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Resumo
Este artigo tem por objetivo a compreensão da evolução do processo de
integração ocorrido na América do Sul no século XX, em especial do Mercosul e da
Unasul. O primeiro, constituído em 1991 por quatro países, tinha influências dos
processos de redemocratização, da aproximação entre Brasil e Argentina, e de
características neoliberais próprias dos governos nacionais. Já o segundo
mecanismo, lançado em 2008, está relacionado ao contexto da primeira década do
século XXI e à paralisação do Mercosul como arranjo de características mais
comerciais. A Unasul passa a ser uma iniciativa de coesão política na região,
perpassando por temas sociais e de infra-estrutura; e com menores ambições em
termos econômicos. Apesar da análise desses dois processos levar à compreensão
por muitos de que a Unasul poderia substituir o Mercosul como agente central na
promoção da integração, este trabalho, porém, visa demonstrar que o Mercosul tem
características específicas, que ainda o mantém como eixo central da integração
regional.
Introdução
ALALC, o consenso que se estabeleceu foi que esse processo serviu de grande
aprendizado para as futuras tentativas de integração.
No intermédio da evolução da ALALC, formou-se ainda o Pacto Andino. Este
bloco foi constituído em 1969, através do Acordo de Cartagena, e durante sua
história já foi composto por Venezuela, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia. Em geral,
o objetivo da criação deste bloco foi o de permitir o aprofundamento da integração
entre países com maior grau de simetria. O estágio atual da integração andina, que
tem forma na Comunidade Andina, é de aparente desintegração, com a saída da
Venezuela e com a perspectiva de assinatura de acordos de livre-comércio com os
EUA por parte do Peru e Colômbia.
A cooperação política regional, por sua vez, seguiu uma tendência histórica de
menor destaque na América do Sul. Sua essencialidade somente começou a ser
notada pelos países da região recentemente, por volta da década de 1980. A
formação do Grupo de Contadora (1983), composto por Venezuela, Colômbia,
Panamá e México, como resposta a política intervencionista norte-americana na
América Central, e a formação do Grupo de Apoio à Contadora (1985), formado por
Argentina, Brasil, Peru e Uruguai, são destaques na evolução da cooperação política
regional. Com a junção de ambas as instâncias foi formado o Grupo do Rio (1986).
Além desses, destaca-se também ainda a assinatura do Tratado de Cooperação
Amazônica (1978).
É na década de noventa, com o fim da Guerra-Fria e com o avanço da
tendência de regionalização, que a integração regional ganha impulso e maior
relevância para os países. Sob a liderança brasileira, a integração regional assume
novos contornos geográficos, privilegiando a perspectiva sul-americana em
detrimento da latino-americana. Nesse sentido, a despeito do avanço da integração
sub-regional do Mercado Comum do Sul, o governo brasileiro propõe em 1993 a
formação da Área de Livre-Comércio Sul-Americana. Não obstante, deve-se analisar
tal proposta no contexto da expansão da integração norte-americana e no esforço do
governo brasileiro de tentar contrabalancear esta expansão.4 Esta perspectiva foi
abrandada durante boa parte do governo Cardoso e só seria retomada ao fim de seu
governo.
Com o fracasso das reformas neoliberais na região, a integração sul-americana
retoma sua perspectiva de aprofundamento. Neste sentido é formada a Comunidade
Sul-Americana das Nações (2003), no contexto de aproximação entre a Comunidade
6
pelo qual o Mercosul existia como bloco, uma vez em que, quando os interesses
nacionais – nesse caso os interesses econômicos brasileiros – estavam em jogo, o
comprometimento com a região ficava em segundo plano.
O Mercosul, mesmo que gerando avanços no quesito comercial, não havia
gerado as conseqüências desejadas. Porém, o início do século XXI foi marcado pela
ascensão de governos de caráter esquerdista na América do Sul. No Brasil, em
2002, era eleito o ex-sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, e na Argentina, em 2003,
subia ao poder Néstor Kirchner, ex-governador e membro do partido peronista.
A crise mercosulina, que vinha desde meados da década de 1990, parecia
retroceder, visto que havia grande intenção, por parte de seus membros mais
importantes, de fortalecer a integração sul-americana. Por mais que problemas
comerciais fossem insistentes, e até relevantes, principalmente se tratando das
relações argentino-brasileiras, foram pensados mecanismos para relançar o
Mercosul, agora com um perfil mais social e político, como mostram a criação do
Parlamento do Mercosul, em 2006, e do Fundo de Convergência Estrutural e
Fortalecimento Institucional do Mercosul, o FOCEM, em 2004. Objetivava-se, com
essas iniciativas, ampliar a coesão intrarregional, de modo que as assimetrias
existentes entre seus membros fossem atenuadas com o passar dos anos13.
Do Mercosul à Unasul
uma união aduaneira19 repleta de falhas, sobretudo no que tange sua tarifa externa
comum. Há diversos contenciosos comerciais envolvendo seus membros, gerando
mal-estares diplomáticos entre os mesmos. Após as crises econômicas do final da
década de 1990 e início da de 2000, o entendimento ficou ainda mais difícil, o que
gerou desconfiança. A instabilidade econômica interna dos países permitiu que essa
situação se transformasse em algo constante. Neste sentido os países optaram por
privilegiar suas necessidades imediatas internas do que o avanço da integração.
Com a entrada de novos governantes, a integração mercosulina ganhou novo
impulso. Um novo contexto regional permitiu que o Mercosul se transformasse,
garantindo o aprofundamento da integração de outros elementos que não o
comercial. Nesse sentido, projetos políticos, culturais, sociais e de infraestrutura
foram valorizados, de modo que o Mercosul não esteve em absoluta paralisia.
Porém, problemas comerciais ainda existem, como a última situação entre Argentina
e Brasil por conta da entrada de automóveis argentinos em mercado brasileiro, fruto,
também, da retaliação à política de restrição de importações feita pelo país vizinho a
diversos produtos brasileiros. O principal percalço do bloco ainda existia.
Apesar disto tudo, a questão que queremos apresentar aqui é que, para os
países pertencentes ao Mercosul, principalmente Argentina e Brasil – que possuem
maior voz política em cena internacional – o fim do Mercosul e sua completa
substituição não seria vantajoso do ponto de vista do que o bloco conseguiu até
hoje. Mais do que abertura de mercados intra-bloco, o Mercosul é instrumento de
inserção internacional. É por meio dele que os países, principalmente Brasil, se
lançam em organismos como a Organização Mundial do Comércio com uma posição
coesa e capaz de ser forte para ser ouvida.
O “efeito Mercosul” frente a outros países e blocos deve ser valorizado. Neste
sentido, as mudanças feitas dentro de seu escopo foram, a nosso ver, possibilidades
de colocá-lo, novamente, no centro de cada estratégia nacional. De toda forma, não
podemos negar que os próprios impasses dentro do Mercosul existem, como os
problemas comerciais ou reclamações diplomáticas. Mas vemos que situações,
como, por exemplo, a ameaça de serem fechados acordos de livre comércio entre
os Estados Unidos e Paraguai e Uruguai, são estratégias de angariarem mais força
e melhores condições em um bloco que ainda sofre com as assimetrias. Se o
Mercosul não tivesse mais essa força estratégica que tem, determinados tipos de
atritos não conseguiriam ser resolvidos, ou ao menos postos para conversação.
14
A Unasul, por já ter sido concebido para ser um ambiente de integração mais
voltado para questões de política e infraestrutura – com pretensões econômicas
flexíveis –, exerce um papel político mais intra-regional, com menos atritos entre
seus membros, e sem muitos efeitos de discurso no espaço externo. Por ser um
mecanismo ainda recente, pode ser que a Unasul ainda não tenha angariado o peso
do Mercosul. Mas acreditamos que o “efeito Unasul” em aspectos políticos seja mais
palpável e real. Já o peso político do Mercosul recai sobre o discurso.
Por fim, devemos ressaltar mais uma vez que esta perspectiva de médio e
longo prazo em que se insere o Mercosul não aponta para uma falta de função da
Unasul. Esta cumpre o importante objetivo de articular a cooperação política regional
no sentido de se apresentar enquanto um canal de diálogo e de solução de conflitos.
Podemos destacar as importantes contribuições desta instituição na crise interna
equatoriana, no segundo semestre de 2010, e na crise política Equador e Colômbia.
Neste sentido, visto a crescente instabilidade política de parcela importante de
países da região, a Unasul assume importância ainda maior na função de
estabilização. Um importante elemento neste sentido foi a recente criação da
Cláusula Democrática da Unasul20, que prevê sanções para países cujo governos
forem constituidos por meio de golpe de Estado. Neste sentido, acreditamos na
convivência entre ambas as instituições, pelo menos num período de médio prazo.
A percepção dos governos sul-americanos também parece caminhar neste
sentido. Como afirma Dilma Rousseff, em seu discurso de posse no Congresso em
1º de janeiro de 201121:
Conclusão
Concluímos desta forma que tanto a Unasul quanto o Mercosul tem funções
específicas no processo de integração sul-americano. A Unasul colabora para o
processo de integração sul-americano ao incentivar a criação de uma área de livre-
comércio na América do Sul, através da aproximação entre Mercosul e Comunidade
Andina. Além deste aspecto comercial, pelo fato de ser um instrumento de diálogo e
cooperação política, colabora para a construção de entendimentos entre os países e
para a formação de uma identidade política sul-americana.
16
1
Ver Anderson (1994, p.8) apud Briceño-Ruiz (2006, p.111).
2
Ver Bernal-Meza (2005).
3
As exportações intra-regionais saíram da casa dos 690 milhões para cerca de 980 milhões. Ver Dell
(1966, p.126).
4
Ver Prazeres (2006).
5
Op Cit, p.45.
6
Ver Bernal-Meza (2008, p. 156).
7
Expressão cunhada por John Williamson, em 1989. Para mais detalhes, ver Russel, Arnson e
Fernández de Castro (2008, p. 11).
8
Ver Oliveira (2010, p. 05).
9
Ver Carvalho (2009. p. 16).
10
Ver Dantas (2003, p. 138).
11
A “Brasil-dependência”se caracteriza por constantes superávits argentinos para com o Brasil,
causados, sobretudo, pelo lançamento do Plano Real. Tal superávit equilibrava os déficits argentinos
com o resto do mundo. A “Brasil-dependência” foi importante para o Brasil, uma vez em que a Área
de Livre Comércio das Américas estava sendo discutida, e a Argentina era aliada política dos EUA.
12
Ibid, p. 141.
13
Ver Almeida (2008, p. 79).
14
Ver Bandeira (2009).
15
Ibid, p.100.
16
Ver Barbosa (1996).
17
Ver Documento Brasil 2022, p.27.
18
Ibid.
19
A União Aduaneira se caracteriza pela abertura de mercados e adoção de uma Tarifa Externa
Comum (TEC). Já o Mercado Comum é especificado por todas as características de uma União
Aduaneira, com o acréscimo da livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais. Para mais
detalhes, ver http://www.camara.gov.br/mercosul/blocos/introd.htm
20
A Cláusula Democrática, configurada na Declaração de Buenos Aires, se tornou protocolo adicional
ao Tratado Constitutivo da Unasul. Para detalhes, ver http://www.itamaraty.gov.br/temas/america-do-
sul-e-integracao-regional/unasul/protocolo-adicional-ao-tratado-constitutivo-da-unasul-sobre-
compromisso-com-a-democracia
21
Para mais detalhes, ver em http://www.camara.gov.br/internet/jornalcamara/default.asp?
selecao=materia&codJor=1843&codEdi=2
22
Para discurso na íntegra, ver http://www.cancilleria.gov.ar/portal/prensa/rssfeed.php?id=5014
23
Para mais detalhes ver http://www.presidencia.gov.py/v1/?p=67868
17
Bibliografia