo que a legitimidade do conteúdo imperativo da lei
pode resultar dos valores cuja salvaguarda se visa em cada caso concreto,
e também, e principalmente, do "valor global do ordenamento" que, co.nsi-
derado no seu todo congruente, é expressão das aspirações comuns do povo,
do plexo atual das valorações coletivas, ora referido ao "espírito objetivo"
ou à "vontade da nação", expressões todas que, não obstante as suas diver-
gências, coincidem no assinalar a eminência transpessoal e obrigatória de cer-
tos tipos de conduta. 18
10. Independentemente das precedentes considerações filosófico-jurídicas, de
nossa parte admitimos poder achar-se implícito, na lei que autoriza a consti-
tuição de uma empresa estatal - sobretudo quando ela se reveste da forma
de S.A. (empresa pública com participação de várias entidades, na forma'
prevista no art. 59 do Decreto-lei n9 900/69, ou sociedade de economia mis-
ta) - a possibilidade de seu desdobramento, visto como é da natureza das
empresas regidas pelo direito privado a capacidade de seu desdobramento.
No pensamento de Waldemar Ferreira, uma entidade jurídica da espécie so-
cietária tem poder de gerar outra, conforme vimos anteriormente.
Assim - fora daqueles casos em que uma empresa do Estado poderá
aplicar seus recursos em projetos ou programas, e aplicações até não-reem-
bolsáveis, inclusive doações, para estímulo do desenvolvimento nacional, e
"com as limitações consignadas no seu orçamento de investimentos" (Lei
n9 5.662/71, que transformou o BNDE numa empresa pública, arts. 19 ,
79 , 89 e outros) - a absorção, com o controle acionário, de uma empresa
qualquer, assumido por entidade econômica ancilar do Estado transmitirá, à
pessoa jurídica absorvida ou controlada, a natureza de órgão da administração
indireta, como o é a empresa-líder.
Pensar-se de modo diferente corresponderá a admitir-se possam os órgãos
da administração indireta gerar monstros, isto é, entidades de substância
jurídica diversa da sua (natureza estatal) e com finalidades ou objetivos exor-
bitantes dos que lhes houvessem sido assinados no ato legal de sua cons-
tituição.
E este raciocínio é absolutamente pertinente ao caso das entidades subsi-
diárias das empresas estatais.
11. Deve ser considerado que os problemas jurídicos emergentes da organi-
zação de complexos ou sistemas empresariais não têm sido sistematicamente
ignorados pelo direito brasileiro, pois há mais de 30 anos deles já se ocupava
a Consolidação das Leis do Trabalho, e, a nosso ver, com muita felicidade.
687
Efetivamente, no § 2Q, do seu art. 2Q, a CLT dispôs que, quando uma ou
mais empresas, tendo embora cada uma delas personalidade própria, se en-
contrarem dirigidas, controladas ou administradas por outra, constituindo
grupo industrial, mercantil ou de qualquer diversa natureza econômica, elas
serão - para todos os efeitos da relação de emprego - solidariamente res-
ponsáveis entre si, a empresa principal e cada uma das subordinadas.
Esse dispositivo tem origem no art. 1Q, da Lei nQ 435, de 17 de maio de
1937, a qual surgira numa época em que empresas multi nacionais, sobretudo
da espécie das que se dedicavam à prestação de serviços públicos no país,
começavam a se desdobrar, ou ramificar, e a lançar mão do expediente de
movimentar seus empregados no interior do grupo, freqüentemente no pro-
pósito de fraudar a então recém-implantada legislação trabalhista.
Comentando o dispositivo legal consolidado, Cesarino Junior teve oportu-
nidade de escrever que - do ponto de vista jurídico-social - o que interessa,
nos consórcios ou holdings, é o fato de a empresa principal e cada uma de
suas subsidiárias serem "solidariamente responsáveis" para a relação de em-
prego, razão pela qual devem ser elas consideradas um mesmo empregador. E
isso, sobretudo, com vistas à indenização por despedida injusta e estabilidade,
atualmente objeto dos arts. 477 e 492, respectivamente, da CLT.
Mas Cesarino Junior escreve mais: "Note-se que dissemos - solidaria-
mente responsáveis - o que significa ser a solidariedade em tela meramente
passiva. Em caso de insolvência de uma das empresas consorciadas, poderá
o empregado prejudicado com essa insolvência executar qualquer uma delas,
pois todas elas respondem perante ele como se fossem um único empregador.
Não sendo, portanto, ativa tal solidariedade, não poderá uma das empresas
consorciadas exigir que o empregado de outra delas lhe preste serviços, salvo
se firmar com ele novo contrato de trabalho, pagando-lhe nova remuneração".19
n fato assaz comentado haver o direito do trabalho trazido na sua esteira
uma série de influências, que iriam ensejar verdadeira revolução no campo
jurídico. E com sobejas razões, visto ter ele incutido no direito moderno o
espírito social que estivera ausente por mais de um século, quando o direito
fora empolgado por uma espécie de romantismo individualista, inimigo de
qualquer ação que o Estado intentasse, para restabelecer, no seio do grupo
social, um certo equilíbrio entre potências econômicas, o qual estivera que-
brado, em detrimento dos detentores de mão-de-obra. .
Destarte, o paradigma do direito do trabalho bem poderá auxiliar quem
venha a se ocupar do estudo da natureza jurídica das subsidiárias da sociedade
19 Cesarino Junior. Direito social brasileiro. São Paulo, Saraiva, 1970. v. 2. p. 60.
de economia mista ou da empresa pública: mais uma vez, tudo indica que
deveremos concluir serem da mesma espécie a filial e a matriz. Se no direito
do trabalho a idéia de solidariedade viria a impor fossem consideradas - a
empresa-tronco e as inflorescências - um mesmo empregador, para evitar-se
fraude ao espírito social dessa província do jurismo, a idéia de solidariedade
necessária também deverá imperar no direito administrativo, para evitar-se a
lesão do interesse público, que está na raiz dessa área da enciclopédia jurídica.
FUNDAÇÕES - NO DIREITO.
NA ADMINISTRAÇAO
Rio de Janeiro, R. J.
689