Você está na página 1de 84

ALMANAQUE HISTÓRICO

Cristina Massadar Morel e Marco Morel


PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA Auxiliares de Pesquisa
Presidente Antonio Venâncio
Luiz Inácio Lula da Silva Cleide Rodrigues
Fabio Maciel
Ministério da Justiça Lucas Zelesco
Ministro Patricia C. Grigório
Tarso Genro Rodrigo Piquet S. Mello
Rossana C. Leone
FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL Consultoria em Ciências
Presidente Eliane Dias de Franco Trigo
Jorge Alfredo Streit Análise de Produto
Diretores Executivos Simone Melo
Eder Melo Revisão de Textos
Dênis Corrêa Cely Curado
Gerente de Educação e Cultura Veridiana Steck
Marcos Fadanelli Ramos Pesquisa de Imagens
Assessoria Técnica Denise Portugal Lasmar
Juliana Mary M. Ganimi Fontes Seleção de Imagens
Elizabete Braga
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI
Cristina Massadar Morel
Presidente
Marco Morel
Márcio Augusto Freitas de Meira
Design Gráfico
MUSEU DO ÍNDIO
Ruth Freihof | Passaredo Design
Diretor
Christiane Krämer
José Carlos Levinho
Serviço de Administração Tratamento de Imagem
Rosilene de Andrade Silva Trio Studio

SOCIEDADE DE AMIGOS DO MUSEU DO ÍNDIO Supervisão Geral


SAMI Ruy Godinho
Presidenta
Bruna Franchetto Imagem Capa
Diretora Executiva Rondon entre os Nambiquara
Valéria Luz da Silva | Acervo Museu do Índio/Funai
Diretor Financeiro
José Ribamar Bessa Freire

PRODUTORA CULTURAL
Abravideo M839a Morel, Cristina Massadar
Concepção e Texto Almanaque Histórico Rondon: a construção do Brasil e a
Cristina Massadar Morel causa indígena. / Cristina Massadar Morel e Marco Morel
Brasília : Abravideo, 2009.
Marco Morel
Suplemento: guia do professor
Coordenação Geral
ISBN 978-85-61467-07-4
Elizabete Braga
1. Cândido Rondon. 2. Linhas telegráficas. 3. História do
Coordenadores de Pesquisa
Brasil. 4. Indigenismo I. Morel, Marco. II. Título.
Carlos Augusto da Rocha Freire CDD 918.1
Denise Portugal Lasmar
N D O N D O
O O

N
R

R
PR

A
RI
JE
O

TO MEMÓ

Apresentação 4

1 Caminhos do Brasil 6

Os saberes dos povos indígenas 18

Ameaças à saúde 21

A “língua de Mariano”: o telégrafo 24

2 Índios no Brasil 28

Palavras dos índios: línguas diferentes 34

Palavras dos índios, nossas palavras 37

Longa trajetória de contatos 40

3 Palavras e imagens 48

Lembranças da Comissão Rondon 53

Memórias e culturas dinâmicas 56

A força dos meios de comunicação 60

4 Homem público 64

Nação e cidadania 72

Cronologia 79

Bibliografia 80
APRESENTAÇÃO
Ao apresentar a trajetória de Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958) na 12.ª
edição do Projeto Memória, a Fundação Banco do Brasil, em parceria com a Sociedade
de Amigos do Museu do Índio (SAMI), tem a oportunidade de oferecer aos professores
e a seus alunos importantes caminhos da história e da cultura do País. De certa ma-
neira, os passos desse marechal do Exército (que pregava o pacifismo e a defesa das
populações indígenas e que contribuiu de modo decisivo para a integração nacional)
nos ajudam a conhecer como foi construída a nação em que vivemos.
As atividades do Marechal Rondon oferecem elementos instigantes para o trabalho
em sala de aula. Sua vida longa e atuação intensa envolvem questões ligadas ao meio
ambiente, aos meios de comunicação, às inovações técnicas, à diversidade cultural e
à formação do Brasil. Ao fazer um levantamento de suas realizações, ele contabilizou
nada menos que 50 mil quilômetros (mais do que a circunferência da Terra) percorridos
em nosso território, com a criação de linhas telegráficas em plena selva e nos sertões,
além de incluir rios até então ausentes dos mapas e permitir o surgimento de estradas
e cidades. Ao mesmo tempo, sua presença teve dimensão científica: por onde passava,
colhia espécimes vegetais, minerais, animais e arqueológicos, muitos ainda desconhe-
cidos pelos registros escritos. E, nessa “descoberta” do Brasil, Rondon afirmava ter
encontrado nosso maior tesouro: as populações indígenas.
O Almanaque Histórico Marechal Rondon, portanto, está organizado a partir de qua-
tro eixos básicos relacionados ao personagem:
Caminhos do Brasil: regiões percorridas por ele e pelos indivíduos e grupos
que integraram suas equipes, o que nos leva a abordar os ecossistemas, a fauna e a
flora, a dimensão social da saúde e as invenções tecnológicas.
Índios no Brasil: populações com as quais entrou em contato nos levam a di-
mensionar a presença indígena na cultura e na sociedade brasileira, com as formas de
relação pacíficas ou violentas, além da riqueza cultural desses povos.
Palavras e imagens: as produções culturais surgidas em consequência de sua
atuação (ciências naturais, etnografia, fotografia, museus) e sua relação com os mo-
dernos meios de comunicação.
Homem público: a figura de Rondon em sua dimensão política, no sentido amplo, de
alguém que exerceu com intensidade sua cidadania e defendeu suas ideias, marcan-
do presença em episódios históricos importantes, inclusive em torno dos (ainda hoje)
disputados direitos dos índios e das ações destes em defesa de suas vidas e culturas.
Na aproximação entre passado e presente, entre o que conta a história e a nossa vida
atual, surgem palavras e trajetórias de vida que, entrelaçadas, mais uma vez nos abrem
a esperança de que o Brasil pode e deve continuar se transformando para melhor.

Rondon com criança indígena | Acervo Museu do Índio/Funai 5


1 CAMINHOS DO BRASIL
“Iniciei, bem pequeno, as caçadas, de que fui sempre apaixonado –
até que lhes compreendi a desumanidade. Minha arma era um bodoque com
que atirava pelotas de barro.”
(Depoimento do Marechal Rondon para Esther de Viveiros)

Foi justamente na região onde nasceu e passou a infância que o Marechal Ron-
don participou e dirigiu a Comissão Construtora de Linhas Telegráficas de Cuiabá ao
Araguaia (1890-1891). Essa seria a primeira de uma série de expedições pelo Norte e
Centro-Oeste do Brasil: Comissão Construtora de Linhas Telegráficas do Mato Grosso
(1900-1906) e Comissão Construtora de Linhas Telegráficas Estratégicas do Mato Gros-
so ao Amazonas (1907-1915) – esta última denominada Comissão Rondon.
No final do século XIX, a construção do telégrafo de Goiás (Araguaia) a Mato Grosso
(Cuiabá) visava ao fortalecimento militar do sul do Mato Grosso, ligando-o de maneira
direta ao Rio de Janeiro. Essa também era uma forma de promover o povoamento da
região. A vulnerabilidade da área de fronteira do Mato Grosso já tinha sido identificada
na época da Guerra do Paraguai (v. Capítulo 4). Em outras palavras: estava em jogo
garantir a integridade nacional e construir novos mecanismos para protegê-la. Rondon,
desse modo, teria importante presença nessas amplas e demoradas tarefas de ajudar
a consolidar a nação brasileira.
A Comissão Rondon, além de instalar as linhas telegráficas, possibilitou a construção
de estradas de ferro e de rodagem e a pesquisa em diversos campos da ciência.
Participavam com entusiasmo da Comissão oficiais especializados em Topografia,
Desenho e Astronomia, mas não era fácil arregimentar a maioria da mão-de-obra, com-
posta por civis e praças, tendo em vista o temor que as condições de vida e trabalho
da Comissão causavam. Muitas vezes, eram recrutados soldados considerados indis-
ciplinados, além de presos políticos e presos comuns. Em algumas ocasiões, os índios
também participaram da abertura de picadas e da instalação das linhas.

6
Picada aberta para instalação da linha telegráfica |
Acervo Museu do Índio/Funai

Rondon em Mimoso(MT), onde nasceu | Benjamin


Rondon | Acervo Museu do Índio/Funai

Esticamento do fio elétrico para o telégrafo | Luiz Leduc


| Acervo Museu do Índio/Funai
General Rondon distribuindo brindes entre os índios Bororo que residem nas imediações da cidade de Ron-
donópolis, 1948 | Heinz Forthmann | Acervo Museu do Índio/Funai

“Dei ao cacique uma corneta, que foi entregue a um índio por ele
designado para os toques, que, segundo combinamos, seriam dados do
modo que ele julgasse mais perceptível ao ouvido da sua gente. Fato
curioso. Aquele chefe indígena, querendo mostrar-se que havia con-
veniência em que fossem os seus toques dados à sua guisa, procurou
convencer-me de que a minha corneta falando braire (brasileiro), a
dele falaria bororo.”
(Cândido Mariano da Silva Rondon. Relatórios dos trabalhos realizados de 1900-1906.publicação 69-70)

NA PONTA DA LÍNGUA...
“Parece uma coisa à tôa / Mas tem muito que sabê; / Que não é qual-
quer pessoa / Que dança o cateretê.”

Cateretê. Dança rural, conhecida desde a época colonial em São Pau-


lo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Em Goiás, é chamada de catira.
Alguns a consideram de origem indígena, outros, africana. Duas filas,
uma de homens, outra de mulheres, uma diante da outra, desenvolvem a
8 dança por meio de palmas e bate-pés, acompanhadas por violeiros.
Ocorreram revoltas e motins entre os trabalhadores da Comissão Rondon. A rebel-
dia, segundo a historiadora Laura Antunes Maciel, “(...) também aparecia no dia-a-dia
do trabalho, quando as praças, ao receberem ordens de marchar, iam ‘sambando em
forma como se estivessem dançando o cateretê!’ (...)”.

“Vivia vida ao ar livre, vida sã e ativa, naquelas paragens pelos


bororos denominados Aquiríio – nome de um pequenino pássaro que vive
e faz seus ninhos no capim macio das campinas. Voa para o alto, ver-
ticalmente, como uma seta, a subir cada vez mais, embriagado de luz e
de altura, até desaparecer no azul... para depois se deixar cair, com
um longo assovio aquirí-i-i-i-i-i-o...
Em mim se desenvolviam, assim, naturalmente, os germes de todos os
elementos do sertanejo.”
(Depoimento do Marechal Rondon para Esther de Viveiros)

Rondon possuía, desde criança, familiaridade com a natureza. Nas várias expedições
de que participou, manteve contato com a diversidade da flora e fauna brasileira. Duran-
te essas explorações, realizou estudos com sua equipe, classificando plantas e animais
e estabelecendo a localização de acidentes geográficos até então não identificados nos
mapas. Segundo Amilcar Botelho de Magalhães, Rondon descobriu 15 rios no então
Estado do Mato Grosso. Na verdade, muitos acidentes geográficos já eram conhecidos
e até nomeados pelos índios (v. Capítulo 2).
Rondon relata a Esther de Viveiros:
“Tive inspiração de crismar o Caiamo-doguê-itugo-botuie (rio de ponta de flecha de
caiapó, em bororo) com o nome do Fundador da República, aproximando a majestosa
grandeza de ambos. Declarei solenemente perante os companheiros de construção,
entre os quais alguns índios: ‘quando a construção chegar a este rio, passará ele a
chamar-se Benjamin Constant’.”

Paisagem de Mimoso, 2009 | Elizabete Braga


Porto Bicentenário de Cuiabá | Luiz Leduc | Acervo Museu do Índio/Funai

Rondon percorreu ao todo 50 mil quilômetros nas instalações das linhas telegráficas
e na demarcação de fronteiras, segundo seus cálculos. Trata-se de extensão maior do
que a circunferência da Terra (40.075 quilômetros), na altura da Linha do Equador.
As áreas de atuação de Rondon incluíram grande parte dos atuais Estados do Mato
Grosso e do Mato Grosso do Sul – que têm por paisagem característica o Cerrado e o
Pantanal – e os Estados do Amazonas, de Rondônia, do Amapá e de Roraima, na região
Amazônica.

Rondon e expedicionários em acampamento do Porto de Cuiabá | Benjamin Rondon | Acervo Museu do Índio/Funai
CAATINGA

A M A Z Ô N I A MATA
P A N T A N A L ATLÂNTICA
C E R R A D O
PAMPA

TRAJETÓRIA DE RONDON

Comissão Construtora de Linhas Telegráficas


Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas - 1907 a 1915
Comissão de Linhas Telegráficas
do Estado de Mato Grosso - 1900 a 1906
Comissão Telegráfica
de Cuiabá ao Araguaia - 1890 a 1891 11
O Cerrado possui um clima quente o ano inteiro. A vegetação é variada, com campos
abertos, campos com gramíneas (tipos de capim), arbustos, pequenas árvores retorci-
das e florestas mais fechadas. A flora é representada por mais de 10 mil espécies. Os
animais característicos da região são: jiboia, urubu-rei, ema, tucano, gavião, tamanduá-
bandeira, lobo-guará, tatu, veado-campeiro e, ainda, muitas espécies de insetos, como
borboletas, abelhas e vespas. Essa região teve sua paisagem original modificada com a
contaminação dos rios, o desmatamento e a expansão da agricultura e pecuária.

SAIBA QUE... Vidas em perigo. O veado-campeiro e a onça-pintada são


algumas das 473 espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção,
sendo que 269 são encontradas na Floresta Atlântica.

Tartarugas protegidas. As tartarugas marinhas estavam na lista das


espécies ameaçadas de extinção. O Projeto Tamar evitou que isso
acontecesse. Atuando em grande parte do litoral brasileiro, conta
com centros de recuperação dos animais doentes, principalmente pela
ingestão de lixo, sacos plásticos, pedaços de embalagens, lonas,
linhas de pesca, entre outros objetos. Uma garrafa plástica leva
aproximadamente 400 anos para se decompor no mar! O Projeto também
faz criadouros de ovos, permitindo assim que mais filhotes cheguem ao
mar, aumentando a população das tartarugas.

Esse projeto é executado pela organização governamental Centro TA-


MAR–ICMBio e pela Fundação Centro Brasileiro de Proteção e Pesquisa
das Tartarugas Marinhas (Fundação Pró-TAMAR), instituição não gover-
namental de utilidade pública federal.

12
No Pantanal, o verão úmido e quente
contrasta com o inverno seco e frio. Fauna
e flora, ricas em diversidade, reúnem princi-
palmente espécies de outros biomas (regi-
ões com vegetação e clima semelhantes).
Característico da região é o alagamento
periódico dos rios, quando dois terços da
área ficam cobertos pelas águas. Apesar
da interferência humana, principalmente
por meio da caça, essa região ainda está
relativamente preservada.

A Amazônia é a região de maior bio-


diversidade do planeta. Seu clima é, de
um modo geral, caracterizado pelo calor
intenso e pelas chuvas abundantes. A Flo-
resta Amazônica é composta por árvores
de médio e grande porte (algumas com
50 metros de altura), cipós, bromélias, or-
quídeas, vitórias-régias. A fauna amazôni-
ca inclui o bicho-preguiça, o tatu, a onça
pintada, o tamanduá, a arara e vários tipos
de macacos (por exemplo, o sagui e o bu-
gio), além de uma grande diversidade de
peixes.
NOS DIAS DE HOJE... Um novo conhecido já ameaçado. Uma subes-
pécie de macaco, até então desconhecida pelo mundo científico, foi
identificada em 2007, justamente no traçado da rodovia BR-319 que
liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM), um dos trajetos do Marechal
Rondon. Batizado de Saguinus fuscicollis mura, já era familiar aos
moradores da região, que ignoravam tratar-se de um tipo não clas-
sificado. Esse sagui é pequeno: pesa 350 gramas, possui 23 centíme-
tros de altura e um rabo de 31 centímetros. Alimenta-se de insetos
e frutas e tem capacidade de adaptação a ambientes diferentes.
Essa subespécie já está ameaçada de extinção, devido a projetos
de construção de estradas, usinas e gasoduto. Uma nova espécie de
gralha foi identificada nos arredores e está também ameaçada de de-
saparecimento.

Cerca de 45% das áreas originais de florestas tropicais do planeta já foram des-
truídas, a maior parte no último século. Até o fim de 2002, o desflorestamento atingiu
aproximadamente 12% da cobertura vegetal de origem da Amazônia. A destruição do
ecossistema pelo desmatamento, pela mineração (que contamina os rios), pelo avanço
da agricultura e da pecuária causa o desaparecimento de espécies, compromete a
qualidade de vida, as atividades de produção de alimentos, remédios e energia. Prevê-
se que, se o desmatamento continuar na mesma proporção de hoje, 42% da Floresta
Amazônica estará destruída em 2020.

A visão das selvas: “A princípio, ainda os olhos fixavam o revesti-


mento deste tronco e de outro, e outro, e outro, mas depois,
abandonavam-se ao conjunto, porque não havia memória nem pupila
que pudesse recolher tão grande variedade. Só de frutos que
não se comiam e apodreciam na terra, porque nunca ninguém se
arriscara a saber se eles davam volúpia ou também intoxicação,
havia mais espécies do que todas as que se cultivavam nos pomares
europeus. Somente a coletividade imperava ali: o indivíduo vegetal
despersonalizava-se e era amesquinhado pelos vizinhos, tantos,
tantos, que apesar de Firmino ter já nomeado centenas, restavam
muitos milhares ainda no anonimato.”
14 (Ferreira de Castro, A Selva, Obra Completa, vol.1 Rio de Janeiro: Ed José Aguilar, 1958. p. 142)
NOS DIAS DE HOJE... Os limites da floresta. O limite da Floresta
Amazônica é alvo de disputa entre representantes do agronegócio e
ambientalistas. Dentro desse território, a legislação cobra dos pro-
prietários de terras a manutenção de 80% da vegetação de floresta,
bem acima dos 35% de reserva legal exigida para as áreas de cerrado
nos limites da Amazônia Legal. Na verdade, poucos cumprem a regra.
Técnicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
estão elaborando novos mapas das regiões brasileiras numa escala 20
vezes mais precisa.

A Amazônia tem sentido relevante para a vida no planeta: possui a maior rede de
rios e cursos d’água do mundo, representando um quinto do volume de água doce do
planeta e 80% da água disponível no território brasileiro.

Vista aérea do Parque Indígena do Xingu | Elizabete Braga


NOS DIAS DE HOJE... Vigiar o meio ambiente. O Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (INPE) utiliza um novo sistema de
monitoramento por satélite para vigiar as áreas florestais: o Detex
(Detecção de Exploração Seletiva). Esse instrumento permite uma
observação mais detalhada de extensões menores e pode identificar se
os madeireiros estão respeitando as orientações do governo para
preservar a floresta.

Vista aérea do Parque Indígena do Xingu | Elizabete Braga

A água é o elemento mais comum na superfície da Terra e a maior parte dela é salga-
da, ou seja, imprópria para o consumo do ser humano. A poluição, o crescimento po-
pulacional e as alterações no clima são os principais responsáveis pela crise da água,
tornando esse recurso, cada vez mais escasso, em foco de interesses internacionais e
de conflitos.

16
O “ar-refrigerado” do mundo. Ao contrário do que se costuma dizer, a
floresta não é o “pulmão do mundo”. O oxigênio que produz é con-
sumido por ela. Podemos dizer que a floresta é o “ar-refrigerado”
do planeta, pois é responsável pela absorção de carbono, diminuindo
assim o efeito estufa (que aumenta o aquecimento da Terra). A quantidade
de oxigênio produzida pela mata é, em sua maioria (90%), gasta dentro
dela mesma (com as próprias plantas, os animais e outros seres
vivos, todos eles aeróbios, ou seja, que necessitam do oxigênio para
viver). Na verdade, nós respiramos o oxigênio produzido pelos oceanos.
As algas marinhas unicelulares consomem pouco oxigênio em relação
ao que produzem. Daí que 90% do oxigênio da atmosfera provém dessas
algas.

“O rio transformara-se em pedreira, o leito era vazio, em degraus


sucessivos, até atingir 20 metros sobre o nível que trazíamos.
Parecia impossível levar a cabo nossa empresa. Mas não esmorecíamos
e íamos alando as canoas a cabo, guindando-as, às vezes, sobre
escadas que aí se construíam. É que nos empolgava um grande ideal!”
(Depoimento do Marechal Rondon para Esther de Viveiros)

“O rio serve para andar de barco, de canoa, pescar, tomar banho,


lavar as louças, roupas e beber. Nós usamos as águas dos rios para
fazermos arroz, café, cozinharmos peixe, abóbora, tatu, feijão e
para fazermos mingau. Também serve para viverem peixes como pirara,
piranha, pintado, matrichã, piau, bicuda, jaú, peixe-cachorra,
tucunaré, jaraqui (...)”
(Maiwá Ikpeng, professor indígena do Parque Indígena do Xingu, em Geografia Indígena: Parque Indígena do Xingu, p. 29). 17
Os saberes dos povos indígenas
Os povos indígenas desenvolveram um precioso saber: aproveitar os recursos do
meio ambiente, tirando dele a sua sobrevivência, mas sem colocar em risco o ecos-
sistema. Essa atitude favorece a preservação das florestas e, portanto, das diferentes
formas de vida no Brasil, inclusive da espécie humana. As diferentes etnias possuem
elaboradas formas de classificação, manuseio e uso da floresta.
Para os indígenas, a saúde depende da harmonia de indivíduos, famílias e comuni-
dades com o universo que os rodeia. As práticas de cura levam em conta a crença no
mundo espiritual e os seres do ambiente em que vivem. Os pajés, os velhos e as mulhe-
res têm papel importante na preservação da saúde.
O pajé ou xamã faz a ligação entre os homens e os espíritos e estabelece uma rela-
ção privilegiada com a natureza e os animais selvagens. Em sua atuação na cura de do-
enças, o tipo de tratamento varia em função da origem da moléstia, que pode ser iden-
tificada como de ordem orgânica ou espiritual. A prática dos pajés se faz principalmente
pelos rituais: as pajelanças. As ervas, raízes, cascas, sementes e outros elementos da
natureza são também usados pelas mulheres rezadeiras e parteiras.

Os índios guarani do Estado do Rio de Janeiro, segundo consta no livro Ara Reko –
memória e temporalidade guarani, utilizam as seguintes ervas:
Iuriraogui.................................................. erva para simpatia para o namorado
Iuiraro........................................................ erva para cólica
Capiá............................................................ semente Lágrima de Nossa Senhora
Mamangacá.................................................... erva para chá
Pipi.............................................................. erva para gripe, febre, dor-de-cabeça
Tapy pytã.................................................... erva para não ter mais filho
Yvaro............................................................ erva para dor-de-cabeça, febre, coceira

Muitos animais são considerados sagrados para os indígenas e adquirem um sentido


transcendente. Segundo relato do Marechal Rondon, os índios Bororo acreditavam que
aquele que matasse a onça preta ou o veado-mateiro morreria em breve tempo e não de
morte natural. Povos de diferentes épocas e regiões mantêm uma relação mística com
os animais. Também Dersu Uzala, da etnia Gold, habitante das florestas entre a China e
a Rússia, acreditava que aquele que atingisse um tigre deveria temer por sua sorte, pois
18 quem matasse esse animal logo morreria.
Aldeia Yawalapiti, Parque Indígena do
Xingu | Lila Sardinha

Filme Dersu Uzala, 1975, de Akira


Kurosawa | Divulgação

POR DENTRO DA HISTÓRIA... Dersu Uzala. O filme Dersu Uzala, de


Akira Kurosawa, conta a história da amizade entre Dersu e o capitão
russo Vladimir Arseniev, baseando-se em um livro do próprio Arse-
niev. O capitão era, como o Marechal Rondon, engenheiro militar e
etnógrafo. Conheceu Dersu no início do século XIX, quando fazia
trabalho de mapeamento topográfico dessa região asiática. O filme
apresenta belas imagens da Sibéria. 19
Ameaças à saúde
Durante as incursões de Rondon pelas selvas e sertões, muitas doenças acometeram
os grupos que o acompanhavam. O sarampo, por exemplo, causou a morte de muitos
índios. A malária, a polinevrite, a febre palustre, males cujos vetores habitam as flores-
tas, foram causadores de muitas baixas entre os soldados. Pesquisa de Laura Antunes
Maciel nos revela que, segundo os médicos da Comissão Rondon, “(...) além dos fa-
tores climáticos como a umidade constante na selva, dos inúmeros brejos e lagoas de
água parada, verdadeiros laboratórios produtores de mosquitos, da ingestão de águas
‘malsãs’ de alguns córregos por onde passavam, era preciso considerar os efeitos da
alimentação inadequada e às vezes em quantidades insuficientes e até impróprias para
o consumo, devido às dificuldades de transportes (...)”, o que fazia com que os traba-
lhadores da Comissão ficassem muito sujeitos a doenças.
Embora os grupos indígenas tenham concepções e conhecimentos próprios sobre o
processo de saúde e doença, em alguns casos, o enfrentamento das moléstias adqui-
ridas no contato com os não índios foi (e ainda é) penoso e de consequências desas-
trosas.
Relato sobre a expansão da economia cafeeira no sertão paulista, no início do século
XX, em área ocupada pelos Kaingang, revela que “uma população que fora estimada
em setecentos indivíduos em 1912, não passava de duzentos, em 1916. Grande parte
das crianças, mulheres e homens foi morta por epidemias de gripe. O efeito da con-
taminação foi tão devastador que o grupo de Congrue-Hui foi totalmente aniquilado.
Com os colonos espanhóis que se estabeleceram no vale do Aguapeí, veio o sarampo
que atingiu o Icatu.” (José Mauro Gagliardi. O indígena e a República). Esse é apenas o
exemplo de uma situação que se repetiu em 500 anos de contato.

Antonio Luís Lisbôa Dutra, o Mano Velho, vacinando o menino Maekãyi, durante epidemia de gripe,
Pará,1982 | Eduardo Viveiros de Castro/ISA
Expedição do SPI ao Xingu, 1944 | Heinz Forthmann | Acervo Museu do Índio/Funai
Contatos de pacificação em Ribeirão dos Patos, São Paulo, 1912 | Acervo Museu do Índio/Funai 21
Noel Nutels observa índios fazendo radiografia | Acervo Museu do Índio/Funai

Ainda hoje, segundo dados da própria Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), ór-
gão governamental responsável pela saúde indígena, as condições de saúde dos ín-
dios no Brasil são precárias. As doenças mais frequentes são: infecções respiratórias
e gastrointestinais agudas, malária, tuberculose, doenças sexualmente transmissíveis,
desnutrição e doenças preveníveis por vacina. A tuberculose é uma das doenças que
mais atinge as comunidades indígenas.
As ações governamentais ainda não conseguiram dar conta, de forma definitiva, do
desafio de assistir aos índios, respeitando seus valores e práticas relativas ao adoecer
e atendendo às necessidades de cuidado que foram sendo geradas a partir do contato
com os não índios. As mudanças no modo de vida, especialmente na alimentação,
trazem problemas como hipertensão arterial, diabetes, câncer, alcoolismo, depressão
e suicídio.
Ao mesmo tempo, o conhecimento indígena da utilização de plantas tem sido apro-
veitado pelas empresas farmacêuticas multinacionais e por grupos estrangeiros que
22 pesquisam as espécies vegetais usadas pelos índios.
HISTÓRIAS DE VIDA... Noel Nutels. No grupo que atuava em torno
de Rondon, estava o médico sanitarista Noel Nutels (1913-1973). Ele
tornou-se figura lendária por seu desprendimento e empenho na defesa
da saúde das populações indígenas brasileiras, tratando e prevenindo
doenças e epidemias causadas pelo contato com os não índios. Nascido
na Ucrânia, Noel veio com a família para o Brasil aos oito anos de
idade, fugindo da I Guerra Mundial. Foi médico da expedição Ronca-
dor-Xingu (1943-1951), na Amazônia, do SPI e do Serviço Nacional de
Tuberculose. Durante três décadas, atuou em áreas indígenas, criando
um órgão de atendimento médico que incluía também populações inte-
rioranas: o Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas (SUSA), que per-
mitiu a esses habitantes da Amazônia o acesso aos serviços de saúde
pública. Participou, com Darcy Ribeiro e com os irmãos Villas Bôas,
da criação do Parque Indígena do Xingu. Fez 34 filmes registrando
cenas impressionantes de miséria e desnutrição dos índios. Carlos
Drummond de Andrade, em versos, assinalou em Noel Nutels “esse signo
de amor compreensivo e ardente / que foi a tua vida sertaneja, / a
tua vida iluminada, / e tua generosa decepção”.

SAIBA QUE... Grande povo brasileiro!


Saúde em cordel. Durante sua Combate quem te persegue
atuação no Serviço de Unidades Ouve o que eu vou te dizer...
Sanitárias Aéreas (SUSA), Noel (...)
Nutels utilizou-se de um re- ele é comprido e roliço
curso criativo para informar as nunca se mexe, é parado,
populações dos sertões sobre o só por lentes muito fortes
problema da tuberculose. O cor- pode ser observado
delista João José foi o autor e, então, de microscópio
dos versos que constavam de um o aparelho é chamado
folheto de campanha preventiva (...)
para “domar a fera”, intitulado: é este meu caro povo
“A Fera invisível ou o triste fim o meu conselho amigo
de uma trapezista que sofria do tire a sua chapa logo
pulmão”. pra se livrar do perigo 23
A “língua de Mariano”: o telégrafo
“Desci hoje Cucuí, tendo ali despachado minha turma naturalis-
ta destino alto Cassiquiári. Estou boca rio Xiê que subirei amanhã,
levantando até seus formadores Tuapori e Canhocandela. Este rio é
habitado somente parte baixa, muito aquém citados afluentes.”
(Depoimento do Marechal Rondon para Esther de Viveiros)

Nos idos de 1889, embora as linhas telegráficas já estivessem implantadas em al-


gumas regiões no Brasil, não alcançavam ainda Mato Grosso, Goiás e Amazonas. Por
esse motivo, em Cuiabá, a notícia da Proclamação da República chegou com um mês
de atraso!
As grandes distâncias eram um problema a ser enfrentado, e as expedições de Ron-
don, ao instalarem as linhas telegráficas, cumpriram o papel de facilitar as comunica-
ções, preservar o território e auxiliar na delimitação de fronteiras nacionais.

Estação Telegráfica de Utiariti, em Mato Grosso | José Louro | Acervo Museu Histórico do Exército
Antiga sala de transmissão da estação telegráfica de Pimenta Bueno, em Rondônia | José Louro |
Acervo Museu do Índio/Funai

NA PONTA DA LÍNGUA... O telégrafo. Denominado por Rondon de


“sonda do progresso” e por alguns grupos indígenas que convi-
veram com ele de “língua de Mariano” (referência ao prenome de
Rondon), telégrafo é palavra de origem grega e significa escre-
24 ver a distância.
SAIBA QUE... Pombo-correio. Os pombos já
foram usados para enviar mensagens. O pombo-
correio tem minúsculas partículas de ferro
no bico superior que funcionam como agulhas
de uma bússola, sempre indicando a direção
norte.

Os aparelhos telegráficos no modelo Morse foram os mais difundidos no Brasil. No


Código Morse, “cada letra do alfabeto é representada por uma combinação de sinais
gráficos – traços e pontos, impressos sobre uma fita de papel, alternando impulsos elé-
tricos longos e breves” (A Nação por um fio, Laura A. Maciel, p. 61).

A criação do telégrafo foi possível, dentre outros fatores, devido à descoberta do


princípio do eletromagnetismo, segundo o qual toda corrente elétrica gera um efeito
magnético como se fosse um ímã.
Código Morse

A .- N -. 1 .---- . .-.-.-
B -... O --- 2 ..--- , --..--
C -.-. P .--. 3 ...-- ? ..--..
D -.. Q --.- 4 ....- ( -.--.
E . R .-. 5 ..... ) -.--.-
F ..-. S ... 6 -.... - -....-
G --. T - 7 --... “ .-..-.
H .... U ..- 8 ---.. _ ..--.-
I .. V ...- 9 ----. ‘ .----.
J .--- W .-- 0 ----- : ---...
K -.- X -..- / -..-. ; -.-.-.
L .-.. Y -.-- + .-.-. $ ...-..-
M -- Z --.. = -...-

Uma das mensagens mais usadas era: ... — ..., que significava SOS, ou código inter-
nacional de pedido de socorro. O primeiro SOS em Morse emitido por um navio foi em
1909, pelo Arapaohe. Exatos 90 anos depois, o uso da telegrafia Morse foi oficialmente
abandonado pelos serviços de comunicações marítimas.
Os telegramas podiam ser claros, cifrados ou urgentes. A historiadora Laura Antunes
Maciel nos conta que, com a senha “Segue vendaval!”, os telegrafistas da Central do
Brasil teriam comunicado a partida no trem do então engenheiro diretor Francisco Perei-
ra Passos. Ele teria respondido na mesma linguagem: “Desce tempestade!”, punindo,
em seguida, os responsáveis por irregularidades encontradas na linha.

“Era um dos nossos voltando à origem


e trazias na mão o fio que fala
e o foste estendendo até o maior segredo da mata.”
(Carlos Drummond de Andrade, Pranto Geral dos Índios, poema em homenagem ao Marechal Rondon)

Os caminhos de Cândido Mariano da Silva Rondon se confundiam com os cami-


nhos do Brasil. Ao implantar telégrafos, estabelecer comunicações, identificar e batizar
rios, suas expedições criavam teias e ligações que consolidavam a nação brasileira. Ao
mesmo tempo, seus contatos com a natureza e com as populações que encontrava
propiciavam conhecimentos e abriam possibilidades de preservação, mas também de
destruição. Eram os dilemas da vida e da sociedade nacional que chegavam junto com
26 seus passos, guiados por sua visão pacifista e defensora do progresso.
Marco de identificação e tomada de posse da fronteira do Brasil com a Guiana Holandesa | Benjamin Rondon |
Acervo Museu Histórico do Exército

Rondon e índio Pianokotó, em cena do filme Parima - Luiz Thomaz Reis | Luiz Thomaz Reis | Acervo Museu do Índio/Funai
Rondon apresenta um relógio aos índios Kahyana, em cena do filme Parima - Luiz Thomaz Reis | Acervo Museu do
Índio/Funai
2 ÍNDIOS NO BRASIL

Rondon costumava lembrar que era descendente de portugueses, de espanhóis e


de índios. Destes últimos, descendia tanto pelo lado paterno quanto pelo materno. Sua
avó paterna, Maria Rosa, tinha os Guaná como antepassados recentes. As duas bisa-
vós maternas também possuíam essa ascendência próxima: Maria de Freitas (Tere-
na) e Joaquina Gomes (Bororo). Três grupos indígenas com os quais, inclusive, nosso
personagem se relacionou em suas andanças. Ter tais antepassados seria um caso
excepcional, próprio de figuras com a atuação do Marechal Rondon e apenas na região
Centro-Oeste? Ou, ao contrário, é algo comum no Brasil?
Estima-se hoje em dia que cerca de 45 milhões de brasileiros (24% da população
total calculada pelo IBGE) são descendentes de índios. Ou seja, quase um entre quatro
habitantes. Entre os que se consideram brancos, 33% (logo, um em cada três) têm essa
ascendência. Os dados resultam de análise genética (DNA) por amostragem, realizada
por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com o sangue
colhido de pessoas das regiões Norte, Nordeste, Sul e Sudeste.

SAIBA QUE... As bisavós indígenas. É comum escutarmos histórias de


família de alguma bisavó ou antepassada índia “aperreada”. Do es-
panhol, perro (cão), a palavra significa, ao pé de letra, ser perse-
guida por cães, ou “pega no laço”. Nem sempre as uniões eram o que
poderíamos chamar de “amorosas”. Mas, ao lado das violências, havia
(e ainda há) famílias que se formavam entre índios e não índios.

28
MARECHAL RONDON

avó materna avó paterna


(português, bororo, (guaná, espanhol,
terena) português)

bisavó paterna
(guaná, espanhol,
português)

bisavó materna
(bororo, terena)

origem portuguesa origem espanhola origem indígena


Menina da etnia Yawalapíti | Kike Palma
Menino da etnia Yawalapíti | Kike Palma
Índio da etnia Rikbaktsa (MT), também conhecidos
como canoeiros | Valter Campanato/ABr
Crianças indígenas da etnia Caiapó | Valter Campanato/
ABr

A população que se declara negra também possui antepassados indígenas. É o que


mostra outra pesquisa genética encomendada pelo grupo de comunicação BBC-Brasil,
segundo a qual 12% dos que tiveram seu DNA analisado têm ancestrais indígenas.
É certo que alguns milhões de habitantes já se encontravam no território hoje brasi-
leiro quando os primeiros europeus aqui desembarcaram há cinco séculos. Algo entre
dois e quatro milhões de indivíduos, embora seja difícil afirmar tal número com exatidão.
Ainda no começo do século passado, quando Rondon começou a atuar, existiam um
milhão de indígenas, segundo levantamento feito por Darcy Ribeiro. Hoje existem cerca
de 460 mil índios, de 225 povos (etnias) diferentes, que habitam 611 terras indígenas,
segundo a FUNAI. Os índios estão concentrados, em sua maioria (70% do total), numa
parcela da Amazônia Legal que incluiu seis Estados: Amazonas, Acre, Roraima, Ron-
dônia, Mato Grosso e Pará. Somados a esses, calcula-se que haja cerca de 150 mil
indígenas vivendo em grandes cidades, de acordo com o Instituto Socioambiental (ISA).
No total, a população indígena no Brasil era de 700 mil indivíduos, pelo Censo do IBGE
de 2000, o que corresponde aproximadamente a 0,4% dos habitantes do País.
Portanto, levando-se em conta as populações existentes aqui até o ano de 1500 e
os povos indígenas atuais, verifica-se que houve um extermínio brutal e de proporções
30 enormes, não apenas no período colonial, mas durante o Brasil independente: na Mo-
narquia, na República e, ainda, atualmente. Ao mesmo tempo, apesar de terem dimi-
nuído em população, os índios não desapareceram. Era comum, desde o século XIX,
afirmar que quase não havia mais indígenas no Brasil, que estavam já “civilizados” ou
extintos. No entanto, recentemente, tal população tem aumentado. Nos últimos 28 anos,
dados oficiais do IBGE, da FUNAI e de organizações não governamentais como o ISA
apontam um crescimento anual de 3,5% da população indígena no Brasil. Desmente-
se, assim, a antiga ideia de que os índios estavam destinados a uma inevitável extinção
diante do progresso dos novos tempos.
Além disso, é importante destacar que a presença cultural e histórica dos povos
indígenas aparece não apenas na população estritamente reconhecida como tal, nem
necessariamente nos seus descendentes genéticos, mas também em expressivas par-
celas da população brasileira situadas em diferentes ecossistemas, como os moradores
de áreas rurais, das beiras dos rios, de áreas próximas ao litoral, das florestas e das
cidades, além de caboclos, caipiras, caiçaras, camponeses, entre outros, que herdaram
e recriam todo um patrimônio coletivo de memória, saberes e técnicas.

31
NA PONTA DA LÍNGUA... Descobrimento? É frequente nas escolas,
em livros de história, em músicas ou na televisão, o uso da palavra
descobrimento para nomear a chegada, no século XVI, dos europeus
no território hoje brasileiro. “Cabral descobriu o Brasil” é lugar-
comum que nos habituamos a escutar desde a infância. No entanto,
a palavra traz uma conotação de dominação. Trata-se de um ponto de
vista europeu e colonizador. Se alguém, por exemplo, chegar pela
primeira vez numa residência habitada por várias pessoas, seria
correto falar em “descobrimento” dessa casa? O que para uns pode
ser novidade, para outros já é bem conhecido. Será correto falar
em Descoberta do Brasil em 1500 ou em outra data semelhante? Não
existia, naquela época, um Brasil, isto é, uma nação organizada
em Estado Nacional. Havia, sim, sociedades variadas e complexas,
com diferentes culturas, saberes, guerras e alianças. E usar,
nesses casos, o verbo descobrir significa desvalorizar a vida e
o conhecimento dos habitantes que aqui existiam, como se fossem
objetos a serem encontrados ou como se as terras em que viviam
estivessem vazias de moradores. Os povos chamados indígenas estavam,
por sua vez, descobrindo os europeus – encontro que teria trágicas
consequências em suas vidas e nas de seus descendentes.

“Vi a chegada dos peró [portugueses] em Pernambuco e Potiú; e co-


meçaram eles como vós, franceses, fazeis agora. De início, os peró
não faziam senão traficar sem pretenderem fixar residência. (...).
Depois da chegada dos paí [padres], plantastes cruzes como os peró.
Começais agora a instruir e batizar tal qual eles fizeram; dizeis que
não podeis tomar nossas filhas senão por esposas e após terem sido
batizadas. O mesmo diziam os peró. Como estes, vós não queríeis es-
cravos, a princípio; agora os pedis e quereis como eles no fim”.
(Depoimento do chefe Momboré-uaçu, da aldeia de Essauap (MA), publicado por Claude D’Abbeville,
História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão, em 1614)

Percebe-se, portanto, a presença indígena em culturas diversas, inclusive no Brasil


atual: nas falas e no que comemos (vocabulário e culinária), nas maneiras de reagir, de
conceber e de lidar com o meio ambiente e o mundo ao seu redor. Os índios não são um
32 “outro” distante, exótico, primitivo ou atrasado, mas integrantes de nós mesmos, ainda
que nem sempre tenhamos consciência disso. São parte de nossas próprias vidas,
história e cultura. Junto com diversas heranças e referências – portuguesas, inglesas,
francesas, africanas, japonesas, árabes, entre outras, com graus e pesos diferentes –,
a presença indígena é um dos componentes da dinâmica, múltipla e recriada naciona-
lidade brasileira.
Está claro que não existe um índio em estado puro e sem mudanças. O mesmo vale
para qualquer povo ou identidade: os portugueses de 500 anos atrás não se vestiam
nem falavam como os atuais. E se um brasileiro aprende a falar inglês, navega pela In-
ternet, usa calça jeans (inventada nos EUA), paletó e gravata (surgidos na Europa), ou
algum perfume ou sabonete de nome francês, ele deixa de ser brasileiro por isso? As
culturas (inclusive as indígenas) são dinâmicas, incorporam e influenciam, embora nem
sempre em pé de igualdade.

Meninas da etnia Tapirapé, participando da nona edição dos Jogos dos Povos Indígenas | Valter Campanato/ABr 33
Aliás, no fundo, quando se fala do índio, pode-se estar cometendo equívocos. Não
existe um “índio geral”: as culturas chamadas indígenas são muito diferentes entre si.
Entre um Guarani Mbyá e um Kayapó, a distância linguística e cultural é tão grande
quanto a que existe entre um russo e um brasileiro, por exemplo. O que não impede,
é claro, que haja trocas entre grupos distintos. Mas a ideia de um índio padronizado é
uma herança deixada pela visão dos colonizadores, que pretendiam assim descaracte-
rizar as identidades daquelas populações.
O sol, que cobre a todos os povos, é nomeado de maneiras diferentes.

ETNIA NOME DO SOL

Kayapó myt
Xavante bââdâ
Galibí weiu
Wayâna xixi
Warekena kamoi
Apurinã atukatxi
Tupi kuaracy
Krenak tepó

Palavras dos índios: línguas diferentes


Muita gente não se dá conta de que, no Brasil de hoje, são faladas cerca de 180 lín-
guas, além do português, o idioma oficial. Trata-se, portanto, de uma nação multilíngue
e oficialmente reconhecida pela Constituição de 1988 como multiétnica. Mesmo diante
dessa diversidade, apenas 11 línguas têm mais de 5 mil falantes, com destaque para o
Guarani (30 mil pessoas), Ticuna (23 mil), Kaingang (20 mil), Guajajara (10 mil) e Yano-
mami (9,9 mil), enquanto cerca de 110 línguas possuem até 400 falantes cada.
Quando da chegada dos Europeus, esse quadro era muito mais complexo. Havia
em torno de mil idiomas no território hoje brasileiro, sendo 700 só na Amazônia. Diante
disso, os colonizadores se viram forçados a aprender as línguas que encontraram para
34 se adaptarem.
Frutas tropicais | Debret | Acervo Biblioteca Brasiliana USP

POR DENTRO DA HISTÓRIA... A descoberta de uma fruta.


Imagine um europeu, que pela primeira vez, chega em terras brasí-
licas, lá pelos idos de 1500. Uma fruta particularmente o encan-
ta, embora desconhecida por ele. O recém-chegado tenta descrevê-la
segundo sua própria experiência, mas é difícil. O fruto lhe parece
uma dessas flores que brotam de palmas verdes longas e espinho-
sas, verticais a partir do solo, só que de caule mais curvado. Tem
o tamanho de um melão médio, mas por fora lembra uma pinha, tão
comum nos pinheiros europeus. Porém, a casca vem disposta em ca-
madas, à maneira da alcachofra, prato típico nas mesas da França.
Quando madura, a fruta tem uma cor amarelo-azulada e exala atra-
ente odor de framboesa (que povoa os bosques da Europa), sentido
de longe quando se anda pela floresta tropical. Na boca, ela des-
mancha, numa doçura que lhe parece superior aos sabores das mais
refinadas confeitarias. Espremendo-se a polpa, brota um suco gene-
roso, do qual os tupinambá se aproveitam e com o qual criam outras
bebidas. Tal cena se passou com Jean de Léry, um dos primeiros
franceses a conhecer e a escrever sobre as terras brasileiras. Ele
anotou em seu livro, publicado em 1578, que os tupinambá chamavam
tal fruto de ananás ou abacaxi.

Na verdade, cada língua é um verdadeiro baú de saberes. As palavras de um idioma


expressam técnicas, conhecimentos e sensibilidades elaborados ao longo de gerações.
Elas dão nomes a alimentos, animais, plantas, astros, acidentes geográficos e locali-
dades, além de exprimirem modos de denominar e organizar as famílias. Significam e
guardam informações de Topografia, Medicina, Astronomia, Zoologia, Botânica, além
de relações afetivas e sociais, e retratam visões do mundo e do cosmos. 35
“(...) A escola dos ‘juruá’
(dos brancos) não ensina pros
seus alunos quem somos nós e nem
mostra a importância dos índios
para o Brasil. Aí, o aluno que
sai dessa escola trata o índio
com desprezo, com preconceito e
aí acaba ensinando a gente a ter
vergonha de ser índio, estragando
todo o trabalho da escola guarani
(...)”
(Professor guarani Algemiro Poty em Bessa Freire, A
representação da escola em um mito indígena)

Indígenas na Constituinte de 1988 | Acervo Câmara dos Deputados


Escola Guarani na área indigena de Ocoy, São
Miguel do Iguaçu (PR) | Paulo Porto

A Constituição de 1988 (cuja Assembleia Constituinte foi acompanhada de intensa


participação e pressão dos movimentos indígenas) passa a reconhecer o direito dos
índios à diferença, estabelecendo a inclusão da língua materna e de processos próprios
de aprendizagem no espaço educacional e contribuindo para o estabelecimento de
uma nova visão de escola: a escola indígena diferenciada, intercultural e bilíngue.
O Ministério da Educação (MEC) é o órgão governamental responsável pelos pro-
gramas e ações destinados à educação escolar indígena. A escola indígena, locali-
zada em terras habitadas por comunidades indígenas, oferece atendimento exclusivo
à população indígena, ensina em língua materna e em português ou em outra língua
da comunidade e tem organização curricular própria. Deve ter professores indígenas,
preferencialmente da mesma etnia dos alunos. Há, no Brasil, 2.480 escolas indígenas,
localizadas em todos os Estados da Federação, com exceção do Piauí e do Rio Grande
do Norte (embora nem todas as escolas sejam bilíngues ou possuam material didático
específico), atendendo a 176.714 estudantes indígenas, segundo dados do MEC de
36 2007.
Palavras dos índios, nossas palavras
Nos idos de 1500, o idioma mais acessível geograficamente era o tupi, com suas
ramificações, cujos falantes encontravam-se em aldeias ao longo de quase todo nosso
litoral. Daí que, ainda hoje, há grande presença de palavras tupis no português brasilei-
ro. Até mesmo a língua francesa (por meio das fracassadas tentativas de colonização
da França no Brasil entre os séculos XVI e XVIII) incorporou palavras tupi, como jaguar e
ananás, ou de etnias do alto Amazonas, como cautchouc (borracha).
Veja, como exemplo, a lista de palavras a seguir:
Aipim abacaxi traíra tapera babaçu capim ananás cajá Curitiba cuia coroca imbuzeiro
ipê cupuaçu maracujá sabiá Oiapoque pitanga urucum samambaia Maracanã Guana-
bara pipoca caju sapucaia arara Carioca Ceará canoa cumbuca cuia maraca caranto-
nha beiju urucum puçá piaçaba Paraíba Sergipe tatu sagui tucano samburá acará jacaré
murici pequi perereca cutia Paraty taquara piaçaba Tocantins curumim pirão cutucar
mingau.

PLANTAS FRUTAS ANIMAIS TOPONÍMIA INSTRUMENTOS DIVERSOS

aipim abacaxi arara Carioca canoa beiju

babaçu açaí acará Ceará cumbuca carantonha

capim ananás cocoroca Curitiba cuia coroca

imbuzeiro cajá cutia Guanabara cuíca curuca

ipê caju jacaré Grajaú maraca curumim

mandioca cupuaçu perereca Maracanã piaçaba cutucar

samambaia maracujá sabiá Oiapoque puçá mingau

sapucaia murici sagui Paraíba samburá peteca

taioba pequi tamanduá Paraty sapê pipoca

taquara pitanga tatu Sergipe tacape pirão

urupê urucum tucano Tocantins tapera traíra

Mulheres Kamaiurá trabalhando a mandioca, Xingu, 1944 | Heinz Forthmann | Acervo Museu do Índio/Funai

37
Pelo menos algumas delas certamente são conhecidas por nós. Outras fazem parte
de nosso dia-a-dia. Quantas delas nos são familiares? Veja suas classificações na ta-
bela. Esta é, aliás, uma oportunidade para fazermos uma pesquisa a partir de nossos
próprios conhecimentos e verificarmos, na prática, as heranças indígenas em nossas
vidas.
Não apenas quando falamos, mas também quando ingerimos, a marca indígena se
faz presente. Uma boa farofa vem da mandioca. O modo de preparar e usar a sua fari-
nha e sua raiz, tão comum entre os indígenas, é uma forte característica que herdamos
deles. Da mesma forma, o hábito de tomar mate ou guaraná, consumidos pelos povos
anteriores à chegada de Pedro Álvares Cabral, é uma marca indígena ainda bastante
presente. Algumas dessas iguarias, inicialmente aproveitadas em escala regional, como
o açaí, acabaram incorporando-se ao consumo nacional e até sendo industrializadas.
O milho, que gera tantas receitas e aproveitamentos, é outra herança indígena bastante
utilizada.
Os falares característicos de algumas localidades, como o interior do Estado de São
Paulo ou a cidade de Manaus (AM), têm sotaques modulados pelas maneiras de falar
dos índios que habitavam a região e estiveram presentes, ainda nos séculos XVIII e XIX,
como o mais expressivo contingente linguístico. Em São Paulo, somente no século XVIII
o português passou a ser falado pela maioria da população. No Amazonas e no Pará,
foi a partir de meados do século seguinte.
Deitar numa rede, hábito ainda hoje indispensável para milhões de brasileiros, é fazer
com que nossos corpos se embalem no mesmo ritmo das populações indígenas.

Índias Paresi | Luiz Thomaz Reis | Acervo Museu do Índio/Funai

38
Escola Parintintin, Área Indígena Nove de Janeiro (AM),1993 | Paulo Porto

SAIBA QUE... Línguas indígenas adotadas oficialmente no Brasil.


Você sabia que um município brasileiro adotou oficialmente o uso de
três línguas (Nheengatu, Tukano e Baniwa), ao lado do português?
Trata-se de São Gabriel da Cachoeira (AM), distante 1.601 quilôme-
tros de Manaus pelo curso do rio Negro e cuja administração munici-
pal está nas mãos de índios. Sendo 85% de seus habitantes indígenas,
falantes de 22 línguas de quatro troncos linguísticos (Tupi-Guarani,
Tukano Oriental, Maku e Aruak), o município revelou uma experiên-
cia pioneira para o futuro das populações indígenas. A lei municipal
145/2002, de iniciativa do vereador Canico Baniwa, autoriza que os
atos municipais possam ser expressos em qualquer dos idiomas co-ofi-
ciais e garante o direito ao ensino nas demais línguas não oficiais.
Longa trajetória de contatos
Ao registrar a existência de milhares de índios, pessoalmente ou por intermédio de
suas equipes, Rondon foi um dos brasileiros que mais conheceu tais populações e
promoveu o encontro delas com a sociedade nacional. Segundo seus cálculos, Rondon
trouxe para esse convívio permanente, por meio dos métodos de pacificação, algo em
torno de 30 mil índios “que viviam livres do contato dos civilizados, tantas vezes prejudi-
cial à sua paz e independência”, como ele próprio reconheceu.

No raiar do século XX, havia três grandes linhas propondo definir a relação entre a
nação brasileira e os índios:
• Uma representava a tradicional catequese praticada por missionários cristãos e que
buscava, por meio da pregação religiosa e da coerção escolar ou dos aldeamentos,
controlar e despojar os índios de suas culturas.
• Outra, baseada numa curiosa mistura de racismo de argumentos científicos com os
interesses dos colonos situados nas frentes de expansão, julgava que os índios eram
incapazes e incompatíveis com a civilização moderna e o progresso, e que, portanto,
deveriam ser descartados ou exterminados. O diretor do Museu Paulista, Von Ihering,
defendeu abertamente essa posição.

“(...) parece que não há outro meio, de que se possa lançar mão,
senão seu extermínio”.
(Von Ihering, sobre os índios do Brasil em 1910, Revista do Museu Paulista, VII, p. 215)

• E a terceira proposta, apoiada pela sensibilidade urbana que em parte idealizava os


índios de forma romântica, mas fundamentada no ideário positivista de que o amor
(fraternidade) deveria preceder a ordem e o progresso, defendia o que se considerava
como meios brandos de se incorporar os índios à nação, abandonando gradualmente
suas culturas.

Foi esta última a postura predominante, graças a Rondon e à expressiva mobilização


de setores da sociedade, no âmbito do Estado Nacional, o que não eliminou as demais
posturas, que continuaram (e ainda continuam) marcando a sociedade brasileira.
Dessa forma surgiu o Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhado-
res Nacionais (SPILTN), em 1910. Logo transformado apenas em Serviço de Proteção
aos Índios (SPI), foi comandado por Cândido Rondon, que marcou a política indigenista
brasileira, nem sempre seguida pelos diferentes governos, ao longo do século XX.

40
Reunião na sala do Conselho Nacional de Proteção aos Índios, 1946 | Heinz Forthmann | Acervo Museu do Índio/Funai
Cacique Vegnon, Kaingang do Paraná, Intérprete na pacificação dos Kaingang de São Paulo | Acervo Museu do
Índio/Funai

Área Indígena no Sul do Brasil, 1944 | Acervo Museu do Índio/Funai


Tendo Rondon deixado na mata presentes para os índios, em recompensa, estes os substituíram por pre-
sentes indígenas | Benjamin Rondon | Acervo Museu do Índio/Funai

Rondon toma nota enquanto os índios ouvem música | Emanuel Silvestre do Amarante | Acervo Museu do Índio/Funai

42
Como era, afinal, a atitude que Rondon praticava e que ficou conhecida como pacifi-
cação? É interessante compreender passo a passo como ocorria tal procedimento. Ele
era implantado onde aparecia um conflito aberto entre índios e a sociedade regional.
De início, eram recrutados para compor a equipe trabalhadores locais ou mesmo índios
falantes da mesma língua que a tribo em foco e já habituados ao convívio com os não
índios. Em seguida, erguia-se o Posto de Atração numa área além da última moradia
regional existente e mais próxima da aldeia, mas sem se acercar demais. Plantava-se
uma roça para servir à equipe, permitindo também aos índios que colhessem. Eram
depositados brindes em pontos estratégicos, à espera de que fossem recolhidos pelos
indígenas. Os ataques dos índios eram frequentes, mas nunca respondidos à bala. Era
um processo que durava meses, e até anos, batizado de “namoro”: longas esperas,
altos e baixos, momentos delicados e tensos, até que se dava o encontro e o convívio.
Um dos casos mais dramáticos ocorreu nas tentativas de atração dos Xavante, em
1941. Marcados por constantes atos de violência e traição por parte dos não índios, os
Xavante apresentavam disposição hostil e guerreira. Em meio ao processo de pacifica-
ção, ocorreu um ataque dos índios ao Posto de Atração no qual toda a equipe do SPI foi
exterminada. Temendo que houvesse reação violenta de seus comandados, o inspetor
Genésio Pimentel Barbosa trancara as armas num armário. Seu corpo foi encontrado
com a pistola guardada no coldre, levando ao extremo o lema de Rondon, de que era
preferível morrer a matar índios. Esse era o inverso da afirmação do General George
Custer, que, na expansão nacional norte-americana rumo ao Oeste, garantia que índio
bom era índio morto. Rondon, por sua vez, nunca matou um índio, porém contaria mais
de 650 mortes entre os integrantes de suas expedições ao longo das décadas e dos mi-
lhares de quilômetros percorridos, causadas por motivos variados: doenças, acidentes
e ataques de índios.
A missão de contatar os Xavante prosseguiu com outro inspetor do SPI, o então
jovem Francisco Meirelles, que cinco anos depois conseguiria estabelecer o contato
permanente, com o apoio do cacique Apowen, que se tornou seu amigo e interlocutor.
O momento do contato foi registrado em fotos e filme documentário. Meirelles daria a
seu filho, que nasceu no Posto de Atração, o prenome do cacique. Apoena seguiu a
mesma trilha do pai, tornando-se sertanista e, por um breve período, presidente da Fun-
dação Nacional do Índio (FUNAI). Após ter feito a pacificação de tribos consideradas
perigosas, como os Kren Akarore e Wamiri Atroari, Apoena Meirelles faleceu vítima de
um assalto a banco em Rondônia, em 2004.

Pacificação de índios Xavante, 1946 | Francisco Meireles | Acervo Museu do Índio/Funai

44
Índios Xavante no primeiro contato com a equipe do sertanista Francisco Meirelles, 1946 | Heinz Forthmann |
Acervo Museu do Índio/Funai

RETRATOS DA VIDA... Francisco Meirelles. Diretamente ligado a


Rondon após 1946, o sertanista Francisco Meirelles (1908-1973) ti-
nha um perfil marcante: militante do Partido Comunista nos anos 1930,
manteve ideário socialista e humanista. Suas atividades de sertanis-
ta e seu desprendimento pessoal prejudicaram-lhe a saúde e a situa-
ção financeira. Inspetor do SPI desde 1942, comandou frentes de atra-
ção que ficaram famosas (ou manteve contato com elas) com os Kayapó,
Pakáas Novos, Makurap, Jupari, Manaka e, no fim da vida, ao lado de
seu filho Apoena Meirelles, com os Cinta Larga e Kren Akarore. Sua
realização marcante foi estabelecer contato pacífico com os Xavante,
em 1946. Surgiu, a partir daí, a amizade entre o cacique Apowen e
Chico Meirelles (como era chamado pelos amigos). Recebeu dos Xavante
o título de “imunã”, que lhe dava direito a participar de todos os
rituais dessa tribo. O cacique Apowen e outros chefes Xavante compa-
receram a seu enterro no Rio de Janeiro. Como homenagem póstuma, foi
batizada a Escola Indígena Francisco Meirelles, em Dourados (MS),
que atende a índios Bororo e Jaguapiru. 45
General Rondon conversando com índia Boro-
ro, 1948 | Heinz Forthmann | Acervo Museu do Índio/Funai
Aldeia dos Urumi, do alto rio Ji-Paraná (RO) |
Tiúba | Acervo Museu do Índio/Funai

Ainda hoje, porém, a aproximação entre índios e a sociedade nacional não está con-
cluída. Permanecem no Brasil pequenos grupos isolados que recusam ou evitam o con-
tato. Há 46 referências a casos desse tipo. A Coordenação Geral de Índios Isolados
(CGII), da FUNAI, já confirmou a existência de 20 grupos. É pouco provável que sejam
índios que nunca tenham visto um homem “branco”. Ao contrário, supõe-se que sabem
do que ou de quem estão fugindo. As informações sobre tais situações são precárias.
Alguns grupos estão razoavelmente identificados e vivem em terras indígenas demarca-
das para eles, como os Hi-Merimã, no Amazonas. Há os que vivem em terras indígenas
associadas a outros grupos, como os Kampa, no Acre. Em Rondônia (Estado assim
batizado em homenagem ao Marechal Rondon), existem grupos identificados apenas
pelo nome dos rios ou de localidades, sem que saibamos sua etnia, como na região do
rio Karipuninha.
Vemos, assim, que o resultado dessa longa história dos contatos entre índios e não
índios gerou (e ainda gera) encontros e desencontros, misturas e separações, amizades
e ódios, vidas e mortes. Nossos olhares sobre os povos indígenas recebem antigas in-
fluências, como um verdadeiro caleidoscópio. Para uns, o índio representa o homem em
estado natural, um bom selvagem ainda não corrompido pela civilização. Para outros,
ao contrário, é modelo de preguiça e atraso, primitivo, inferior, incapaz. Triste e natural-
mente melancólico para alguns, que nem sempre questionam os motivos de eventual
tristeza. Brutal, bárbaro, violento e desonesto, de acordo com determinados estereóti-
pos. Nobre, guerreiro e corajoso. Naturalmente místico. Ou, quem sabe, sinônimo de
licenciosidade, liberação de comportamentos e sexualidade exacerbada, por andar nu?
Quanto melhor se conhece, menos se idealiza. As visões pré-concebidas se multiplicam,
mas vão também sendo substituídas por percepções mais humanizadas, à medida que
somos capazes de re-conhecer a presença histórica das populações indígenas.
Rondon, que conviveu de perto com os índios, empolgado com sua missão patriótica
de levar o progresso a todos os recantos do Brasil, não vacilou em afirmar: “O índio é a
maior preciosidade que encontramos na Marcha para o Oeste”.

“Canoa, canoa desce \ No meio do rio Araguaia desce \ No meio da


noite alta da floresta \ Levando a solidão e a coragem \ Dos homens
que são \ Ava avacanoê \ Ava avacanoê \ Avacanoeiro prefere as águas
\ Avacanoeiro prefere o rio \ Avacanoeiro prefere os peixes \ Avaca-
noeiro prefere remar \ Ava prefere pescar.”
(Canoa, canoa, música de Nélson Ângelo e Fernando Brant)

POR DENTRO DA HISTÓRIA... Avá-Canoeiro. Uma das experiências


mais dramáticas de índios que preferem o isolamento é a dos chamados
Avá-Canoeiro. Pelo menos desde o século XVIII, há notícias de conta-
to com eles, que padeceram sucessivas invasões, violências e expul-
sões de suas terras. Falantes de uma língua Tupi, sofreram, em 1966,
um massacre por parte de grileiros e fazendeiros que ambicionavam
suas terras, no qual morreram 15 índios surpreendidos na aldeia.
Desde o período colonial, esse tipo de ataque se chamava “matar uma
aldeia”. Na década de 1980, alguns Avá-Canoeiro passaram a ter con-
tato permanente, estabelecido pela FUNAI. Mas há notícia de quatro
índios que estão em movimento permanente e já foram vistos ao norte
de Minas Gerais, Bahia e Goiás. Há também grupos arredios em torno dos
rios Preto e Maranhão, em Tocantins, e outros no interior da ilha do
Bananal. 47
3 PALAVRAS E IMAGENS

Rondon, ao centro da foto, com Roquette-Pinto e Heloísa Alberto Torres à sua direita | Acervo Museu Nacional

“A construção da linha telegráfica foi o pretexto. A exploração


científica foi tudo.”
(Edgard Roquette-Pinto, citado em Nísia Trindade Lima e Dominichi Miranda de Sá.
Os cientistas da Comissão Rondon)

As expedições lideradas por Rondon foram também uma oportunidade para realizar
explorações científicas nas áreas de Botânica, Zoologia, Geologia, Cartografia, Antro-
pologia e Etnografia.
Os cientistas, vários deles do Museu Nacional, coletaram e classificaram o material
encontrado, elaboraram relatórios científicos e textos de divulgação e participaram de
conferências, apresentando inclusive espécies de animais e de plantas até então desco-
nhecidas. A partir das explorações, foram publicados 70 volumes de trabalhos técnicos
e científicos. Rondon e sua equipe mapearam 247 grupos indígenas, coletaram diversos
vocabulários e elaboraram uma classificação linguística dos grupos indígenas. No pe-
ríodo de 1907 a 1915, foram entregues pelas equipes de Rondon, ao Museu Nacional,
48 23.107 exemplares de Botânica, Zoologia, Mineralogia, Geologia e Antropologia.
Rondon, de pé, realiza observações técnicas | Alberto Brand | Acervo Museu do Índio/Funai

NA PONTA DA LÍNGUA... Etnografia. Do grego etno (toda classe de


seres de origem ou condição comum) e grafia (escrita), é uma área da
Antropologia que realiza, por meio de pesquisa de campo, o estudo
descritivo e analítico dos costumes de uma determinada população.
Inicialmente destinada aos grupos considerados “primitivos”, atual-
mente é aplicada também aos grupos próximos àquele a que pertence o
pesquisador. 49
Major Julio Caetano Horta Barbosa | Acervo Museu do Índio/Funai
Professor Frederico Carlos Hohenne. Explorações científicas de Botânica | Acervo Museu do Índio/Funai
Professor Alipio de Miranda Ribeiro. Explorações geográficas e científicas de Zoologia | Acervo Museu do Índio/Funai

Cientistas da Comissão Rondon. Participaram dos trabalhos de campo,


recolhendo materiais para o Museu Nacional, os seguintes especialis-
tas: Karl Carnier, Roquette-Pinto e Moritz (Etnografia e Geologia);
Frederico Carlos Hoehne (Botânica); Cícero de Campos (Geologia e
Mineralogia); Miranda Ribeiro, Hoehne, Arnaldo Black, H. Reinish,
Pyrineus, tenentes Rondon, Stolle e Júlio C. Horta Barbosa, J. G.
Kuhlmann, Vasconcellos e Serapião dos Santos (Zoologia).

O Museu Nacional, criado por D. João VI, no Rio de Janeiro, é o maior museu de his-
tória natural e antropológica da América Latina e a mais antiga instituição científica do
Brasil. Recebeu várias denominações: Museu Real (1818); Museu Imperial e Nacional
(1824); Museu Nacional (1890). Atualmente integra a estrutura acadêmica da Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vinculada ao Ministério da Educação. Seus
laboratórios de pesquisa e cursos de pós-graduação tornaram-se centros de referência.
As peças (cerca de 3 mil atualmente) das exposições abertas ao público são parte dos
20 milhões de itens das coleções científicas conservadas e estudadas pelos Departa-
mentos de Antropologia, Botânica, Entomologia, Invertebrados, Vertebrados, Geologia
e Paleontologia.
Como são classificados cientificamente os seres vivos? O processo de classificação
de um organismo inclui nomeá-lo de modo que possa ser reconhecido pela comunidade
científica de qualquer parte do mundo. Para isso, foram criadas algumas regras, como,
por exemplo, a de que o nome científico deve ser escrito em latim, estar composto por
duas palavras e ser apresentado em itálico, negrito ou sublinhado. A primeira palavra
se refere ao gênero e tem sempre a inicial maiúscula; a segunda, é o nome específico
50 e está em letra minúscula.
Museu Nacional | Elizabete Braga

SAIBA QUE... Conta a lenda. Uma lenda indígena, da região amazôni-


ca, conta sobre a criação da mandioca. Em tempos remotos, uma índia,
filha do cacique, foi expulsa da aldeia pelo pai e passou a viver no
fundo da floresta, amparada por parentes distantes.

Um dia, ela teve um lindo filho, a quem deu o nome de Mani. O caci-
que, rendido aos encantos da criança, ia visitá-la e esqueceu os
rancores. Mas, aos três anos de idade, Mani morreu misteriosamente,
sem nenhuma doença. Foi enterrado no meio da oca (cabana). Ao ama-
nhecer, sua mãe, que chorou a noite inteira no local, viu brotar
da terra molhada pelas lágrimas uma plantinha, que foi crescendo,
crescendo, furou o teto da oca, floriu e deu fruto. Os passarinhos
comeram os frutos e saíram semeando os grãos. Os parentes cavaram a
terra e viram que a planta saía do ouvido de Mani e gritavam, en-
cantados: Mani iua (árvore). A planta, cuja raiz parecia um chifre
(aca), passou a se chamar maniuaca (mandioca).

Nome científico: Manihot eculenta


Nome popular e regional: mandioca, maniva, aipim, macaxeira 51
SAIBA QUE... Uirapuru. Muitas len-
das foram criadas em torno desse
pássaro. Dizem que todos os pássaros
da vizinhança silenciam para escutar
o canto do Uirapuru. Também se acre-
dita que o Uirapuru traga sorte para
quem o possuir. O canto do Uirapuru
inspirou uma das primeiras obras-
primas do compositor Heitor Villa-
Lobos (1887-1959). Nesse poema sin-
fônico, baseado em história criada
pelo autor, o pássaro, ao se trans-
formar em um belo índio disputado
pelas índias, é morto com uma flecha
por um índio ciumento. Transforma-
se novamente em pássaro e torna-se
invisível, podendo-se somente ouvir
Uirapuru-Verdadeiro | João Quental seu canto.

Nome científico: Cyphorhinus aradus


Nome popular: Uirapuru-verdadeiro

Descrição - Tem uma plumagem simples, pardo-avermelhada, com dese-


nhos brancos pintados de preto em cada lado da cabeça, a garganta e
o peito vermelho-vivos. Possui um bico forte e pés grandes.
Habitat - floresta úmida. É nativo da América do Sul, podendo ser en-
contrado em quase toda a Amazônia brasileira.

História Natural era como se denominava a área de estudo que abrangia os conheci-
mentos hoje contidos em ciências como Biologia e Geologia, bem como em suas sub-
divisões. Esse corpo de conhecimentos estuda a diversidade do mundo vivo e mineral e
suas interações com o homem. Compreende como essa diversidade se construiu e qual
a sua dinâmica. Envolve ações de observar, nomear, classificar, descrever, comparar,
interpretar e reconstituir a história geológica e a origem e evolução da vida.
Processo semelhante ocorre quando aprendemos. É a partir da observação e da
distinção entre os elementos que nos rodeiam que podemos começar a estabelecer
52 relações e interpretar os fenômenos, construindo conhecimentos sobre eles.
Lançamento do livro Índios do Brasil | Acervo Museu Histórico do Exército

Lembranças da Comissão Rondon


Além dos pesquisadores, compunham a Comissão Rondon fotógrafos e, em uma
etapa posterior, cinegrafistas, que documentavam os diferentes momentos das expe-
dições, divulgando também o caráter científico das mesmas. Por exemplo, segundo
Amilcar Botelho de Magalhães, somente da tribo Umutina, foram produzidos mais de
1.150 fotos (em preto e branco ou coloridas), 1.200 metros de filme de 35 mm em preto
e branco e 200 metros de filme de 16 mm em cores.
Expressando o interesse de Rondon pela Etnografia, com o título Índios do Brasil, fo-
ram publicadas, em três volumes, fotografias de grupos indígenas localizados no Norte
e no Centro-Oeste do Brasil, documentando aspectos de sua alimentação, linguagem
e de seus rituais.
A invenção da fotografia foi anunciada oficialmente em 1839 no Institut de France,
com a divulgação dos achados de Jacques Daguerre, que criou uma solução técnica
para se tirar e reproduzir fotos, à época denominadas daguerreótipos. Na verdade, a
fotografia surge a partir de uma síntese de diferentes invenções que envolveram co-
nhecimentos de ótica (captação de uma imagem) e química (sensibilização à luz de
certas substâncias à base de sais de prata). Quando surgiu, era considerada como
uma imitação do real, e muitos acreditavam erroneamente que essa invenção teria por
consequência o fim da pintura.

Capitão Luis Thomaz Reis e Benjamin Rondon fizeram


muitos registros fotográficos | Acervo Museu do Índio/ Funai 53
Acampamento para construção da linha às margens do rio Jamari (MT) | Joaquim de Moura Quineau| Acervo Museu do
Índio/ Funai

A fotografia teria por função registrar os fatos para conservar sua memória e auxiliar
a ciência na compreensão da realidade. Na Comissão Rondon, era exatamente essa a
função que exercia, documentando e valorizando as expedições realizadas. Mas seria
a fotografia uma simples cópia da realidade? Com o tempo, foi-se compreendendo que
ela é uma forma de abordar a realidade. A análise de seus vários elementos, como o
tema enfocado, o enquadramento escolhido e o tipo de luz, nos permite compreender
o olhar de quem fotografou.
As equipes de Rondon enfrentaram muitas dificuldades para levar as ‘lembranças’ da
Comissão das selvas e dos sertões para as cidades:

“Pesados pacotes, então, de chapas de vidro que escapavam de se


desfazerem em cacos, nos rudes transportes por terra ou na travessia
de cachoeiras e corredeiras, onde tantas canoas, materiais e vidas
preciosas ficaram para sempre sepultados, era quase por milagre que
chegavam aos nossos gabinetes fotográficos nas cidades!”
(Cândido Mariano da Silva Rondon. Índios do Brasil do Norte do rio Amazonas. Conselho Nacional de
Proteção aos Índios, Rio de Janeiro, 1953, p. 4)

Assim como as “chapas de vidro” a que Rondon se refere são, para nós, algo do
passado, levar as imagens gravadas no filme fotográfico (os negativos) para revelar
também está se tornando obsoleto. Nas câmeras digitais, as imagens são transferidas
para o computador, podendo ser enviadas para qualquer lugar, embora possamos tam-
bém preferir revelá-las em papel. As câmeras digitais não usam filme. As imagens são
54 registradas em pixels, que são minúsculos quadrados eletrônicos.
COMUNICAÇÕES NO BRASIL

1990 Popularização da Internet

1950 1.ª Emissora de televisão

1923 1.ª Emissora de rádio

1896 1.ª Sessão de cinema

1852 1.ª Linha de telégrafo

1840 1.ª Fotografia

O PA I Z
O BRASIL

RENSA 1808 1.º Jornal


55
Atual prédio do Museu do Índio, em Botafogo (RJ) | Roberto Beckert | Acervo Museu do Índio/Funai

Memórias e culturas dinâmicas


A criação do Dia do Índio (19 de abril) foi uma iniciativa levada adiante por Cândido
Rondon e apoiada pelo Presidente da República Getúlio Vargas, que, em 1943, assinou
o Decreto-lei 5.540, instituindo a comemoração da data no Brasil. A ideia foi lançada no
Congresso Indigenista Interamericano, reunido em 19 de abril de 1940, no México. Na
ocasião, foi consagrado o Dia do Índio Americano. A justificativa era valorizar e difundir
a imagem histórica dos povos indígenas e integrá-la às celebrações nacionais.
O Museu do Índio, no Rio de Janeiro, também foi iniciativa de Rondon, que, quando
presidente do Conselho Nacional de Proteção ao Índio (CNPI), o inaugurou em 19 de
abril de 1953, ou seja, dez anos após a criação do Dia do Índio. Quem esteve à frente
da criação do museu foi o antropólogo Darcy Ribeiro, que dirigia a Seção de Estudos
(SE) do órgão indigenista. Após pressão e reivindicações às autoridades, conseguiu-se
a sua instalação no palacete da Rua Mata Machado (em frente ao estádio Maracanã),
originalmente construído para ser sede do Derby Club, agremiação hípica de luxo do
final do século XIX, abandonada desde os anos 1940. Com a construção do metrô cario-
ca, o museu foi transferido para outro casarão do século XIX, na Rua das Palmeiras, em
Botafogo. O antigo palacete da Rua Mata Machado, abandonado e quase em ruínas,
encontra-se hoje ocupado por índios que reivindicam a criação de um centro cultural.
O Museu do Índio, órgão científico-cultural da Fundação Nacional do Índio (FUNAI),
ainda hoje é a única instituição oficial no País exclusivamente dedicada às culturas in-
dígenas.
56
Datas comemorativas do mês de abril

1 2 3 4 5 6
7 8 9 10 11 12
13 14 15 16 17 18
19 20 21 22 23 24
25 26 27 28 29 30
31

ABRIL

1 Dia da mentira
2 Dia Internacional do Livro Infantil, em homenagem ao escritor dinamarquês
Hans Christian Andersen, autor de O patinho feio e O soldadinho de chum-
bo, dentre outras obras
7 Dia Mundial da Saúde,
18 Dia Nacional do Livro Infantil, em homenagem ao escritor Monteiro Lobato
(homenageado no Projeto Memória de 1998, da Fundação Banco do Brasil)
19 Dia do Exército Brasileiro, Dia do Índio
21 Tiradentes
22 Chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil

57
Dança dos índios Kayapó, em comemoração ao Dia do Índio. Aldeia Metuktire (MT), 2008 | Ednilson Aguiar/Secom-MT

“Cada um de nós é quem é porque tem suas memórias.”


(A arte de esquecer, Ivan Izquierdo, Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2007)

SAIBA QUE... Dia da mentira. Antigamente, o fim do ano era cele-


brado em março, marcando o início da primavera no Hemisfério Nor-
te e do outono no Hemisfério Sul. O primeiro dia útil era então o
primeiro de abril. A partir de 1582, na França, o calendário gre-
goriano passou a ser utilizado e o ano novo mudou para o início de
janeiro. Mas algumas pessoas continuaram a realizar a celebração
no primeiro de abril. Eram consideradas tolas, já que o primeiro de
abril tornou-se uma grande mentira. Por isso, a data ficou conhecida
como o dia da mentira.

Pelo menos nos últimos dois séculos, os índios e suas culturas foram vistos como
objetos de museu. Mas tal visão tem mudado. Atualmente, grupos indígenas concebem
criar seu próprio museu. Exemplo dessa iniciativa veio dos Ticuna, ao mostrarem que os
índios podem ser donos de suas próprias imagens, história e memória, como revela o
pesquisador José Ribamar Bessa Freire. Não fazem apenas objetos curiosos, nem são
eles mesmos objetos de curiosidade. A experiência de museus etnográficos organiza-
dos pelas próprias tribos já existe em outras localidades, como no Canadá.

58
No Brasil, foi inaugurado, em 1991, o Museu Magüta, justamente no município de
Benjamin Constant (AM), com 15 mil habitantes, próximo à fronteira com Peru e Colôm-
bia, na confluência dos rios Javari e Solimões. São vários encontros. O nome do municí-
pio foi sugerido por Rondon, quando por lá passou na década de 1930, em homenagem
a seu mestre e um dos fundadores da República no Brasil. Os Ticuna, que Rondon
também conheceu, são o povo indígena mais numeroso do Amazonas, com cerca de
30 mil habitantes, espalhados em uma centena de aldeias.
Os trabalhos de organização do Museu Magüta começaram em 1988, com a par-
ticipação ativa de índios e de suas lideranças, apoiados por assessores não índios
especialistas em Museologia. Naquele ano, houve, contra essa etnia, um massacre
executado por pistoleiros a mando de fazendeiros da região: 14 foram mortos, 10 de-
sapareceram e 23 ficaram feridos, entre homens, mulheres e crianças. Havia crescente
hostilidade da população urbana contra esses índios, inclusive por parte de autoridades
locais. Afirmar sua cultura e sua história significava, portanto, marcar posição e tentar
garantir a sobrevivência do grupo, quando suas terras e vidas estavam ameaçadas.
O Museu Magüta conta com cerca de 500 peças enviadas das aldeias ticuna para
o acervo, todas catalogadas pelos índios envolvidos na organização, além de mapas,
imagens antigas das tribos e outras informações sobre a vida e a história desse povo.
O Museu, mesmo passando por crises e dificuldades, serviu para aplacar a hostilidade
da população urbana e tornou-se polo de atração, visitado por turistas e moradores da
região, índios e não índios.

“O Museu Magüta serve para guardar nosso futuro”.


(Liverino Otávio, professor ticuna)

Atesanato Ticuna | Marcella Azevedo

59
A força dos meios de comunicação
Rondon valorizou e soube utilizar os espaços dos meios de comunicação de massa.
Tratava-se de uma novidade nas primeiras décadas do século XX: os veículos impres-
sos já existentes (jornais e revistas) ampliavam-se em escala industrial e empresarial,
assim como o cinema. E surgiram outros meios, como o rádio, e, mais tarde, a televisão.
Consciente da importância de tais veículos para o fortalecimento de suas atividades,
Rondon e suas equipes foram, ao mesmo tempo, criadores de filmes, fotografias, livros
e artigos, bem como atuaram nos meios de comunicação para divulgar suas ações e
ganhar apoio e reconhecimento da sociedade e das autoridades.

POR DENTRO DA HISTÓRIA... A primeira emissão radiofônica no


Brasil transmitiu o discurso do presidente da República Epitácio
Pessoa, na exposição comemorativa do Centenário da Independência
(1922), no Rio de Janeiro.

HISTÓRIAS DE VIDA...
Edgard Roquette-Pinto (1884-1954) foi um dos companheiros de Rondon
que mais contribuiu para a difusão e o surgimento dos modernos meios
de comunicação no Brasil, especialmente o rádio. Destacando-se como
antropólogo e educador, formado em Medicina, suas atividades foram
múltiplas: geógrafo, linguista, folclorista, arqueólogo, botânico,
zoólogo, etnógrafo, sociólogo, farmacêutico, legista e fotógrafo.
Distinguiu-se por ter criado a primeira estação de rádio no Brasil,
em 1923: a Sociedade Rádio do Rio de Janeiro. Roquette-Pinto acompa-
nhou Rondon em expedição à Serra do Norte, em 1912, travando contato
com os Nhambiquara. Filmava, fotografava e fazia anotações em seus
cadernos de campo. Publicou o livro Rondônia – Antropologia etno-
gráfica, considerado então um clássico da antropologia brasileira.
A ideia de, em 1956, batizar de Rondônia (em homenagem a Rondon) o
Território Federal do Guaporé foi inspirada por Roquette-Pinto. Di-
retor do Museu Nacional em 1926, organizou na instituição uma pio-
neira coleção de filmes etnográficos. Participou ativamente de insti-
60 tuições científicas e culturais brasileiras e internacionais.
A relação com a mídia ocorreu em várias ocasiões. Uma delas ficou famosa. “O caso
Fawcett, verdadeiramente, começou comigo”, afirmou Rondon. Num exemplo da im-
portância que atribuía aos meios de comunicação de massa, o velho sertanista referia-
se ao episódio de repercussão internacional que foi o desaparecimento do explorador
inglês Percy Harrison Fawcett, nas selvas do Xingu, em 1925. Coronel da Guarda Real
Britânica e membro da Sociedade Real de Geografia, em Londres, Fawcett veio ao
Brasil por motivos controversos. Ele próprio afirmava pretender realizar uma expedição
científica em busca de uma suposta civilização perdida. Mas algumas de suas atitudes
e alguns testemunhos da época, bem como pesquisas posteriores, indicam que ele
poderia estar buscando jazidas de riquezas minerais e, até, uma mítica cidade de ouro
oculta no meio da floresta.
O último registro de Fawcett, de seu filho Jack e do acompanhante Raleigh Rimmel
ocorreu na tribo dos Kalapalo, na área onde hoje é o Parque do Xingu. Outras expedi-
ções, nacionais e internacionais, seguiram o rastro do britânico, tentando localizar seu
paradeiro. Entre elas, duas foram organizadas pelos Diários Associados: a primeira, em
1943, sob a coordenação do jornalista Edmar Morel, integrada por profissionais de fil-
magem, fotografia e fonografia do SPI, quando pela primeira vez uma equipe jornalística
brasileira penetrou na região do Xingu; a outra, com o jornalista Antonio Callado e os
irmãos Villas Bôas, em 1952.

Roquette-Pinto e crianças Nambiquara |


Arquivo da Academia Brasileira de Letras

61
Rondon conversou várias vezes com
Fawcett logo que este chegou ao Brasil e,
a princípio, opôs-se abertamente a que o
expedicionário inglês viajasse pelas sel-
vas, alegando precariedade de condições
e defesa da soberania nacional. Diante das
pressões da diplomacia britânica, Rondon
então reivindicou que uma comitiva de mi-
litares brasileiros acompanhasse o inglês,
proposta rejeitada pelo Governo Federal.
Depois dessa oposição, Rondon ainda en-
controu por acaso Fawcett nas selvas do
Mato Grosso, quando este enfrentava difi-
culdades para prosseguir no trajeto.
As palavras e imagens geradas por
Rondon e suas equipes mostram o poder
dos símbolos. Elas não apenas registram,
refletem e informam, mas também atuam,
criando e preservando memórias e trans-
formando a realidade. Signos marcantes
daqueles tempos pertencem também ao
tempo atual, na medida em que nos esti-
mulam a expressar e visualizar criticamen-
te nossa própria sociedade.

Percy Harrison Fawcett | Grupo Keystone

POR DENTRO DA HISTÓRIA... Diários Associados. Os Diários As-


sociados formaram a primeira grande rede de comunicação do Brasil no
século XX, com destaque, sobretudo, nas décadas de 1930 a 1950. No
seu apogeu, reuniam 36 jornais, 18 revistas, 36 rádios, 18 emissoras
de televisão e uma editora, além de alcançar recordes de tiragem com
a revista O Cruzeiro. Criados e dirigidos pelo jornalista e empresá-
rio Assis Chateaubriand (1892-1968), os Associados lançaram a pri-
meira estação televisiva (TV Tupi) no Brasil, em 1950. Atualmente,
esse grupo é formado por oito emissoras de televisão, nove portais e
cinco sites, além da Fundação Assis Chateaubriand e de outras cinco
62 empresas.
HISTÓRIAS DE VIDA... Irmãos Villas Bôas. Após Rondon, e seguindo-
lhe os caminhos, os irmãos Villas Bôas foram os sertanistas que mais
tiveram destaque nos meios de comunicação frente à sociedade nacional
e ao cenário internacional. Orlando (1914-2002), Cláudio (1916-1998) e
Leonardo (1918-1961) abriram 1.500 quilômetros de picadas na floresta,
percorreram mil quilômetros de navegação fluvial, identificaram seis rios
desconhecidos e mantiveram contato com 18 tribos indígenas. Nesses ca-
minhos abertos na selva, surgiram cerca de 40 cidades e vilas, além de
quatro campos de pouso que passaram a ser usados pela Força Aérea Bra-
sileira (FAB). Seus nomes, sobretudo os de Orlando e Cláudio, estiveram
associados ao Parque Indígena do Xingu, em cuja criação contribuíram de
modo decisivo, sempre atuando à frente do órgão, do qual foram diretores.
Defendiam a preservação das culturas indígenas como modo de fortalecê-las
e protegê-las diante da sociedade nacional e mantiveram estreita liga-
ção com os governos militares após o golpe de 1964. Desde os anos 70 até
as datas de seus falecimentos, os dois irmãos Villas Bôas apareciam com
frequência em filmes, canais de televisão, revistas e jornais do Brasil e
de vários países, defendendo direitos das populações indígenas e contri-
buindo de maneira decisiva para difundir imagens sobre os índios para o
grande público. Orlando chegou a ser indicado para o Prêmio Nobel da Paz.

Sertanista Orlando Villas Bôas | Helmut Sick | Acervo Museu do Índio/Funai


4 O HOMEM PÚBLICO

Tudo que está ao nosso redor sempre foi assim e não mudará nunca? Os hospitais,
as escolas, os museus, os locais de trabalho, os sindicatos, os governos, os meios de
comunicação, enfim, as instituições que usamos e que envolvem boa parte de nossa
vida seriam eternas e imutáveis? Às vezes, é difícil compreender que tais instituições
são, em último caso, resultado de nossas vontades e ações. É o que mostra a trajetória
de Cândido Mariano da Silva Rondon. Como homem público, teve intensa capacidade
de atuar na realidade, no intuito de transformá-la.

Rondon com índios Bororo | Heinz Forthmann | Acervo Museu do Índio/Funai


Índios Terena trajando uniforme militar da Guerra do Paraguai | Acervo Museu do Índio/Funai
64 Cenário no interior de Curuzu, 1866 | Cándido Lopez | Museu Nacional de Bellas Artes de B. Aires
Boa parte das atividades de Rondon
teve origem na Guerra do Paraguai (1864-
1870), que marcou bastante a região em
que ele nasceu e atuou. Conhecida tam-
bém por Guerra da Tríplice Aliança (Brasil,
Argentina e Uruguai) e Guerra Grande (no
Paraguai, que lutou contra os três países
vizinhos), é considerada o maior confli-
to armado já ocorrido na América do Sul.
Foram atingidos largos territórios em áre-
as de fronteira, desde o Mato Grosso até
o Rio Grande do Sul. E foi justamente a
preocupação brasileira em criar meios de
comunicação que integrassem tais regiões
ao restante do País que impulsionou a pró-
pria Comissão Rondon a implantar linhas
telegráficas, bem como a necessidade de
um melhor conhecimento dos rios, das
montanhas e das populações que ali exis-
tiam.

Mortes na Guerra
do Paraguai
Paraguai 300.000
Brasil 50.000
Argentina 18.000
Uruguai 3.120
Total 371.120
Fonte: Francisco Doratioto. Maldita Guerra. Nova história da Guerra do
Paraguai. São Paulo: Cia. das Letras, 2002, p. 456-462..
Iniciando suas ações apenas 20 anos depois do fim da Guerra do Paraguai, Rondon
teve trajetória militar e política marcada pelas trágicas lembranças do episódio e por
desafios para o futuro das nações envolvidas. Desse modo, sua atuação militar não era
voltada para fazer a guerra, mas, sim, organizar a sociedade em tempos de paz. Apeli-
dos como “Marechal da Paz” e “Marechal Humanista”, aplicados a Rondon, explicam-
se pela opção que ele fez, dentro daquela situação histórica, de definir a presença das
Forças Armadas numa sociedade nacional, não pelo poder da violência das armas, mas
por ações integradoras das populações e do território.
Ligado aos estudos e ao trabalho desde jovem, Rondon sentia em sua própria vida
que as obrigações tomavam mais tempo do que o lazer, como ele próprio recorda: “Ali-
ás, não tinha eu muito tempo para brincar. Quando não estava agarrado aos livros, ia
ajudar o tio na venda – venda de roça, onde de tudo se vendia, inclusive peixe frito que,
com farinha, constituía a alimentação dos trabalhadores.” (Esther de Viveiros. Rondon
conta sua vida)
A presença de Rondon envolve episódios marcantes na História do Brasil, dos quais
participou diretamente. A começar pela Proclamação da República, na qual o jovem ca-
dete da Escola Militar, aos 24 anos, teve um papel estratégico, envolvido na conspiração
que derrubou a Monarquia. Na madrugada de 15 de novembro de 1889, ele recebeu de
seu professor Benjamin Constant de Magalhães a tarefa de levar uma carta ao ministro
da Marinha, almirante Wandenkolk. Rondon partiu a cavalo, em disparada, para cumprir
a missão. Ao inteirar-se das movimentações do Exército, o almirante tomou iniciativas
para mobilizar a Marinha e, horas depois, era anunciado o fim da Monarquia no Brasil.
Rondon integrou a guarda pessoal de Constant naquele dia e participou da prisão dos
ministros do governo deposto de D. Pedro II. O nascimento da República marcou, as-
66 sim, a entrada de Rondon na vida pública.
Mas, se nesse episódio inaugural o jovem Rondon aceitou, ainda que sob o comando
de seus professores e oficiais superiores, quebrar a hierarquia e a legalidade existentes
para instaurar uma nova ordem política, que também se basearia em outras leis e na
hierarquia, o mesmo não se daria em ocasiões seguintes. Durante oito meses (de outu-
bro de 1924 a junho do ano seguinte), Rondon foi designado para combater os rebeldes
da Coluna Prestes, que acabara de deflagrar um movimento armado de oposição. Mes-
mo dizendo-se constrangido por aceitar uma missão de guerra, e não de paz, Rondon
enfrentou e cercou os revolucionários no Paraná, levando-os a se deslocarem para Mato
Grosso – onde também articulou o mesmo cerco político e militar aos combatentes li-
derados por Luiz Carlos Prestes. Com a saída dos revoltosos de sua área de atuação,
Rondon encerrou sua participação no episódio. A Coluna Prestes foi um movimento
contra as oligarquias dominantes na política da Primeira República e contra a corrupção
política: seus integrantes percorreram, entre idas e vindas, cerca de 33 mil quilômetros
pelo interior do Brasil, sendo considerada a maior marcha política da história mundial.
A marca fundamental que definiu todas as bases da atuação de Rondon foi sua ade-
são ao Positivismo, sob influência de seu mestre Benjamin Constant de Magalhães, con-
siderado o principal propagador dessas ideias no País. O lema “Ordem e Progresso”,
incorporado à Bandeira do Brasil veio do Positivismo, embora tal doutrina não se tenha
tornado a ideologia oficial com a Proclamação da República. Foi por meio da ação in-
digenista de Rondon que o Positivismo deixou sua principal marca no Estado Nacional
brasileiro.

Rondon tomando chimarrão em fazenda | Alberto Brand | Acervo Museu do Índio/Funai


Integrantes da Coluna Prestes em Goiás, 1925 | Fundação Getúlio Vargas/CPDOC 67
A Pátria, de Pedro Bruno, 1919 | Acervo Museu da República

HISTÓRIAS DE VIDA... O Pai da República. Benjamin Constant Bote-


lho de Magalhães (1836-1891) é considerado o Pai da República no Brasil,
embora, falecido dois anos após sua proclamação, não tenha participado
da sua efetiva implantação. Foi ele, no entanto, quem formulou a ideia
com mais clareza, tendo sido um dos mais aguerridos lutadores para que
ela se tornasse realidade. O então jovem Cândido Mariano da Silva Rondon,
seu aluno na Escola Militar, teve nele sua principal fonte de inspiração
política e filosófica, por intermédio do Positivismo e da campanha repu-
blicana, em pleno regime monárquico. Engenheiro civil e militar, Constant
esteve na Guerra do Paraguai, mas se colocava como pacifista ao propor a
extinção gradual das Forças Armadas nas sociedades. Baseado nas ideias de
Auguste Comte, Constant defendia a proposta do Soldado-Cidadão, pela qual
a condição de cidadão da República era mais importante que a de militar.
Ainda durante a Monarquia, dirigiu o Imperial Instituto de Meninos Cegos,
para a educação de crianças com deficiência visual, que, com a instaura-
ção da República, foi batizado de Instituto Benjamin Constant. Seu nome
tornou-se um dos símbolos da campanha republicana. Participou ainda do
Governo Provisório (1889-1891), como ministro das pastas da Guerra e da
Instrução Pública. Sobrinho de Benjamin Constant, o coronel Amílcar Bote-
lho Magalhães, também positivista, foi um dos colaboradores mais próximos
de Rondon: participou de expedições e, sobretudo, escreveu livros, arti-
gos e relatórios referentes ao SPI e à atuação de Rondon.
68
“Verdadeiramente que nesta terra andam as coisas trocadas, porque
toda ela não é república, sendo-o cada casa.”
(Frei Vicente Salvador, História do Brasil, publicada em 1627)

AO PÉ DA LETRA... O que é República? A palavra república tem


vários significados. Originalmente do latim res publica, quer dizer
coisa pública. É aplicada também à forma de governo, quando o diri-
gente máximo de uma nação é eleito para o cargo. Significa, ainda,
associação, ajuntamento: uma república de estudantes, por exemplo.

A presença de Rondon se fez, ainda, na diplomacia, quando chefiou pessoalmente


a Inspeção de Fronteiras, que percorreu vasta área entre a Guiana Francesa e o ex-
tremo Noroeste dos limites com o Peru para eliminar dúvidas e estabelecer melhor os
marcos de separação entre o Brasil e os países limítrofes. Sem esquecer, claro, o foco
principal de sua atuação, definindo a política indigenista, desde a criação do Serviço de
Proteção aos Índios (SPI) em 1910 à presidência do Conselho Nacional de Proteção ao
Índio nos anos 1940. A atuação de Rondon, nesses casos, não se limitava ao âmbito
governamental e administrativo. Ele sempre tinha como perspectiva envolver e dialogar
com amplos setores da sociedade, como lideranças políticas, imprensa e instituições
acadêmicas e científicas.
Ao longo da vida pública de Rondon, o Brasil teve os seus 20 primeiros presidentes
da República. Desde o começo, participando da conspiração que levaria o Marechal
Deodoro da Fonseca (1889-1891) ao poder, até o último presidente desse período, Jus-
celino Kubistcheck (1956-1961), de quem recebeu homenagens em público, Rondon
teve sua trajetória confundida com a própria história do País. Com alguns desses man-
datários, Rondon teve encontros de trabalho e colaborou mais intensamente, como com
Afonso Pena (1906-1909), Nilo Peçanha (1909-1910), Epitácio Pessoa (1919-1922), Wa-
shington Luis (1926-1930) e Getúlio Vargas (1930-1945 e 1950-1954). Rondon exerceu,
pois, atividade política, se a compreendermos num sentido mais amplo, de ação pela
coisa pública ou gestão das relações de poder, mas nunca participou de cargo eletivo
ou de administração (apesar de vários convites) fora da política indigenista.

69
1956-1961
O governo de Juscelino Kubitschek distinguiu-se pelo
Plano de Metas, destinado a desenvolver seis setores
estratégicos (energia, transportes, alimentação, indústria
básica, educação e a construção da nova capital federal).
| Arquivo Histórico do Museu da República

1930-1934
1934-1937 Entre 1930 e 1945, Getúlio Vargas foi chefe do segundo

1937-1945 Governo Provisório da República (1930-1934), Presi-


dente constitucional, eleito indiretamente (1934-1937), e
ditador sob o Estado Novo (1937-1945).
| Arquivo Histórico do Museu da República

1926-1930
O governo de Washington Luiz foi recebido com grande
otimismo, embora tivesse recusado anistia aos revolto-
sos de 1922 e de 1924.
A Revolução de 1930 pôs fim ao seu governo e à deno-
minada Primeira República.
| Arquivo Histórico do Museu da República

1919-1922
O governo de Epitácio Pessoa caracterizou-se pela ins-
tabilidade política. A nomeação de civis para as Pastas
militares provocou a reação de setores do Exército,
exemplificada pelo movimento tenentista.
| Arquivo Histórico do Museu da República

1909-1910
Durante o governo Nilo Peçanha, foi concedido grande
impulso ao ensino técnico-profissional, reorganizado o
Ministério da Agricultura e criado o Serviço de Proteção
ao Índio.
| Arquivo Histórico do Museu da República

1906-1909
O governo de Afonso Pena caracterizou-se pelos
esforços de colonização e saneamento do interior do
País, tendo à frente o Marechal Rondon, pela expansão
da malha ferroviária e pela pesquisa e exploração de
recursos minerais.
70 | Arquivo Histórico do Museu da República
NA PONTA DA LÍNGUA... Positivismo.
Doutrina criada pelo filósofo francês Au-
guste Comte (1798-1857), afirma a fé numa
Religião da Humanidade baseada em princí-
pios científicos e racionais. De tendência
pacifista e evolucionista, criticava o uso
de armas, guerras, rebeliões e revoluções,
afirmando a existência de leis universais e
naturais que levariam as sociedades huma-
nas ao progresso.

Fachada da Igreja Positivista, Rio de Janeiro | Elizabete Braga

“O Amor vem por princípio, a Ordem por base e o Progresso por fim.”
(Lema Positivista)

Outra característica de Rondon foi o nacionalismo. Ele participou, por exemplo, da


Sociedade dos Amigos da América (1943-1945), cujo presidente, o general Manuel Ra-
belo (também engenheiro militar e positivista), atuara na Comissão Rondon. Tal entidade
reunia líderes civis e militares a favor da participação do Brasil na II Guerra Mundial junto
aos Aliados (EUA, Inglaterra e outros países) e contra o fascismo e os demais países
do Eixo (Alemanha, Itália, Japão, entre outros) – e chegou a ter sua sede fechada pela
polícia no Rio de Janeiro em 1944. Um dos oficiais mais próximos de Rondon, o general
Júlio Caetano Horta Barbosa, além de ter participado das expedições das Linhas Tele-
gráficas e ter sido vice-presidente do Conselho Nacional de Proteção ao Índio (CNPI),
presidiu o Conselho Nacional do Petróleo (CNP), participou ativamente das campanhas
a favor do monopólio estatal do petróleo e tornou-se a principal liderança militar nacio-
nalista do período.
Tudo parecia indicar que o Brasil teria seu primeiro Prêmio Nobel. Em 1953, iniciou-se
uma campanha nacional e internacional para que Cândido Rondon fosse o escolhido.
Em 1957, a iniciativa foi formalmente lançada pelo Explorer’s Club, de Nova Iorque,
com adesão de entidades científicas, universidades, intelectuais e políticos de vários
países, para que Rondon ganhasse o Prêmio Nobel da Paz. A repercussão foi grande.
Havia sinais concretos de que ele seria o ganhador. Mas Rondon faleceu em 1958 sem
receber a honraria.
Entre as homenagens feitas após o falecimento de Rondon, destacam-se o título
de Patrono da Arma de Comunicações do Exército e, em 1968, a criação do Projeto
Rondon pelo Ministério da Educação e Cultura, para promover estágios de serviço de
estudantes universitários em localidades do interior do País. 71
Nação e cidadania
Desde o período de atuação de Rondon e suas equipes até os dias atuais, os direi-
tos dos índios têm se ampliado. A presença nas eleições é uma das características da
cidadania exercida pelas populações indígenas. Calcula-se que existam cerca de 200
mil índios com título de eleitor no Brasil. Do pleito municipal de 2004, saíram quatro pre-
feitos indígenas: Orlando Justino, Macuxi, em Normandia (RR); Mecias Batista, Sateré-
Mawé, em Barreirinha (AM); Paulo Sérgio da Silva, do povo Potiguara, no município de
Marcação (PB) e José Nunes de Oliveira, Xakriabá, em São João das Missões (MG).

Fato marcante foi a eleição do prefeito Pedro Garcia (Tariana) e do vice André Baniwa
(Baniwa) em São Gabriel da Cachoeira (AM), em 2008, com 51% (12 mil) dos votos
locais. Esse município tornou-se o primeiro no Brasil a adotar oficialmente três línguas
além do português: Nheengatu, Tukano e Baniwa (v. 2. Os índios no Brasil).
Além disso, São Gabriel da Cachoeira, situado na fronteira com Venezuela e Colôm-
bia, é considerado Área de Segurança Nacional pela Lei Federal 5.449. Na localidade,
estão instaladas duas unidades do Exército brasileiro: a 2.ª Brigada de Infantaria da
Selva e o 5.º Batalhão de Infantaria da Selva, o que demonstra que a presença indígena,
com suas identidades peculiares, é uma garantia para a integridade territorial brasileira,
na medida em que tais terras pertencem à União. Rondon, aliás, considerava os índios
como “vigilantes das fronteiras” nacionais.

POR DENTRO DA HISTÓRIA... Índios eleitos. O primeiro indígena


a obter um cargo eletivo no Brasil foi o cacique Ângelo Kretã,
kaingang, como vereador em Mangueirinha (PR), no final da década
de 1970, segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Kretã
morreu num acidente de carro considerado suspeito em 1980,
durante disputa de terras com fazendeiros. Ficou famoso o primeiro
indígena deputado federal no País: o cacique xavante Mário Juruna,
eleito em 1982, no Rio de Janeiro, pela legenda do PDT, na mesma
chapa em que Darcy Ribeiro se elegeu vice-governador. Juruna,
afirmando não confiar nos “brancos” e nos políticos, usava um gravador
para registrar as conversas e promessas que escutava, a fim de não
ser enganado.

72
O índio exercendo o poder de voto
| Lila Sardinha

Pág. 74-75, General Rondon e


expedicionários chegam ao topo do Monte
Roraima, 1927 | Benjamin Rondon | Acervo Museu
Histórico do Exército

O trabalho das equipes coordenadas por Cândido Mariano da Silva Rondon gerou
uma nova etapa na relação entre o Estado Nacional brasileiro e as populações indí-
genas. Rondon realizou pessoalmente parte importante desse trabalho e simbolizou,
graças à sua figura marcante, essa atitude que caracterizou uma época, limitada por
determinadas condições históricas. Por um lado, evitava-se o uso da violência armada
contra os índios, ao mesmo tempo em que se denunciavam e combatiam aqueles que
pretendiam exterminá-los e ocupar suas terras, buscando garantir a posse de uma par-
cela dessas áreas aos mesmos indígenas. Por outro lado, pregava-se a incorporação
dessas populações aos costumes ocidentais e ao trabalho produtivo, facilitando, assim,
que considerável porção dos territórios tradicionais fosse incorporada como proprieda-
de privada e que algumas de suas referências culturais fossem desarticuladas – e não
impedindo totalmente que eles sofressem diversas formas de violência, inclusive roubos
e assassinatos. Com um pé em cada mundo, isto é, nas selvas e nos sertões com os
índios e, ao mesmo tempo, nas instituições públicas e científicas e no contato com as
autoridades, Rondon buscava, sob a perspectiva de proteção, intermediar essa relação
tradicionalmente violenta e desvantajosa para os povos indígenas.
73
Darcy Ribeiro, 1995 | Carlos Eduardo/CB/D.A Press

HISTÓRIAS DE VIDA... Darcy Ribeiro. Entre os seguidores de Ron-


don, Darcy Ribeiro (1922-1997) foi o que mais atuou na cena pública,
além de ter pesquisado durante muitos anos sobre os índios e empre-
endido veemente defesa dos direitos dessas populações. Antropólogo,
etnólogo, educador e liderança política, Darcy deixou vasta produção
literária (ficção e não ficção), ao lado da criação de instituições.
Foi militante do Partido Comunista Brasileiro durante a ditadura
Vargas (1937-1945). Iniciando suas atividades sob a órbita de Ron-
don, entrou para o SPI em 1947 e, até meados da década seguinte,
viveu longos períodos entre os índios Kadiwéu e Urubu Kaapor, rea-
lizando estudos antropológicos. Esteve à frente da criação do Museu
do Índio e participou da elaboração do projeto do Parque do Xingu.
Fundou a Universidade de Brasília (1961), da qual foi o primeiro
Reitor, trabalhando com o educador Anísio Teixeira. Exerceu os car-
gos de Ministro da Educação e Chefe da Casa Civil no governo João
Goulart. Após o golpe civil-militar de 1964, teve os direitos polí-
ticos cassados e exilou-se, passando a lecionar em universidades na
América Latina e recebendo prêmios e títulos em universidades euro-
peias. Identificado ao trabalhismo desde os anos 1950, foi candidato
a vice-governador de Leonel Brizola (PDT) no Rio de Janeiro. Empos-
sado em 1983, Darcy projetou os Centros Integrados de Educação Pú-
blica (CIEPs) e o Sambódromo. Eleito Senador em 1990, entrou para a
Academia Brasileira de Letras e faleceu de câncer no Rio de Janeiro.

“Marechal da Paz
Marechal do Humanismo
Protetor dos Índios.”
(Darcy Ribeiro, em discurso no enterro do Marechal Rondon, 20 de janeiro de 1958)
76
“Morrer se for preciso, matar nunca.”
(Marechal Cândido Rondon)

Uma das preocupações de Cândido Rondon se reflete nesta afirmação: “Nós que os
fomos procurar no fundo das florestas para pedir-lhes que depusessem o arco vingador,
nós, sim, estamos em dívida para com eles, porque ainda neste momento não lhes de-
mos o apoio da lei que visávamos, com a nossa intervenção, substituísse ao das armas,
para assegurar-lhes a propriedade da terra em que assentam suas malocas e as suas
lavouras, e onde procedem as suas caçadas”.
Desde então, os índios têm adquirido novos direitos, graças às suas próprias mobi-
lizações sociais e políticas e, também, ao apoio de aliados na sociedade brasileira, o
que tem gerado transformações no Estado Nacional. Dois artigos da atual Constituição
Federal brasileira expressam essa tendência:
“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, cren-
ças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocu-
pam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus
bens.” (Art. 231);

“O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegu-


rada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e
processos próprios de aprendizagem.” (Art. 210).
A lei afirma que a sociedade brasileira é formada por culturas e línguas diferentes,
isto é, constitui-se uma nação multiétnica e multilíngue. Os povos indígenas não são
mais vistos oficialmente como atrasados, que obrigatoriamente teriam que ignorar suas
especificidades e estariam destinados à extinção. Os índios, nessas bases, fazem parte
da nação brasileira, dando a ela suas próprias feições e, ao mesmo tempo, transfor-
mando de forma dinâmica suas tradições, sem se isolarem dos tempos atuais. Suas
terras demarcadas são terras da União e, portanto, protegidas pelo Estado Nacional.
Atualmente, 14% do território brasileiro é reservado às populações indígenas, mas nem
sempre em condições seguras, pois há situações jurídicas diversas: terra identificada,
declarada, reservada ou homologada (88% nestas duas últimas condições). E 98% des-
sas terras encontram-se na Amazônia Legal, ligadas, ao mesmo tempo, à preservação
ambiental de outras formas de vida da fauna e da flora.
Ainda há um longo caminho até que cessem as violências e os preconceitos contra
os povos indígenas e para que a nação brasileira estabeleça relações sociais solidárias
entre os variados setores de sua população. O poema de Carlos Drummond de Andra-
de, Pranto Geral dos Índios, feito sob o impacto da morte de Rondon há meio século,
continua atual:
“ron don ron don | repouso de felinos toque lento |de sinos na cidade murmu-
rando | Rondon | Amigo e pai sorrindo na amplidão.” 77
Hasteamento da Bandeira Nacional em Manaus |
Acervo Museu Histórico do Exército






CRONOLOGIA
5 de maio de 1865 Nasce em Mimoso, na Província de Mato Grosso.
1884 Matricula-se na Escola Militar.
1890 Recebe os títulos de Engenheiro Militar e Bacharel em Matemática e
Ciências Físicas e Naturais.

1892 Casa-se com Francisca Xavier, no Rio de Janeiro. É nomeado chefe da


reconstrução da linha telegráfica de Cuiabá ao Araguaia.

1898 Ingressa na Igreja Positivista no Rio de Janeiro.

1900 a 1906 É nomeado chefe da Comissão Construtora de Linhas Telegráficas no


Estado de Mato Grosso.

1907 É nomeado engenheiro-chefe da Comissão Construtora de Linhas


Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas.

1910 É nomeado 1.º diretor do recém-criado Serviço de Proteção aos Índios e


Localização de Trabalhadores Nacionais.

1913 - 1914 Organiza e chefia a Expedição Científica Roosevelt-Rondon.


1915 Inaugura a linha tronco de Cuiabá a Santo Antônio do Madeira, com
2270 quilômetros de linhas telegráficas e 32 estações do telégrafo.

1917 O antropólogo Edgard Roquette-Pinto denomina Rondônia a região do


Noroeste de Mato Grosso.

1924-1925 É nomeado para reprimir os militares rebeldes que combatiam o Governo


Federal nos Estados do Paraná e de Santa Catarina.

1927 a 1930 É designado para realizar a inspeção das fronteiras do País.


1934 - 1938 Chefia a Comissão Mista Peru, Colômbia e Brasil, destinada a solucionar os
conflitos na região de Letícia.

1939 É nomeado presidente do Conselho Nacional de Proteção aos Índios.

1952 Encaminha ao presidente da República o projeto de criação do Parque do


Xingu.

1953 Junto com Darcy Ribeiro, inaugura o Museu do Índio.

1955 Recebe a patente de Marechal do Exército Brasileiro.

1956 O território de Guaporé é renomeado Rondônia.

1957 É apresentada sua candidatura ao Prêmio Nobel da Paz de 1957.

1958 Com 92 anos, falece a 19 de janeiro no Rio de Janeiro. 79


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Livros e artigos:
ABREU, Alzira e outros (coord.). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós-1930. Rio de Janeiro: CPDOC \ FGV, edição em
CD-Rom, s.\d.
AMABIS, Mariano & MATHO, Gilberto. Temas de Biologia, vol. 1, São Paulo: Editora Moderna, 2007.
BARROS, Armando Martins & CASTRO, Renata Pinheiro (orgs.). Ara Reko. Memória e temporalidade Guarani. Rio de Janeiro:
E-Papers, 2005.
BÍGIO, Elias dos Santos. Cândido Rondon. A Integração Nacional. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 2000.
BRASIL. O governo brasileiro e a educação escolar indígena. 1995 – 2002. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Edu-
cação Fundamental, 2002.
CASCUDO, Luis da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1972 [1954].
CIMI. Outros 500. Construindo uma nova história. São Paulo: Conselho Indigenista Missionário \ Editora Salesiana, 2001.
COELHO, Marcos de Amorim & TERRA, Lygia. Geografia Geral do Brasil. São Paulo: Moderna, 2003.
CRUZ, José Luiz Carvalho da (ed.). Ciências 6. Ensino Fundamental de nove anos. Livro do professor. 2. ed. São Paulo: Moderna,
2007.
DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra. Nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Cia. das Letras, 2002.
FREIRE, Carlos Augusto da Rocha. Vida de sertanista: a trajetória de Francisco Meirelles, Tellus, ano 8, n. 14, p. 87-114,
abr./2008.
FREIRE, Carlos Augusto da Rocha & OLIVEIRA, João Pacheco de. A presença indígena na formação do Brasil. Brasília: UNESCO
: MEC, 2006.
FREIRE, José Ribamar Bessa. A descoberta do museu pelos índios. in ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (Orgs.): Memória e patri-
mônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A Editora/FAPERJ, 2003. p. 219-254.
_______ A representação da escola em um mito indígena. Teias - Revista da Faculdade de Educação, Rio de Janeiro, v. 3, p.
113-120, jun./2001.
_______ Trajetória de muitas perdas e poucos rumos, em Educação Escolar indígena em Terra Brasilis, tempo de novo descobri-
mento. Rio de Janeiro: IBASE, 2004. p. 11-31.
FUNASA. Política Nacional de atenção à saúde dos povos indígenas. Brasília: Fundação Nacional de Saúde, dezembro de 2000.
GAGLIARDI, José Mauro. O indígena e a República. São Paulo: Hucitec, 1989.
GAVAZZI, Renato A. & Professores indígenas do PIX, Geografia Indígena. São Paulo: ISA, MEC, PNUD, 1996.
LESSA, Orígenes. O índio cor de rosa. Evocação de Noel Nutels. 2. ed. Rio de Janeiro: Codecri, 1978.
LIMA, Nísia Trindade & SÁ, Dominichi Miranda de. Os cientistas da Comissão Rondon – no rastro do desconhecido. Revista de
História da Biblioteca Nacional, n. 11, agosto/2006, p. 18-23.
MACIEL, Laura Antunes. A nação por um fio. Caminhos, práticas e imagens da Comissão Rondon. São Paulo: EDUC \ FAPESP,
1998.
MAGALHÃES, Amilcar A. Botelho. Índios do Brasil. México: Ediciones de Instituto Indigenista Interamericano, 1947.
_______ Rondon, Uma Relíquia da Pátria. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1946.
MOREL, Edmar. E Fawcett não voltou. Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1943.
MULTIRIO. Nós da Escola. A força do rádio. Rio de Janeiro: Empresa Municipal de Multimeios, ano 3, n. 25, 2005.
RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização. A integração das populações indígenas no Brasil moderno. 7. ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 1996.
RONDON, Cândido Mariano da Silva. Índios do Brasil do Norte do Amazonas. III. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, Conse-
lho Nacional de Proteção aos Índios, 1953.
_______ Relatório dos Trabalhos Realizados de 1900-1906 pela Comissão de Linhas Telegráficas do Estado e Mato Grosso, Apre-
sentado às Autoridades do Ministério da Guerra pelo major de Engenharia Cândido Mariano da Silva Rondon Como Chefe da
Comissão. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1949, publicação 69-70.
VIVEIROS, Esther. Rondon Conta a Sua Vida. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1958.

Sítios na Internet:
CONSTITUIÇÃO. Constituições do Brasil, de outros estados brasileiros e países. http://www.presidencia.gov.br/legislacao/cons-
tituicao/
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. www.ibge.gov.br
ISA. Instituto Socioambiental (Povos Indígenas no Brasil). http://pib.socioambiental.org/pt
ISA. Instituto Socioambiental (Povos Indígenas Mirim) http://pibmirim.socioambiental.org/
Museu do índio. www.museudoindio.org.br
Museu Villa Lobos. www.museuvillalobos.org.br
Muséum national d’Histoire naturelle. www.mnhn.fr
Revista Ciência Hoje das Crianças. http://cienciahoje.uol.com.br/view/418
ISBN 978-85-61467-07-4

9 788561 467074

Você também pode gostar