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Conteúdo e Objeto em Frege, Stout e Act, content and object bei Frege, Stout
Moore and Moore
1 E mail: mariopor@pucsp.br.
Conteúdo e Objeto em Frege, Stout e Moore
2 Aceito aqui o que se pode considerar a posição clássica. Recentemente a mesma tem sido questionada
por Rollinger (2002) e Betti (2013).
3 Com respeito às abreviaturas utilizadas, veja-se bibliografia.
resenhas aos seus “Fundamentos da fregeano (1887, IV: 305). É nela que
Aritmética”, das quais três se manifestam devemos nos concentrar.
sobre o tema do anti-psicologismo de
modo positivo (Lasswitz, Cantor e Kerry dirige quatro substanciais críticas ao
Eucken), três, sem embargo, são criticas antipsicologismo fregeano:
neste ponto (Hoppe, Husserl e Kerry). A
crítica de Hoppe não passou de uma
contraposição dogmática de pontos de a. Uma fundamentação psicológica da lógica/
vista incomensuráveis; as de Kerry, pelo matemática não implica necessariamente uma
contrário, são filosoficamente substanciais ameaça à objetividade das mesmas ou o
e merecem uma consideração especial, perigo do subjetivismo.
mesmo por que elas são imprescindíveis
para fixar o horizonte adequado tanto para b. Se o anterior é correto, se segue que o
entender a crítica de Husserl a Frege, radical combate de Frege ao psicologismo
quanto a reação deste às mesmas. é infundado. Logo, Frege alerta contra um
perigo que não existe. Por tal razão, seu
2.3. As criticas de Kerry a Frege e a antipsicologismo radical deve sem mais ser
legitimidade da luta antipsciologista ironicamente desqualificado como “horror
subjectivi”.
Kerry dirige quatro críticas a Frege:
c. Mas se, segundo a opinião de Kerry,
a. A primeira é bem conhecida e diz Frege, com sua rigorosa divisão entre
respeito à diferença entre conceito e lógica e psicologia, vê, por um lado, um
objeto. É de se ter em conta, no entanto, problema que de fato não existe, por outro,
que ela é uma consequência da oposição não vê a verdadeira dificuldade que resulta
entre abordagem psicológica e lógica. inevitável neste contexto, a saber, o como
pode surgir validade objetiva a partir do
b. A segunda aponta ao fato de que Frege subjetivo. Com isto, Kerry não exige de
trabalha com um conceito de lógica que Frege meramente uma “complementação”
não determina de modo adequado (1887, de sua posição, uma complementação que
IV: 261). Frege poderia talvez fornecer, se a isto se
c. A terceira denuncia que Frege apela sem propusesse. Pelo contrário, Kerry quer
mais à “Razão” como faculdade de apontar para uma dificuldade de princípio
apreensão do objetivo não-real (1884, na tese de seu oponente, uma dificuldade
§26-27: 41-42), o qual não representa outra que ele só poderia superar se abandonasse
coisa que um “hipostasiar uma faculdade seu ponto de partida. Dado que Frege, e
totalmente inarticulada [ungegliedert] como em que pese todo seu “objetivismo”, não
fundamento da objetividade”, algo que não pode evitar responder à pergunta pela
acompanha a situação da pesquisa apreensão do objetivo, esta o deveria levar
psicológica da época (1887, IV: 305-307). então à negação de sua tese de que se deve
separar do modo mais radical possível o
d. A anterior objeção é meramente um objetivo e o subjetivo ou, dito de outro
aspecto de uma outra, mais abrangente, a modo, que se deve fundamentar a
quarta, que estabelece uma recusa de objetividade da matemática sem qualquer
princípio do combate antipsicologista consideração psicológica.
b1. seja estabelecendo para isso a análise pode ser eliminado sem que por isto se
correta de uma ideia (1903: 444ss); elimine a peculiaridade de tal relação. A
sensação é sempre sensação de algo e esse
b.2. seja denunciando a análise falsa (1903, algo é o seu objeto. Dito de outro modo: a
p. 447ss.); relação da consciência a seu objeto não
pode ser reduzida a uma relação de todo e
c. ou evidenciando que dela se seguem parte. O objeto da consciência não é jamais
consequências absurdas (1903: 451). o seu conteúdo. Mais ainda, não existe
propriamente algo assim como um
Ora, o ponto decisivo é que tanto a conteúdo, seja como mediação ao objeto,
refutação por contradição quanto a seja como mera sentiencia. Ora, é da
refutação por consequências pressupõem em natureza dessa relação, não só que o objeto
última instância a refutação introspectivo- seja algo diferente da consciência, mas
fenomenológica por falsidade (1903: 450). absolutamente transcendente a ela (1903:
453) e que o objeto de toda consciência
Se vamos além das aparências motivadas seja evidente no mesmo grau e pela mesma
pela literalidade do texto, o verdadeiro razão (1903: 453). Em consequência, não
“argumento” de Moore não é outro que há nenhuma diferença entre a consciência
um procedimento regressivo que busca em de azul e a de um objeto do mundo exterior.
primeira instância explicitar o pressuposto Ambos são igualmente transcendentes e
último no qual se assenta o idealismo. Este igualmente dados de modo direto e
pressuposto não é outro que a convicção imediato à consciência (1903: 451). Uma
de que é intuitivamente evidente que o correta descrição da consciência elimina o
objeto da consciência está nela (1901-1902: problema da saída ao mundo externo, já
157 e 1903: 453). que ser consciente é eo ipso captar algo
transcendente à consciência.
A identificação deste suposto é correlativa
à proposta de uma nova ideia de A consequência da tese de Moore é não só
subjetividade que, ainda que possa ser que a consciência pode captar algo
empregada como base de uma refutação transcendente a ela, mas que só pode
do idealismo, pois é simplesmente a outra captar algo transcendente a ela. Mais ainda,
face da mesma, é em si mesma autônoma e não se trata meramente de descrever
auto-suficiente. corretamente a relação na qual a consciência
entra com o seu objeto no conhecimento,
Se compararmos nossa sensação de azul
mas a única forma na qual isso, chamado
com outra de amarelo, observamos que há
consciência, pode existir. A relação da
entre elas algo em comum e algo diferente.
consciência a seus objetos, pela sua própria
O algo em comum (entre si, e com
natureza, e independentemente de seus
qualquer outra sensação que possamos
objetos, é sempre a mesma.
pensar) é justamente o que chamamos
“consciência”; o algo diferente, é o
“objeto” ao qual a consciência se dirige.
Entre a consciência e seu objeto existe uma 5. Conclusão
relação sui generis, absolutamente irredutível
a toda outra e que podemos chamar Para concluir, comparemos por um lado
relação de “knowing of”, em que o “of” não Frege, Stout e Moore entre si, e, por outro,
todos eles com a escola de Brentano, interage com ela de modos diversos, e, por
individual e coletivamente. outro, desenvolve variantes que são
correlatas com aquelas desenvolvidas na
Frege e Moore consideram que na base do escola de Brentano, e em parte não. A
idealismo se encontra uma falsa doutrina posição de Moore tende a coincidir com a
da subjetividade que gira em torno ao PI. de Meinong, a de Frege, com a de Husserl,
Mas, ainda tendo importantes pontos em a de Stout, que tem um componente
comum, as duas concepções de subjetividade idealista atípico na escola de Brentano e,
de Frege e Moore possuem também justamente por esse motivo, fica presa ao
importantes diferenças e, em definitivo, que pretende superar tanto como a de
permanecem reciprocamente irredutíveis. Höffler, ainda que não num contexto
Frege defende uma concepção ato- realista como este.
conteúdo-objeto da consciência que aceita
tanto a existência do conteúdo real (que
pode se dar só ou como meio de relação ao
objeto), quanto à necessidade de um Referências bibliográficas
conteúdo ideal. Moore, por sua vez,
defende uma concepção ato-conteúdo da FREGE, G. Begriffsschrift. Eine der
consciência na qual não só o conteúdo não arithmetischen nachgebildeten Formelsprache
é objeto da consciência, mas não há des reinen Denkens. In: Begriffsschrift und
conteúdo e, portanto, nem sentiencia, nem andere Aufsätze. 2da. ed. Ignacio Angelelli
mediação sensível ao objeto, como em (ed.). Darmstadt: Wissenschaftliche
Stout. Isto não implica, porém, que Frege, Buchgesellschaft, 1971. pp. 1-88.
tanto quanto Moore, não aceite uma
relação direta a certos objetos, a saber, os _______. Die Grundlagen der Arithmetik.
Gedanke, que, enquanto objetos, são Eine logisch mathematische Untersuchung
apreendidos de modo tão direto quanto os über den Begriff der Zahl. Hamburg:
concepts de Moore. Meiner, 1988. (GA)
Estas diferenças gerais entre Frege e _______. Grundgesetze der Arithmetik. Jena:
Moore na teoria da subjetividade se Pohl, 1893. (GGA)
concretizam pontualmente na teoria da
percepção, não menos que na teoria da _______. Logik (1897). In: Gabriel,
significação e do juízo. Moore, como Stout, GOTTFRIED (org.). Schriften zur Logik
e por conceber como este todo conteúdo und Sprachphilosophie. Aus dem Nachlass.
como meramente psicológico, tem uma 3.Aufl. Hamburg: Meiner, 1980.
teoria puramente referencial do significado _______. Der Gedanke. In: FREGE, G.
na qual não há lugar para entidades Logische Untersuchungen. Göttingen:
intencionais mediadoras, como os “Gedanke” Vandenhoeck und Ruprecht, 1986.
fregeanos.
_____. Besprechung Husserl’s Philosophie
Em suma, existe uma discussão sobre as der Arithmetik. Zeitschrift für Philosophie
relações entre conteúdo e objeto fora da und philosophische Kritik NF 103: 313-332,
escola de Brentano que, por um lado, em 1892.
parte é independente dela, e em parte