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Carboidratos fibrosos e carboidratos estruturais

Marcos Neves Pereira

Os carboidratos representam cerca de 70% da dieta de vacas leiteiras. Além da


importância quantitativa, o que confere a este nutriente alto impacto sobre o custo de
produzir leite, também merece consideração o reflexo dos mesmos sobre a composição do
leite em gordura e em proteína e sobre a saúde animal determinada pelo padrão de
fermentação ruminal. Carboidratos também representam um elo entre a dieta e o programa
agronômico de produção de forragens: leite baseado em cana é leite oriundo de sacarose;
leite baseado em silagem de milho ou sorgo é leite oriundo de amido, leite baseado em
pastagens tropicais é leite oriundo de fibra; leite à base de subprodutos fibrosos pode
reduzir a necessidade de produção de forragem por unidade de leite produzido.
O balanceamento dos carboidratos dietéticos deve considerar a fração destes de
degradação lenta e que ocupa espaço no rúmen e a fração de carboidratos com alta
velocidade de degradação. Os carboidratos de degradação lenta são mensurados
quimicamente como Fibra em Detergente Neutro (FDN). Os carboidratos de degradação
rápida são mensurados por diferença como Carboidratos não Fibrosos (CNF = 100 –
proteína bruta – extrato etéreo – cinzas - FDN). Uma distinção terminológica importante é
a diferença entre CNF e Carboidratos não Estruturais (CNE), similar à diferença entre FDN
e Carboidratos Estruturais.
O conceito de FDN e de CNF visa separar os carboidratos em frações com
digestibilidade e metabolização previsíveis. Dietas com alta relação FDN/CNF são
majoritariamente de baixa digestibilidade, o oposto de dietas com baixa relação FDN/CNF.
Em alta FDN/CNF predominam carboidratos que requerem sistemas enzimáticos oriundos
de microorganismos anaeróbicos para digestão, enquanto que em dietas com baixa relação
FDN/CNF passam a predominar carboidratos também digestíveis por sistemas enzimáticos
produzidos por mamíferos. A capacidade da vaca de digerir celulose e hemicelulose resulta
das enzimas produzidas pelos microorganismos no rúmen e no intestino grosso, o que
permite a estes animais o consumo de dietas ricas em FDN. A associação entre a vaca e os
microorganismos ruminais é um dos exemplos mais perfeitos de simbiose, um organismo
precisa do outro e não sobreviveria sem a presença do "sócio". Por isto a nutrição de
ruminantes, é, de certa forma, uma nutrição de microorganismos presentes em uma câmara
digestiva. Os nutrientes absorvidos pela vaca estão presentes nos subprodutos da
fermentação ruminal (ácidos graxos voláteis e massa microbiana) e nas partes de alguns
alimentos capazes de passar pela fermentação ruminal e chegarem intactos para digestão no
intestino delgado. A fermentação no intestino grosso também contribui com ácidos graxos
voláteis, mas ocorre perda fecal da massa microbiana produzida.
Caso a mensuração laboratorial de FDN e CNF não fosse capaz de prever
metabolização e digestão, seu uso na formulação de dietas seria sem sentido. Esta é a
limitação do termo Carboidrato Estrutural, algumas vezes usado como sinônimo de FDN, e
do termo CNE. Os Carboidratos Estruturais são aqueles responsáveis pela manutenção da
estrutura das plantas. Os principais são a celulose, a hemicelulose e a pectina. Os CNE são
de interesse agronômico e são mensurados enzimaticamente, e não pelo cálculo por
diferença usado para os CNF. A utilidade nutricional do termo CNE é limitada, pois a
pectina, o "cimento" entre células, e portanto um carboidrato estrutural, é na verdade um
carboidrato de degradação rápida no rúmen, não presente na FDN e, portanto, um
componente dos CNF. Logo os CNE não são um bom estimador de metabolização e
digestão, pois nos Carboidratos Estruturais estão presentes tanto carboidratos de digestão
lenta (celulose e hemicelulose) quanto carboidratos de digestão rápida (pectina).
A pectina é um carboidrato de degradação rápida no rúmen, mas que exige sistemas
enzimáticos microbianos para digestão, pois a vaca não produz pectinase. Este é um
carboidrato importante para o Brasil, pois é o principal CNF nos alimentos polpa cítrica e
casca de soja. A FDN deve ser encarada como o resíduo da digestão do alimento em
solução de detergente neutro, o que não é necessariamente uma medida de Carboidratos
Estruturais. Farinha de carne, por exemplo, tem FDN, mas como um alimento de origem
animal pode ter Carboidratos Estruturais com a função de manter uma planta em pé ? Os
termos Carboidrato Estrutural e CNE são de interesse agronômico, os termos FDN e CNF
são matéria da nutrição.
Na tabela abaixo, oriunda do NRC (2001), são citadas a composição de alguns
alimentos em FDN, CNF e CNE. Normas nutricionais para balanceamento de carboidratos
em dietas para vacas leiteiras utilizam FDN e CNF.

Composição dos CNF


FDN CNF CNE Açúcares Amid Pectina Ácidos graxos voláteis
o
Silagem de alfafa 51,4 18,4 7,5 0 24,5 33,0 42,5
Feno de 60,0 16,6 13,6 35,4 15,2 49,4 0
gramínea
Silagem de milho 44,2 41,0 34,7 0 71,3 0 28,7
Milho grão 13,5 71,8 70,6 20,9 80,0 0 0
Casca de soja 66,6 14,1 5,3 18,8 18,8 62,4 0
Farelo de soja 9,6 34,4 17,2 28,2 28,2 43,6 0

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