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Conteúdo e Objeto em Frege, Stout e Act, content and object bei Frege, Stout
Moore and Moore

Mario Ariel González Porta1


Professor Titular
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP).

Abstract: It is well known that the


Resumo: É bem sabido que a discussão discussion concerning the relations
das relações entre conteúdo e objeto é um between content and object is a central
tema central na escola de Brentano após o theme in Brentano’s school after the
decisivo ensaio de Twardowski de 1894. decisive essay by Twardowski in 1894.
Todavia, pouco sabido é o fato de que esta However, less known is the fact that this
discussão também tem lugar fora da escola discussion also takes place outside the
mencionada e que a distinção entre aforementioned school and that the
conteúdo e objeto já está presente em distinction between content and object is
outros autores antes de 1894. already present before 1893 amongst other
Palavras chaves: Frege, Stout, Moore, authors.
conteúdo-objeto Keywords: Frege, Stout, Moore, content-
object

1 E mail: mariopor@pucsp.br.
Conteúdo e Objeto em Frege, Stout e Moore

“idealismo” como origem última do


psicologismo (1893: XXI). Isto é algo novo
no seu pensamento, algo no qual há uma
diferença decisiva entre a crítica ao
psicologismo de GA e GGA. Em GGA
Frege afirma explicitamente duas teses: por
um lado, identifica o núcleo de onde surge
1. Introdução o psicologismo na convicção de que
nossos únicos objetos imediatos são nossas
É bem sabido que a discussão sobre as representações; por outro, contrapõe a esta
relações entre ato, conteúdo e objeto tese a afirmação de que somos capazes de
c o n s t i t u i u m m o m e n t o ch ave n o apreender diretamente objetos que não são
desenvolvimento da escola de Brentano a representações. Em GA, por sua vez, Frege
partir do ensaio de Twardowski de 1894 2. pressupõe que temos acesso a objetos que
Contudo, esta discussão não se limita à não são nossas representações (1884, § 93:
escola de Brentano, mas é um tema central 96). Disto se segue, indiretamente, que é
em muitos outros autores na ultima década falso que só temos acesso a objetos que
do século. O objetivo da seguinte são nossas representações. Isto não
apresentação é situar Frege, Stout e Moore significa, porém, que ele considere que seja
no contexto desta discussão, tanto do ponto esta justamente a convicção que está na
de vista sistemático, quanto histórico- base do psicologismo e o motiva, tese esta
filosófico. que é o eixo do argumento regressivo de
GGA.
2. Frege
b. O problema do psicologismo era
2.1. A evolução da crítica fregeana ao concebido em GA como um problema
psicologismo essencialmente referido a objetos ideais e
derivado justamente da natureza ideal
Ainda que a crítica ao psicologismo seja destes objetos. Correlativamente, o
uma constante no pensamento fregeano psicologista que Frege critica nesta obra,
desde sua primeira até a sua última obra, a concede sem questionar a existência de
mesma experimenta importantes objetos reais não menos que o nosso
modificações através do tempo, que acesso aos mesmos. Algo diferente ocorre
legitimam dizer que existe nela una em GGA: o psicologista não só nega a
evolução (GONZÁLEZ PORTA, 2012). existência de objetos ideais, mas também
Para os efeitos do nosso interesse atual questiona o nosso acesso direto a objetos
importa destacar as mudanças acontecidas reais, e, em última instância, o faz nos dois
entre 1884 e 1893, as quais podem ser casos pelo mesmo motivo (1893: XXIII).
resumidas em quatro pontos. Todavia, se o psicologismo deriva em GA
a. Em GGA3 Frege chega, através de um do empirismo (1884, § 26-27: 39-42), em
procedimento regressivo, a evidenciar o GGA provém do idealismo (1893: XXI).

2 Aceito aqui o que se pode considerar a posição clássica. Recentemente a mesma tem sido questionada
por Rollinger (2002) e Betti (2013).
3 Com respeito às abreviaturas utilizadas, veja-se bibliografia.

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c. A diferença entre GA e GGA não é sujeito. O psicologismo é em GA a


puramente quantitativa, de modo tal que na consequência de uma negação da existência
segunda se considera a psicologização de de certos objetos, os ideais e, em tal
mais objetos que na primeira, ou seja, que sentido, uma tese “ontológica”, referente a
o psicologismo dos objetos ideais da que objetos há. Em GGA, pelo contrário,
primeira é agora estendido aos reais. O que o psicologismo é primariamente uma
mudou de GA a GGA é o diagnóstico de consequência de uma falsa concepção da
qual seja a origem última do psicologismo subjetividade.
e, correlativamente, a definição de em que
consiste propriamente este. Tanto em GA Esta falsa concepção da subjetividade gira
como em GGA o psicologista subjetiva em torno à crença no “princípio de
estruturas ideais. No entanto, se o imanência” (PI). Entenderei por PI a tese
resultado é em ambos os casos o mesmo, o cartesiano-lockeana de que os únicos
motivo que conduz a tal subjetivização (e, em objetos diretos e imediatos da minha
consequência, o alcance do psicologismo) é consciência são as minhas próprias ideias ou
diferente. Em GA, o número e o ideal em representações. Em princípio, corretamente
geral se reduzem a representações porque entendido, o que Frege chama “idealismo” e,
não se admite a existência do objetivo não- mais precisamente, “idealismo epistemológico”
real (1884, § 26: 39-41); em GGA, porque, (1897: 62) não é outra coisa que o que acabo
além do anterior, as representações são de chamar PI. Se, apesar do anterior, eu
nossos únicos objetos (1893: XX, XXII, introduzi esta expressão, é por que não é
XXIV-XXV). incomum na critica que se fixe inadequadamente
o conceito fregeano de “idealismo”. Seja
d. Não só há uma mudança de GA a GGA, observado, pois será decisivo no que segue,
mas também há um aprofundamento da que a negação do PI supõe distinguir de
própria posição e da compreensão da sua algum modo entre conteúdo e objeto no
diferença com a oponente. A admissão da sentido de Twardowski, embora que, a
existência do objetivo não-real é em GA a distinção entre conteúdo e objeto não
última palavra, sendo que em segundo necessariamente supõe a negação do PI.
plano permanece o fato de que somos
capazes de o captar. Em GGA, pelo
contrário, fica claro que a distinção entre o
objetivo e o real não coloca um ponto final 2.2. As “influências” externas: a polêmica
na discussão, mas é meramente um com Kerry
momento provisório, ponto de passagem
para um desenvolvimento ulterior que Se a análise anterior é correta, e é certo que
haverá de conduzir a algo ainda mais houve uma evolução significativa na critica
essencial (1893: XVIII). fregeana ao psicologismo entre 1884 e
1893, então a pergunta que se impõe é se a
e. Enquanto que em GA o psicologismo mesma se deveu a um desenvolvimento
tende a ser visto como um problema puramente imanente do pensamento
referido a um reducionismo do objeto, em fregeano ou se nela jogam algum papel
GGA o mesmo é visto como um problema influências externas. Esta última opção
derivado de uma falsa concepção do parece ser a correta. Frege recebeu sete

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resenhas aos seus “Fundamentos da fregeano (1887, IV: 305). É nela que
Aritmética”, das quais três se manifestam devemos nos concentrar.
sobre o tema do anti-psicologismo de
modo positivo (Lasswitz, Cantor e Kerry dirige quatro substanciais críticas ao
Eucken), três, sem embargo, são criticas antipsicologismo fregeano:
neste ponto (Hoppe, Husserl e Kerry). A
crítica de Hoppe não passou de uma
contraposição dogmática de pontos de a. Uma fundamentação psicológica da lógica/
vista incomensuráveis; as de Kerry, pelo matemática não implica necessariamente uma
contrário, são filosoficamente substanciais ameaça à objetividade das mesmas ou o
e merecem uma consideração especial, perigo do subjetivismo.
mesmo por que elas são imprescindíveis
para fixar o horizonte adequado tanto para b. Se o anterior é correto, se segue que o
entender a crítica de Husserl a Frege, radical combate de Frege ao psicologismo
quanto a reação deste às mesmas. é infundado. Logo, Frege alerta contra um
perigo que não existe. Por tal razão, seu
2.3. As criticas de Kerry a Frege e a antipsicologismo radical deve sem mais ser
legitimidade da luta antipsciologista ironicamente desqualificado como “horror
subjectivi”.
Kerry dirige quatro críticas a Frege:
c. Mas se, segundo a opinião de Kerry,
a. A primeira é bem conhecida e diz Frege, com sua rigorosa divisão entre
respeito à diferença entre conceito e lógica e psicologia, vê, por um lado, um
objeto. É de se ter em conta, no entanto, problema que de fato não existe, por outro,
que ela é uma consequência da oposição não vê a verdadeira dificuldade que resulta
entre abordagem psicológica e lógica. inevitável neste contexto, a saber, o como
pode surgir validade objetiva a partir do
b. A segunda aponta ao fato de que Frege subjetivo. Com isto, Kerry não exige de
trabalha com um conceito de lógica que Frege meramente uma “complementação”
não determina de modo adequado (1887, de sua posição, uma complementação que
IV: 261). Frege poderia talvez fornecer, se a isto se
c. A terceira denuncia que Frege apela sem propusesse. Pelo contrário, Kerry quer
mais à “Razão” como faculdade de apontar para uma dificuldade de princípio
apreensão do objetivo não-real (1884, na tese de seu oponente, uma dificuldade
§26-27: 41-42), o qual não representa outra que ele só poderia superar se abandonasse
coisa que um “hipostasiar uma faculdade seu ponto de partida. Dado que Frege, e
totalmente inarticulada [ungegliedert] como em que pese todo seu “objetivismo”, não
fundamento da objetividade”, algo que não pode evitar responder à pergunta pela
acompanha a situação da pesquisa apreensão do objetivo, esta o deveria levar
psicológica da época (1887, IV: 305-307). então à negação de sua tese de que se deve
separar do modo mais radical possível o
d. A anterior objeção é meramente um objetivo e o subjetivo ou, dito de outro
aspecto de uma outra, mais abrangente, a modo, que se deve fundamentar a
quarta, que estabelece uma recusa de objetividade da matemática sem qualquer
princípio do combate antipsicologista consideração psicológica.

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d. Certamente que, para um leitor identificar a existência de uma ideia com a


desprevenido, não é em princípio evidente, existência daquilo de que ela é ideia.
que a linha de pensamento de Kerry seja
em modo algum conclusiva. Para que se O próximo passo de Stout será agora uma
torne tal, deve-se atentar ao final da frase: distinção explícita entre conteúdo e objeto
“[…] do qual de qualquer forma toma seu em base ao fato de que enquanto o
início nosso conhecimento […]”. Kerry conteúdo é real na consciência, o objeto
argumenta que, ainda que se separe não é real nela. Stout elabora a distinção
psicologia e lógica e se sublinhe o objetivo mencionada sobre a base de uma análise de
tanto quanto se quer, em ultima instância, três modos de consciência diferentes:
não obstante, o subjetivo não se deixa eliminar,
dado que todo conhecer necessariamente a. Quando eu percebo uma árvore, eu
parte de um sujeito. Nós devemos certamente tenho na minha consciência um
explicitar o sentido desta premissa. Para certo complexo de elementos visuais,
isto notemos, em primeiro lugar, que a tácteis e motores que consistem em parte
oposição subjetivo-objetivo é equivalente à de sensações atuais e em parte de resíduos
oposição imanente-transcendente. Se re-vivenciados de anteriores sensações. O
formularmos agora a tese de Kerry com ponto é, porém, que estas experiências não
base nesta última oposição, torna-se então são o objeto da minha consciência. Este
mais claro o que, em última instância, está objeto não é outro que a ár vore,
em jogo, quer dizer, o PI. considerada como existindo e persistindo
independente de mim e da minha
Se todo o anterior é certo, então se segue percepção (1892: 111).
que em 1893, isto é, um ano antes de
Twardowski, Frege, com sua critica ao PI, b. Quando eu desejo algo, o objeto do meu
está apontando a necessidade de distinguir desejo não pode ser um conteúdo imediato
entre conteúdo e objeto. Todavia, Frege de consciência, porque este, enquanto
não é o único que neste ano dá um passo existente nela, não cumpre com a condição
decisivo no sentido da distinção indicada. necessária para poder ser desejado (1892:
112).
3. Stout e a escola de Brentano: conteúdo
c. O problema da referência a um objeto
e objeto
que não é parte da consciência, não é
remitido por Stout meramente a objetos do
No seu ensaio “A filosofia de Mr.
mundo externo, senão inclusive a objetos
Shadworth Hodgson”, Stout chama a
da própria consciência, como, por
atenção sobre o fato de que este autor
exemplo, uma sensação. Ora, se neste caso
simplesmente pressupõe que o objeto ao
tampouco é possível para o objeto da
qual a consciência se refere é sempre eo ipso
consciência estar presente nela quando o
um estado da própria consciência (1892:
sujeito o pensa, logo resulta de principio
109), e lhe contrapõe a tese de que o
óbvio que em nenhum caso o pode ser
objeto da consciência jamais pode ser uma
(1892: 112).
mera modificação da mesma no momento
em que a consciência se dirige a ele (1892: Estabelecida a crítica, Stout passa a
110 -111), pois isto implicaria o absurdo de delinear a sua própria análise positiva da

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consciência. O processo de se tornar existam seres que só possuam consciência


consciente de um objeto consta de três anoética, mas isto não se pode afirmar com
elementos: certeza.

a. um pensamento de... [thought] ou Em 1896, na sua “Descriptive Psychologie”


referência a algo [thought reference] que, ainda Stout volta sobre o tema, sendo que neste
que intencionado pela consciência, não é momento ele já há lido Twardowski e
uma modificação presente nela; recebido a sua influência. Correlato do
anterior, é que a distinção entre conteúdo e
b. um conteúdo de consciência ou objeto se efetua agora no marco de uma
“apresentação” [presentation] que é real na crítica explícita a Brentano, interpretado no
consciência e determina a direção do mesmo sentido que o fizeram seus
pensamento a um objeto específico; discípulos germânicos (1896: 41).

c. a atenção, concebida como atividade Não obstante o anterior, existem três


espontânea do sujeito, que é a função que importantes diferenças entra a sua posição
confere à mera apresentação referência a e a de Twardowski.
um objeto. a. Os argumentos nos quais Stout baseia a
sua distinção conteúdo-objeto são três:
A apresentação junto com a referência é o
- O objeto de um ato pode não existir
que chamamos “ideia” (1892: 112-113). A
enquanto que todo ato têm um conteúdo.
apresentação, pois, deve ser distinguida da
ideia, distinção que pretende dar conta de - O objeto pode ter propriedades que não
que, no seu sentido usual, o termo “ideia” são propriedades do conteúdo.
não nomeia unicamente a apresentação, mas
propriamente o composto de apresentação e - O conteúdo pode cambiar, enquanto que
referência. o objeto permanece o mesmo e vice-versa.
O status da apresentação exige uma
atenção peculiar. A noção de apresentação Como se vê, se os dois primeiros argumentos
foi introduzida para dar conta de uma têm um perfeito correlato em Twardowski,
parte de um todo que é a ideia e, portanto, não assim o terceiro, e devido à sua segunda
como vinculada a uma relação intencional. parte (“e vice-versa”). Esta diferença está
A pergunta é, não obstante, se também podemos intimamente vinculada ao fato de que
ter apresentações independentemente desta Stout orienta a introdução da distinção
relação. A resposta é afirmativa. Existe uma conteúdo-objeto basicamente ao ato
relativa independência das apresentações com perceptivo. Com respeito a este (mais
respeito a toda referência ao objeto. concretamente, à apreciação da relação
entre tamanho real e aparente dos objetos,
As apresentações consideradas como tendo que é o exemplo predileto de Stout), a sua
existência independente do pensamento observação faz sentido.
são chamadas “sentiencia” [sentience] ou b. Será justamente o fato de que a noção de
“consciência anoética”. Pensamento e conteúdo surgiu referida à percepção, o
sentencia são, pois, duas funções mentais que produzirá uma segunda diferença entre
essencialmente distintas e reciprocamente Stout e Twardowski na teoria da significação
irredutíveis (1892: 116-117). É possível que

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e do juízo. Contra Twardowski, Stout nega 4. Moore e “A refutação do idealismo”


que o conteúdo do juízo seja o significado,
dado que o conteúdo como tal é meramente As precisões anteriores são necessárias
psíquico e privado; a significação, pelo para situar corretamente a Moore no
contrário, algo não-psíquico e público. A contexto que nos ocupa. Moore retoma de
significação de um termo e o correlato de Stout a distinção entre ato e objeto. Porém,
um juízo, pois, não é outro que o próprio esta distinção será liberada por Moore de
objeto. todo compromisso com o idealismo para
servir de base à defesa de um radical
c. Se a distinção entre conteúdo e objeto, realismo direto.
como vimos, não implica por si mesma a
negação do PI, ela tampouco implica O idealismo é a tese de que todo ser é
necessariamente a opção pelo realismo no espiritual (1903: 433). Ora, “A refutação do
conflito realismo-idealismo. Em tal sentido idealismo”, não contém uma refutação
são importantes dois pontos: desta tese, mas só de um pressuposto
c1. Sublinhar a independência do objeto necessário de todo argumento a favor da
com respeito à consciência não implica mesma (1903: 436). Este pressuposto é o
para Stout aceitar a existência de uma coisa “esse est percipi” berkelyano, que, não sendo
em si, ideia esta que ele rechaça em si mesmo evidente, se funda, em última
expressamente como absurda. Coerente com instância, na pretendida evidência da tese
seu interesse primariamente psicológico, “que o objeto de experiência não pode ser
Stout considera que a distinção entre concebido aparte do sujeito” (1903: 441).
conteúdo e objeto é neutral desde o ponto Esta tese vai se apresentar em três
de vista metafísico (1896: 45-46) e variantes, que tem um grau de generalidade
conciliável com o idealismo e, inclusive, decrescente e inversamente proporcional a
com o solipsismo (1896: 46). Uma teoria sua evidencia, como relação sujeito-objeto,
como a milleana da identidade do objeto experiência-experimentado, azul e sensação
perceptivo com a possibilidade da de azul (1903: 441, 442, 443, 445, 448).
sensação, sendo inequivocamente idealista,
Em esquema, a refutação desta tese se
respeita, segundo Stout, a distinção
efetua por três procedimentos, ora
conteúdo-objeto (1896: 43).
mostrando
c2. Mas Stout vai além e, explicitamente,
a. que ela é contraditória (1903: 441ss.),
afirma que a tese de que existe uma
diferença entre o conteúdo e o objeto vale a.1. seja porque identifica duas coisas
unicamente de modo irrestrito para uma diferentes (1903: 441-442);
consciência finita, mas não para uma
consciência infinita, como a pensada por a.2. seja por que ainda distinguindo-as, as
Hegel. Em relação a esta, e justamente pelo considera inseparáveis (1903, p. 442ss.);
seu caráter de infinita, se pode dizer com
pleno direito que todos os objetos estão b. ou evidenciando de modo introspetivo-
nela (1896: 45). O inimigo de Stout não é, fenomenológico que, de fato, ela é falsa (1903:
pois, o idealismo enquanto tal, mas 443ss.),
propriamente o idealismo subjetivo.

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b1. seja estabelecendo para isso a análise pode ser eliminado sem que por isto se
correta de uma ideia (1903: 444ss); elimine a peculiaridade de tal relação. A
sensação é sempre sensação de algo e esse
b.2. seja denunciando a análise falsa (1903, algo é o seu objeto. Dito de outro modo: a
p. 447ss.); relação da consciência a seu objeto não
pode ser reduzida a uma relação de todo e
c. ou evidenciando que dela se seguem parte. O objeto da consciência não é jamais
consequências absurdas (1903: 451). o seu conteúdo. Mais ainda, não existe
propriamente algo assim como um
Ora, o ponto decisivo é que tanto a conteúdo, seja como mediação ao objeto,
refutação por contradição quanto a seja como mera sentiencia. Ora, é da
refutação por consequências pressupõem em natureza dessa relação, não só que o objeto
última instância a refutação introspectivo- seja algo diferente da consciência, mas
fenomenológica por falsidade (1903: 450). absolutamente transcendente a ela (1903:
453) e que o objeto de toda consciência
Se vamos além das aparências motivadas seja evidente no mesmo grau e pela mesma
pela literalidade do texto, o verdadeiro razão (1903: 453). Em consequência, não
“argumento” de Moore não é outro que há nenhuma diferença entre a consciência
um procedimento regressivo que busca em de azul e a de um objeto do mundo exterior.
primeira instância explicitar o pressuposto Ambos são igualmente transcendentes e
último no qual se assenta o idealismo. Este igualmente dados de modo direto e
pressuposto não é outro que a convicção imediato à consciência (1903: 451). Uma
de que é intuitivamente evidente que o correta descrição da consciência elimina o
objeto da consciência está nela (1901-1902: problema da saída ao mundo externo, já
157 e 1903: 453). que ser consciente é eo ipso captar algo
transcendente à consciência.
A identificação deste suposto é correlativa
à proposta de uma nova ideia de A consequência da tese de Moore é não só
subjetividade que, ainda que possa ser que a consciência pode captar algo
empregada como base de uma refutação transcendente a ela, mas que só pode
do idealismo, pois é simplesmente a outra captar algo transcendente a ela. Mais ainda,
face da mesma, é em si mesma autônoma e não se trata meramente de descrever
auto-suficiente. corretamente a relação na qual a consciência
entra com o seu objeto no conhecimento,
Se compararmos nossa sensação de azul
mas a única forma na qual isso, chamado
com outra de amarelo, observamos que há
consciência, pode existir. A relação da
entre elas algo em comum e algo diferente.
consciência a seus objetos, pela sua própria
O algo em comum (entre si, e com
natureza, e independentemente de seus
qualquer outra sensação que possamos
objetos, é sempre a mesma.
pensar) é justamente o que chamamos
“consciência”; o algo diferente, é o
“objeto” ao qual a consciência se dirige.
Entre a consciência e seu objeto existe uma 5. Conclusão
relação sui generis, absolutamente irredutível
a toda outra e que podemos chamar Para concluir, comparemos por um lado
relação de “knowing of”, em que o “of” não Frege, Stout e Moore entre si, e, por outro,

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todos eles com a escola de Brentano, interage com ela de modos diversos, e, por
individual e coletivamente. outro, desenvolve variantes que são
correlatas com aquelas desenvolvidas na
Frege e Moore consideram que na base do escola de Brentano, e em parte não. A
idealismo se encontra uma falsa doutrina posição de Moore tende a coincidir com a
da subjetividade que gira em torno ao PI. de Meinong, a de Frege, com a de Husserl,
Mas, ainda tendo importantes pontos em a de Stout, que tem um componente
comum, as duas concepções de subjetividade idealista atípico na escola de Brentano e,
de Frege e Moore possuem também justamente por esse motivo, fica presa ao
importantes diferenças e, em definitivo, que pretende superar tanto como a de
permanecem reciprocamente irredutíveis. Höffler, ainda que não num contexto
Frege defende uma concepção ato- realista como este.
conteúdo-objeto da consciência que aceita
tanto a existência do conteúdo real (que
pode se dar só ou como meio de relação ao
objeto), quanto à necessidade de um Referências bibliográficas
conteúdo ideal. Moore, por sua vez,
defende uma concepção ato-conteúdo da FREGE, G. Begriffsschrift. Eine der
consciência na qual não só o conteúdo não arithmetischen nachgebildeten Formelsprache
é objeto da consciência, mas não há des reinen Denkens. In: Begriffsschrift und
conteúdo e, portanto, nem sentiencia, nem andere Aufsätze. 2da. ed. Ignacio Angelelli
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tanto quanto Moore, não aceite uma
relação direta a certos objetos, a saber, os _______. Die Grundlagen der Arithmetik.
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apreendidos de modo tão direto quanto os über den Begriff der Zahl. Hamburg:
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Moore na teoria da subjetividade se Pohl, 1893. (GGA)
concretizam pontualmente na teoria da
percepção, não menos que na teoria da _______. Logik (1897). In: Gabriel,
significação e do juízo. Moore, como Stout, GOTTFRIED (org.). Schriften zur Logik
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como meramente psicológico, tem uma 3.Aufl. Hamburg: Meiner, 1980.
teoria puramente referencial do significado _______. Der Gedanke. In: FREGE, G.
na qual não há lugar para entidades Logische Untersuchungen. Göttingen:
intencionais mediadoras, como os “Gedanke” Vandenhoeck und Ruprecht, 1986.
fregeanos.
_____. Besprechung Husserl’s Philosophie
Em suma, existe uma discussão sobre as der Arithmetik. Zeitschrift für Philosophie
relações entre conteúdo e objeto fora da und philosophische Kritik NF 103: 313-332,
escola de Brentano que, por um lado, em 1892.
parte é independente dela, e em parte

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Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea


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