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Universidade Estadual do Ceará

Centro de Humanidades
Departamento de Letras Vernáculas
Curso de Letras – Português – Noturno
Sociolinguística
Professor Haroldo Nogueira

Dialeto fluminense e suas relações com os dialetos


do RJ, de SP, do ES e do interior de MG

Saulo de Araújo Lemos

Fortaleza
2013
1. Introdução

Segundo a definição de Coseriu, os dialetos constituem parcialmente as línguas e a


elas seriam subordinados; seria uma língua menor oposta a uma língua maior (cf 1982, p.
11-12); assim, podemos propor a hipótese de que as línguas são heterogêneas por
princípio. A projeção de uma homogeneidade linguística sobre esse corpo geral
heterogêneo, embora não seja uma preocupação ostensiva desta discussão, não deixa de
apresentar um ponto de tensão para o pensar sociolinguístico.
Este trabalho é centrado na apresentação de características sociais e formais dos
dialeto fluminense, carioca, capixaba e paulista, seguido de uma confrontação de
semelhanças entre essas variedades, bem como de algumas possíveis implicações de
suas muitas disparidades. Língua é disparidade. Dialeto é disparidade: manancial da
diferença em suas faces potenciais: tolerância e conflito.
2. Os dialetos carioca e fluminense: um só dialeto?

A textura atual do dialeto fluminense se deve basicamente a várias décadas de


interação entre o português brasileiro já aclimatado às terras brasileiras quando da
chegada da família real (1808) e o português que veio de Portugal junto com os membros
da Corte. Muitos dentre as centenas de membros da Corte real contraíram matrimônio
com mulheres brasileiras, de modo que se pode tranquilamente especular que o prestígio
associado àqueles imigrantes se estendia à variedade linguística que utilizavam, o que
possivelmente permitiu a essa variedade ser praticada e cultuada como valor cultural
positivo a parte de uma comunidade nacional em busca de uma identidade própria.
No processo de formação do dialeto fluminense, certamente, devem ser contadas
também as levas de imigração lusitana das décadas posteriores. É dessa circunstância
filológica que decorrem as diversas semelhanças fonológicas entre tal dialeto e a variante
linguística falada na ex-metrópole portuguesa, como no caso da pronúncia palatalizada
dos fonemas /s/ e /z/ em final de sílabas (resultando, por exemplo, na pronúncia
correspondente à transcrição fonética a seguir para a palavra “mesmos”: /meʒmuʃ/, algo
como “mezmosh”), similaridade que, entretanto, é igualmente observada em outras
regiões do país, como no estado de Pernambuco ou na região Norte.
Dentre outros traços comuns com o falar português europeu, o dialeto fluminense
apresenta, principalmente, certa tendência ocasional à redução das vogais /e/ e /o/, se
forem átonas, para /i/ e /u/, além de expressar ritmo acentual de fala em que as sílabas
átonas geralmente têm menor duração que as tônicas, fato, aliás, que ocorre em vários
outros dialetos do português brasileiro, como no gaúcho ou no nordestino. Também pode
ser mencionada, no quesito das similaridades luso-brasileiras, a palatalização do /s/ e
do /z/ em fim de sílaba, referida acima. Contudo, de modo diferente do que se observa no
caso do português europeu, a palatalização que acompanha a pronúncia do s e do z não
é verificada em antecedência a outra consoante fricativa alveolar (como em os senhores).

O dialeto fluminense abrange quase todo o estado federativo do Rio de Janeiro. Sua
ocorrência é escassa ou nulamente verificada onde se apresentam influências dos falares
mineiro e paulista, como algumas cidades do sul do estado. Sabe-se que os
deslocamentos migratórios de fronteira são os principais responsáveis por essa
conjuntura, que também se deve a sedimentações linguísticas de caráter histórico. Em
todo caso, segundo o site http://pt.wikipedia.org/wiki/Dialeto_fluminense, a estrutura
fonológica do dialeto fluminense “dificilmente” pode ser encontrada em outras regiões do
Brasil.

Fonologicamente, o dialeto fluminense apresenta os mesmos traços gerais do chamado


dialeto carioca; na capital do estado e em suas regiões limítrofes ou próximas, não há
indícios de diferenças claras no uso dialetal corrente. Como traços característicos, são
registrados: a) palatização do l (que soa como “lh”), do d (soando como “dj”) e do t (soa
“tj”) antes de i ou e reduzido (que, portanto, soa como "lhinha", em vez de linha, "lhi" em
lugar de li (consta haver um célebre trocadilho entre "velhinha" e "velinha"; registram-se
também, por exemplo, "djia" em vez de dia, "antigamentchi", em vez de antigamente.
b) redução dos semiditongos ou ditongos crescentes a hiatos, observável em pronuncias
como “italiano”, em vez de "italyano" (onde havia uma semivogal, surgiu uma vogal); da
mesma maneira, nos pares social/socyal e solucionar/"solucyonar";
c) a já citada palatalização do s no final de sílaba: "ash", em lugar de as, por exemplo;
"meiosh" em lugar de meios; d) há ainda a transformação do r líquido em aspirado (h) no
final da sílaba, produzindo pronúncias como "adorah" em vez de adorar; "ihmos" ao invés
de irmos e "cahu" em lugar de carro; e) a letra l, após vogal, tende a se transformar em
semivogal de som /w/, em final de sílaba: "maw" (mal), "hohívew" (horrível), "infantiw"
(infantil), "sów" (sol), "azuw" (azul).

Além dos pormenores acima destacados, também não se configura a ditongação


paulista dos hiatos como em "lwiz" (Luís) ou no "e" nasal tônico, que resulta em "veyndo"
(vendo), "aprendeyndo" (aprendendo), nem o r (enrolado) no final de sílaba. Assim, a
frase "Monsenhor Artur Aguiar é nosso Bispo auxiliar", soa, no carioca-fluminense, como
"Monsenhoh Ahtuh Aguiah é nossu Bispu Auxiliah", enquanto o paulista diria: “Monsenhor'
Ar'tur' Aguiar' é nosso Bispo Auxiliar”. O l nunca se transforma num r, nem o lh num y
(“mulher malvada” se pronuncia como “mulyeh mawvada” no carioca-fluminense).

A sibilante coda é realizada como uma fricativa palato-alveolar surda [ʃ] quando
antecede consoantes surdas ou quanto está na posição pré pausa, mas é sonorizada
para [ʒ] ao anteceder uma consoante sonora, na mesma palavra ou com sândi, e varia
para [z] quando está com sândi com uma vogal;exemplos disso são encontrados em
“bons amigos” [ˌbõzaˈmigʊʃ] e “bons dias” [bõʒˈd͡ ʒiɐʃ].

Como curiosidade, consta que o dialeto fluminense foi decretado dialeto oficial do Brasil
em 1961 por Jânio Quadros. Talvez esse fato seja explicado pela preocupação vernácula
de Jânio, professor de português antes de ser político (em uma época na qual o nome e a
teoria de Saussure eram pouco difundidos no país) e porque havia apenas um ano a
capital federal do país saíra do estado do Rio de Janeiro.
3. Os dialetos de São Paulo, do Espírito Santo e do interior de Minas Gerais e suas
relações com o dialeto fluminense

É importante, para o aprofundamento da compreensão de um dialeto, como por


exemplo o fluminense, com outros dialetos mais ou menos próximos no tempo (em uma
perspectiva sincrônica) e no espaço (em uma perspectiva geográfica, e de certo modo,
nacional). Ezra Pound, em seu ABC de poesia, propunha o cerne do estudo comparado,
pontuando o estudo de uma obra frente a ao estudo de toda uma série de obra, como no
método de estudo de estruturas biológicas na ciências naturais. Assim, é interessante
conferir traços distintivos dos dialetos carioca, paulista, capixaba e mineiro do interior com
vistas a uma compreensão mais aprofundada do dialeto fluminense.

No caso de São Paulo, é necessário considerar a tendência empírica à diferença entre


uma variedade paulistana (grande São Paulo e arredores) e uma variedade paulista,
interiorana, que inclusive contém “tons” dialetais intermediários entre o paulistano e o
chamado dialeto caipira, ainda difundido no interior do estado, e que também será
descrito aqui mais adiante. Segundo o site
http://letrasitinerantes.blogspot.com.br/2008/11/dialeto-paulista-existem-muitas.html,
“algumas cidades tiveram influência americana, enquanto que o dialeto paulistano teve
uma forte influência da colonização europeia”.

A peculiaridade na pronúncia da letra R talvez seja o maior símbolo da fala de cidades


do interior de SP. De fato, conforme o site http://noticias.universia.com.br/ciencia-
tecnologia/noticia/2005/09/16/462863/dialeto-do-interior-paulista.html, desde 2004 a
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho vem realizando pesquisa em
várias cidades do interior de São Paulo (Bady Bassit, Cedral, Guapiaçu, Ipiguá, Mirassol,
Onda Verde e São José do Rio Preto). A pesquisa aponta que o r retroflexo ou “r caipira”
ainda é o principal elemento distintivo do dialeto paulista. A redução do gerúndio, que dá
existência a vocábulos como “cantano”, “comeno”, “sorrino”, também é outro fenômeno
bastante comum nesse dialeto. Esses dois aspectos fonéticos estão, em termos práticos,
ausentes no dialeto da capital e cercanias.

O dialeto paulistano, por sua vez, é historicamente constituído pela mistura do


português assimilado ao lugar com a contribuição de imigrantes de diversas
nacionalidades que chegaram à capital paulista nas últimas décadas do século XIX. A
maioria dos imigrantes é de origem italiana, o que certamente trouxe implicações ao
dialeto da cidade. De acordo com o que aponta o site
http://pt.wikipedia.org/wiki/Dialeto_paulistano, o impacto do idioma italiano em São Paulo
teria como indício “evidente” é a “falta da letra "s" em grande partes dos plurais”, já que o
plural nesse idioma não recorre em geral à letra s, mas a uma declinação da última vogal.
Também deve ser mencionada a participaçao constitutiva de árabes, japoneses,
espanhóis e portugueses nesse dialeto, dos quais, nele, há pelo menos incorporação
lexical de certos vocábulos.

Dentre os traços do dialeto paulistano, menciona-se: a) a palatalização dos blocos


fonéticos /di/ e /ti/, como em "tio" ['tʃiu] e "dia" ['dʒiɐ], o que é percebido na maior parte dos
dialetos do Sudeste, como o carioca, o fluminense, o mineiro e certa parcelo ddo caipira;
b) as fricativas /s/ e /z/ não sofrem palatalização e são verificados inclusive diante de
consoantes alveolares e dentais (/d/ e /t/); c) uso do r surdo (/ɾ/), soando como se o
falante emendasse sílabas de uma palavra ou palavras distintas, já que esse som é pouco
audível; tal formulação fonética também é comum aos dialetos sertanejo e sulista, mas
não ocorre nos dialetos do Rio de Janeiro e das Regiões Norte e Nordeste.
O dialeto mineiro, conhecido ainda como dialeto montanhês, vige nas regiões central e
leste de Minas Gerais. Assim, falar em dialeto do interior de Minas é falar basicamente no
que pode ser descrito como o dialeto mineiro regular, apesar da relativa influência sobre
este do dialeto capira (que, aliás, registra-se efetivamente no sul do estado).
Geograficamente, sua abrangência aproximada seria a da região coberta pelo
Quadrilátero Ferrífero, incluindo a capital municipal, Belo Horizonte. Apesar de traços
ocasionais em comum com o dialeto caipira, como o famoso r retroflexo, o dialeto mineiro
apresenta distinções em relação a este, como pro exemplo a transformação do /i/ em /r/
característica do falar caipira.
O dialeto mineiro apresenta as seguintes particularidades fonéticas: a) ritmo fortemente
acentual (as sílabas tônicas são mais longas que as átonas); b) apócope em vogais
átonas: “parte” é pronunciado “part'” (a letra t sofre tênue sibilação); c) assimilação de
vogais consecutivas, o que explica a crase que ocorre no sintagma “a asa”, quando
pronunciado; d) permutação de /e/ em /i/ e de /o/ em /u/ quando se trata de vogais curtas:
tem-se /chuviscu/ por “chovisco”; e) aférese do "e" em palavras iniciadas por
"es": /sportchi/ por “esporte”; f) como outro traço semelhante ao caipira, em construções
sintagmáticas de artigo mais substantivos e adjetivos, somente o primeiro termo, o artigo,
é flexionado no plural; g) percebe-se uma contração frequente de locuções: “abra as
asas” se torna, foneticamente falando, /abrazázas/; h) vogais longas são geradas por
certos ditongos: “fio” transforma-se em /fíi/; i) algumas sílabas são fundidas em outras,
como se observa, respectivamente, entre as seguintes palavras e suas respectivas
pronúncias nesse dialeto: filho /fíi/, pinho /pinh/; j) a letra r é pronunciada como uma
consoante aspirada (/rato/), o que atenua seu caráter vibratório. Essa pronúncia ocorre,
de modo análogo, no Rio de Janeiro e nas regiões Norte e Nordeste do Brasil; l) antes de
vogais, a letra s é frequentemente sonorizada.

Segundo o site http://meuartigo.brasilescola.com/portugues/a-lingua-portuguesa.htm, o


dialeto capixaba, cuja abordagem deixamos por último de propósito e pelo motivo que
logo se verificará, é nada mais que o mesmo dialeto fluminense. Esse dato talvez explique
a virtual inexistência de informações sobre a situação dialetal do estado brasileiro do
Espírito Santo.

De um modo geral, entre o dialeto fluminense e os dialetos de São Paulo e Minas


Gerais (com exceção do caso do Espírito Santo, pelas razões mencionadas acima), pode-
se afirmar que tanto diferenças como semelhanças. Os traços gramaticais peculiares a
cada dialeto descritos acima o comprovam. O período histórico da Mineração aproximou o
dialeto mineiro do carioca/fluminense. A palatalização do di e do ti, referida mais acima, é
comum aos outros dialetos do Sudeste, aliás. Os dados apresentados sugerem, todavia,
que as diferenças seriam mais comuns, agudizando traços identitários próprios, mas
também abrindo espaço favorável a práticas enraizadas de preconceito linguístico.
4. Considerações finais

O levantamento de informações prestado acima tem, na concepção de Claude Lévis-


Strauss apresentada em sua Antropologia estrutural, o caráter de testemunho etnográfico,
que permite o pensamento humanístico contempor avaliá-lo e dimensioná-lo em conexão
com questões que repercutam nos meandros da linguagem, que como diz o filósofo
Martin Heidegger, seria a residência fundamental do humano. De fato, peculiaridades
dialetais de uma região não deveriam, em nossa visão, ser pesquisadas ou apresentadas
por si, mas como suporte a discussões sobre a feição dinâmica e complexa (até certo
ponto incompreensível) da linguagem e a da sociedade.

É assim que o confronto de dialetos descritos permite pensar em outros confrontos


conexos: de valores, de hábitos, de visões sobre si e sobre o outro, de culturas, de
motivações políticas, de ação humana. Pensar os dialetos listados e comentados acima,
que por sinal vêm da região brasileira economicamente mais próspera, é fato que parece
suscitar discussão sempre urgente, sempre necessária (ao menos até hoje) sobre
conflitos culturais que já surgem ao nível do preconceito linguístico.

As disparidades linguísticas são talvez o lugar do social, da possibilidade de


convivência, da afirmação do heterogêneo como traço básico do humano; entretanto, o
mapeamento da diferença, focado nas particularidades linguísticas do português
brasileiro, mostra os aspectos mais negativos da heterogeneidade cultural brasileira,
sempre prestes a evocar as disparidades sociais, políticas e econômicas de nosso país.

A dificuldade em proceder à coleta das informações necessárias a este trabalho é


também um dado a ser considerado. Talvez aponte a hipótese da necessidade de uma
reestruturação dos estudos sociolinguísticos ou de uma assimilação de seu legado a
perspectivas linguísticas mais amplas, relacionadas aos usos e aos obstáculos que a
linguagem acolhe e impõe.
Bibliografia

Livros:

COHEN, Maria Antonieta; RAMOS, Jânia M (orgs). Dialeto mineiro e outras falas: estudos
de variação e mudança linguística. Belo Horizonte: UFMG, 2002.
COSERIU, E. Sentido y tareas de la dialectología. Mexico: Instituto de Investigaciones
Filológicas, 1982.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Anthropologie structurale. Paris: Plon, 1997.
POUND, Ezra. ABC da literatura. Trad. Augusto de Campos e José Paulo Paes. 11. ed.
São Paulo: Cultrix, 2006.

Dissertação:

Silva, Jair de Almeida. Estudo sociofonético de variações rítmicas no dialeto capixaba.


Vitória: Universidade Federal do Espirito Santo, 2010 (mimeografada).

Sites da internet:

http://letrasitinerantes.blogspot.com.br/2008/11/dialeto-paulista-existem-
muitas.html. Consulta em 25.06.2013.

http://meudiariodebordo.blogspot.com.br/2008/11/sobre-o-dialeto-fluminense.html.
Consulta em 25.06.2013.

http://meuartigo.brasilescola.com/portugues/a-lingua-portuguesa.htm. Consulta em
25.06.2013.

http://noticias.universia.com.br/ciencia-tecnologia/noticia/2005/09/16/462863/dialeto-
do-interior-paulista.html. Consulta em 25.06.2013.

http://pt.scribd.com/doc/58982026/DIALETOS-BRASILEIROS. Consulta em
25.06.2013.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Dialetos_da_l%C3%ADngua_portuguesa. Consulta em
25.06.2013.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Dialeto_caipira. Consulta em 25.06.2013.


http://pt.wikipedia.org/wiki/Dialeto_carioca. Consulta em 25.06.2013.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Dialeto_fluminense. Consulta em 25.06.2013.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Dialeto_mineiro. Consulta em 25.06.2013.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Dialeto_paulistano. Consulta em 25.06.2013.

http://variantesdobrasil.blogspot.com.br/2011/06/dialetos-regionais_8062.html.
Consulta em 25.06.2013.

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