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HISTÓRICOS E
FILOSÓFICOS DA
EDUCAÇÃO
GRADUAÇÃO
Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de EAD
William Victor Kendrick de Matos Silva
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi
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http://lattes.cnpq.br/2234110887343110
APRESENTAÇÃO
SEJA BEM-VINDO(A)!
Saudações aluno(a), este trabalho é a realização de um objetivo e o começo de um de-
safio. Feito para garantir, a quem está cursando uma licenciatura, um entendimento das
origens do pensamento ocidental e, por consequência, de como está estruturada nossa
forma de compreender a contemporaneidade.
Este livro é fruto de uma insistência em compreender melhor o que somos para traçar
um caminho para o desenvolvimento do pensamento ocidental e da educação no Brasil.
É ainda um desafio quanto à função deste material qualificar quem educa, as pessoas
que terão em suas mãos a capacidade de preparar outras e lhes dar potencial para mu-
dar seu destino. Desejamos que cada pessoa, ao lê-lo, se permita mergulhar no universo
da curiosidade e pesquisa, a fim de alcançar saberes e conhecimentos cada vez mais
profundos.
Na Unidade I, trabalharemos os pensadores clássicos. Colocaremos em questão as pri-
meiras construções do pensamento ocidental com o homem grego. Resgataremos os
pré-socráticos e seus dramas da existência - drama que ainda hoje rodeia nossas vidas.
A partir da Unidade II, avançaremos para o pensamento moderno e contemporâneo. A
supremacia planetária da filosofia ocidental: as conquistas econômicas e sociais da so-
ciedade europeia se expressaram em sua compreensão do homem, na sua organização
política e, em especial, na formação dos estados nacionais. Assim, esta unidade ainda
contempla os grandes clássicos das ciências sociais: o positivismo de Comte, o estrutu-
ralismo de Durkheim, o materialismo de Marx e a história cultural de Weber. Mais que
isso, resgataremos os pensadores contemporâneos do existencialismo e os que resga-
taram por meio da fenomenologia a crise do indivíduo contemporâneo. Pelo fato de o
homem de hoje estar em crise, necessitamos analisar com profundidade os fatores que
a determinaram. Esse é um dos temas centrais da discussão desta unidade.
A Unidade III revelará o cenário brasileiro educacional desde a chegada dos jesuítas jun-
to da comitiva de colonização até a retirada do sistema educacional das mãos religiosas.
Nesta Unidade será possível perceber a lacuna deixada pelo Estado no âmbito educacio-
nal até o período da República.
Na Unidade IV, o período republicano não revelará um melhoramento no sistema edu-
cacional, apesar da laicidade adquirida e da absorção das ciências vindas da Europa. Na
prática, veremos que a educação ficará voltada à formação de mão de obra trabalhado-
ra.
A Unidade V é uma espécie de provocação frente a algumas questões contemporâneas
de discussão do corpo e da antropologia filosófica. Ao se pensar no corpo e como fo-
ram algumas de suas categorias pensadas na história e filosofia, é possível romper com
alguns paradigmas que o marcam como essencialidade inflexível, além de ser pensado
como múltiplo, ao mesmo tempo passível de respeitabilidade.
Procuraremos demonstrar o papel que o estado teve na ineficiência da educação pú-
blica ao longo de boa parte da história brasileira. Mesmo quando assumiu o papel de
APRESENTAÇÃO
UNIDADE I
A ORIGEM DA FILOSOFIA
15 Introdução
45 O Nascimento do Islã
79 Considerações Finais
UNIDADE II
91 Introdução
92 Iluminismo
UNIDADE III
137 Introdução
UNIDADE IV
175 Introdução
UNIDADE V
209 Introdução
238 Conclusão
Professor Me. Gilson da Costa Aguiar
Professor Me Rodrigo Pedro Casteleira
I
UNIDADE
A ORIGEM DA FILOSOFIA
Objetivos de Aprendizagem
■■ Entender os desdobramentos do pensamento filosófico ocidental na
Antiguidade, Grécia e Roma.
■■ Compreender a importância dos pensadores clássicos gregos – Sócrates,
Platão e Aristóteles – e seus princípios que se propagaram além da Grécia.
■■ Estabelecer a relação entre o desenvolvimento de uma filosofia clássica
com as mudanças que o mundo sofreu na passagem da Antiguidade para a
Idade Média.
■■ Compreender o pensamento moderno, derivado da lógica medieval cristã
e suas bases, para o racionalismo do Período Moderno.
■■ Entender a racionalidade ocidental como elemento fundamental para
o desenvolvimento da ciência e da tecnologia que promoveram o
desenvolvimento do Ocidente.
■■ Relacionar o desenvolvimento da ciência política e do papel do poder na
sociedade ocidental.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ A origem do pensamento filosófico: dos pré-socrático aos clássicos gregos
■■ Além da Grécia: as civilizações que herdaram o pensamento grego
■■ O pensamento filosófico medieval
■■ O nascimento do Islã
■■ Cruzadas: a palavra, a espada e o combate ao califado
■■ O nascimento do pensamento ocidental moderno
■■ A construção do estado nacional e a ciência política
■■ O ‘senhor’ do pensamento moderno
■■ Do racionalismo às portas do iluminismo
15
INTRODUÇÃO
Introdução
16 UNIDADE I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A ORIGEM DO PENSAMENTO FILOSÓFICO: DOS PRÉ-
SOCRÁTICOS AOS CLÁSSICOS GREGOS
Platão nos traz Sócrates como figura emblemática em diversas de suas obras, na
forma de diálogo, uma vez que este nada escreveu. Em uma delas, relata o julga-
mento do pensador grego, considerado corruptor da juventude, mesmo sendo
avaliado como o maior dos filósofos, o “pai da filosofia”.
Nesse episódio, o julgamento foi resultado da denúncia de três moradores
de Atenas – Ânito, Meleto e Lícon.
O primeiro, Ânito, era um importante comerciante grego. Sua discórdia com
Sócrates foi o filho, um aprendiz do pensador. O comportamento questionador
do aprendiz irritou o pai. Dessa forma, juntou-se aos demais e fortaleceu a acu-
sação assinada por Meleto.
Meleto era um poeta pouco conhecido, mas segundo se levantou nas obras
escritas por pensadores gregos, teria se indisposto com Sócrates pela sua forma
de propagar ideias e de questionar o ganho de quem cobrava do ministério de
ensinar, assim como Lícon, um professor desconhecido, o prestígio de Sócrates
irritava. “A inveja também mata, tanto quanto a vaidade”.
A ORIGEM DA FILOSOFIA
17
O PENSAMENTO SOCRÁTICO
somos. Mas, em uma Grécia onde a oralidade era o elemento determinante para
a preservação da memória e repassar o saber, não havia o que julgar a postura.
Sua oposição aos sofistas, homens que percorriam as cidades discursando
sobre temas da natureza e da vida pública, lhe rendeu muitos inimigos. Sua crítica
direcionava-se à prática de discutir sem questionar, afinal os sofistas se prendiam
ao que não discutia a essência humana, mas apenas à manutenção da conduta ou
à complexidade de raciocínios que os afastavam dos homens comuns.
Oposto à vida dos sofistas, Sócrates era visto em meio ao povo, andava des-
calço. Segundo Platão, brincava com crianças e se apegava a pensar e refletir sobre
as questões profundas da existência humana. Jamais cobrou sobre suas palestras
e diálogos. É possível perceber em um dos diálogos descritos por Platão: “Disse
ele que o encontrara Sócrates, banhado e calçado com as sandálias, o que pou-
cas vezes fazia” (PLATÃO, 1972, p. 174).
A vida de filosofar e refletir sobre a existência humana e a capacidade de enten-
der o que nos cerca veio ainda na infância do pensador grego, quando sua mãe,
uma parteira, não de profissão, ao ajudar o nascimento de uma criança, desper-
tou em Sócrates o sentido da reflexão, o que ficou conhecido como “maiêutica”.
O papel de um filósofo, então, seria colaborar para despertar o nascimento
da reflexão, o que todo mundo tem como potencial dentro de si. Permitir que
essa capacidade se expresse e se mantenha constante ao entender os elementos
que dão sentido à vida humana.
Por isso, Sócrates não se considerava um denunciador da verdade, mas
alguém que tinha por propósito despertar a capacidade das pessoas de buscá-
-la. Para ele, mais importante do que propagar a certeza seria estimular a dúvida.
Ficamos pensando se não seria essa a função dos educadores. Não só aque-
les que se formam hoje para a educação institucionalizada, como também os
que têm a capacidade de nos indagar sobre o que nos cerca, sobre o dia a dia e,
enfim, toda a nossa vida. Desvendar o sentido da existência é o verdadeiro sen-
tido de existir - de que adianta existir se não se tem a compreensão do porquê
se existe. Mas, como todo pensador que compreende além do senso comum o
sentido da vida, Sócrates pagou com a sua própria audácia de romper com o
esperado, de sair do controle, o que o conduziu a pagar com a vida, sendo obri-
gado a beber veneno.
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Conta-se que atirou uma parte do veneno à maneira do que se fazia
num jogo que consistia em lançar o resto de um copo de vinho numa
bacia de metal, invocando o nome da pessoa amada; se o jato pro-
duzisse um som vibrante, era sinal de que o amor era correspondido
(GOTO, 2010, p. 110).
Nasceu em uma família humilde em 469 a.C, e foi condenado em 399 a.C. Sua
origem humilde contracenou com grandes momentos da história grega em que
foi protagonista. Ele liderou tropas gregas na Guerra do Peloponeso (431 a.C a
404 a.C) e, ao ser derrotado, preferiu preservar a vida de seus homens a trazer
consigo os corpos dos mortos. Um crime para os gregos, mas se livrou da sen-
tença ao argumentar “que sem os vivos não se pode enterrar os mortos”. Mas,
por ter se tornado o pensador influente que percorria Atenas e “contaminava”
sua juventude, foi condenado em uma assembleia de 501 cidadãos.
O interesse dos juízes era que Sócrates se calasse, que fugisse para não ser
executado ou que tivesse a língua cortada. Ele preferiu morrer, considerava que
era um ganho diante das outras opções que demonstravam a perda de fazer o
que mais gostava.
Para ele, morrer teria duas possibilidades desconhecidas, uma delas seria um
sono eterno para quem morresse, seria o bom sono de uma única noite; a outra,
se caso existisse outra vida, seria de imortalidade e com homens bem melhores
do que ele deixava nesta vida.
Uma das críticas feitas pelos amigos ao pensador grego, entre sua condena-
ção e a execução (30 dias), era que ele não pensava nos filhos. Caso pensasse,
deveria fugir para preservar a integridade de sua família. Diante dessa questão,
A ORIGEM DA FILOSOFIA
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ele dizia que os filhos deviam seguir seu destino. Da mesma forma que eles não
teriam que ser condenados pelo que o pai fez, não cabe ao pai fugir da conde-
nação por eles.
duas vezes, o governo de Dionísio II. Para Platão, o bom governo tem um pen-
sador à sua frente. A razão e a sabedoria são os melhores governantes.
Sua busca por propagar as ideias de justiça além das muralhas de Atenas lhe
custou ser vendido como escravo por Dionísio I. Foi resgatado por seus amigos
atenienses que o compraram e lhe devolveram a liberdade.
Entre suas idas e vindas da Magna Grécia (Sul da Itália) e de Siracusa, fun-
dou a Academia de Atenas. A primeira instituição acadêmica oficial do mundo
ocidental. Um modelo que se propagaria e daria os moldes ao conhecimento
desenvolvido pela civilização ocidental.
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Uma das grandes contribuições de Platão (2002) foi a divisão da verdade em
dois elementos, o material e o imaterial. O primeiro se refere às coisas em si, às
que, pelos sentidos, percebemos em sua existência física. A outra, a imaterial, é
a que damos sentido, valor, aos elementos que nos cercam. O conceito moral, a
relevância social e o peso ético.
Da mesma forma que Sócrates, Platão considerava a sabedoria nata, ela
está em nós, mas precisa ser despertada. Vivemos em um mundo de sombras
que encobre a verdade sobre o que nos cerca. Antes de nascermos, vivíamos em
outro lugar, em um corpo celeste, onde tínhamos a sabedoria sobre as coisas da
Terra, porque a víamos com um saber superior. Ao nascermos, fomos jogados
no mundo material e perdemos a consciência sobre nossa sabedoria. Cabe a
nós, a busca pelo despertar do conhecimento e sairmos deste mundo de “som-
bras”, da ignorância.
Por isso, ele considerava que nascemos sem consciência do mundo, ao con-
vivermos com o que nos cerca, lhe damos sentido. Mas, a sabedoria repousa
dentro de nós. Essa capacidade de reconhecer as “coisas” e desvendá-las com um
conhecimento anterior, o qual aos poucos desperta, é chamada de anamnésia.
Essa capacidade de elucidação eleva a pessoa e lhe dá uma importância
maior diante das demais. Esses devem ter acesso ao comando social. São eles os
melhores elementos para conduzirem a vida de uma cidade, de uma comunidade.
É assim que Platão concebe o bom governo, o dos sábios. A ordem social
perfeita teria neles os elementos mais elevados. Seriam os membros de “ouro”
A ORIGEM DA FILOSOFIA
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de uma sociedade ideal. Seriam seguidos pelos soldados, aqueles que garantem
a ordem e mantêm a unidade entre os elementos de uma mesma comunidade.
Essa camada social teria como principal virtude a coragem. Por fim, os elementos
inferiores seriam os da “temperança”, os servos e escravizados, os trabalhadores,
ligados às necessidades materiais constantes e necessárias.
Da mesma forma que o corpo social idealizado por Platão, a pessoa, segundo
ele, deveria seguir o mesmo modelo: uma relação em que a racionalidade deve
imperar, ainda que os desejos sejam características da alma (ROBINSON, 1998).
Dito de outro modo, Platão acredita que, como os sentidos são imprecisos, “para
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atingir a verdade é necessário que a alma rompa tanto quanto lhe for possível a
união com o corpo, que a engana. O filosofar é uma forma de purificar a alma
dos vícios corporais” (NETO; DESTRO, 2009, p. 7). Entender a necessidade de
uma vida dirigida por valores superiores, integrar o corpo a um ideal maior
que conduzisse a coragem e agisse sobre as necessidades materiais concretas.
Essa relação entre corpo e alma é conhecida como dualismo psicofísico, como
Robinson chama a atenção:
Ao escrever dessa maneira, Platão está no limite extremo do dualismo
psicológico; em nenhum outro diálogo ele se expressa em termos tão
rígidos e firmes a respeito da relação entre corpo e alma. Até que pon-
to, no momento em que escreve o diálogo, ele próprio acreditou que
esse dualismo acentuado seria uma descrição autêntica dos fatos, ou
até que ponto tal dualismo serviu ao propósito dramático de explicar a
disposição de Sócrates em face da morte, nunca saberemos. Mas uma
coisa sabemos. No diálogo ao que tudo indica imediatamente posterior
ao Fédão, isto é, na República, ele já passou para uma descrição muito
mais sofisticada da relação alma-corpo (ROBINSON, 1998, p. 343).
Essa relação descrita pelo autor revela como a alma é compreendida na medida
em que está conectada ao conceito de racionalidade. Frente a isso, Platão des-
creve uma importante Alegoria que trata das relações com a forma: A Alegoria
da Caverna, ou Mito da Caverna. É na República que o filósofo grego traça um
diálogo entre Glauco e Sócrates delineando o Mito da Caverna.
Agora imagine a nossa natureza, segundo o grau de educação que ela
recebeu ou não, de acordo com o quadro que vou fazer. Imagine, pois,
homens que vivem em uma morada subterrânea em forma de caverna.
A entrada se abre para a luz em toda a largura da fachada. Os homens
estão no interior desde a infância, acorrentados pelas pernas e pelo pes-
coço, de modo que não podem mudar de lugar nem voltar a cabeça
para ver algo que não esteja diante deles. A luz lhes vem de um fogo que
queima por trás deles, ao longe, no alto. Entre os prisioneiros e o fogo,
há um caminho que sobe. Imagine que esse caminho é cortado por um
pequeno muro, semelhante ao tapume que os exibidores de marionetes
dispõem entre eles e o público, acima do qual manobram as marionetes
e apresentam o espetáculo (REPÚBLICA, 514 a).
A sequência do diálogo leva tanto Glauco como quem lê a pensar em seres acor-
rentados que jamais viram o mundo externo, tendo contato apenas com sombras
projetadas na parede da caverna. A verdade, então, estaria fora da caverna, ou
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seja, existe uma relação entre as sombras, que seriam cópias, e o que está fora,
a verdade. Quando uma das pessoas presas consegue fugir, promove para si a
ruptura entre cópia e realidade, saindo das noções de senso comum para se apro-
ximar ao conhecimento.
Na Escola de Atenas, fundada por Platão, se destacou Aristóteles (384 a.C a 322
a.C), o mais completo dos filósofos, o de maior destaque. Contudo, não foi o
herdeiro oficial platônico. Vale lembrar que a crítica ao mestre foi uma marca
aristotélica. Mas, esta é outra história contada aqui aos poucos, enquanto enten-
demos o pensamento do preceptor (educador/professor) de Alexandre, o Grande.
Várias características do pensamento aristotélico fazem dele filósofo distinto.
Em primeiro lugar, a capacidade de compreensão de um mundo que vai além
da projeção de uma sociedade ideal. Diferente de seu mestre Platão, Aristóteles
na Política, por exemplo, considerava fundamental compreender a pessoa em
conjunto com os fenômenos que a cercam. A natureza e sua dinâmica foram
algumas das preocupações do pensador, tanto que associava as concepções de
cidade com a estrutura organizativa dos demais animais.
No pensamento aristotélico está o respeito à reconstrução de uma lógica his-
tórica, tanto que o filósofo escreve um tratado de lógica formal, por exemplo,
além de categorizar as espécies, como reino, filo e família. Aristóteles buscava
A ORIGEM DA FILOSOFIA
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e do macaco, mas essa semelhança não pode ser o fator que determine que um
homem qualquer e o macaco sejam iguais, pois não são. Logo, não se aponta a
discordância com condição de se abordar um determinado conteúdo. Esta gene-
ralização ameaça as abordagens que se faz da sequência histórica que Aristóteles
propõe. Os princípios de verdade são, conforme Almeida (2008), uma estrutura
em que deve apontar para um fundamento que objetiva critérios de verdade.
Nesta equivalência encontra-se aquilo que se pode chamar de ‘princí-
pios de verdade’, os quais, segundo Aristóteles, são o fundamento úl-
timo (ou primeiro) de justificação para qualquer discurso declarativo
que se pretenda verdadeiro, sendo, por isso, também assumidos pelo
mestre do Liceu como critérios últimos para determinar a verdade ou
falsidade de qualquer discurso declarativo (ALMEIDA, 2008, p. 6).
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pio único de tudo o que nos cerca. Para ele, o saber deve ir além do princípio
moral, ou seja, se a água está em quase todas as coisas, e o Planeta é formado
em sua maioria por água, não significa que ela é a essência de tudo o que existe,
a sua natureza não é determinante sobre as demais.
O saber verdadeiro, segundo o próprio Aristóteles, não se prende a um
conceito moral ou ético, ele vai além, ele é eterno. Ou seja, ele independeria de
mudanças histórico-sociais.
O ser verdadeiro ou falso é, nas coisas (epì twn pragmatwn), o estar
reunido ou separado, de modo que diz a verdade (aletheúei) aquele que
crê (ho oiómenos) estar separado o que está separado e que crê estar
reunido o que está reunido; falseia, porém, aquele que se mantém con-
trariamente às coisas. Pois tu não és branco porque nós cremos (hoíes-
thai), verdadeiramente, que tu sejas branco, mas porque tu és branco é
que nós, que dizemos isso, dizemos a verdade (ARISTÓTELES, 1998,
p. 474).
A ORIGEM DA FILOSOFIA
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deuses. São eles que compreendem a lógica do que existe e sua função. A huma-
nidade nomina as coisas, mas não sabe sobre sua essência e o que ela é capaz
de determinar.
Aqui temos mais um aprendizado fundamental. O saber é eterno, os homens
não. Viver sem conhecer a importância da ciência, da essência de tudo, não é
viver. Ou, se é, é existir sem dar um sentido à existência.
Mas, como é possível conhecer as coisas se tudo está em constante mudança?
Esta é uma indagação que ainda hoje movimenta as teses filosóficas. Vivemos
um mundo em transformação, como seria possível conhecer sua lógica? Existiria
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gregas, avançando ao longo da história e chegando aos nossos dias, é necessário
lembrar que os próprios gregos sempre foram além de si, fundando colônias e
mantendo relações mercantis com vários povos da antiguidade.
O momento inicial da expansão do pensamento grego, uma prévia do que
viria a ser a expansão do “ocidentalismo”, foi a conquista da Grécia pelos mace-
dônios, no Século IV. Após conquistar os gregos, o Império Macedônico adotou
a cultura grega como o princípio da cultura a ser levada na expansão territorial.
As vitórias macedônicas se consolidaram na Ásia Menor, no Egito e em
todo o Mediterrâneo oriental. Os povos que foram submetidos por Alexandre,
o Grande, foram subordinados não só a sua força militar, mas tiveram que con-
viver com a cultura grega. Instituições políticas e língua, por exemplo, passaram
a ser introduzidas nos “quatro cantos” do Império.
A influência não foi superficial como uma mancha em um tecido, ela se
aprofundou e passou a ser incorporada nas práticas comerciais, na vida pública,
na produção do conhecimento, a orientação filosófica dos pensadores gregos
ganhou novo sentido. Muitos desses conhecimentos, os ocidentais iriam reen-
contrar com as “Cruzadas” promovidas pelos cristãos contra os muçulmanos.
O próprio desenvolvimento científico e econômico dos árabes (séculos VI ao
XV) foi marcado pelas bases do pensamento grego. O Renascimento Cultural,
na Europa, permitiu a retomada das raízes filosóficas helenísticas.
O Império Macedônico não foi duradouro, na prática, sua decomposição
começou com a morte de Alexandre (323 a.C), o seu fundador. Dividido pelos
generais, foi aos poucos conquistado por romanos e árabes. Territórios foram
retomados pelos persas e os egípcios se libertaram da dominação macedônica,
A ORIGEM DA FILOSOFIA
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mas a cultura grega ficou, deixou suas marcas e orientou o destino do conheci-
mento do universo em muitas regiões onde os macedônios percorreram.
O clima de insegurança em que o Império Macedônico se decompôs gerou
uma angústia que predominou também no pensamento filosófico do período.
Um pensador que expressa esse clima é Diógenes (404 a 323 a.C), discípulo de
Antístenes, seguidor de Sócrates, e que questionava a vida mundana, a sedução
pela matéria e buscava uma vida simples.
Segundo a lenda, Diógenes andava perambulando pelas ruas de Atenas e,
depois de ser expulso de sua casa, passou a viver em um barril e andava pelas
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ruas em plena luz do dia com uma lamparina. Ele afirmava que fazia aquilo por
estar à procura de um honesto.
Diógenes escolheu uma vida austera, demasiadamente simples, sem
luxo, sem casa, sem pátria; seu único objetivo era defender, como um
cão feroz, a sua filosofia de vida; contentava-se com o estritamente ne-
cessário à sua sobrevivência, desprezava a suntuosidade, tinha aversão
ao prazer, negligenciava as convenções sociais, considerava inútil o es-
tudo metafísico (DIAS, 2014, p. 131).
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destruição do que os unia e elevar o particularismo. Isso estava expresso tanto
na política quanto no comportamento de cada um.
O cinismo cresceu, mas acabou se deturpando. Passou a ganhar a conotação
de crítica, mas incorporado aos desejos de sucesso material. Porém, não havia a
preocupação da perda do enriquecimento pelo cínico. Ele estava mais preocupado
com seu imediatismo. Essa é uma linha do cinismo que chegou até nossos dias.
Viver o hoje sem se preocupar com o amanhã, uma “filosofia de vida” expressa
na propaganda dos cartões de crédito da atualidade.
Outra escola do período de crise macedônica foi o ceticismo. Apesar de já
ser um tema tratado pelos pré-socráticos, o “ser cético” cresceu no mundo helê-
nico e teve em Epicuro (342 a 270 a.C) sua maior expressão. Ateniense, suas teses
acabaram se desenvolvendo na Ásia menor, onde ficou encantado pelas teses de
Demócrito (um dos seguidores das teses céticas).
Epicuro elabora sua ética com base em três princípios fundamentais:
(a) a correta compreensão da natureza dos deuses e a consequente eli-
minação do seu temor; (b) a correta compreensão da natureza da morte
e a consequente eliminação do seu temor; (c) a correta compreensão da
natureza dos desejos e a sua consequente boa vivência (FILHO, 2009,
p. 13).
A ORIGEM DA FILOSOFIA
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Nas teses de Epicuro, a pessoa não tem mais a sensação após a morte. A
separação entre o corpo e alma se dá quando o átomo da matéria se decompõe
se libertando dos sentimentos de prazer e dor. Desta forma, não há o que temer
na morte, e ela não nos aproxima dos deuses, os quais, por mais que tivessem
nos gerado, não determinam nosso destino. Nossa alma apenas se dispersa pelo
mundo, sem sentido. Por isso, não há o que temer na morte, ela nada significa
no mundo sensível.
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cípios rígidos.
Dessa forma, é fácil perceber como a ação ganha força e passa a ser determi-
nante do caráter humano. É preciso dar praticidade ao comportamento, ir além
da reflexão, promover a ação. O conhecimento passa a ser um valor impregnado,
que se expressa no comportamento. Até mesmo o valor divino, os deuses, estão
dentro dos seres humanos, nas condutas que determinam sua proximidade ou
não com um sentido superior da vida.
Mas se as leis mudam, o homem não muda seus valores? Essa talvez seja a
principal crítica ao estoicismo. Não é possível ser eternamente detentor de prin-
cípios, mas não podemos ser flexíveis o tempo todo. Ou seja, não podemos ser
uma mudança constante e transformar os conceitos sobre o mundo numa super-
ficialidade momentânea. Zenão considerava que a perda de bens materiais pode
ser reparada, se não no todo ou em partes. Já a dignidade humana, uma vez per-
dida, o desumaniza e condena.
A ORIGEM DA FILOSOFIA
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temente com revoltas internas, Marco Aurélio buscou preservar Roma, garantir
sua integridade, tanto na força física como no discurso moral.
Ter perseguido os cristãos, em seu período, não foi uma tradição ou hábito,
foi a forma de garantir a religiosidade romana e a lógica de sua autoridade a qual
os cristãos incitavam levantes. Para o imperador filósofo, era necessário que o
homem público cumprisse o seu papel. Ele necessitava executar o seu dever
dentro do organismo social. Nesse ponto, Aurélio se aproxima da concepção de
Platão sobre a ordem perfeita da sociedade, em que cada um dos seus elemen-
tos deve cumprir o seu papel de forma eficaz e se subordinar a ele.
A própria formação do Império Romano foi marcada pela ação violenta e
conquista. O domínio constante possibilitou a incorporação de inúmeros povos
e a implantação de uma estrutura militarizada em todo o território dominado
pelos romanos.
O sucesso da expansão romana se deu sobre povos organizados das mais dife-
rentes formas. As fronteiras romanas foram os rios Danúbio e Reno, ao Norte,
ao Leste, o deserto da Arábia e o Rio Eufrates, ao sul, o deserto do Saara e, ao
Oeste, o Atlântico. Em todo esse território, ocorreu a integração e implantação
de uma administração bem-sucedida. Ela alcançou seu tempo de paz nos pri-
meiros séculos da Era Cristã.
O legado romano também influenciou o nosso tempo. Assim como os gregos,
também deixou marcas que se mantiveram e chegaram até nós: as instituições
jurídicas, a produção cultural, a concepção do Estado e o cristianismo. Contudo,
os romanos tiveram na cultura grega a medida para tudo o que fizeram. Podemos
considerar que foi nas estruturas de Roma que a cultura grega se alicerçou no ocidente.
A ORIGEM DA FILOSOFIA
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MEDIEVAL
O cristianismo foi criado por Roma e sobreviveu à sua decadência. Fez-se e refez
aos moldes do tempo e sobrevive até nossos dias. Podemos considerar, dadas as
devidas proporções, que o Ocidente é “cristão”. Se não mais pela crença, a qual
ele não é obrigado a professar, pela carga cultural de compreensão do mundo
que o cristianismo construiu e permitiu durante a expansão que a civilização
ocidental promoveu.
O ponto de encontro entre o cristianismo e a filosofia grega foi Alexandria,
localizada dentro do território egípcio. A cidade, que continha o principal porto da
África durante o período romano e ainda hoje é destaque na orla do Mediterrâneo,
foi o centro de uma cultura que nasceu de muitos caldos culturais e permitiu a
concepção cristã que o ocidente disseminou.
As ideias de maior expressão que se difundiram em Alexandria têm autoria
de Plotino (204 a 270). O jovem egípcio estudou em Alexandria e manteve-se
na cidade até 243, quando fugiu após uma campanha desastrosa do imperador
romano na África. Em Roma, cidade onde propagou seus estudos e difundiu suas
ideias, Plotino plantou o pensamento que viria a se impor sobre todo o territó-
rio europeu ocidental e, mais tarde, sobre boa parte do Planeta.
Suas ideias, pela carga de misticismo, já demonstravam um desprendimento
com a realidade e a despreocupação em se ter uma conduta política fundada na
racionalidade do estado. O contexto de decadência do Império Romano, no qual
viveu, demonstrava a dificuldade de se entender de forma racional a crise que se
atravessava. O cristianismo nasce da sobrevivência diante da crise.
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diferente daquela que concebem os cristãos da atualidade. Na trindade de Plotino,
há um elemento único que integra, o “Uno”. Esse primeiro elemento conduz a
força criadora do “Nous” (espírito), o segundo, propagador da vida. Por fim, a
“Alma” é o terceiro elemento, o qual dá vida à toda criação. As bases desse pen-
samento são gregas, e são uma releitura da dialética platônica e de Demóstenes
sobre os elementos da criação.
Claro que o pensamento de Plotino não deu origem imediata ao pensamento
cristão que conhecemos. Sobre esse tema trataremos no próximo capítulo. O
que temos que ter claro é que o desenvolvimento da civilização ocidental se deu
com a construção de um legado grego. Nossa busca incessante por respostas, o
desejo de encontrar uma lógica determinante para a existência e de dominar a
natureza que nos cerca através da compreensão das leis que a regem são, sem
dúvida, legados gregos.
A ORIGEM DA FILOSOFIA
35
se ressaltou.
Um governo imperial, tão eficiente para integrar as províncias, não foi capaz
de administrar as crises que tiveram origem em diversos territórios, muitos por
problemas locais. A imposição centralizadora sempre foi a saída romana, seja
pelas tropas, seja pelas instituições. De problemas locais, uma crise geral se alas-
trou. Foi nesse contexto que as invasões bárbaras se disseminaram. Muitos dos
líderes estrangeiros serviram a Roma, aprenderam a combater com ela e a des-
truí-la com o conhecimento que adquiriram.
Mesmo antes da decadência do Império, os cristãos já não eram mais perse-
guidos e a religião havia se oficializado. No governo de Constantino e Teodósio,
a Igreja Cristã formou a estrutura administrativa que acompanharia a sua exis-
tência por séculos.
Com o surgimento de uma estrutura de poder romana associada à Igreja
Católica, um novo personagem de poder assume a função da administração dos
homens ocidentais, o Papa. A construção de uma cúpula de comando da Igreja
(Clero) permitiu a consolidação de uma instituição política com forte influên-
cia sobre os demais povos que viriam a habitar os territórios que um dia foram
do Império Romano.
A conversão dos bárbaros por membros do clero e a construção de institui-
ções que propagavam o cristianismo foi uma prática constante na decadência
romana e ascensão do medievalismo. Muitos pensadores se dedicaram a difundir
a fé cristã e aprimorar o pensamento religioso fundado na Bíblia, o documento
sagrado dos cristãos que foi compilado e produzido na decadência do Império
sob a égide dos últimos imperadores romanos.
O termo bárbaro é uma herança grega, mas que o povo egípcio já chama-
va toda pessoa que falava uma língua diferente. Na Grécia, por exemplo, o
termo estava ligado a quem não falava o grego, mas que parecia apenas
dizer coisas incompreensíveis, e não “compartilhava nem os costumes nem
a civilização dos helenos.
Fonte: Guerra (1987, p. 5).
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Uns dos princípios fundamentais da nova concepção que se estabelecia com o
desenvolvimento do cristianismo foi a separação entre o comando do Papa – da
igreja de uma forma geral – e dos imperadores, monarcas europeus. Enquanto
o primeiro deveria governar a alma dos homens, o segundo deveria adminis-
trar a matéria.
Esta separação se constitui de um elemento importante até nossos dias.
A questão da propriedade do corpo e a condução da vida. Até onde o homem
comanda sua existência, pela sua consciência, até onde ela não lhe pertence e
deve obedecer às regras estabelecidas por uma legislação. De certa forma, a perda
de uma liberdade a qual os gregos jamais se submeteram.
A concepção do mundo se organizava dentro das instituições organizadas
pela Igreja Católica. Nelas, a filosofia se oficializa independente do império que
se estabelece. Seja nas monarquias dos francos, germanos, godos ou visigodos,
o cristianismo orienta a concepção de homem e garante a supremacia de suas
ideias por toda a Europa. Chegou, por consequência, a justificar o próprio poder
dos monarcas. O que só foi questionado com o advento da Reforma Protestante,
no Século XVI.
A supremacia dos cristãos acaba por ser também uma contradição em relação
aos judeus, religião da qual são dissidentes. No início, o cristianismo se colocava
como um desdobramento do judaísmo, sem lhe causar rompimento e reconhe-
cendo sua validade. Mas com a ascensão dos cristãos ao poder em Roma, os judeus
passaram a ser vistos como negadores de Cristo, o filho de Deus. A perseguição
aos judeus se acentuou. Ironicamente passaram a ser perseguidos por quem tinha
sofrido perseguição.
A ORIGEM DA FILOSOFIA
37
Uma das formas de romper com o judaísmo e iniciar sua perseguição foi
o gnosticismo, um encontro entre o cristianismo e o helenismo. Sua principal
expressão foi Paulo de Tarso (5 a 67), um judeu helenizado e cristão. Ele construiu
os elementos necessários de universalização do cristianismo. Um desdobramento
do gnosticismo foi construído a partir das ideias de Tarso. Nela, Iavé é o cria-
dor das coisas materiais, uma divindade inferior ao “supremo criador”. Ele, Iavé,
criou as coisas materiais e deturpou o seu significado, fugindo ao propósito de
Deus (o criador universal). Diante disso, a divindade suprema se materializa para
poder colocar ordem no mundo, Cristo. Nessa construção, Deus é perseguido em
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a organização das ordens religiosas que deveriam converter a população. Também,
parte dessas obras estava para ações missionárias de ajuda à população carente,
servindo-lhe de abrigo e massa de manobra para o exercício do poder clerical.
O Concílio do Nicéia (325) foi fundamental para a organização dos dogmas
católicos. Nele se organizou a doutrinação dos fiéis e os princípios que deveriam
nortear o poder papal. Naquele momento, a Igreja Católica combatia o arianismo,
doutrina cristã fundada no pensamento de Ário (256 a 336).
Mas o pensamento cristão que se propagou no “mundo medieval” se deve
principalmente a quatro grandes pensadores: Ambrósio (340 a 397), Jerônimo
(347 a 420), Santo Agostinho (354 a 430) e ao Papa Gregório (540 a 604). Foram
eles que instituíram o pensamento predominante do cristianismo que se cons-
tituiu através da fé católica, e que também lançou bases para o protestantismo
após a Reforma Protestante.
Ambrósio está ligado diretamente à supremacia do poder papal sobre o
estado. Filho de uma família de nobres romanos, ele recebeu educação requintada
para atuar na administração do estado romano. Contudo, acabou na adminis-
tração do Bispado de Milão, na época, a sede do Império Romano do Ocidente.
Durante seu bispado, assumiu a responsabilidade de preservar o poder da
igreja sobre os senadores e, até mesmo, sobre o imperador. Enfrentou a oposição
dos arianos, cristãos que seguiam as palavras de Ário, como já chegamos a analisar.
Ambrósio conseguiu submeter às autoridades e, até mesmo, obter um pedido
de perdão do imperador Teodósio, quando este ordenou o Massacre de Tessalônica
(388). Em função desse episódio, o imperador foi a Abadia de Milão e pediu per-
dão pelo ato.
A ORIGEM DA FILOSOFIA
39
[...] ao contrário, nada passa, tudo é presente, ao passo que o tempo nunca
é todo presente. Esse tal, verá que o passado é impelido pelo futuro e que
todo o futuro está precedido dum passado, e todo o passado e futuro são
criados e dimanam d’Aquele que sempre é presente.
(Santo Agostinho).
Criticado pela mãe, uma cristã ortodoxa, Agostinho viveu a culpa do pecado, o
que sempre lhe guiou em seus pensamentos acerca da religiosidade. Ele foi um
dos principais responsáveis por traduzir o pecado como um problema de con-
duta do indivíduo e não da condição em sociedade.
Outro elemento importante nas teses de Agostinho é a predestinação. A busca
de entender a vida na Terra como um reflexo da vontade de Deus. A existência
humana expressa aquilo que está designado, logo, a própria conduta do homem
não lhe permitirá se salvar se esta não for a vontade de Deus. Logo, o homem
arrasta a culpa, a fé pode lhe aproximar de Deus, mas somente a vontade divina
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pode salvá-lo. Por isso, a importância dos sinais divinos como guia do caminho
de desvendar seu destino, expresso no pensamento de Santo Agostinho.
Ao aceitarmos a condição que Deus criou na Terra, estabelecemos uma rela-
ção de fé sem questionamento da origem dos elementos materiais que nos cercam.
Estes são, para Agostinho, uma condição criada por Deus sem que tenhamos o
direito ou a capacidade de questioná-la. Temos que aceitar, por exemplo, que a
criação de todo o Universo foi feita a partir do “nada”, da inexistência de qual-
quer elemento anterior. Assim, Deus fez o tempo, fez a matéria. Ele cria a partir
do nada e assim é, sem questionamento, acreditava Agostinho.
Deus quis criar todas as coisas, mas não se deve buscar esta causa na
vontade de Deus, pois Ele é causa única das coisas, e sendo a causa de
tudo, não tem causa. Deste modo, toda criação surgiu da Palavra Cria-
dora, o Verbo (CARDOSO, 2010, p. 84).
A ORIGEM DA FILOSOFIA
41
dos monastérios acabou por encerrar sua vida. Mas antes disso, foi Papa. O que
lhe permitiu dar aos mosteiros a função de interpretação dos desígnios divinos
e propagar a fé.
Nesta vida de reclusão, boa parte dos membros do clero mantiveram-se dis-
tantes dos conflitos que se desenvolveram na Europa entre os reinos bárbaros.
Dentro do ambiente do monastério, a regra que determinava a vida dos mon-
ges permitiu a execução de práticas ligada às comunidades onde os mosteiros se
instalaram, como também a preservação da cultura clássica, permitindo o desen-
volvimento do pensamento cristão. Os principais pensadores que se destacariam
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através da construção da “escolástica” vieram das ordens religiosas.
ESCOLÁSTICA MEDIEVAL
A ORIGEM DA FILOSOFIA
43
os preceitos da fé. Vale lembrar que o estudo desenvolvido nas instituições cató-
licas exalta o livre-arbítrio e permite a compreensão do mundo sobre uma ótica
fundada na racionalidade particular, na busca de um conhecimento reflexivo.
Mas nunca deixou de atender as decisões que a Igreja e seus aliados tomaram
ao longo das conquistas ocidentais.
A escolástica se transformou, ao longo da história do mundo medieval, no
método dominante para o desenvolvimento do pensamento cristão. As institui-
ções religiosas passaram a contribuir para a construção de teses que serviriam
de argumento doutrinário que justificou, até mesmo, os atos políticos da Igreja
Católica.
O próprio Tomás de Aquino organizou teses sobre a conduta dos gover-
nantes europeus influenciados pelas Sagradas Escrituras. Ele buscava orientar o
poder dos monarcas no sentido de contribuir com a autoridade papal, mais que
isso, da própria Igreja.
Vale lembrar que a sobrevivência da Igreja Católica enquanto instituição está
relacionada diretamente às alianças organizadas na Europa com a consolidação
dos reinos cristãos. A associação do cristianismo com o poder dos governantes
bárbaros foi uma associação gradativa, mas nenhuma delas foi mais eficiente do
que a que uniu o Papa e o Império Franco.
Os seguidores de Clóvis, primeiro imperador dos francos, instituíram no
centro da Europa o mais duradouro reino medieval. Sua formação se deu ainda
dentro do Império Romano, por volta do Século V, através dos federatus, quando
os francos se rebelaram contra a autoridade do imperador.
A primeira dinástica franca não foi simpática à causa católica, mas acabou
por cair na indolência, eram os merovíngios. Incapazes de governar seu próprio
reino, devido à desobediência da nobreza, os reis acabaram por ser submetidos
pelo majordomus (século VIII).
O mordomo do paço se estabeleceu como rei durante o governo de Pepino,
o Breve, filho de Carlos Martel. Pepino foi pai de Carlos Magno, o maior dos reis
carolíngios. Vale lembrar que cada um ao seu tempo, todos os reis da dinastia
carolíngia eram fiéis à Igreja Católica e foi deles que o Papa teve o reconheci-
mento de sua autoridade e recebeu as terras do centro da Península Itálica como
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terras da Igreja, o “patrimônio de São Pedro”.
O reconhecimento da autoridade papal foi acompanhado da nomeação dos
reis pelo Papa e da associação do poder administrativo do estado franco com
a estrutura hierárquica do clero. Assim, a nobreza passou a governar associada
aos membros da Igreja. O Papa era senhor do poder “eterno”, enquanto o rei era
senhor do poder “temporal”,
A divisão do homem entre alma e corpo estaria integrada pela unidade que,
separadas, retira do homem a vida. Dessa forma, como a própria escolástica tra-
duz, era preciso aliar fé e razão. O desenvolvimento das instituições clericais
associou o patrimônio do poder do estado aos da Igreja, mais tarde, essa asso-
ciação seria fundamental para a formação das monarquias nacionais ou para a
resistência a ela.
João Escoto (810 a 877) foi um dos expoentes da força de um membro do
clero dentro da corte de um monarca. Em plena corte do imperador franco
Carlos, o calvo (845), Escoto desenvolveu as teses de vinculação da criação do
mundo com a existência de Deus. O princípio da origem de todas as coisas que
regem a vida. Existirá, para ele, uma lei que determina a vida dos homens e todo
o universo que o cerca.
Escoto acabou perseguido por suas obras que tentaram resgatar o pensa-
mento grego clássico e aliá-lo ao cristianismo. Em sua principal obra, Divisão
Natural, ele buscou a compreensão da ordem do mundo pela razão que, para
o pensador irlandês, seria o elemento que levaria a Deus. Logo, a lógica divina
estaria nos elementos naturais, o próprio Deus seria a natureza. Sua compreen-
são lhe custou a condenação e perseguição pela censura clerical.
A ORIGEM DA FILOSOFIA
45
O NASCIMENTO DO ISLÃ
O Nascimento do Islã
46 UNIDADE I
Alguns fatores contaram para a conquista rápida efetuada pelos islâmicos: a conde-
nação das imagens, a austeridade religiosa, a reinterpretação do papel dos judeus
e do cristianismo como religiosidades que antecederam o islamismo. Outro fator
foi o enfraquecimento militar dos impérios dominados pelos árabes. Muitos se
encontravam em guerras civis constantes, o que promoveu uma instabilidade
social e a facilidade de um invasor subordinar a população.
É possível considerar que os árabes se interessavam mais em saquear os
territórios dominados do que em subordiná-los e transformá-los em um impé-
rio. Por isso, os califas acabaram por se tornar os governantes ideais das terras
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subordinadas, misturando a liderança militar com a religiosidade, no início
eram eleitos, depois o poder passou a ser hereditário. O desenvolvimento por
causa da relação de acúmulo de riquezas transformou, por exemplo, a Espanha
islâmica, no século X, como o “país mais rico e populoso da Europa Ocidental”
(STORING, 2008, p. 207).
O mundo árabe viveu três momentos dinásticos em sua liderança. Os “esco-
lhidos”, que foram os herdeiros do profeta; os Omíadas, família militar sediada
em Damasco; e os Abássidas, que transferiram o poder para Bagdá. Quando os
Omíadas tomaram o poder, se instalou a cisão entre a religiosidade islâmica.
Os xiitas, que mantiveram a adoração aos herdeiros de Maomé, os aiatolás; e os
sunitas, que seguiam a palavra, mas não se subordinavam politicamente, estes
eram liderados pelos califas.
A cultura islâmica poderia ter se mantido simplificada nos princípios reli-
giosos fundados por Maomé, mas cresceu e se difundiu. Uniu-se a princípios
filosóficos gregos, bizantinos e persas. Inclusive, foi neste último, no Império Persa,
que se estabeleceu um dos centros culturais islâmicos, o outro foi a Península
Ibérica.
Um dos maiores califas da Dinastia Abássida foi Harun Al Rashid (766 a
809), que conseguiu estabilizar o poder entre os califados árabes. Como uma
construção híbrida do mundo persa, indiano e árabe, o florescimento da cultura
muçulmana alcançou uma identidade própria. Uma das maiores expressões lite-
rárias deste tempo foi a obra “Mil e Uma Noites” .
A ORIGEM DA FILOSOFIA
47
O Nascimento do Islã
48 UNIDADE I
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Porém o gigantismo do império muçulmano pagou seu preço. Aquilo que
recai sobre qualquer grande império, uma crise de governabilidade. Internamente,
a unidade começou a ruir com as guerras constantes entre califas pelo predo-
mínio regional. Povos buscaram sua autonomia em territórios como o Egito e a
Síria. Mesmo na Pérsia, a unidade se enfraqueceu e as guerras internas eclodiram.
Para os cristãos, o conflito interno entre os árabes deu a oportunidade para
atacar o império islâmico, uma vez que o interesse cristão mirava o domínio
sobre a Palestina e a conquista de Jerusalém. Em seu exercício de autoridade, o
Papa Urbano II (1042-1099) uniu os cristãos na “Guerra Santa” e iniciou o pro-
cesso de expansão ocidental fundado no discurso religioso. Um discurso que
acompanhou, de certa forma, as diversas incursões dos cristãos sobre o mundo.
Essa preocupação em justificar a conquista ocidental por meio de um homem
que devia a obrigação de sua existência à vontade divina estava em debate na
Europa, ao mesmo tempo em que as Cruzadas se desdobraram no Oriente Médio
e no ocidente, na Península Ibérica.
As Cruzadas para o Oriente ocorreram entre 1096 e 1272, e foram nove ao
todo. Tiveram as mais diferentes composições e destinos. Na primeira, a popu-
lação mendicante foi em busca de pagamento de seus pecados. Miseráveis, sem
recursos para seguir em combate para o Oriente Médio, o grupo de maltrapi-
lhos foi liderado por Pedro, o Eremita. O bando saqueou cidades germânicas e
tinha como principal alvo o ataque aos judeus. Milhares foram mortos para que
se obtivesse recurso para a viagem a Jerusalém.
A maioria dos movimentos cruzadistas tinha como combatentes cavalei-
ros seguindo um monarca europeu ou pertencentes a ordens religiosas. As duas
A ORIGEM DA FILOSOFIA
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significa que o domine, apenas o desvenda e lhe conceitua.
É preciso, para que fique claro ao leitor, entender que a busca de um conhe-
cimento universal vai orientar a vida do homem ocidental ao longo de sua
existência até nossos dias. Por meio do conhecimento que produzimos, procu-
ramos um sentido, é o desejo de universalizar o saber. Um saber que vá além
da subjetividade de quem o desvendou. Chegar ao movimento do universo, de
certa forma, chegar a Deus.
Em suas defesas, São Tomás de Aquino considerava que Deus é um cons-
trutor do Universo com uma inteligência, com uma intenção. Diferente de
Aristóteles que considerava a criação do universo como uma obra do acaso, de
uma divindade desinteressada em suas consequências ou sem se preocupar com
seus resultados finais.
Tomás de Aquino se insere nessas discussões tomando a seguinte posição:
que é demonstrável a criação do mundo por Deus, mas que é indemonstrável
se o mundo possui duração eterna ou a partir de um princípio (MONTEIRO,
2009, p. 38).
Desta forma, para o homem ocidental, o universo tem uma razão lógica e
um sentido comum, por mais que marcado por contradições entre a existência
particular e coletiva. Por mais que marcado pela universalidade que se expressa
na individualidade, ou se contrapõe a ela, a busca de entender a lógica do uni-
verso por meio da experimentação sensorial particular é fundamental. Estamos
vivos, e a vida tem que ter um sentido para todos, este é o paradigma do ocidente.
A ORIGEM DA FILOSOFIA
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vam apenas no controle de relações de vassalagem sobre um grupo de senhores
feudais (nobres em alguns casos).
Em sua obra “Política como Vocação”, Max Weber descreve com detalhes
a importância da transferência da autoridade dos senhores para os príncipes.
A transição de poder das regiões feudais, dos condados, para o estado nacional
centralizado em torno do rei:
Em toda parte, o desenvolvimento do Estado moderno é iniciado
através da ação do príncipe. Ele abre o caminho para a expropriação
dos portadores autônomos e “privados” do poder executivo que estão
ao seu lado, daqueles que possuem meios de administração próprios,
meios de guerra e organização financeira, assim como os bens poli-
ticamente usáveis, de todos os tipos. A totalidade do processo é um
paralelo complexo ao desenvolvimento da empresa capitalista através
da expropriação gradativa dos produtores independentes. Por fim, o
Estado moderno controla os meios totais de organização política, que
na realidade se agrupam sob um chefe único. Nenhuma autoridade iso-
lada possui o dinheiro que paga, ou os edifícios, armazéns, ferramentas
e máquinas de guerra que controla. No “Estado” contemporâneo – e
isso é essencial ao conceito de Estado – a “separação” entre o quadro
administrativo, os funcionários administrativos e os trabalhadores, em
relação aos meios materiais de organização administrativa, é completa
(WEBER, 1982, p. 102-103).
A ORIGEM DA FILOSOFIA
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seria o conhecimento contemporâneo é a matemática. O conhecimento cientí-
fico que parte da lógica dos números (o que foi tão caro a Bacon). Ele acabou
preso e permaneceu por 15 anos em cárcere, morreu dois anos depois de sua
libertação (1294).
Essa valorização da capacidade de racionalização do homem, da construção
de uma lógica fundada em suas experiências, ganhou terreno. Mesmo dentro
da ordem franciscana, a qual Bacon pertencia, outros pensadores desenvolve-
ram as teses da racionalidade. Uma humanização do saber universal que serviu
de matéria-prima para o Renascimento Cultural.
Não podemos jamais deixar de considerar que o desenvolvimento mercantil,
que teve na Itália o seu centro entre os séculos XI a XV, estimulou a necessidade de
dar ao conhecimento científico uma ação prática. As descobertas da astronomia,
física, química e biologia, durante a Renascença, permitiram o desenvolvimento
dos meios pelos quais a civilização ocidental se impôs sobre o mundo.
Aqui podemos voltar à ideia de universalidade que predominou no ocidente
medieval, sendo utilizada para o aprimoramento científico que deu aos euro-
peus a capacidade de domínio sobre o planeta.
As descobertas de Copérnico deram forma ao mundo, desenharam um uni-
verso com uma mecânica compreendida pela razão humana e colocou Deus em
uma fronteira além. O modelo geocêntrico, em que se acreditava que a Terra estava
parada e os corpos celestes giravam ao seu redor, foi questionado por Copérnico.
O grande feito do alemão Nicolau Copérnico [...] foi destruir esse sistema
artificial e susbtituí-lo por outro sistema de pensamento claro e coerente, partindo
A ORIGEM DA FILOSOFIA
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o qual achava desnecessário. Criticou a escolástica tomista ao considerar que a
fé é o determinante da salvação, assim como a ação humana é uma expressão
da vontade de Deus. O homem por si se salva, através de sua busca por Deus.
A compreensão de Roterdã influenciou o pensamento luterano, discordando
apenas da predestinação defendida por Lutero. Assim como Wycliff, ele conde-
nava a transubstanciação na eucaristia ou nas imagens dos santos e pregava a
necessidade de uma reforma na Igreja Católica.
Por viver na Holanda, um país com uma liberdade imensa de convivência
entre diferentes facções de pensamento religioso, Roterdã não foi perseguido
como seus antecessores. Ele viajou por diversos países europeus e chegou a deba-
ter com Lutero, seu contemporâneo.
Uma das principais defesas de Roterdã era a educação que, para ele, deveria
se constituir como um interesse de todos, mas a educação requintada apenas para
os homens de governo. Ao povo, segundo ele, a educação deveria ser compreen-
dida como uma iniciação à religiosidade, ao conhecimento da universalidade.
Mesmo assim, o pensador holandês criticava o monopólio do conhecimento
pelos membros do clero. Considerava que o aprendizado é direito de todos. Para
ele, o saber racional deve ser livre. A especulação humana deve ir além da simples
retórica repetitiva imposta pela Igreja Católica em sua época. O livre pensamento
é uma de suas mais importantes defesas.
Se a religiosidade tradicional católica é questionada, se a determinação de
Deus sobre a vida dos homens ganha uma conotação libertária, essa condição está
associada diretamente ao desenvolvimento de uma ciência que se estabelece sobre
as leis do Universo e sobre a mecânica dos corpos – a física, química e biologia.
A ORIGEM DA FILOSOFIA
57
A ideia sobre os movimentos dos corpos, firmado pela Igreja Católica, era a
de que a Terra estava parada e as demais estrelas e corpos celestes giravam
à sua volta, teoria conhecida como geocentrismo. Com as observações de
Copérnico, por exemplo, que refutavam o modelo aristotélico-ptolomaico,
o paradigma passa a ser o heliocêntrico, em que o Sol é o centro de um
sistema.
Fonte: Storing (2008, p. 242-243).
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Muitos consideram as descobertas de Copérnico o maior símbolo científico do que
foi a Renascença enquanto movimento cultural. O despertar do homem ocidental
para uma nova forma de compreender o Universo que o cerca e a própria Terra.
Galileu (1564-1642), o italiano, também foi estudante de medicina, mas
acabou por se interessar por astronomia e matemática, ao que se dedicou pelo
resto de sua vida. Uma de suas principais teses foi o desenvolvimento da física
e o movimento dos corpos.
Por meio de observações, estudou o movimento dos planetas e reafirmou
as teses de Copérnico sobre o sistema solar e o movimento rotativo da Terra.
Ele também desenvolveu o conhecimento sobre o movimento dos corpos e a
cinemática. Foram essas teses que lhe fizeram discordar de Aristóteles sobre a
velocidade de queda dos corpos. Sua lei da gravidade ficou famosa, lhe rendeu
títulos universitários na Itália, mas sua defesa das teses de Copérnico gerou sua
perseguição. Acabou tendo que negar suas descobertas e defesas.
Johannes Kepler (1571 a 1630) nasceu na Alemanha e foi matemático. Suas
teses se desenvolvem em torno dos movimentos dos astros, a que se dedica a
observar e a buscar entender a força que os atrai. Ele descobre que o movimento
dos astros, devido à atração que as massas dos planetas provocam, é elíptico e
não circular como se acreditava.
Como Copérnico e Galileu, com quem se correspondeu, Kepler foi perseguido
pelos protestantes alemães, tendo que se mudar para Praga para poder continuar
suas pesquisas. A ciência parecia incomodar os católicos e protestantes. As teses
A ORIGEM DA FILOSOFIA
59
duta do clero católico, dos Papas interessados e voltados apenas para o poder. Os
excessos materiais da Igreja Católica e seu abuso de autoridade já tinham sido
questionados no passado, os pré-reformistas, dos quais tratamos aqui, já tinham
se pronunciado e demonstrado o caminho que a conduta do clero católico leva-
ria à cisma entre os cristãos no ocidente.
Essa cisão da cristandade tem em suas bases os mesmos princípios que teve
o Renascimento Cultural em sua origem, os elementos que determinaram as
descobertas científicas, o humanismo. A busca de valorizar o homem acima das
crenças e dogmas impostos, como a escolástica exigia.
Em vez do homem introspectivo, o que se desejava era um homem especu-
lativo, que busca conhecer-se ao conhecer o mundo que o cerca, sem limites de
moral ou crença que impeça de ir além do que se é.
Neste sentido, da mesma forma que a física foi fruto da especulação, a reinter-
pretação das palavras divinas e a busca de uma relação direta com Deus também
seguiu a liberdade, mas apenas a princípio. Posteriormente, o temor das desco-
bertas científicas abalou também as igrejas que nasceram da Reforma.
Não podemos deixar de mencionar o papel que a Igreja Católica teve nos
primeiros anos da Renascença. Papas, cardeais e bispos foram financiadores dos
renascentistas. Obras como as de Da Vinci, Michelangelo e Donatello foram
dedicadas, em grande parte, a Igreja Católica. Claro que, diante de uma remu-
neração. Talvez aí esteja um segredo de conduta, até que ponto se age pela fé ou
pela materialidade.
Contudo, mais tarde, a própria Igreja viria a condenar os artistas da
Renascença, considerando-os uma ameaça. Censurando suas obras e descobertas.
Foi o caso de Da Vinci, de Galileu e Copérnico. Mas nada disso impediria a pro-
pagação do conhecimento que o Renascimento gerou. O movimento humanista
cresceu em um ambiente onde a autoridade papal estava decadente, a burgue-
sia mercantil emergia e a nobreza feudal enfraquecida se agarrava nos direitos
hereditários subsidiados por uma monarquia nacional que lhe sugava o poder
político e militar. Os mesmos monarcas que recebiam dos empresários mercan-
tis os tributos para ampliar poder territorial e consolidar a autoridade.
A força dos monarcas garantiu em muitos reinos europeus a cultura renascentista,
a qual, contudo, também foi perseguidas por eles. Um exemplo desta instabilidade
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ocorreu na Península Ibérica que, carregada de religiosidade, soube usar o desen-
volvimento da ciência náutica como nenhuma outra nação da Europa. Os monarcas
Ibéricos que se constituíram como guardiões do poder papal, cobraram caro para pro-
teger a Igreja Católica, transferiram o poder do vaticano para os interesses do trono.
Se observarmos as grandes navegações, vamos entender por que o discurso
religioso norteia as conquistas ibéricas. A cruz estampada nas velas dos navios
portugueses e espanhóis, o prestígio que a religiosidade católica tinha ao orien-
tar a conquista dos territórios e catequizar, por exemplo, e os gentis americanos
são exemplos da influência do ideário cristão.
Vários pensadores se dedicaram a entender as conquistas náuticas e o papel
da Igreja na conversão dos povos indígenas na América. A ordem inaciana merece
destaque neste papel de conversora. Nascida dentro da Contra-Reforma, ou que
alguns chamam de Reforma Católica, no Século XVI, o seu fundador, Inácio
de Loyola, aliou a hierarquia militar à constituição de uma ordem religiosa que
tivesse como função o papel de converter e educar. Disciplinados, os jesuítas se
destacaram na conversão dos nativos americanos.
Na Europa, a Ordem Jesuíta passou a administrar inúmeras universidades
católicas. Gerando um retrocesso em centros culturais cristãos. Um retrocesso
que custou caro ao clero em alguns países europeus, como a Alemanha, Holanda
e, até mesmo, na França.
Foram os inacianos os responsáveis pelo desenvolvimento do Barroco, a arte
oficial da Igreja Católica, que se apoderou das técnicas renascentistas e carregou
de uma religiosidade fantasiosa e desmedida os templos do período moderno.
A ORIGEM DA FILOSOFIA
61
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diente de expulsão dos muçulmanos da Península Ibérica, o que convencionamos
chamar de “reconquista”. Esse processo de expulsão reuniu nobres católicos na
luta contra os califas. Portugal nasceu primeiro, no século XII, sob a liderança de
Henrique de Borgonha, um nobre francês que expulsou os mouros de Portucale
e, posteriormente, seu herdeiro, Dom Afonso Henriques de Borgonha conquis-
tou Alcobaça e Santarém.
Na unidade espanhola, os chamados “reinos católicos” (Leão, Castela, Aragão
e Navarra) se reúnem para expulsar os mouros. A luta se deu por mais de seis
séculos e culminou com a Batalha de Andaluzia (1492), quando os reinos se uni-
ram em torno de Fernando de Aragão e Isabel de Castela, formando a Espanha.
Se a unidade ibérica foi tutelada pela Igreja Católica, nos países ao norte
da Europa a unidade foi uma guerra, muitas vezes, contra a própria Igreja. A
Inglaterra tem o caso mais emblemático, a criação da Igreja Anglicana (Igreja
Nacional Inglesa) com Henrique VIII de Tudor, no século XVI.
No mesmo século XVI, Na França, a unidade nacional foi obtida por meio de
uma guerra constante entre os nobres, os quais estavam divididos pelos interes-
ses regionais e tentando impor sua autoridade sobre o território nacional. Depois
de uma longa batalha entre as famílias Guise, Valois e Bourbon, foi esta última
que conseguiu se sobressair com apoio dos mercadores da Região de Navarra e
Normandia. Contudo, Henrique de Bourbon era protestante, calvinistas hugue-
note e teve que se converter ao catolicismo para poder governar.
Aqui podemos entender a importância que a unidade nacional teve no futuro
da Europa. As grandes navegações, o que chamamos de “Expansão Marítima”,
não poderiam ter ocorrido sem a orientação dos estados nacionais absolutistas.
A ORIGEM DA FILOSOFIA
63
Foi com a autoridade de seus monarcas que nações como Portugal, Espanha,
Inglaterra, França e, posteriormente, e de forma singular, a Holanda promove-
ram as navegações.
Foi nesse ambiente de ebulição das monarquias nacionais que o pensamento
político ganhou as bases para o desenvolvimento de uma ciência que discutisse e
transformasse o poder em tema. Um dos principais expoentes deste pensamento
foi Nicolau Maquiavel, Florentino, cuja obra mais conhecida é “O Príncipe”.
As teses de Maquiavel (1997) partem da análise dos governantes da anti-
guidade e do período medieval, em uma análise dos sucessos e insucessos dos
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Para ele, o Rei que se traduzir neste equilíbrio e nesta força se mantém no poder.
Aquele que chega ao principado com a ajuda dos grandes mantém
com mais dificuldade do que aquele que se torna príncipe com a aju-
da do povo, porque tem ao seu redor muitos cidadãos que pensam
ser seus iguais, e, por isso, não os pode comandar nem governar a
seu modo. Mas aquele que chega ao principado com o favor popular,
se encontra sozinho e tem em torno de si ninguém ou pouquíssimos
que não estejam prontos a obedecer (MAQUIAVEL, 1997, LIVRO
IX, §2).
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e negativos das tomadas de decisões elaboradas no passado, o que remete ao
conceito de poder e Estado Civil como uma análise temporal. As noções políti-
cas dispostas em sua obra refletem uma escrita analisada sem vinculação com a
valoração moral, como se a obra estivesse apartada dessas relações. Esse apara-
mento, por exemplo, concede à escrita esse caráter de ‘manual’, como a descrição
de Roma, a que ele constantemente chama de principado para depois vir a ser
uma república.
São os conflitos religiosos associados ao desenvolvimento do comércio as
principais forças que os monarcas europeus têm que administrar para a manu-
tenção do poder. Não podemos deixar de considerar que a religiosidade não é
meramente uma escolha particular, é um instrumento de unidade e de reconhe-
cimento do homem em relação às demais e em relação ao poder.
Um dos exemplos da relação entre o desenvolvimento do comércio e a reli-
giosidade está na obra “Ética Protestante e o Espírito Capitalista”, de Max Weber.
Nela, o autor alemão apresenta o papel que a mentalidade econômica protes-
tante desempenhou para o sucesso da economia capitalista nos países europeus,
como também nos Estados Unidos. A mentalidade católica, segundo o autor, foi
um entrave para a modernização das relações econômicas.
O que se deve levar em consideração é que o desenvolvimento mercantil
fez surgir a necessidade do aprimoramento científico. As conquistas efetuadas
pelas nações europeias nas grandes navegações, as atividades econômicas que
foram desenvolvidas na Europa, a partir do período moderno, e as condições
em que os estados nacionais se desenvolveram foram exigindo um aprimora-
mento da ciência.
A ORIGEM DA FILOSOFIA
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partir da busca da compreensão das chamadas “leis naturais”, aquelas que aprende-
mos nos “bancos das escolas”, passando por Galileu, por Newton e posteriormente
Einstein, deram-se as bases para as ciências naturais como conhecemos hoje.
Destaque, no pensamento racionalista, para Francis Bacon (1561 a 1626). O
teórico inglês que tem participação no parlamento britânico, indutivo. Nele, ao
partir de premissas estabelecidas e das diferenças entre os elementos, procura
se chegar à classificação e compreensão comparativa.
Segundo o pensador inglês, a função da ciência é servir ao homem, lhe dar
condições de dominação sobre as leis naturais e garantir a transformação do
mundo para a satisfação humana. Dessa forma, o homem tem um poder natu-
ral sobre as coisas, mas para exercê-lo deve desenvolver o seu conhecimento e
sua racionalidade sobre o mundo. Se livrar dos “ídolos”, segundo Bacon.
Para ele, os “ídolos” têm uma classificação diversificada, vão desde o senso
comum ao idealismo exagerado, por mais que racional. Dessa forma, só deve-se
crer naquilo que se entende pela racionalidade científica, deve-se compreender
as “leis gerais”, mas conhecer as particularidades que as justificam. Bacon quer
que a humanidade chegue à verdade, mas se faz necessário que se desvincule de
tudo aquilo que possa impor ídolos (imagens) que são obstáculos para tal inten-
ção. Para isso, ele estabelece um método pontual para atingir seus fins.
Nosso método, contudo, é tão fácil de ser apresentado quanto difícil de
se aplicar. Consiste no estabelecer os graus de certeza, determinar o al-
cance exato dos sentidos e rejeitar, na maior parte dos casos, o labor da
mente, calcado muito de perto sobre aqueles, abrindo e promovendo,
assim, a nova e certa via da mente, que, de resto, provém das próprias
percepções sensíveis. Foi, sem dúvida, o que também divisaram os que
tanto concederam à dialética (BACON, 2000, p.27-28).
A ORIGEM DA FILOSOFIA
67
virtude de Deus ou de si, mas foi eleito pelos homens para conter a ganância
que reina em cada um de nós.
Dessa concepção de Hobbes, é possível definir a necessidade do poder, que
em nossos dias ainda é discutida. Para movimentos políticos ideológicos como o
Anarquismo, ou mesmo para pensadores materialistas históricos, o estado repre-
senta o repressor, qualquer forma de autoridade atende a interesses de classes
ou grupos privilegiados na sociedade. Mas, para os seguidores de Hobbes, ele é
necessário. O poder garante a ordem entre os homens, segundo ele.
Todo homem é opaco aos olhos de seu semelhante – eu não sei o que o outro
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deseja, e por isso tenho que fazer uma suposição de qual será a sua atitude mais
prudente, mais razoável. Como ele também não sabe o que quero, também é for-
çado a supor o que farei. Dessas suposições recíprocas, decorre que geralmente o
mais razoável para cada um é atacar o outro, ou para vencê-lo, ou simplesmente
para evitar um ataque possível: assim a guerra se generaliza entre os homens
Outra característica do pensamento do filósofo inglês é o experimentalismo,
o que estará presente em diversos teóricos de seu tempo: considerar apenas aquilo
que é possível ser observado e através da observação constituir as leis naturais
que regem a vida humana. Por isso, era também um simpatizante da matemática.
Hobbes foi um ativista político e buscou influenciar o poder da sua época.
Na França, lançou “O Leviatã” à procura de esclarecimento acerca da função
do poder, como foi citado anteriormente, mas sua concepção acabou recebendo
críticas tanto de monarquistas como de republicanos. Dos primeiros por não
reconhecer a origem divina do rei, dos segundos por considerar que o homem
necessita de uma autoridade absoluta sobre ele. Dentro dessa obra, o filósofo
descreve acerca das paixões da alma, o que nos remete a pensar não apenas na
posição política do autor, mas em que medida esses atributos conduzem a huma-
nidade a escolher determinada postura.
Conforme descreve Hobbes, a primeira ‘provocação’ seria por causa dos sen-
tidos, “pois não há concepção no espírito do homem que primeiro não tenha
sido originada, total ou parcialmente, nos órgãos dos sentidos” (HOBBES, 2003,
p.15). Decorre que dele surgem as imaginações, que podem ser declínios das ações
humanas. Se as coisas conhecidas o são pelos sentidos, e esses conduzem a imagi-
nação, ela pode provocar apetites e aversões que levam a uma determinada ação.
A ORIGEM DA FILOSOFIA
69
Apesar das pontuações bem delineadas sobre sociedade civil, estado e governo,
e seu contato com os monarcas ingleses, jamais foi um influente no destino do
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governo inglês. Suas obras ficaram mais conhecidas fora do reino britânico.
Para ele, todo o problema deve ser dividido em partes até que seja compreendido
todo o seu funcionamento e compreendida a lógica de seu funcionamento. Por
isso, ao observarmos uma questão, deve-se partir do simples para o complexo,
sempre nesta ordem. Quando a ordem não existir, deve-se estabelecer uma. Por
isso, sem um método é impossível entender uma questão. Apesar de descrever
em sua obra, o “Discurso do Método”, que não quer propor um método para as
pessoas, mas revela qual foi o seu, acaba por conceder um caminho para guiar
o conhecimento e chegar a alguma verdade.
Assim, meu propósito não é ensinar aqui o método que cada um deve
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seguir para bem conduzir sua razão, mas somente mostrar de que modo
procurei conduzir a minha. Aqueles que se metem a dar preceitos de-
vem achar-se mais hábeis do que aquelas a quem os dão; e, se falham na
menor coisa, são por isso censuráveis (DESCARTES, 1996, p.7).
A ORIGEM DA FILOSOFIA
71
religiosos judaicos. Foi estudioso dos filósofos clássicos. Sua postura crítica em
relação à essência divina lhe deu a excomunhão da religião dos judeus. Acabou
por ficar recluso a uma vida simples como polidor de lentes, vivendo na casa de
famílias que admiravam seu trabalho.
Mas a admiração pelo trabalho do Spinoza foi muito além dos Países Baixos
onde viveu. Foi convidado a ser professor na Alemanha, em Heidelberg, mas recu-
sou diante de ter sua liberdade de pensamento limitada. Até mesmo o Rei Luís
XIV o convidou para fazer parte de sua corte e receber uma pensão em troca de
escrever uma obra dedicada a ele. Spinoza se recusou.
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O autor, então, trabalha tanto com o conceito de inatismo, em que um ser meta-
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físico imprime na alma diversas ideias, como também defende que só se pode
conhecer utilizando os sentidos. Os sentidos precisam estar atentos para que pos-
sam captar o universo empírico, o que sempre traz à tona, na filosofia, a relação
entre alma, conhecimento e sentidos.
basta, porém, que possamos descobri-los em nós em virtude da aten-
ção, sendo que a ocasião é fornecida pelos sentidos, e a sequência das
experiências serve ainda como confirmação à razão, mais ou menos
como as provas servem na aritmética para melhor evitar o erro do cál-
culo quando o raciocínio é longo (LEIBNIZ, 1988, p. 5).
A ORIGEM DA FILOSOFIA
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DO RACIONALISMO ÀS PORTAS DO ILUMINISMO
A ORIGEM DA FILOSOFIA
75
Um dos fatores que levou Locke a ser perseguido foi sua postura contrá-
ria ao governo dos Stuarts, dinastia reinante na Inglaterra. Ele considerava que
o poder não tem interferência divina é uma obra dos homens. O poder é uma
construção de um contrato social estabelecido pela sociedade.
Parte de sua vida Locke dedicou à vida no Parlamento, foi secretário do Lorde
Shaftesbury, membro da Câmara dos Lordes e presidente do Conselho Privado,
uma figura ilustre dentro do governo britânico, opositor dos Stuarts. Quando o
Lorde foi deposto, Locke fugiu da Inglaterra e passou a dedicar-se aos seus tra-
tados sobre política.
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depois de um longo período de refúgio na Holanda. A volta foi possível com o
governo de Guilherme de Orange, um holandês, que foi coroado pelo parlamento
britânico após a queda de Jaime II de Stuart, inimigo de Locke.
Em sua volta, o pensador inglês se dedicou ao desenvolvimento de sua obra
e à construção dos princípios que iriam consolidar o liberalismo como teo-
ria. Das suas teses seriam estabelecidas as bases que levaram o iluminismo a se
espalhar pela Europa, em especial pela França. Voltaire, que analisaremos ainda
nesta unidade, pensador iluminista francês, considerava que se devia a Locke o
legado da liberdade.
A ORIGEM DA FILOSOFIA
77
das práticas mercantis. Colbert, ministro da economia de Luís XIV, foi peça
fundamental no desenvolvimento da economia mercantilista. Contudo, o endi-
vidamento da máquina pública era marcado por uma carga tributária excessiva.
A política de privilégios na França contrastava com a produtividade dos que
pagavam tributos. Uma sociedade dividida entre nobres e plebeus, sendo que
os empresários emergentes estavam entre os que não tinham direitos políticos
e pagavam a maioria dos tributos. O descontentamento ganhou um clima tenso
quando as classes populares começaram a sentir as mudanças econômicas e o
peso da carga tributária.
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da cultura francesa. A busca por encontrar uma identidade intelectual para os
alemães levou ao desenvolvimento do “esclarecimento” e, aliado a ele, por meio
do movimento cultural denominado Romantismo, o nacionalismo.
Mas o Romantismo, enquanto movimento intelectual, produziu diferentes
tendências. Algumas exaltavam a racionalidade e consideravam a necessidade
do homem que busca da racionalidade para resolver seus embates. A ideia de
que todo o homem educado pela racionalidade estaria mais próximo de resol-
ver os seus problemas inspirou teses como o materialismo histórico.
O existencialismo seria o exemplo do oposto, de se libertar da racionali-
dade com a emotividade e da inconstância do sentido da existência. Uma vida
pode ter no homem sua compreensão diante de suas necessidades e desejos, nem
sempre dominados pela racionalidade. Essa foi uma forma de fugir do mundo
industrial que passava a dominar o cotidiano da maioria dos indivíduos. Uma
repetição de atos previsíveis e de uma constante social estética da qual a chamada
classe média, ou pequena burguesia, foi a maior expressão. A maior expressão
do romantismo foi Lorde Byron (1788 a 1824), o poeta inglês que produziu inú-
meros poemas que inspiram literários europeus até hoje. Sua vida excêntrica foi
marcada por desafios à autoridade e romances tórridos e proibidos, o maior deles
foi com sua própria irmã.
A ORIGEM DA FILOSOFIA
79
CONSIDERAÇÕES FINAIS
papel da natureza em sua vida, da busca por uma ‘ordem’, de uma explicação
da gênese de todas as coisas. Mas, é possível concluir a importância que o pen-
samento grego determinará na Europa, mesmo durante a formação do mundo
medieval, quando a teologia cristã se soma ao pensamento helênico.
Essa dimensão de pensamento helênico perpassa a História europeia, atraves-
sando o tempo e o espaço, na mesma medida em que se conecta com a educação
e a ciência. A ciência recebe influência, assim como a política e sua noção de
poder e a unidade nacional; a economia e as relações contratualistas; a cisão
entre fé e razão e que despontará como o desenvolvimento de outros saberes e
conhecimentos. O que fica patente é a elaboração do conceito de racionalidade
europeia que influenciará sobremaneira os demais pensamentos, sem se esque-
cer que a ocidentalidade também fora atravessada pelos saberes orientais. Além
disso, a educação, como pôde ser notado, detinha um recorte pontual: não era
destinada a todas as pessoas. Quando o era, havia uma distinção ao se ensinar
para a grande população e para a elite.
O pensamento filosófico, então, ajudou a determinar o desenvolvimento
educacional no mundo ocidental, como o conhecimento se constituiu, quais ins-
trumentos do pensar, como a ciência se molda e os pilares do que conhecemos
da governabilidade contemporânea.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
80
DESCARTES E A ANÁLISE
Descartes vai tomar como ponto de partida em sua obra maior, as Médita-
tions Metaphysiques, o conhecimento de um efeito que vai sendo metodi-
camente desenvolvido e ampliado até atingir o conhecimento de sua causa.
Este movimento do efeito em direção a sua causa é duplo: vai da dúvida,
enquanto ato do pensamento, à sua causa (o sujeito que tem os atos do pen-
samento); e vai deste sujeito, enquanto efeito, à sua causa: Deus. O primeiro,
enquanto movimento interno ao pensamento, corresponde a um solipsis-
mo; o segundo, enquanto movimento externo ao entendimento, em direção
a Deus, corresponde à saída deste solipsismo.
O movimento solipsista, ou o primeiro movimento do efeito à causa, ocor-
re em dois momentos distintos, sendo ambos perpassados pela dúvida. No
primeiro momento, o conhecimento do qual parte o cartesianismo é expres-
so pela dúvida, enquanto ato do pensamento de um sujeito do qual inicial-
mente só se pode afirmar, de forma confusa, que é o autor do próprio ato
de pensar, ou a causa da dúvida. Este é o tema da Primeira Meditação. 17
No segundo momento, esta mesma dúvida, agora enquanto método tem a
finalidade de nos libertar “[...] de toda sorte de prejuízos e nos prepara um
caminho muito fácil para acostumar nosso espírito [esprit] a desligar–se dos
sentidos, [...]”,18 visando desenvolver até à radicalização este conhecimento
inicial, ainda confuso, possibilitando assim extrair a primeira verdade (ainda
que temporária), o primeiro conhecimento claro e distinto do sistema, aque-
le que vai inaugurar a longa cadeia de razões do cartesianismo, o cogito: “Eu
sou, eu existo”.19 Entretanto, o cogito, por ser um efeito, não é a verdade
mais importante do sistema cartesiano; ele é apenas a primeira. A verdade
mais importante do cartesianismo, aquela que vai ser o suporte da teoria do
conhecimento de Descartes, por ser causa, é a idéia de Deus. Mas, mesmo
sendo causa primeira, ela só será desenvolvida na Terceira Meditação; 20 é
o segundo movimento do efeito (o cogito) em direção a sua causa (Deus),
é o movimento de saída do solipsismo cartesiano. Esta ordem de entrada
ou disposição dos temas tratados nas Méditations é determinada, de forma
geral, pela ordem geométrica, e de forma mais específica, pela ordem ana-
lítica. É determinada pela ordem geométrica, enquanto dispõe “[...] que as
coisas que são propostas primeiro devem ser conhecidas sem a ajuda das
83
seguintes, e que as seguintes devem ser dispostas de tal forma que elas se-
jam demonstradas unicamente pelas coisas que as precedem [...]”,21 numa
ordenação das razões, cuja direção dirige–se unicamente para a compreensão
das próprias razões, conforme elas vão sendo ordenadas pelo entendimento.
É determinada pela ordem analítica, pela via da análise, enquanto dispõe o
efeito e somente depois, a causa, conforme aos preceitos do procedimento
analítico: examinam–se antes os efeitos para depois examinar–se as causas;
ou melhor, a ordem é rigorosa: parte–se do conhecimento dos efeitos, em di-
reção ao conhecimento das causas. O contrário, em termos direcionais desta
ordem analítica seria a ordem sintética: parte–se do conhecimento das cau-
sas, em direção ao conhecimento dos efeitos. É justamente esta que será utili-
zada por Benedictus de Spinoza em sua obra maior, a Ética.
Fonte: Fragoso (2006).
MATERIAL COMPLEMENTAR
Discurso do método
René Descartes
Editora: Textos Filosóficos
Sinopse: a obra prima pela reunião do pensamento moderno de
René Descartes em que o exercício da razão se faz necessário para
que se atinja a verdade. Além disso a organização do pensamento
estrutura um método a que o filósofo chama de seu, mas que
orienta os pensamentos que o sucedem.
A fim de explicar de outro modo o Mito da Caverna, a filósofa Viviane Mosé, apresentadora do
quadro ‘Ser ou Não Ser’, nos revela didaticamente a busca pela verdade pensada por Platão. Acesse
e confira!
Web: <https://www.youtube.com/watch?v=ei-kSPL4Lg4>.
85
REFERÊNCIAS
Trad. João Paulo Monteiro e Maria Nizza da Silva. Martins Fontes, São Paulo, 2003.
LACERDA, R. C. O sentido moral do saber no pensamento de Rogério Bacon. Dis-
sertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade
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raúna. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
LOCKE, J. Dois Tratados sobre o governo. Trad. Julio Fischer. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.
MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Trad. C. Opere Vivanti. Torino: Einaudi-Gallimard, 1997.
MODENESI, J. C. Tempo e espaço, mudança e movimento, percepção/sensação e
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MONTEIRO, M. H. G. Tomás de Aquino e o problema da possibilidade de um universo
criado sem um princípio de duração. In: 5º Encontro de Pesquisa da Graduação
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NETO, J. F. L; DESTRO M. R. P. O ensino da filosofia de Platão através da obra Admirá-
vel Mundo Novo, de Aldous Huxley: educação, cidadania e a defesa da estabilidade
social. In: Educação em Revista, Marília, v.10, n.2, p. 1-14, jul./dez., 2009.
PLATÃO. Diálogos: Banquete, Fédon, Sofista e Político. Editora Abril Cultural, 1972.
________. A Alegoria da caverna: A República (514a-517c). In: MARCONDES, D. Tex-
tos Básicos de Filosofia: dos Pré-socráticos a Wittgenstein. 2. ed. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2000.
________. A República. São Paulo: Nova Cultural, 2002.
ROBINSON, T. M. As características definidoras do dualismo alma-corpo nos escritos
de Platão. Letras Clássicas, n. 2, p. 335-356, 1998.
SAVIANI, D. Histórias das ideias pedagógicas no Brasil. Campinas, SP: Autores As-
sociados, 2013.
STORING, H. J. História geral da filosofia. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2008.
WEBER, M. Ensaios de Sociologia. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: LTC – Livros
Técnicos e Científicos S.A., 1982.
87
GABARITO
1. C.
2. D.
3. Esse processo, segundo o filósofo, é similar ao parto, ou seja, todas as respostas
estão dentro de todas as pessoas, no entanto, se faz necessário parir cada uma
delas. Como sua mãe era parteira, Sócrates acabou por receber essa influência
toda, o que o ajudou a elaborar uma espécie de inatismo das ideias.
4. B.
5. A resposta é subjetiva, mas espera-se que você possa compreender que os prin-
cípios fundamentais do pensamento cartesiano está em não ser considerada
uma verdade científica aquilo que não possa ser claro e distinto. Para o filósofo,
todo o problema deve ser dividido em partes até que seja compreendido todo
o seu funcionamento e compreendida a lógica de seu funcionamento. Ao ana-
lisarmos uma questão, devemos partir do simples para o complexo, seguindo
sempre esta ordem. Quando a ordem não existir, devemos elaborar uma. Por
isso, sem um método é impossível entender uma questão.
Professor Me. Gilson Aguiar
Professor Me. Rodrigo Pedro Casteleira
II
DO PENSAMENTO
UNIDADE
ILUMINISTA AO
CONTEMPORÂNEO
Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender a relação entre o pensamento racional e o
desenvolvimento da economia e da política liberal.
■■ Analisar a influência do desenvolvimento da economia capitalista e
a associação com a reformulação do sentido de humanidade. Assim
como entender os questionamentos sobre a ordem econômica com
a emergência da classe operária e o pragmatismo estruturalista ou
capitalista.
■■ Considerar as tendências de compreensão da individualidade, a
necessidade de uma lógica que posicione a pessoa em uma condição
determinante na vida social.
■■ Destacar o momento que estamos vivendo diante da crise de
identidade e a emergência do individualismo exaltado por uma
lógica egocêntrica.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Iluminismo
■■ Teorias do mundo contemporâneo
■■ Crise de identidade humana e as teorias contemporâneas
91
INTRODUÇÃO
Introdução
92 UNIDADE II
ILUMINISMO
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
destacou pelos estudos em álgebra e também em física (vibração). Seu conheci-
mento foi reconhecido em Paris, onde passou a fazer parte da Academia Francesa,
da qual se transformou secretário perpétuo. Era um crítico do estado autoritá-
rio absoluto e defensor da representatividade liberal e um racionalista convicto.
Diderot (1713 a 1784) foi o responsável pela maior parte das obras contidas
na “Enciclopédia”. Seu trabalho abrangeu diversos temas ligados à política e reli-
gião - criticava a religiosidade institucionalizada, era um ateu. Escritor de peças
teatrais e utilizando de um humor britânico, apesar de ser francês, ele acabou
tendo problemas com a Igreja Católica e com o Estado, mas nada que levasse ao
extremo. Foi preso por um curto período após escrever a obra “Cartas sobre os
cego para o uso por aqueles que sabem ler”.
Uma peça de sua autoria, “A Religiosa”, foi acusada por muito tempo de ser
um instrumento de inspiração das atrocidades que foram feitas a clérigos durante
a Revolução Francesa (1789), o que nunca se comprovou. Sua tendência era a
de buscar a crítica direta, expondo de forma irônica suas considerações, o que
desagradava os alvos de sua crítica.
Se a religiosidade foi o alvo da crítica de Diderot, foi também de Voltaire
(1694 a 1778), um dos mais conhecidos teóricos iluministas do Século XVIII.
Sua obra se transformou em um clássico na crítica à Igreja e aos privilégios do
Clero. Ele foi o autor da célebre frase em que relaciona a criação de Deus pelo
homem e do homem a Deus.
Apesar dessas afirmações, Voltaire, diferente de Diderot, não era um ateu.
Ele condenava a religiosidade institucional, mas considerava a existência de Deus
da mesma forma que Spinoza, Ele era a natureza.
alienar a classe operária, mas também um ‘suporte’ para aliviar seus sofrimentos.
O reflexo religioso do mundo real só pode desaparecer, quando as con-
dições práticas das atividades cotidianas do homem representem, nor-
malmente, relações racionais claras entre os homens e entre estes e a
natureza. A estrutura [...] do processo da produção material, só pode
desprender-se do seu véu nebuloso e místico, no dia em que for obra de
homens livremente associados, submetida a seu controle consciente e
planejado (MARX, 1980, p. 88).
Tanto para Marx como para Engels, seu parceiro em muitas escritas, as relações
de produção, comércio e espiritualidade se conectam enquanto comportamento
material, como se uma emanasse da outra, o mesmo aconteceria “a produção
espiritual, tal como aparece na linguagem da política, das leis, da moral, da reli-
gião, da metafísica, etc., de um povo” (MARX; ENGELS, 2006, p. 51).
Conhecido como um dos mais importantes iluministas de sua época,
Jean-Jacques Rousseau (1712 a 1778) merece destaque como um exemplo do
romantismo. Mesmo tendo importantes tratados sobre o governo, “Contrato
Social”, sua autobiografia, “Confissões”, acabou por ganhar mérito.
Embora tenha tido uma vida pessoal marcada por atos de moral duvidosa,
Rousseau se destacou como um dos principais teóricos do iluminismo. Sua obra
maior foi o “Contrato Social”. Nele, estabeleceu os princípios da liberdade indi-
vidual limitada pela relação contratual com o estado. Ao submeter a liberdade
individual ao estado, os homens entregam a sua liberdade e a limita. Mas devem
ter preservados os seus direitos naturais, o que para Rousseau eram poucos, visto
que a tirania do estado poderia anulá-los.
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mais sustentada no seu romantismo do que na racionalidade. Ele mesmo foi
uma expressão romântica do liberalismo. Sua racionalidade limitava-se quando
tendia a colocar na emoção o sentido da existência individual, tanto que acre-
ditava que ensinar a noção de amor poderia ser o que moveria a humanidade:
“ensinando-lhe a experiência ser o amor ao bem estar o único móvel
das ações humanas, encontrou-se em situação de distinguir as situa-
ções raras em que o interesse comum poderia fazê-lo contar com a de-
sistência de seus semelhantes” (ROUSSEAU, 1973, p .267).
Para o autor, não é possível educar alguém para ser cidadão e depois estabelecer
a formação enquanto humana, nem mesmo o contrário. Rousseau (1973a) con-
sidera que tal projeto só seja possível concomitante, ou seja, educar para que a
pessoa seja um ser ativo na sociedade, considerando que a formação atue for-
mando-lhe o coração, o espírito e o juízo (ROUSSEAU, 1994).
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O momento de apogeu dessas conquistas se deu com o Período Napoleônico
(1799 a 1815). O império estabelecido pelo general francês partia dos princípios
liberais da Revolução para estabelecer a tirania. Quando as tropas francesas inva-
diram os países que eram governados pelo absolutismo, foram recebidas como
libertadoras, mas aos poucos a esperança virou ódio e a “libertação” se transfor-
mou em dominação. A obra de Beethoven, a sinfonia “Heroica”, foi composta
em 1803 em homenagem a Napoleão Bonaparte. Contudo, o compositor ale-
mão, uma expressão do romantismo, arrependeu-se um ano depois e, num ato
de ódio, riscou o nome de Bonaparte do texto original.
As ideias liberais nem sempre encontraram nos governantes europeus dos
séculos XVIII e XIX uma expressão a altura. Mas não se pode negar a influên-
cia que o imperador francês teve sobre o destino da Europa. Mesmo derrotado e
tendo o seu destino selado no Congresso de Viena (1814 e 1815), as ideias libe-
rais se propagaram e as monarquias absolutistas estavam com seus dias contados,
mesmo tendo vencido Napoleão.
Na Alemanha, onde o pensamento liberal alcançou uma expansão desdobrada
do iluminismo francês, mas com aspectos típicos da cultura alemã, produziram-
-se pensadores que marcaram as bases do “esclarecimento”. O mais importante e
considerado último pensador clássico da modernidade, mas uma expressão das
ideias liberais, foi Immanuel Kant (1724 a 1824).
Nascido na Prússia oriental, em Königsverg, hoje Kalingrado, pertencente
à Federação Russa, Kant jamais se afastou da cidade natal. Sua vida foi mar-
cada pela docência no ensino médio e na universidade da cidade onde nasceu.
Mesmo com uma vida simples e com um cotidiano regrado, o pensador alemão
foi um dos mais brilhantes filósofos de seu tempo e sua influência é significa-
tiva até os dias de hoje.
Defensor da liberdade de conduta, Kant considerava que a pessoa deveria
buscar, por meio do esclarecimento, as condições necessárias para sua maturidade
intelectual. Libertar-se da mentalidade infantil é difícil pela autodeterminação,
segundo ele. É necessária a busca do conhecimento produzido e da experiência
libertária. Os homens são presos às crenças por causa de sua zona de conforto,
o que impede o desenvolvimento intelectual. Por isso, segundo ele, muitos per-
manecem na ignorância, por temer o peso das decisões e da responsabilidade
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Esse exame da razão pura é para compreender como ela se envereda para além
dos fenômenos empíricos, daquilo que se pode compreender utilizando a expe-
riência, e tenta responder o que seja a metafísica (aquilo que está além da física).
Como a metafísica não é experienciável, Kant quer investigar o teor de cientifi-
cidade das inferências metafísica para que possa receber a chancela de ciência,
o que revoluciona o pensamento ocidental e os âmbitos da ciência.
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De tudo isto resulta a idéia de uma ciência particular [que se pode chamar
Crítica da razão pura] . [Porque] a razão é a faculdade que nos fornece os
princípios do conhecimento a priori. Logo, a razão pura é a que contém os
princípios para conhecer algo absolutamente a priori. Um organon da razão
pura seria o conjunto desses princípios, pelos quais são adquiridos todos os
conhecimentos puros a priori e realmente constituídos.
(Immanuel Kant)
Apesar de ter em Hegel sua maior expressão, o idealismo teve antecessores e está
intimamente ligado em suas bases às teses de Fichte (1762 a 1814) e Schelling
(1775 a 1854). O primeiro pode ser considerado um precursor do idealismo e
do nacionalismo alemão.
Fichte desenvolveu estudos sobre a obra de Kant e passou a defender a liber-
dade como uma condição necessária ao exercício da razão. Essa liberdade, no
entanto, não deveria ter como finalidade a felicidade, mas sim o conjunto da
compreensão do sentido da vida humana. Assim, a felicidade poderia mudar seu
sentido conforme a racionalidade desvendasse um novo sentido para a existên-
cia particular e, no particular, o conceito de felicidade coletiva.
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de e força; nela, ele retorna à unidade consigo, em seu caráter totalmente
desenvolvido como espírito.
(George W. F. Hegel)
Dessa forma, nas teses do pensador alemão, não há uma substituição, destruição
ou exclusão, mas transformação sem extermínio dos elementos que se opõem.
Toda a relação se estabelece como uma condição de construção derivada da relação
entre os elementos contrários. Dessa forma, a própria história é uma construção
de relações contrárias que vai permitindo o desenvolvimento da experiência, o
que Hegel chama de “absoluto”. Para o autor, o que move a história é o espírito,
que seria “real e ativo no mundo” (HEGEL, 1998, p. 21), a história, assim, seria
universal pois está conectada ao sujeito que é um ser pensante. Bertrand Russell,
em sua obra “História do Pensamento Ocidental” explica a dialética hegeliana:
Quanto ao processo dialético que conduz ao Absoluto, nos ajuda a
compreender melhor esta noção difícil. Exemplificar isto em lingua-
gem simples está além do alcance de Hegel e, sem dúvida, de qualquer
outra pessoa. Mas neste ponto Hegel recorre a uma das surpreendentes
ilustrações tão abundantes em suas obras. O contraste se estabelece en-
tre alguém cuja noção do Absoluto não se apóia na sua passagem pela
dialética, e outro alguém que tenha passado por ela. Isso se compara
ao significado que uma oração tem para uma criança e para um velho.
Ambos recitam as mesmas palavras, porém para a criança elas signifi-
cam pouco mais do que certos ruídos, enquanto para o velho evocam
experiências de toda uma vida (RUSSELL, 2001, p. 355-356).
Esta totalidade da dialética será mais acentuada na obra de Karl Marx, mas, por
enquanto, podemos considerar que Hegel tenta dar à história a capacidade de
ser o relato das relações de lutas que levam, dialeticamente, ao amadurecimento
e, por conta disso, a superioridade de uma determinada civilização. Para ele, a
formação do Estado Alemão seria o resultado dessa superioridade dialética.
Mais uma vez lembramos de que a valorização do germanismo está presente
no período em que Hegel desenvolveu seus trabalhos.
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naquelas em que se multiplicaram os desempregados e também a quantidade
de indigentes nas ruas.
Se por um lado as cidades industriais multiplicam sua população perifé-
rica, em determinados espaços, se observava o progresso material. A construção
de edifícios modernos, maquinaria, meios de transporte e comunicação. Até
mesmo as obras literárias, até então restritas a um número limitado de indi-
víduos pelo seu custo, passaram a se multiplicar com a industrialização, assim
como os periódicos. As teorias percorriam um número imenso de indivíduos,
desde que fossem alfabetizados. A noção de alfabetização não significa interpre-
tar o mundo, mas saber reconhecer os caracteres a fim de poder ler e estar com
aptidão para o mundo do trabalho nas indústrias.
O conhecimento, por isso, tem caminhado para ser a mola propulsora
da economia mundial e cujo valor de produtos e serviços depende cada
vez mais da parcela do conhecimento a eles incorporados (LOPES,
2002, p. 11).
Podemos considerar também até que ponto a educação poderia garantir uma
melhora nas competências humanas, atendendo ao processo de industrialização
em andamento e até os dias atuais. O analfabetismo, por exemplo, não impe-
diria a capacidade de um ser humano conseguir o ingresso dentro do “mundo
do trabalho”. Mesmo em nossos dias, a educação que as instituições de ensino
propõem não corresponde de forma eficiente às necessidades da produção de
forma integral. Talvez nas qualificações específicas e vinculadas diretamente à
atividade produtiva.
A modernização das formas de produção e o uso constante da ciência e
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econômicas cada vez mais destacadas na vida do ser humano cada vez mais
urbano. A cadeia de produção ganhava conotações de complexidade com uma
quantidade cada vez maior de pessoas envolvidas na produção de bens e servi-
ços. A concentração dessa população nas cidades colocava em xeque as funções
do estado, a organização política. O liberalismo parecia idealista demais para
resolver os problemas que a sociedade industrial apresentava.
Os conflitos entre os pragmáticos, que veremos a seguir, e os resistentes do
romantismo tomaram o palco dos debates intelectuais, principalmente na primeira
metade do século XIX. Só para ilustrar esse debate, podemos citar o pensamento
de Arthur Schopenhauer (1788 a 1860). O crítico das teses de Hegel conside-
rava que o amor não era a felicidade, mas uma condição que expunha a pessoa
à dor. A vida deveria ser compreendida pela capacidade de dar sentido aos ele-
mentos que a cercam e não na materialidade que ela expressa. Schopenhauer foi
autor da obra “O mundo como vontade e representação” (1818), desenvolveu
uma escrita de uma metafísica ética e ateia chamada de pessimismo filosófico, e
que influenciou as bases psicanalíticas de Freud.
“Quando lhe falta o objeto do querer, retirado pela rápida e fácil satisfação,
assaltam-lhe vazio e tédio aterradores, isto é, seu ser e sua existência mesma
se lhe tornam um fardo insuportável. Sua vida, portanto, oscila como um
pêndulo, para aqui e para acolá, entre a dor e o tédio”.
(Arthur Schopenhauer)
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Uma educação que apenas se dedicaria à formação de pessoas para o traba-
lho não é uma educação preocupada com a cultura, logo não poderia produzir
grandes genialidades (NIETZSCHE, 2004), a questão de ampliação de escolas
sem uma pauta cultural só revelaria o projeto de formar pessoas para consegui-
rem sobreviver no mundo, mais nada. E é no paradigma de Schopenhauer que
Nietzsche se ancora para defende que existem pessoas que conseguem estabele-
cer uma coerência entre a vida e a obra, haja vista que o exemplo deve ser dado
“pela vida real e não unicamente pelos livros” (Nietzsche, 2004, p. 150).
Fazendo parte desse conjunto temos Jeremy Bentham (1748 a 1832), inglês
e um dos fundadores da Univesity College. Sobre a história desse autor, a título
de curiosidade, é bom lembrar que o seu corpo até hoje está guardado na uni-
versidade que ajudou a fundar a seu pedido. Ele desejava que seu esqueleto fosse
preenchido com cera e mantivessem seu corpo preservado. Foi um pragmático e
criticava o idealismo. Também foi um crítico da religiosidade a qual considerava
um instrumento de dominação de uma elite sobre a grande maioria da socie-
dade. Suas teorias partem da experiência para que se alcance o conhecimento,
mas que nem é nova ou mesmo desnecessária.
Não estamos aqui diante de uma teoria nova e pouco segura, ou inútil.
Com efeito, tudo quanto acabamos de expor representa um dado com o
qual concorda plena e perfeitamente a experiência do gênero humano,
onde quer que os homens possuam uma visão clara acerca dos seus
próprios interesses (BENTHAM, 1974, p. 24).
O PRAGMATISMO
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listas utópicos” queriam mudar a sociedade “de cima para baixo”. Acreditavam
que a “boa vontade” dos homens mudaria seu comportamento. Um dos que acre-
ditou nessa possibilidade foi Saint-Simon (1760 a 1825).
Filho da baixa nobreza francesa, Simon teve uma educação conservadora,
da qual só pode se livrar depois de ingressar no serviço militar. Na sua vida de
soldado, foi à América do Norte atuar na Independência dos Estados Unidos.
Sua estadia na nova nação republicana e democrática o levou a ser simpático ao
governo liberal democrático instalado na ex-colônia inglesa. Ele considerava que
nos Estados Unidos não há a fusão de privilégio econômico com a vida política.
Além de elogiar a liberdade de culto.
Ao voltar à França foi um dos atuantes na Revolução Francesa, onde desen-
volveu a tese da racionalidade absoluta e a promoção da pessoa pelo progresso
econômico e científico. Para ele, o desenvolvimento da humanidade dependia
do conhecimento e dos benefícios materiais chegarem a todos. Daqui se extraem
seus primeiros princípios socialistas.
Para Saint-Simon, a igualdade não seria uma condição absoluta, mas o
desempenho das potencialidades humanas poderia aproximar a pessoa de uma
condição material qualitativa, na proporção em que sua conduta fizesse jus, ou
seja, a teoria da meritocracia.
Um dos discípulos de Simon, e que acabou por superá-lo em importância
na herança intelectual do Ocidente, foi Augusto Comte (1798 a 1857). O “pai da
Sociologia” ou “físico social”, como alguns pensadores defendem. Apaixonado pelas
ciências naturais desde sua juventude, quando cursava a Escola Politécnica, Comte
defendeu a percepção da vida social como os mesmos critérios das ciências naturais.
faz necessária uma compreensão objetiva dos fenômenos sociais. A física social
seria a ciência capaz de responder a esses problemas.
Fundamental considerar que, para Comte, todas as ciências verdadeiras se
positivam, ou seja, se sustentam no mesmo método que as ciências naturais.
Todas devem derivar sua lógica da matemática, única capaz de trabalhar com a
abstração e dar a dimensão exata da existência de todas as coisas materiais. Esse
seria o destino das ciências consideradas sociais e humanas, como a Economia,
Política, a História e a Sociologia. Dessa forma, Comte se enquadra nos auto-
res da experimentação, naqueles que consideram que as experiências concretas
estabelecem a fonte de todas as leis universais que sustentam o desenvolvimento
do conhecimento científico.
Em sua obra “Conceitos Gerais e Surgimento da Sociologia”, Comte faz
considerações acerca da Física Social, que tenta estabelecer como a ciência da
sociedade:
entendo por física social a ciência que tem por objeto próprio o es-
tudo dos fenômenos sociais, considerados no mesmo sentido que os
fenômenos astronômicos, físicos, químicos e fisiológicos, isto é, como
submetidos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta é o fim especial
de suas pesquisas. Assim, ela se propõe diretamente a explicar, com a
maior precisão possível, o grande fenômeno do desenvolvimento da
espécie humana, visto em todas as suas partes essenciais (...) (COMTE,
1972, p. 86).
É possível notar nessa citação que o teórico francês estabelece uma relação entre o
desenvolvimento da sociedade com as ciências naturais e justifica a superioridade
ocidental pela capacidade de se organizar fundada no conhecimento científico.
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(COMTE, 1978, p.16).
Esse processo educacional não seria atingido de forma rápida, como uma seta no
alvo, mas de forma lenta e gradativa, tendo objetivos bem pontuais, sem se dei-
xar “desviar por incidentes exteriores e circunstâncias adventícias, então chega
a dispor de todos os meios necessários para influenciar profundamente a alma
da criança” (DURKHEIM, 1952, p.42)
Em relação à coletividade, ela pode ser vista como o resultado de um desen-
volvimento econômico determinado pelo controle das condições de produção
da vida material. Ou seja, o que para Durkheim seria o aprimoramento da vida
em coletividade, que necessita de regulagem para manter o progresso, para Karl
Marx (1818 a 1883), é a capacidade de concentração de riqueza promovida pelo
desenvolvimento dos meios de produção concentrados nas mãos da classe domi-
nante, a burguesia.
O pai do socialismo científico, fundador do materialismo histórico dialético,
questiona o papel que o desenvolvimento material trouxe. Não pelo desenvol-
vimento em si, mas a que interessa esse desenvolvimento. O capitalismo se
apresenta como uma relação entre duas classes, a burguesia dominante e pro-
prietária dos meios de produção e a classe operária, o proletário, que é a força
de trabalho.
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As teses de Marx consistem em defender a dialética como o elemento que
permite a elevação das relações de produção capitalista em grau de exploração
e desenvolvimento das forças produtivas. Dessa forma, o capitalismo é, para
ele, o resultado do aprimoramento de todas as formas de produção existentes
ao longo da história humana. Ao se libertar dessa exploração, a classe operária
poderia se apoderar de todo o desenvolvimento material promovido pela econo-
mia capitalista e colocá-la a serviço da coletividade, uma sociedade sem classes.
Do socialismo ao comunismo.
A principal característica do método de Marx é a dialética, herdada do hege-
lianismo do qual ele foi seguidor durante a sua juventude. A relação entre os
contrários, que já trabalhamos aqui em outra oportunidade, apresenta a trans-
formação material por meio da intervenção da pessoa partindo do confronto
da condição existente a sua compreensão desta condição e ação. Não é neces-
sário ter apenas uma visão sobre o mundo, mas se faz necessário intervir para
mudá-lo. Ao agirmos, nossa compreensão muda, e nossa ação ganha um novo
significado, e isso tudo dentro do próprio tempo, que é o “campo do desenvol-
vimento humano” (MARX, 1974, p.98). É nesse tempo que o pensar também se
faz, ou a própria educação. Produzir, seja no campo material ou imaterial, revela
a vida como estado de consciência.
A produção de ideias de representações, da consciência está, de início, dire-
tamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material
dos homens, com a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o inter-
câmbio espiritual dos homens, aparece aqui como emanação direta de seu
comportamento material. [...] Não é a consciência que determina a vida,
mas a vida que determina a consciência (MARX; ENGELS, 1979, p.36).
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um longo período, para outros o imediato. Por isso, alguém pode agir hoje visando
a resultados que serão obtidos em anos, outros em minutos.
O importante de Weber é lhe contextualizar em seu tempo. Ele viveu na
Europa em um período de “Paz Armada” (1870 a 1914), uma fase marcada por
potências europeias que dominaram diversas regiões do planeta e transformaram
a África e a Ásia em colcha de retalhos, dividida entre as nações que buscavam
o domínio da economia e da diplomacia mundial. O que se convencionou cha-
mar de neocolonialismo e imperialismo. Weber acredita que a ciência é algo que
se debruça para compreender a realidade, ainda que existam conexões subjeti-
vas que perpassam os saberes e conhecimentos.
A ciência social que nós pretendemos praticar é uma ciência da reali-
dade. Procuramos compreender a realidade da vida que nos rodeia e
na qual nos encontramos situados naquilo que tem de específico; por
um lado, as conexões e a significação cultural das suas diversas mani-
festações na sua configuração atual e, por outro, as causas pelas quais
se desenvolveu historicamente assim e não de outro modo (WEBER,
1986, p. 88).
Essas conexões são fruto de uma estrutura de coletividade, que o pensador conse-
guiu detectar como interesse da coletividade que não se funda exclusivamente na
racionalidade teórica. Mas se esta estiver associada a valores culturais arraigados
na vida social, a orientação da ação pode mudar. O que isso significa? Em uma
crítica a Marx, Weber estabelece que os operários alemães, diante da iminência
da Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918), foram orientados pelo Partido Social
Democrata alemão a não se alistarem no exército, para não morrerem em uma
guerra “imperialista” que interessava exclusivamente aos empresários alemães,
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A CRISE DE IDENTIDADE HUMANA E AS TEORIAS
CONTEMPORÂNEAS
vação, estímulo natural à alimentação, era produzida quando outro fato associado
a ela era apresentado. Um exemplo era que todas as vezes que seu assistente que
alimentava os cães surgia no laboratório, os cães salivavam. Diante disso, o pes-
quisador russo começou a manipular experimentos para perceber o grau de
condicionamento e sua extensão.
Burrhus Frederic Skinner (1904 a 1990), um estadunidense, também se
enveredou no campo comportamental humano, tanto que se tornou um dos
precursores do behaviorismo e da crença sobre a possibilidade de controlar e
moldar o comportamento, mas discorda das teorias de Pavlov. É possível com-
preender como ele disserta em suas obras como “Tecnologia do ensino” (1972)
e “Ciência e comportamento humano” (2003). Suas investigações científicas
revelam que se trata de uma matéria difícil por causa de sua complexidade e
plasticidade. Porém, é possível dimensioná-lo graças ao empenho e técnicas de
quem o estuda sendo, portanto, factível compreender a causa e o efeito decorren-
tes do comportamento. Um exemplo desse sistema de estímulo resposta Skinner
dá ao descrever um texto como dispositivo:
A literatura é produto de uma prática especial, que faz surgir um com-
portamento que, de outra forma, permaneceria latente no repertório
dos falantes. Entre outras coisas, a tradição e a prática da poesia lírica
encoraja a emissão de comportamentos sob controle de fortes priva-
ções – em outras palavras, respostas sob formas de mandos (SKIN-
NER, 1957, p.72-3).
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uma espécie de monitor(a), e quem é educado(a) avança em seu próprio ritmo
tendo uma resposta da máquina, se acertar continua, caso errar, continua até
resolver o problema ou questão proposta.
Desses estudos surgiu a teoria do comportamento reflexivo e as bases da
teoria comportamental. Hoje, uma das principais correntes da psicologia. Dessa
forma, valoriza o estudo da exterioridade humana e a sua adaptação ao meio
por meio da associação de comportamentos adquiridos com condicionamento.
Uma particularização das teses que o positivismo de Comte já havia apresentado.
Nesse sentido, se desenvolveu o princípio de atender ao interesse da sociedade
integrando a pessoa à vida social através do condicionamento de seu compor-
tamento. Sendo assim, dessa mesma forma tratar os problemas de adaptação
social. O comportamento observável é o elemento de partida para a compreen-
são de si enquanto humanidade e sua educação.
Evoluir em princípio significa desenrolar, como se desenrola um
pergaminho; desenvolver antigamente significava desdobrar, como
se desdobra uma carta. Ambas as palavras significam expor alguma
coisa que estava encoberta. Já se sabia antes de Darwin, certamente,
que as espécies haviam mudado, embora presumivelmente de acor-
do com um plano. Os psicólogos do desenvolvimento acompanham
o desenrolar ou desdobrar do comportamento das crianças enquanto
crescem. Uma criança pode ser “treinada”, no sentido horticultural de
ser guiada durante o crescimento, mas os fundamentos do que eventu-
almente aparece são de alguma forma predeterminados. Teóricos so-
ciais tais como Hegel e Marx e alguns antropólogos argumentam que
as culturas também evoluiriam através de uma ordem fixa de estágios
(SKINNER, 2005, p. 78).
Oposto a essa ideia está um dos inspiradores da arte surrealista, Sigmund Freud
(1856 a 1939). O que o médico austríaco desenvolveu foi a representação do
mundo material por meio de uma lógica subjetiva. Esta, nem sempre consciente
ao ser humano. A própria hierarquia de valores que construímos aparentemente
consciente seria, na verdade, filtrada por uma escala pessoal. Nossas experiências
sensíveis são retrabalhadas dentro do subconsciente, uma espécie de depósito
de sentimentos reprimidos.
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p.29), “sou responsável por mim e por todos e crio uma determinada imagem
de homem que escolho ser; ao escolher a mim, estou escolhendo o homem”,
revelando em que medida o processo histórico gesta o processo individual e de
responsabilidade do ser.
Nesta crise entre o todo e o particular, a filosofia existencialista foi uma
expressão significativa na segunda metade do Século XX. Ninguém a expres-
sou de forma mais intensa que Jean Paul Sartre (1905 a 1980). Fundador de um
existencialismo que rompe com a dependência do legado racional, Sartre coloca
sobre a decisão das pessoas a sua capacidade de universalizar o valor, sendo o
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comportamento único, mas a escolha de uma posição humana diante do mundo,
não por causa de uma estrutura essencialista, mas que parte de escolhas indivi-
duais, como a covardia, por exemplo.
O existencialista quando descreve um covarde declara que este covarde
é responsável por sua covardia. Ele não é assim por ter um coração,
um pulmão ou um cérebro de covarde, ele não é assim a partir de uma
organização fisiológica, mas sim porque ele se modelou um covarde
por meio de seus atos. Não existe temperamento covarde. Há tempera-
mentos que são nervosos, há o “sangue fraco”, como dizem as pessoas,
ou temperamentos ricos. Mas o homem de sangue fraco não é necessa-
riamente covarde, pois o que define a covardia é o ato de renunciar ou
ceder; um temperamento não é um ato; o covarde se define a partir dos
atos que realiza. O que as pessoas sentem obscuramente e lhes causa
horror é o que o covarde que apresentamos é responsável por sua co-
vardia (SARTRE, 2010, p.44).
que nos são impostas, permitem a muitos viverem em uma “zona de conforto”,
de eternos vitimados pela imposição autoritária que aceitam para não correrem
o risco da decisão.
Hannah Arendt (1906-1975), judia e filósofa, recebe as influências da Segunda
Guerra Mundial, o que é possível perceber na escrita que desenvolve ao falar
sobre natureza e condições humanas no livro “A condição humana” (2010). A
condição humana é aquela que permite à humanidade efetivar uma vida ativa,
que nos direciona como uma agulha de bússola, sem determinismos. Uma ‘natu-
reza humana’, segundo ela, nos é impossível de conhecer. Seria possível de ser
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Nada expressa tanto a decadência da ideologia do que o redesenho da
diplomacia mundial após a Guerra Fria (1989). A formação de conglomerados
econômicos não se mostrou eficiente diante do rompimento de barreiras que a
economia mundial desenhou além do mapa dos territórios nacionais. Por sinal,
as próprias nações refizeram seu sentido. O nacionalismo nunca esteve tão deca-
dente em seu sentido ideológico e tão exaltado no patriotismo de mercado.
A sociedade capitalista e liberal, criticada por muitos, se manteve diante
da alternativa socialista. A China, após a Guerra Fria, se transformou em uma
nação plenamente integrada ao capitalismo, vivendo uma ditadura social para
a maioria de sua população e satisfazendo uma minoria com toda a pompa que
a vida de consumo material “burguesa” pode gerar.
Nesse mundo que estamos vivendo, desenhar o pensamento humano con-
temporâneo é um desafio que não arriscamos afirmar, mas apenas apresentar
pontos para que você, no momento da leitura, possa compreender melhor o
impasse que estamos vivendo.
O primeiro autor de quem ressaltamos a obra é Jean Baudrillard (1929 a
2007), pensador francês que tentava manter sua privacidade e fugir dos excessos
que sua vida como intelectual lhe impunha, criticou a forma como a humani-
dade está se relacionando com os símbolos em uma sociedade midiática. Para
ele, a cultura de massas tem se transformado numa desinformação e em uma
imposição de “verdades prontas”, ou “falsas verdades”.
Essa aproximação aparente que vivemos, onde podemos nos relacionar
com pessoas distantes, só demonstram nossa falsa ideia de espaço, tempo e sen-
tido. Estamos convivendo com uma construção mercadológica, um produto
apresentado, que é construído por meio de uma interatividade. Não nos rela-
cionamos com o real.
Uma das críticas centrais de Baudrillard está na “sociedade de consumo”.
O papel que o ato de consumir ganhou na relação entre as pessoas diante dos
objetos (BAUDRILLARD, 1995). Como esses atos se transformaram em uma
cultura de reconhecimento da dignidade, superando muitas vezes a cidadania.
Podemos certamente, num primeiro tempo, considerar os objetos em
si próprios e a sua soma como índice de pertença social, mas é muito
mais importante considerá-los, na sua escolha, organização e prática,
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a não sentir culpa pelos seus atos. Associada à infantilização, outra crítica feita
por Bruckner à humanidade contemporânea, a pessoa vitimada se sente no
direito de tudo sem ter que arcar com as consequências de suas escolhas. Assim
como Baudrillard e Enzensberger, Pascal Bruckner faz a crítica ao que se pro-
paga como conteúdo na mídia contemporânea. Segundo ele, não estamos atrás
de conhecer outras pessoas na mídia eletrônica, mas estamos atrás de cúmpli-
ces para nossos interesses mesquinhos.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerações Finais
126
5. Jean Baudrillard (1929 a 2007) faz críticas pontuais em relação à sociedade con-
temporânea e a relação com os símbolos em uma sociedade midiática, entre
elas, a “sociedade de consumo”. Explique o que seria essa crítica do autor.
129
Sociedade de Consumo
Jean Baudrillard
Editora: Almedina
1. B.
2. A ideia central é que você compreenda que a condição humana seria aque-
la em que se efetiva a vida ativa, uma forma de direcionamento em que nos
orientamos, a natureza humana, por sua vez, não é possível de ser conhecida
pois somos partes de um todo, logo, apenas um ser acima de nós poderia ter
condições de saber qual nossa verdadeira natureza.
3. B.
4. D.
5. Baudrillard, ao falar sobre “sociedade de consumo”, chama a atenção do papel
que o ato de consumir ganhou na relação humana, como esses atos se transfor-
maram em uma cultura de reconhecimento da dignidade, superando, muitas
vezes, a cidadania.
Professor Me. Gilson Aguiar
Professor Me Rodrigo Pedro Casteleira
III
A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE
NO BRASIL: UMA AUSÊNCIA
SENTIDA
Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender as condições em que a educação foi implantada na
colônia e o seu significado em uma sociedade caracterizada pelos
interesses da metrópole portuguesa.
■■ Avaliar as consequências da educação estruturada na colônia para a
sociedade atual.
■■ Estabelecer a relação entre a educação na colônia e após o processo
de independência com a instituição da monarquia.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Os primeiros tempos
■■ Educação laica, o abandono
■■ Da colônia ao império
137
INTRODUÇÃO
Introdução
138 UNIDADE III
OS PRIMEIROS TEMPOS
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
É preciso considerar que não ocorreu
uma padronização no território colonial, em
algumas regiões se estabeleceram os centros
de interesses, as plantations, unidades pro-
dutoras fundadas na produção extensiva,
com mão de obra escrava e monocultora.
O trabalho escravizado se tornou um
dos principais fundamentos da área colonial
portuguesa (o Brasil), o que, por interesse
de concentração de riqueza derivada das prá-
ticas mercantis, através do tráfico de escravos, viria ser o africano. Dessa forma,
as pessoas nativas, indígenas, deveriam ser poupadas do regime compulsório de
trabalho, pelo menos em parte. Uma das decisões tomadas pelo governo portu-
guês foi a implementação da Ordem Jesuíta no território colonial, o que ocorreu
em terras coloniais da Espanha e da França, no mesmo período.
Bom lembrar que a Ordem Jesuíta foi criada por Inácio de Loyola, um nobre
e militar espanhol que lutou na expulsão dos Mouros da Península Ibérica (século
XV). A Ordem é formada com o espírito militar da expansão cristã, o que já tinha
sido praticado nas cruzadas. A Ordem somada à Inquisição representavam um
grandioso aparato da Contra-Reforma católica, na tentativa de barrar o avanço
tanto de mouros como de protestantes (LUZURIAGA, 2001).
Os Primeiros Tempos
140 UNIDADE III
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dora Maria Luisa Santos Ribeiro.
Entre as diretrizes básicas constantes no Regimento, isto é, na nova po-
lítica ditar por D. João III (17-12-1548), é encontrada uma, referente
à conversão dos indígenas à fé católica pela catequese e pela instrução
(RIBEIRO, 1992, p. 19).
Está bem definida a que modelo de educação o Brasil Colônia tinha por projeto:
“à política colonizadora dos portugueses” (RIBEIRO, 1992, p. 20). A educação
da elite colonial também se fez pelas mãos dos jesuítas. A criação de seminários
e colégios nas principais cidades da colônia se constituiu como centro de for-
mação de uma elite culta. A educação se dava em tempo integral, e apenas 10%
dos homens livres teriam acesso a esta educação, que durava onze anos. Os que
se destacavam poderiam continuar seus estudos na Europa, já que nos trópicos
portugueses não existia ensino superior, 20% dos formados nos seminários e
colégios inacianos seguiam esse destino.
Até 1759, a Ordem Jesuíta construiu uma poderosa rede de ensino na colô-
nia, com seminários nas principais cidades coloniais e um imenso número de
missões e aldeamentos em diversas partes do território brasileiro. Para se ter
uma ideia da dimensão que Ordem representava, ela tinha 670 membros espa-
lhados pelo território português nos trópicos e, em sua região de maior atuação,
a Bacia do Prata, ela tinha aliciado 150 mil nativos. A Ordem detinha um con-
texto específico de interesse e a quem servir.
Aos jesuítas está relacionada uma série de ações que foram marcos na história
colonial brasileira. Foram eles que iniciaram o estudo da língua indígena com
a finalidade de catequese e apresentaram as primeiras classificações dos diale-
tos nativos, o guarani e o jê. Também resgataram, por meio de obras literárias, o
cotidiano do território colonial e a análise dos problemas que envolviam o ter-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ritório colonial.
Os primeiros jesuítas a se instalarem na colônia foram Manoel da Nóbrega
e José de Anchieta. Nóbrega veio com a instalação do Governo Geral na colô-
nia (1549), já Anchieta chegou ao Brasil com o governador Duarte da Costa,
em 1553. Os planos de estudo da Ordem (1570) não encontraram terreno fértil
para seu desenvolvimento, uma vez que os colégios jesuíticos tinham grandes
dificuldades para manter as classes de gramática latina funcionando. A oferta
educacional se resumia, no início da colonização, ao ensino conhecido como
elementar, oqual se aprendia a escrever, ler e fazer contas e ainda alguns cursos
da área das ciências humanas, como retórica e classe gramatical.
A estrutura pedagógica jesuítica no início do processo de colonização esteve
par e passo às elaborações das Constituições e do Ratio Studiorum, implicando em
relações antagônicas das práticas. A Ratio Studiorum consistia em um método
educacional, não como organização pedagógica, mas estando mais para um con-
junto de práticas e condutas positivas. Vejamos, por exemplo, o que o Ratio fala
sobre o procedimento de castigos físicos:
Não seja precipitado no castigar nem demasiado no inquirir; dissimule
de preferência quando o puder sem prejuízo de ninguém; não só não
inflija nenhum castigo físico (este é ofício do corretor) mas abstenha-se
de qualquer injúria, por palavras ou atos não chame ninguém se não
por seu nome ou cognome; por vezes é útil em lugar do castigo acres-
centar algum trabalho literário além do exercício de cada dia; ao Prefei-
to deixe os castigos mais severos ou menos costumados, sobretudo por
faltas cometidas por fora da aula, como a ele remeta os que se recusam
aceitar os castigos físicos [...] principalmente se forem mais crescidos
(RATIO, 1952, p. 122-123, J- 40).
Os Primeiros Tempos
142 UNIDADE III
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
pensada de forma igualitária a toda e qualquer pessoa, como já mencionado.
Existia pontualmente uma forma de educação destinada a uma determinada
categoria de pessoa.
A educação profissional (trabalho manual), sempre muito elementar
diante das técnicas rudimentares de trabalho, era conseguida através
do convívio, no ambiente de trabalho, quer de índios, negros ou mesti-
ços que formavam a maioria da população colonial.
Vieira se destaca por receber sua formação no Brasil, o que resulta em uma escrita
cheia de emoção religiosa e reflexiva sobre o conhecimento, mas sem deixar de
lado uma estrutura hierárquica entre a Metrópole e a Colônia, como na citação
anterior. Para o jesuíta, nosso primeiro passo ativo deve ser o de auto-conheci-
mento. Essa produção nativa significa defender uma filosofia luso-brasileira, sem
reprodução da filosofia portuguesa no Brasil, mas uma possibilidade de abertura
para a emancipação da própria razão (CERQUEIRA, 2011).
Os Primeiros Tempos
144 UNIDADE III
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O grande patrimônio estabelecido pelos jesuítas na colônia mostrou a efici-
ência da ordem e significou um risco para a coroa portuguesa. O fortalecimento
da ordem dava aos padres poderes excessivos em territórios coloniais portugue-
ses. Ficava cada vez mais claro que os nativos catequizados estavam mais ligados
aos interesses dos padres do que da coroa.
Em algumas regiões onde a ordem se estabeleceu, a prosperidade trazia
benefícios maiores à Igreja do que a Portugal. Uma dos exemplos foi a região
da Bacia do Prata, que era área de fronteira com as colônias da Espanha, objeto
de disputa entre os dois reinos, onde os jesuítas estavam presentes por todas as
margens dos rios da Bacia (rios Paraguai, Uruguai, Paraná e Prata). Os interes-
ses das nações ibéricas estavam ameaçados pela presença da instituição religiosa
que tinha em seu poder milhares de nativos.
Mesmo em Portugal, os interesses dos jesuítas e da coroa estavam em conflito.
Opositores de Pombal, o ministro do Rei Dom José, a Ordem se opunha às deci-
sões do ministro. Acostumados a terem influência sobre a decisão do estado, os
padres acabaram sendo acusados de um atentado contra o Marquês de Pombal.
Tendo sido culpados ou não, os jesuítas foram expulsos.
Mas, em 1759, o ministro de Portugal, administrador da Coroa, o Marquês
de Pombal, expulsou a Ordem do território lusitano e de suas colônias. A prá-
tica do despotismo esclarecido do Marquês, aliada a sua intenção de concentrar
o poder, o fez se confrontar com os clérigos da ordem inaciana. Essa medida
teve um importante efeito na colônia, rompeu uma política educacional que,
bem ou mal, se consolidava na sociedade brasileira. Mas não apenas isso. O
poder econômico que possuíam deveria ser devolvido ao governo e educavam
apenas com o interesse em uma “ordem religiosa e não dos interesses do país”
(RIBEIRO, 1992, p. 34).
Em diversos casos houve resistência da Ordem em se retirar. No Brasil, a
Revolta ou Revolução Guaranítica demonstrou isso. Jesuítas organizaram mis-
sões na Região do Prata que se levantaram contra a autoridade portuguesa. Os
missionários foram eliminados e os nativos que sobreviveram foram obrigados
a retornarem à floresta ou ficarem à mercê dos traficantes de escravos.
Vale a pena lembrar que a primeira biblioteca da colônia pertenceu à Ordem
Jesuíta e estava instalada no Seminário de Olinda, em Pernambuco. O destino
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dessa biblioteca, após a expulsão dos inacianos, foi cruel. Diante da negativa de
compra, ou de quem quisesse os livros, eles se tornaram papel de embrulho para
comerciantes da cidade pernambucana.
Além disso, Pombal defende a ideia de que a Companhia de Jesus foi um empe-
cilho para que as ideias iluministas se efetivassem em Portugal e na Colônia,
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como já acontecia no restante da Europa. Ele ‘compra’ as ideias iluministas e as
utiliza, contudo, mais no âmbito da forma do que na essência, na reorganização
da educação. A Universidade de Coimbra está aquém do mundo ocidental exa-
tamente por causa do período em que ficou nas mãos de jesuítas, necessitando
urgentemente de modernização para tentar se aproximar um pouco do centro
principal europeu da época: a Inglaterra (de 1680 a 1720) (RIBEIRO, 1992, p. 33).
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baixas técnicas de produção dos engenhos se mantiveram por séculos no Brasil
sem qualquer alteração. Nesse ambiente, também estão as roças de subsistência,
conduzidas por pequenos produtores com trabalho familiar. Em nenhuma des-
sas lavouras há a necessidade de especialização do trabalho.
Vamos perceber que a necessidade de trabalhadores mais qualificados se
dava em setores restritos da sociedade. Os cargos administrativos do estado
português exigiam uma mão de obra mais qualificada, mas esta era importada
de Portugal. Poucos eram os filhos da elite que atingiam uma formação educa-
cional mais apurada.
A sociedade colonial, ao longo da história brasileira, se constituiu em uma
ordem agrária patriarcal. O domínio da figura máscula tinha seu elemento maior
no senhor de engenho - ele se impunha sobre o restante da sociedade pelo con-
trole que tinha sobre a principal atividade econômica do território colonial - o
engenho. Todos estavam indiretamente subordinados a ele, e a sua autoridade
patriarcal se reproduzia sobre os demais elementos sociais.
No ambiente doméstico, a mulher do senhor era uma extensão de seus bens
e se impunha diretamente a sua autoridade. Existindo apenas para dar sequên-
cia à produção da hereditariedade, era plenamente submissa à autoridade de seu
marido. As filhas seguiam o destino da mãe. Tinham pouca formação, quando
a tinham. Caso recebessem alguma instrução, esta ocorria no ambiente domés-
tico, como já mencionado.
As meninas não tinham acesso à educação, eram raros os casos, entre elas,
de quem conseguia o acesso a alfabetização. A instrução das mulheres ocorria
dentro do ambiente domiciliar, ainda por interesse da família. Quando ocorria,
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tir com a transferência da Corte Portuguesa em 1808.
DA COLÔNIA AO IMPÉRIO
Da Colônia ao Império
152 UNIDADE III
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se definiam como homens livres, sendo que a maioria era uma sociedade for-
mada por escravos.
Saviani (2013) retrata, de forma pontual, as ideias pedagógicas que perme-
aram os debates desse período de Proclamação da Independência, que dá luz a
uma Constituição em 3 de maio de 1823. No discurso de Dom Pedro I quando
da inauguração e instauração dos trabalhos constituintes da Assembleia, há o
destaque da necessidade de uma “legislação especial sobre instrução pública”
(SAVIANI, 2013, p. 119). É neste momento que existe a preocupação de um pro-
jeto educacional (instrução pública), contudo, a forma encontrada para isso foi a
de uma espécie de concurso de projetos, com intuito em estimular um “Tratado
Completo de Educação da Mocidade Brasileira” (SAVIANI, 2013, p. 119).
As discussões se voltaram para o projeto elaborado por Martim Francisco
Ribeiro d’Andrada Machado, conhecido como Memória de Martim Francisco.
Seu projeto estava mais para uma (re)interpretação das propostas laicas de escola
do francês Marie-Jean-Antonie-Nicolas Caritat, conhecido mais como Condorcet
(1734-1794). O projeto de Martim altera algumas características como a dura-
ção de primeiro grau e o ajusta a seu perfil ideológico. Condorcet é o autor que
melhor gesta a relação entre Estado, escola pública e sistema liberal, defendendo
que a universalização da instrução é aproveitável a todo e qualquer cidadão.
Esta instrução será suficiente mesmo aos que aproveitarão as lições
dadas aos homens para torná-los capazes de exercer as funções pú-
blicas mais simples, às quais é bom que todo cidadão possa ser con-
vocado, como aquela de jurado, de guarda municipal (CONDOR-
CET, 2010, p. 25).
Da Colônia ao Império
154 UNIDADE III
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A adoção do método lancasteriano gerou avaliações divergentes, principal-
mente porque o método se preocupava mais com a quantidade formada do que
a qualidade, uma vez que era possível formar várias pessoas a custos baixos.
As meninas podiam frequentar o ensino, mas nas escolas religiosas eram
separadas dos meninos. Poucas, elas tinham um controle rígido sobre seu com-
portamento. Era um mundo educacional masculino que ainda discriminava sua
presença. Mesmo como docentes, as mulheres eram discriminadas, só poderiam
ministrar aula com uma autorização, “Declaração de Boa Conduta”, o que era
um expediente raro durante o Império.
Em 1831, o monarca Dom Pedro I, proclamador da independência, foi obri-
gado a abdicar do trono. Após nove anos de um reinado marcado por rupturas
com as elites agrárias e sem apoio popular, perdido ao longo de uma administra-
ção marcada por desmandos na vida pública e pessoal, o país viveu a Regência
(1831 a 1840). É em 1834 que a aprovação do Ato Adicional à Constituição do
Império que o governo se desobriga a gerenciar as escolas primárias e secun-
dárias, transferindo aos governos das províncias esse papel (SAVIANI, 2013).
As Assembleias Provinciais, de outro lado, elaboraram a seu modo leis referen-
tes à instrução pública, muitas vezes desconexas com a proposta de unidade
da coerência.
Na primeira metade do século XIX, portanto, sob a vigência da Lei das
Escolas de Primeiras Letras, a instrução públicas caminhou a passos
lentos. As críticas principais recaíam sobre a influência quantitativa,
falta de preparo (a tentativa de resolver esse problema com a criação
de Escolas Normais ainda não surtira efeito e vinha sendo objeto de
críticas constantes), parca remuneração e pouca dedicação dos profes-
tuições de ensino pública se estabeleceu, o Colégio Dom Pedro II. O qual foi
administrado, durante a monarquia, pelo próprio imperador. Era ele que esco-
lhia professores, acompanhava a qualidade do que era ensinado e interferia na
organização da instituição educacional. O Colégio era para ser um modelo para
o surgimento de novas unidades de educação no país. A escola tinha um cur-
rículo fundado em gramática, literatura, latim, grego, botânica, astronomia e
princípios de física.
O Colégio Dom Pedro II teve no seu corpo docente ilustres personagens da
literatura brasileira, entre eles, Machado de Assis e Euclides da Cunha. Com for-
mação exclusiva do ensino médio, o Dom Pedro II foi e é uma das referências do
ensino público no Brasil. Após seis anos na instituição, os alunos ingressavam
automaticamente nos cursos de Medicina, Engenharia e Direito.
O reinado de Dom Pedro II foi marcado por mudanças profundas na orga-
nização social e na organização da economia agroexportadora. Tais mudanças
deram oportunidade para a ascensão de uma nova elite agrária e de um novo
produto agrícola, o café, que reorganizou o poder de forma diferente daquela
no processo açucareiro. Inicialmente na órbita do imperador, mas com o tempo,
contrária a ele.
[...] a economia cafeeira contou, desde o início, com uma vanguarda
constituída por homens com experiência comercial, entrelaçando-se,
assim, os interesses da produção e os do comércio. [...] Tendo consci-
ência clara de seus interesses, esses dirigentes compreenderam a im-
portância do governo na atividade econômica, o que os levou a colocar
a política a serviço do grupo econômico por eles representado (SAVIA-
NI, 2013, 159-160).
Da Colônia ao Império
156 UNIDADE III
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
cial a cafeeira.
Uma das alternativas para a substituição da mão de obra escrava foi o imi-
grante europeu, o qual já se dirigia ao Brasil, principalmente no Sul do país, para
reproduzir parcialmente a vida que tinha na Europa, mas com as características
das terras gaúchas, catarinenses e paranaenses. No Sudeste, o imigrante iria ser
utilizado na grande lavoura de café, por meio da parceria, o que gerou conflitos
entre os trabalhadores livres de origem europeia e proprietários de terra, acos-
tumados com a escravidão. Efetivamente, “quando ocorre a Abolição definitiva,
1888, a imigração europeia, principalmente italiana, já fluía regularmente para
os cafezais, em especial os paulistas” (SAVIANI, 2013, 163).
O governo, a despeito dos gastos dessas imigrações, acaba por assumir os
custeios dos transportes, o que gera o aumento do contingente de pessoas de 13
mil, em 1870, para 184 mil, em 1880, passando, ainda, para 609 mil na década
de 1890, isso apenas no estado de São Paulo.
Nicolau Campos Vergueiro, senador do Império, produtor de café no inte-
rior de São Paulo, em Ibicaba, contratou o trabalho de 177 famílias de imigrantes
alemães e suíços, através do regime de parceria – forma de produção em que se
dividiam os lucros da venda do produto com as famílias produtoras. Contudo,
a tentativa não foi bem sucedida. Tratados como escravos, os imigrantes acaba-
ram se revoltando e queimando as plantações de café em 1857.
Mesmo com o fracasso das primeiras tentativas, o trabalho imigrante no
campo se propagou. Após 1870, o governo estabelece a Lei de Imigração e passa
a incentivar, com propaganda na Europa e subsídios para as viagens de europeus
para o Brasil, a importação de mão de obra.
Da Colônia ao Império
158 UNIDADE III
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tentes as parvas pretensões dos filósofos e teólogos, sobre a natureza
e atributos divinos; seria dizer a todos eles, homens da fé e homens da
razão, clérigos e leigos: - basta de luta entre vós, e abraçai-vos como
irmãos, porque ides cair juntos no fundo do mesmo abismo. É sabido
que a filosofia do clero, em seus continuados ataques à razão especu-
lativa, costuma entoar como um hino de vitória esta fórmula soberba:
o racionalismo leva necessariamente ao panteísmo (BARRETO, 1977,
p. 116-117).
“A filosofia quer e deve ser livre; a liberdade é para ela mais que um distinti-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A Guerra do Paraguai foi um marco para a propagação destas ideias, mas também
umas das guerras mais sangrentas e de maior duração na América Latina, con-
forme descreve Doratioto (2006), com seu início em 1864 e o advento de novos
modelos bélicos “resultado de inovações tecnológicas decorrentes do avanço da
industrialização na Europa e nos Estados Unidos” (DORATIOTO, 2006, p. 253).
Existia uma relação de disputa política e territorial entre Paraguai e seus países
vizinhos, Brasil e Argentina.
Na Argentina e no Brasil, funcionavam instituições liberais, embora
acessíveis apenas a parcelas minoritárias das respectivas populações.
No Paraguai, nem esse mínimo, pois era impossível o indivíduo diver-
gir do governo e inexistiam imprensa privada, partidos políticos, juízes
independentes, e o Legislativo era uma ficção. Este não se reunia por
anos a fio e, quando o fazia, era por convocação do Executivo para rati-
ficar decisões governamentais (DORATIOTO, 2006, p. 255-256).
A situação se agrava entre esses países, o que resulta na entrada do Uruguai como
parceiro de Brasil e Argentina, formando a Tríplice Aliança contra o Paraguai.
Para resumir, a guerra custou não apenas contingente humano de cada país,
mas também capital monetário investido, para o Império Brasileiro, por exem-
plo, “a guerra causou gastos de 614 mil contos de réis, valor equivalente a onze
vezes o orçamento do governo brasileiro para 1864” (DORATIOTO, 2006, p.
Da Colônia ao Império
160 UNIDADE III
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Brasil e assistiu ao fim do Estado autoritário e patrimonial, o que não signifi-
cou, porém, que as novas instituições, supostamente liberais, contribuíssem
para o desenvolvimento do país. O Brasil manteve sob sua influência os go-
vernos paraguaios até 1904, quando uma revolução liberal afastou o país
da órbita brasileira, vinculando-o politicamente à Argentina, cuja economia
havia satelizado a paraguaia na década de 1870.
Fonte: Doratioto (2006, p. 282-283).
Da Colônia ao Império
162 UNIDADE III
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
brasileira, então, se desenha como um projeto lento e que, por vezes, o próprio
Estado parece se ausentar da responsabilidade, deixando explícito a quais inte-
resses se destina desde o processo de desembarque português nas novas terras
tropicais: à classe burguesa. À margem dessas relações, historicamente, estão
indígenas, pessoas negras e mulheres, evidenciando o descompasso que se arras-
tou e se arrasta tanto no universo educacional como nos demais espaços sociais
e de disputas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerações Finais
164
3. Sobre a vinda da coroa portuguesa ao Brasil e a chegada de Dom João VI, leia
as afirmativas a seguir e assinale a alternativa correta:
a. O ensino superior implantado por D. João VI conseguiu democratizar o acesso
à educação a todas as pessoas, sem distinção.
b. A educação inicia, com a vinda da família real, o processo de readequação,
ofertando, então, escolas tanto para pessoas nativas quanto as que estão na
corte.
c. O ensino implantado nesta época modificou drasticamente o ensino que era
ofertado desde a época da Ordem Jesuítica.
d. A estrutura administrativa portuguesa é obrigada a vir para o Brasil, o que
implica na necessidade de formação de especialidades necessárias aos mem-
bros da corte.
e. Sentindo os ventos do Iluminismo, Dom João VI decide instituir uma educa-
ção laica de fato, além de um ensino voltado às investigações epistemológi-
cas e racionais.
165
c. Apenas 10% dos homens livres teria acesso a esta educação, que durava
sete anos. Os que se destacavam poderiam continuar seus estudos no Bra-
sil mesmo, o que representava 20% dos formados nos seminários e colé-
gios inacianos.
d. Apenas 50% dos homens, livre ou não, teria acesso a esta educação, que du-
rava sete anos. Os que se destacavam poderiam continuar seus estudos na
Europa, já que nos trópicos portugueses não existia ensino superior, 20%
dos formados nos seminários e colégios inacianos seguiam esse destino.
e. Apenas 10% dos homens livres teria acesso a esta educação, que durava
onze anos. Os que se destacavam poderiam continuar seus estudos na Eu-
ropa, já que nos trópicos portugueses não existia ensino superior, 20% dos
formados nos seminários e colégios inacianos seguia esse destino.
167
SAGRADO E O FEMININO
A Missão
Aqui temos Chico Buarque, cantor e compositor clássico brasileiro, falando da obra “O Povo Brasi-
leiro” de Darcy Ribeiro. A formação da índole do povo e do seu perfil contraditório é o tema. Vale a
reflexão de assumirmos o que somos.
Link: <http://www.youtube.com/watch?v=bv9DqymwzBc&feature=related>.
Há algo para se deliciar neste vídeo, o encontro entre o elemento europeu e o indígena. O olhar
europeu sobre um povo que via os “recém chegados” como divindades, mas na prática o início de
uma grande transformação que forjou o que somos, “O Brasil”.
Link: <http://www.youtube.com/watch?feature=endscreen&v=hzGAcqGiV0g&NR=1>.
Material Complementar
REFERÊNCIAS
DA VELHA REPÚBLICA À
IV
UNIDADE
REPÚBLICA NOVA
Objetivos de Aprendizagem
■■ Reconhecer que a mudança de regime – da monarquia para a
república – não mudou a realidade da educação no país.
■■ Compreender a história da educação como um instrumento de
implantação do poder público, mas sem atingir o objetivo ao que se
propôs.
■■ Entender os limites da educação na atualidade como uma
consequência histórica.
■■ Identificar velhos problemas na educação e que ainda não foram
superados.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ O regime republicano: educação de saliva e papel
■■ Eis que Getúlio se estabelece: o modelo imposto
■■ O regime militar e a educação abaixo de botas
175
INTRODUÇÃO
Introdução
176 UNIDADE IV
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
no país desde o império, eram alfabetizados. O elemento nacional não tinha por
parte do estado esta prerrogativa.
O país está envolto em concepções liberais de diversas matizes, como evolu-
cionismo social, positivismo e todas as formas de liberalismo político (SAVIANI,
2013), mas, neste sistema todo, o Estado é protagonista de um sistema antagônico
de si, ele requer para si a centralidade de tudo sem que o seja responsável. Rui
Barbosa elabora pareceres em que defende essa posição do Estado, legitimando
que só é possível se a reforma educacional realizar todas as metas a ela impostas,
“[...] a expectativa era que, atingida essa meta, ocorreria uma diminuição do papel
do Estado no que se refere à sua função centralizadora” (SAVIANI, 2013, 169).
Neste período de tensões, em 1890, José Veríssimo (1857-1916) escreve “A
educação nacional”, em que delineia uma reforma da educação pautada como
antecessora da reforma política. Dito de outro modo, para Veríssimo, ao modi-
ficar a estrutura moral da população, posterior e consequentemente, a reforma
do regime político teria se efetivado. Ele considera como base de reforma a
reconstrução do caráter e do sentimento nacional, tendo um espírito brasileiro
(VERÍSSIMO, 1906), educação física, educação cívica e, mais uma vez, uma
concepção do papel da mulher como responsável pela educação de caráter de
gerações futuras (SAVIANI, 2013). Veríssimo foi influenciado por diversas cor-
rentes filosóficas, o que explica como ele estava em sintonia com ideias modernas
de ciência e educação.
No campo da filosofia a geração de Veríssimo sofreria os impactos do
cientifismo dominante, que se firmara com o progresso das ciências di-
tas experimentais (física, química, biologia) e a inauguração da filosofia
Outro dado curioso do regime republicano instalado no Brasil foi o papel que
as mulheres passaram a desempenhar nas instituições de ensino. Incentivadas
a se dedicarem à educação, mas com baixos salários, elas foram incorporadas
ao sistema de ensino para cuidar do ensino fundamental e normal. Elas passa-
ram a ter uma escolha a mais em um destino marcado pela submissão à figura
masculina. Para a maioria das mulheres, o destino era casar, serem operárias,
trabalhadoras agrícolas, lavadeiras ou parteiras.
Com a proclamação do regime republicano, a Igreja Católica deixou de ser
agregada ao Estado. Na Constituição, o poder público se torna laico e as insti-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tuições públicas e católicas foram separadas. Esta medida tirou a educação em
massa da Igreja e transferiu ao Estado a responsabilidade de gerir a instrução.
O discurso de importância da educação para a formação do brasileiro deveria
se estender à primeira idade. Dessa forma, foram criados os primeiros “jardins
da infância” - nome dado aos estabelecimentos de ensino que deveriam iniciar
a instrução à primeira idade. Em 1895, surge o primeiro Centro de Educação
Infantil. As crianças permaneciam até os sete anos em casa, depois começavam
sua vida na escola.
Mas a educação infantil não atingiu
a todos os brasileiros. As fábricas que se
multiplicaram na Primeira República
arregimentavam um grande número
de crianças para o trabalho operário.
Principalmente durante e após a Primeira
Guerra Mundial (1914 a 1918), foi neces-
sária a política de substituição de bens
importados. Associado ao número de
trabalhadores assalariados no país, o mer-
cado interno brasileiro aumentou a demanda de bens de consumo.
Nesse contexto, em longas jornadas de trabalho, algumas de 10 a 12 horas,
mulheres e crianças eram exploradas nas indústrias. Os poderes públicos, apro-
veitando-se da autonomia prevista na Constituição, criaram mecanismos para
facilitar o uso do trabalho feminino e infantil com remunerações menores que a
dos homens. Com relação à conjuntura econômica e política da Primeira Guerra
O DISCURSO NACIONAL
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A humanização da educação e a proposta de uma escola que desenvolvesse o
conhecimento a partir das condições biológicas e psíquicas dos alunos chegaram
ao Brasil no início dos anos de 1920. Essa nova forma de pensar a educação e a
realidade do aprendiz fez parte de uma tendência nacionalista, que veio com um
discurso modernizador que viria a promover o projeto político da Era Vargas
(1930 a 1945).
Podemos considerar que o Brasil estava descobrindo o “Brasil”, mas não
seria uma descoberta fundada na pesquisa e no autoconhecimento dos brasilei-
ros por si. O Estado teria a batuta dos conteúdos que poderiam ser conhecidos
e os maquiaria para justificar sua autoridade.
Após uma série de movimentos culturais conhecidos como “Modernismo”,
a Semana de Arte Moderna (1922) foi o grande exemplo, a produção literária
e a intelectualidade brasileira tinham expoentes dedicados ao sonho de uma
nação do futuro. O desejo de construir uma nação para o futuro viria, infeliz-
mente, pelo intervencionismo do Estado. Não podemos, conforme descreve
Boaventura (2000), pensar que foi ela quem inaugurou, contudo, ela é a anun-
ciadora do início da caminhada a uma nova mentalidade com traços marcados
pelo simbolismo e futurismo:
1. As marcas nítidas de certo modernismo datado e desatual que, en-
tre nós, caiu no gosto do público; 2. a penetração desastrosa no meio
literário de um futurismo obcecado pela modernidade aparente, no
âmbito da linguagem e de tiradas bombásticas, praticando, em outro
registro, o mesmo artifício linguístico que os novos almejavam derru-
bar (BOAVENTURA, 2000, p. 19-20).
Boaventura (2000) elabora uma crítica à Semana de Arte Moderna, pois consi-
dera que ela acaba por engessar a estética ao invés de expandi-la, sobretudo ao
se comparar qualquer produção “estapafúrdia” com o futurismo. Indiferente das
pessoas defenderem ou atacarem esse movimento, o Brasil, no século XX, dese-
java o espírito moderno mais do que o vivia, uma vez que as as tecnologias e
ciências eram incipientes. No entanto, o elemento central do Modernismo está
alicerçado na busca por uma identidade nacional, para isso, a necessidade em
se romper com padrões estrangeiros, ainda que a sintonia com o que ocorria na
Europa era necessária, e se voltar para o próprio passado.
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Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
de um reformismo pequeno-burguês, que divaga em formulações ou
que se repete, mas não se renova (SODRÉ, 1978, p. 28).
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de brasileira. Anísio identificava essas resistências também na forma
como nosso processo político tinha se organizado, cristalizando a ten-
dência dos políticos de defesa de interesses privados, o que conduzia a
uma política clientelista e personalista (SAVIANI, 2013, p. 22).
filosofia que possa nortear a educação brasileira. Como as ideias eram diversas
das pessoas presentes na conferência, o resultado é a divisão em dois blocos: um
mais conservador e o outro mais pioneiro e liberal.
O Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, nome mais conhecido da obra “A
Reconstrução Educacional no Brasil” (1932), é fruto da escrita da parte pioneira
e que declara abertamente a educação como direito para todas as pessoas e como
uma obrigação do Estado, afirmando a defesa do interesse de formar a popula-
ção para superar a desigualdade instalada no país, uma herança do seu passado.
À luz dessas verdades e sob a inspiração de novos ideais de educação,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
foi que se gerou, no Brasil, o movimento de reconstrução educacio-
nal, com que, reagindo contra o empirismo dominante, pretendeu um
grupo de educadores, nesses últimos doze anos, transferir do terreno
administrativo para os planos político-sociais a solução dos problemas
escolares (AZEVEDO et al, 2010, p. 35).
O slogan lançado pela Escola Nova era “ensinamos crianças, não matérias”, dei-
xando objetiva a chamada “curvatura da vara” para o lado das crianças, e não
para o das matérias, como faziam os tradicionalistas (SAVIANI, 2013). As pessoas
que compunham o Manifesto eram profissionais que possuíam uma mobilidade
nas áreas institucionais, urbanas e ideológicos. Suas formações eram de cursos
tradicionais superiores, como medicina, direito e engenharia, mas não apenas
nesses espaços, como indica Nunes (1998).
Os seminários, as livrarias, as editoras, os bares e os quartos de pensão
foram também locus de reunião e formação desses intelectuais. O pri-
meiro ponto a reter é, portanto, o fato de que para a geração de inte-
lectuais dos anos 20 e 30, a universidade ou o ensino superior não foi o
local exclusivo e muitas vezes nem o mais importante da sua formação
intelectual.
O papel das pessoas que se aliaram para elaborar uma nova forma de educação
era o de estabelecer sua secularização, como indicado, se afastando dos ranços
religiosos e formando pessoas na área educacional com desejos para o futuro,
O DIP foi criado por decreto presidencial em 1939, com a finalidade de di-
vulgar e propagandear a ideologia do Estado Novo à massa como um todo,
o que implica em veicular uma imagem ‘pronta’ do próprio governo interna-
mente e externamente.
Fonte: CPDOC (2016, on-line)2.
O papel do DIP, entre outras coisas, era o de definir no rádio, televisão, jornal e
cinema as propostas do governo nos âmbitos da educação, cultura, economia,
censurando qualquer projeto que julgasse contrário ao próprio Estado.
A educação também tinha como prioridade a formação sintonizada com o
mundo do trabalho. Para isso, os cursos profissionalizantes passaram a ser uma
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preparadas para o desenvolvimento da liderança com caráter patriótico. O tra-
balhador deveria ser qualificado e voltado a uma especialidade em benefício
do desenvolvimento do país. Até mesmo as mulheres deveriam receber uma
educação adequada para a complementação da educação doméstica. Propostas
como a de qualificar a mão de obra revelam o interesse de uma classe aristo-
crática para que o desenvolvimento industrial se efetive, sem uma preocupação
com a educação emancipadora ou mesmo igualitária que a elite tinha acesso
(ROMANELLI, 1999).
O discurso nacionalista teve um papel de destaque na reforma do ministro
do Estado Novo. Seu interesse era fortalecer a imagem do governo utilizando
os meios educacionais para a hegemonia do poder federativo. O presidente é
o representante da pátria. O DIP, ins-
trumento de propaganda do governo
Vargas, aliou-se a este interesse, como
falamos anteriormente.
A alfabetização de adultos pas-
sou, também, a ser preocupação do
Estado Brasileiro. Era preciso tirar uma
grande leva de brasileiros da ignorân-
cia através das letras e prepará-los para
as atividades profissionais. A urbani-
zação fortalecida pelo êxodo rural e a
redução da imigração europeia impunham a necessidade de preparação do ele-
mento nacional.
A queda do Estado Novo, em 1945, não significou uma mudança na política eco-
nômica do país, já que a saída de Getúlio Vargas do poder manteve os grupos
políticos, parcialmente, que lhe deram suporte na esfera de comando do estado.
Sempre é importante lembrar que as classes populares eram afastadas dessa dis-
cussão. Os dados sobre a população eram trabalhados por especialistas - eles é
que desenhariam a estratégia para resolver o problema do analfabetismo, por
exemplo.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
sobre si, a pessoa se percebe agente racional, humanizando-se e se conscienti-
zando da própria existência.
A conscientização implica, pois, que ultrapassemos a esfera espontânea
de apreensão da realidade, para chegarmos a uma esfera crítica na qual
a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o homem assume
uma posição epistemológica (FREIRE, 2006, p. 30).
Por isso, parte considerável de seus postulados metodológicos está ligada às ten-
dências de esquerda, o que resultou em sua perseguição pelo Regime Militar.
O REGIME MILITAR E A
EDUCAÇÃO ABAIXO DE BOTAS
seria fundamental. E o regime militar fez isso. Uma das primeiras medidas foi o
Decreto Lei 477 - por ele, o regime militar fechou os centros acadêmicos, pren-
deu professores e fechou instituições.
O regime, de forte caráter tecnicista, ampliou o número de universidades no
país, ao mesmo tempo em que implantou o vestibular. A justificativa era permi-
tir que um maior número de alunos ingressasse nas instituições superiores, mas
selecionar a vaga por desempenho em uma prova de conhecimento. E aí os cur-
sinhos pré-vestibulares se proliferaram.
Aqui a educação tecnicista ganha terreno guiada por programas como Aliança
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
para o Progresso ou acordos de parceria com os Estados Unidos (LUCKESI,
2003). As leis 5.540/68 e 5.692/71 tornam oficiais o ensino técnico, o que implica
na ação do comportamento operante, ao estilo behaviorista, a instituição escolar
se torna engrenagem no sistema (re)produtivo do capitalismo.
A escola atua, assim, no aperfeiçoamento da ordem social vigente (o
sistema capitalista), articulando-se diretamente com o sistema produ-
tivo; para tanto, emprega a ciência da mudança de comportamento, ou
seja, a tecnologia comportamental (LUCKESI, 2003, p. 61).
associada a uma profissão técnica, a qual já havia sido prioridade dos regimes
que antecederam a ditadura.
As duas medidas mais significativas do regime foram a implantação das leis
nº 4.024/1961 e 5.692/1971. A primeira deu ao regime condições de interferên-
cia direta nas instituições de ensino, a segunda implantou as diretrizes e bases da
educação, em 1971. Ironicamente foi a primeira Lei de Diretrizes e Base (LDB)
nacional, implantada por um regime autoritário.
Dentro de uma diretriz ideológica, sintonizada com o contexto mundial, a
educação proposta pelos militares teve uma carga ideológica anticomunista. O
que fez do regime, de certa forma, “uma caça às bruxas”, ironicamente a educa-
ção seria, para os generais, o caldeirão dos ideais de esquerda.
Como ocorre em toda ditadura, a busca pela perpetuação desgasta a socie-
dade. O autoritarismo excessivo fez com que setores que apoiaram o regime
inicialmente começassem a declinar e engrossar a oposição aos militares.
A economia mundial ampliou o descontentamento, principalmente após a
crise mundial do petróleo (1973). A crise mundial restringiu o crédito interna-
cional e encerrou a sequência de crescimento a que o país assistia desde 1969,
o que foi chamado de “milagre econômico”. Os objetivos dentro desse milagre
estavam pontualmente afixados:
a) a ficção da moeda estável na legislação econômica; b) a desordem
tributária; c) a propensão ao déficit orçamentário; d) as lacunas do sis-
tema financeiro; e) os focos de atrito criados pela legislação trabalhista
(SIMONSEN; CAMPOS, 1974, p.119).
A falta de recursos por parte do Governo Federal fez com que se paralisassem
obras de grande envergadura que davam sentido ao regime e propunham a cons-
trução de uma potência econômica no futuro. Discurso que predominou em
diversos governos, como um ideário a ser cumprido, mas que nunca se realizou.
A partir de 1974, com a eleição de Ernesto Geisel, o penúltimo presidente
do regime militar, inicia-se um processo de abertura, lento e gradual, com retro-
cessos no caminho da liberdade política. O encerramento deste processo se deu
ao final do governo João Batista Figueiredo (1979 a 1985) e foi nele que se anis-
tiaram os exilados políticos em 1979.
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A transição para uma democracia se mostrou conservadora. Apesar do
movimento pelas “Diretas Já”, que desejava implantar eleições ainda em 1984
para a escolha de um presidente da república, o governo, de forma habilidosa,
retardou a escolha pelo voto e promoveu as eleições indiretas por meio do con-
gresso. Em 1985, Tancredo Neves foi eleito para a sucessão presidencial, com
José Sarney como vice.
Sarney assumiria o governo após a morte de Tancredo, enfermo e afastado
do poder. A posse de eleito foi simbólica, feita pelo seu vice. O titular jamais saiu
de hospitais onde foi tratado até a morte, em abril de 1985.
A posse de José Sarney fazia da transição um processo extremamente con-
servador. Ele havia sido representante da ditadura militar no Congresso e fiel
aos interesses dos militares. Sua dissidência era imediatista e sua presidência
uma fatalidade para quem desejava uma democracia que reiniciasse com mais
originalidade histórica.
Em 1988, ficou pronta a Constituição do país que coroava a reabertura polí-
tica e a defesa da democracia. Para a educação, as verbas foram estabelecidas em
porcentagens acima do que o governo militar designava – União deveria inves-
tir 18%, estados membros 25% – o que acabou não se realizando na prática, com
manipulações de recursos para outros fins, tirados da educação (BRASIL, 1988).
O Estado passa a se reconhecer como responsável pelo sistema educacional, con-
ferindo o acesso à educação como direito.
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será pro-
movida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao ple-
no desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercícios da cida-
dania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988, Art. 205).
A proliferação das instituições de ensino superior privadas foi também uma marca
da educação brasileira nos últimos 15 anos. Com um número cada vez maior de
cursos ofertados, o país viveu uma procura imensa pelas cadeiras universitárias,
as quais agora apresentam ociosidade. Conforme retrata Teixeira (1989), antes
da Era Vargas, o ensino superior no Brasil era deficitário no campo das huma-
nidades, uma vez que as cadeiras ofertadas eram de medicina, ciências agrárias
ou engenharias, o que gerava uma precariedade de formação docente, se conec-
tando a uma formação da educação básica carente.
Sabemos que todo sistema de educação, em seus diferentes níveis de
estudos e em seus diferentes currículos e programas, só pode ensinar
a cultura que na universidade ou nas escolas superiores do país se pro-
duzir. Não seria possível um curso secundário humanístico ou cientí-
fico sem que a universidade ou as escolas superiores tivessem estudos
humanísticos ou científicos avançados. Como só teve o Brasil, no nível
superior, escolas profissionais de saber aplicado, o seu ensino secundá-
rio acadêmico de humanidades e ciências teria de ser inevitavelmente
precário e deficiente, como sempre foi durante essa longa experiência
de ausência da universidade ou das respectivas escolas superiores para
licenciar os docentes (TEIXEIRA, 1989, p. 73-74).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
com o setor privado na formulação e na implementação das políticas
educacionais e criou uma série de aparatos legais e administrativos
para consolidar essa interlocução com o Estado, principalmente no
que favorece as parcerias. Podemos citar como exemplos, no Brasil, a
Lei n. 9.608/1998, que dispõe sobre os serviços voluntários; a Lei n.
9.637/1998, que qualifica as entidades como “pessoas jurídicas de direi-
to privado, sem fins lucrativos”, e a Lei n. 9.790/1999, que regulamenta
a participação do Terceiro Setor na gestão pública (LUZ, 2011, p. 443).
Outros temas têm tomado a educação no país, como a inclusão na escola frente
a uma estrutura excludente, tanto física como humana. A polêmica sobre as
cotas nas instituições de ensino superior, como tentativa de correção do des-
compasso histórico que classes sofreram, como indígenas, pessoas negras ou
de renda baixa. A questão racial tem sido debatida nos conteúdos de história,
literatura e geografia, conforme está previsto na lei 10.639 de 2003, no tocante
aos conteúdos de História e cultura africana e afro-brasileira. Além disso, há o
desafio de incluir na educação 660 mil brasileiros entre 7 e 14 anos que ainda
estão fora da escola.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Caro(a) aluno(a), há muito que fazer pela educação brasileira, isso é uma cer-
teza. Ela tem muitos descaminhos, muitas vezes fantasias. Propostas de uma
educação que esbarram no idealismo estão expressas nos planos educacionais
de muitas instituições de ensino. Não podemos condenar a busca de um ideal,
mas temos que ter algumas necessidades básicas cumpridas na formação do ser
humano para libertá-lo de seus limites: a instrução básica, o acesso à informa-
ção escrita e a capacidade de entendimento sobre o que se lê.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Propostas de uma educação melhor que esbarram no idealismo de quem
projeta os planos educacionais e pouco sentido prático de um ser humano que
precisa ser educado com mecanismos básicos e fundamentais para sua formação.
Outro tema constante dentro da “sala de aula” brasileira é a desigualdade que
rege nossas vidas e se expressa no desempenho dos educadores e dos educan-
dos. As incontáveis pesquisas feitas sobre o desempenho da escola brasileira e as
inúmeras demonstrações do fracasso da educação pública revelam sua incapaci-
dade de emancipar a pessoa e lhe dar o mínimo. A instrução debilitada expressa
a miséria em que muitos vivem, mais pela falta de qualidade humana do que
de condições materiais. A primeira precede a segunda. A instrução debilitada
expressa o foco da miséria, o que revela a história de uma falta de compromisso
para com a educação e a estreita relação que o sistema privado dispõe e inter-
fere nesse campo, perpetuando as assimetrias sociais.
As mudanças que ocorreram nos últimos 30 anos devem ser consideradas,
não há dúvida, mas o que ainda permanece uma incógnita é o futuro da instru-
ção pública no país. Os exames implantados pelo governo federal, como o Prova
Brasil e o ENEM merecem elogios. Podem não ser precisos em sua medida, mas
afere o que nunca foi denunciado antes, precisamos de qualidade, mais do que
quantidade. É isso que esta Unidade procurou apontar.
Revolução de 30 (1980)
REFERÊNCIAS ON-LINE
1
Em: <http://www.franklinmartins.com.br/estacao_historia_artigo.php?titulo=o-
-povo-assistiu-aquilo-bestializado-artigo-de-aristides-lobo-1889>. Acesso em: 17
ago. 2016.
2
Em: <http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/DIP>. Acesso em: 26
out. 2016.
3
Em: <http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/luis_carlos_
prestes>. Acesso em: 24 out. 2016.
4
Em:<http://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/documen-
tos/2015/notas_sobre_o_censo_da_educacao_superior_2014.pdf>. Acesso em: 22
out. 2016.
205
GABARITO
1. C.
2. O Ministro Capanema, que cuidava tanto da educação como da saúde, implan-
tou a reforma no ensino médio. A educação deveria exaltar o civismo associado
ao valor do trabalho e à qualificação da sociedade em seus diferentes segmen-
tos. Preparar o operário, mas também qualificar as elites. As universidades deve-
riam estar preparadas para o desenvolvimento da liderança com caráter patri-
ótico. O trabalhador deveria ser qualificado e voltado a uma especialidade em
benefício do desenvolvimento do país. Até mesmo as mulheres deveriam rece-
ber uma educação adequada para a complementação da educação doméstica.
3. A.
4. E.
5. Não é possível afirmar que as mulheres estavam no mesmo patamar que os
homens, pois no regime republicano elas passaram a desempenhar funções
nas instituições de ensino. Incentivadas a se dedicarem à educação, mas com
baixos salários, elas foram incorporadas ao sistema de ensino para cuidar do
ensino fundamental e normal. Elas passaram a ter uma escolha a mais em um
destino marcado pela submissão à figura masculina. Para a maioria das mulhe-
res, o destino era casar, serem operárias, trabalhadoras agrícolas, lavadeiras ou
parteiras.
Professor Me Gilson Aguiar
Professor Me Rodrigo Pedro Casteleira
FILOSOFIA, MODERNIDADES
V
UNIDADE
E CORPOS
Objetivos de Aprendizagem
■■ Subsidiar discussões sobre teorizações referentes aos períodos
Moderno e Pós-Moderno.
■■ Apontar conceitos referentes a algumas noções sobre identidade e
corpo nos âmbitos filosóficos e históricos.
■■ Identificar situações sobre os processos identitários que perpassam
os espaços escolares.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ O chamado período moderno e algumas interpretações
■■ Algumas questões para se pensar a filosofia atual
■■ A filosofia da linguagem
■■ Corpos: saberes que atravessam fronteiras
209
INTRODUÇÃO
Introdução
210 UNIDADE V
Conceituar o período moderno não é tão simples como se pensa, uma vez que
o termo carrega conceituações diferentes conforme quem escreve sobre. Após
o Iluminismo, conforme estudado nos capítulos anteriores, a concepção de
humanidade se modificou, bem como os saberes que agora se ancoram na racio-
nalidade. Nos capítulos anteriores existem discussões referentes ao século XIX e
XX, focando o romantismo alemão com Kant ou nas discussões trazidas por Marx
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
sobre o capital e mais valia. Ambas correntes influenciam na maneira de se pen-
sar as pessoas, as estruturas de pensamento e, portanto, no âmbito da educação.
O século XX se revelou para a humanidade como emblemático por trazer
brigas belicosas, armamentos de destruição em massa, um crescimento popu-
lacional desenfreado somado à exploração grandiosa dos recursos naturais.
Apesar disso, a virada do século, dos 1800 para os 1900, que nos oferta um grande
desenvolvimento científico, como na física com a quebra de paradigma com a
Teoria Quântica, por Max Planck (1900), e a Teoria da
Relatividade, de Albert Einstein (1905). Este século
é ainda o palco para a “Virada Linguística”, que con-
siste em trazer para o campo filosófico as análises
da linguagem humana.
Esses e outros eventos acabam por ‘provocar’ a
filosofia, que não pode assistir a tudo isso de forma
passiva e muda. Ela precisa se movimentar a respon-
der, mesmo que surjam soluções diversas ou mesmo
contraditórias, como o conceito de modernidade. O
conceito de Moderno gera diversas interpretações,
selecionamos algumas teorizações para delinear um ©shutterstock
Não é possível, segundo ele, inferir uma noção de unidade história, mas de rup-
turas, ou descontinuidades, entre os sistemas agrários, por exemplo, em que o
modo de produção tradicional é substituído. Giddens (1991) indica três carac-
terísticas de descontinuidades: o ritmo de mudança, que revela a velocidade com
que as coisas se modificam; o escopo da mudança, em que lugares distantes são
postos em contato de forma virtual, o que implica em modificações sociais e a
natureza intrínseca das instituições modernas, característica que indica que algu-
mas formas sociais não estão embasadas em um período histórico precedente
(GIDDENS, 1991).
A modernidade, fruto do sistema de produção industrial e capitalismo, nos
conecta virtualmente, parece nos dar segurança e a sensação de controle, de inú-
meras possibilidades a realizarmos, contudo, não é o que sugere Giddens:
A modernidade expande as arenas de realização pessoal e de segurança
a respeito de amplas faixas da vida cotidiana. Mas a pessoa leiga — e
todos nós somos pessoas leigas a respeito da vasta maioria dos sistemas
peritos — devem guiar o carro de Jagrená. A falta de controle que mui-
tos de nós sentimos em relação a certas circunstâncias de nossas vidas
é real (GIDDENS, 1991, p. 129).
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o poder político e o poder científico. Para o autor, a divisão de tarefas (cultura,
ciência, política), por exemplo, não se concretizou porque a cada conhecimento
que emerge em determinada sociedade há a interferência. Essa interferência pro-
voca mudanças em toda a sociedade, mas não de forma isolada. Desta forma,
uma nova descoberta científica é, ao mesmo tempo, cultural, política e social.
O processo de hibridismo entre humanos e não humanos, por exemplo, gera
um ser composto por essas relações. Falar da camada de ozônio considerando
os problemas sociais representa essas relações de entrecruzamentos. As práticas
devem ser pensadas separadas, mesmo que o processo híbrido aconteça.
A partir do momento em que desviamos nossa atenção simultanea-
mente para o trabalho de purificação e o de hibridação, deixamos ins-
tantaneamente de ser modernos, nosso futuro começa a mudar. Ao
mesmo tempo, deixamos de ter side modernos, no pretérito, pois to-
mamos consciência, retrospectivamente, de que os dois conjuntos de
práticas estiveram operando desde sempre no período histórico que se
encerra (LATOUR, 1994, p. 16).
Latour (1994), então, sugere que a humanidade nunca foi moderna efetivamente,
o que pode nos faz suscitar inúmeras questões sobre o que de fato seríamos, mas
a questão aqui é lançar possibilidades para se pensar outras teorizações sobre os
fluxos de tempo da/na humanidade.
Bauman (2013), por sua vez, tem outro entendimento do que seja moderno e
pós-moderno, trazendo discussões atreladas à ideia de fluidez constante nas rela-
ções todas. Essa plasticidade ele chama de liquidez, tanto que a maioria de suas
Heráclito (535-475) foi um filósofo da natureza que acreditava que tudo es-
tava em constante mudança, o devir. Esse devir era a luta entre os contrários,
em que tudo está no campo do vir-a-ser.
Fonte: Störig (2008, p. 109-110).
Os autores, desta forma, acabam por ser opostos do que pensam sobre os perí-
odos. Se para Latour a humanidade não está no Moderno, pois o projeto não se
efetivou, como Bauman indicaria uma Pós-Modernidade? Ambos trazem teo-
rizações pontuais para se pensar os fluxos históricos da humanidade ocidental,
o que acaba por se espraiar nas definições da educação, como uma noção de
identidade que se modifica constantemente ou aquelas que são atravessadas por
diversos saberes continuamente podem ser abarcadas? Para além de responder
uma noção de ‘verdade’, trazer tais apontamentos para as discussões é reconhe-
cer a existência de identidade que ‘escapam’ de conceitos mais fechados, o que
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promove a existência de fenômenos que merecem atenção também da filosofia.
matéria humana que é o ser humano, e essa é a parte que não se altera. Esse tra-
balho se realiza em conjunto a outras pessoas.
A imagem trazida pelo inglês Charles
Darwin rompe com diversas dinâmicas reli-
giosas ao defender que a humanidade é um
produto da evolução animal, e que ainda se
encontra em evolução, nos fornecendo mais
um pouco das ideias de relativismos. O ser
humano passa a ser investigado pelo com-
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A FILOSOFIA DA LINGUAGEM
Essas mediações sobre o mundo são repassadas sob o recurso da linguagem. Ela
foi tema central na filosofia clássica, como pensaram Platão e sua dialética ou
Aristóteles e suas categorizações, porém, após o século XVIII ela ganha novos
contornos e questionamentos, pois sem ela não teríamos a razão ou como falar
sobre o mundo. Dito de outro modo, sem linguagem não há o mundo.
Dentro da filosofia da linguagem uma das pessoas que mais contribuiu foi
Ludwig Wittgenstein (1889-1951). Austríaco naturalizado britânico, é dele a
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frase descrita na imagem anterior, que traduzida seria: “os limites da minha lin-
guagem são os limites do meu mundo”. O filósofo da linguagem pode ser ser
compreendido em dois momentos distintos, tanto pela idade como pela forma
de escrita. O ‘primeiro’ Wittgenstein escreve a obra “Tractatus logico-philosophi-
cus”, uma obra com poucas páginas em que elabora uma dinâmica de escrita de
difícil compreensão e em cadência de aforismos (textos sintéticos) enumerados.
Essa obra emprega as teorias de linguagem cotidiana com a utilização de
um rigor apurado e com precisão, o que a afasta do uso cotidiano. Sua escrita
é radical, de tal forma que pensa que não precisa de qualquer retoque, o que o
leva a acreditar que qualquer palavra dita deve ser analisada sem que haja qual-
quer dúvida sobre.
No entanto, o ‘segundo’ Wittgenstein percebe que a linguagem demanda das
relações entre as pessoas que a partilham. Em sua obra “Investigações lógicas”
revela o que ele chama de ‘jogos de linguagem’. Esse ‘jogo’ é similar ao xadrez,
em que as pessoas que jogam precisam compreender as regras para exista o
acordo. Quando falantes se comunicam, a língua precisa ser dita e compreen-
dida de forma simétrica, indiferente se segue uma estrutura ‘rígida’ ou não, falar
é ser compreendida. A linguagem pode ser comparada à organização de uma
cidade: o centro é estruturado, seguindo uma ordem e planejamento, ao passo
que a periferia tem um fluxo mais plástico, mais ‘caótico’. Ambos se constituem
como elementos da mesma cidade, como a linguagem que possui elementos mais
organizados, porém, não é rígida e imutável.
Se utilizarmos como exemplo uma sala de aula notaremos como quem leciona
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e quem está nos bancos escolares nem sempre possui a mesma sintonia linguís-
tica. As regras de linguagem devem ser partilhadas e compreendidas para que
a comunicação se efetive.
A Filosofia da Linguagem
218 UNIDADE V
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quem leciona. Dentro desse universo curricular e de linguagem temos o corpo.
Ele é, em certa medida, uma linguagem, ou como diria Le Breton (2012), uma
fronteira “para delimitar perante os outros a presença do sujeito. Ele é o fator
de individuação” (LE BRETON, 2012, p. 32) e, por esse motivo, o corpo será o
próximo elemento a discutirmos.
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sas instituições: colégios, prisões, hospitais, conventos, fábricas etc. O filósofo
investigou esses espaços e concluiu que são de controle e, para isso, o recurso da
punição se constitui como algo a fim de regular as ações:
não punir menos, mas punir melhor; punir talvez com uma severida-
de atenuada, mas para punir com mais universalidade e necessidade;
inserir mais profundamente no corpo social o poder de punir (FOU-
CAULT, 2008, p. 70).
O papel da disciplina, que está ligada ao poder, é o de adestrar os corpos para ati-
vidades mais ligadas à ‘utilidade’. Nessa relação se encontra a escola, que funciona
como uma arquitetura de controle (salas separadas por ano/série, carteiras enfi-
leiradas, corredores cada vez mais estreitos, muros altos) e um rol de regras que
determina explicitamente o que se pode ou não fazer, assim como existem deter-
minações implícitas nas relações. Um caso dessa estrutura de ‘adestramento’ dos
corpos seria o de pedir para que todas as pessoas se levantem para uma oração
inicial em uma escola pública. O discurso de ‘respeito’ solicitado funciona como
dispositivo para controlar os corpos em nome de uma expressão de fé subjetiva.
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Não é possível, então, pensar no corpo apenas como um aparato biológico, mas
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também cultural. Dentro dessa premissa, não podemos ignorar as tecnologias.
Elas são responsáveis pela elaboração das corporeidades também: uso de cremes,
próteses, tecidos e toda uma gama de recursos extra ou intra-corporal.
Donna Haraway (1944-), uma bióloga e filósofa, traça um mito ficcional e
político para falar da gênese de corpos ciborgues na obra ‘Manifesto ciborgue’.
Um corpo ciborgue carrega “hibridismos teóricos e das composições orgânicas
e fabricadas que mesclam para si” (CASTELEIRA; INOCÊNCIO, 2016), ou seja,
trata-se de um corpo que está atravessado pelas tecnologias que o conduzem a
uma esfera não apenas orgânica, mas também inorgânica.
Um ciborgue é um organismo cibernético, um híbrido de máquina e
organismo, uma criatura de realidade social e também uma criatura
de ficção. Realidade social significa relações sociais vividas, significa
nossa construção política mais importante, significa uma ficção capaz
de mudar o mundo (HARAWAY, 2009, p. 36).
Pensemos, por exemplo, nas pessoas que utilizam próteses para suas mobilidades
e frequentam os espaços escolares, em que medida as escolas e currículos estão
preparados para recebê-las? Trazer discussões históricas e filosóficas acerca da
corporeidade pode dar um panorama de como ele foi representado e pensado.
Partindo disso, a noção de um corpo ‘pronto’ se esvai, pois ele não é um produto
acabado, mas plástico, está sempre em construção de suas fronteiras.
Esses corpos, que rompem com a considerada normalidade (gordos, negros, ciga-
nos, indígenas, de religiosidades não cristãs, não heterossexuais, não jovens), estão
em trânsito nos espaços, inclusive nos escolares. A fim de garantir uma equidade
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O currículo, além de não ser neutro, se relaciona com os processos sociais e his-
tóricos. Em um momento em que a crescente industrialização gera constantes
demandas, a instituição escolar recebe novas responsabilidades para as soluções
de problemas sociais que surgem graças às modificações econômicas. Frente a
isso, a escola e currículo foram alvos de críticas no tocante ao aparato social, com
a chamada teorias da correspondência, com sua gênese nos anos 70.
Mas não são apenas as teorias marxistas que criticam as abordagens técnicas,
como as propostas por Dewey, a partir de 1960 com a expansão dos movi-
mentos de contracultura, que chegam ao Brasil em 1970 e o influencia mesmo
durante o sistema ditatorial. As experiências curriculares e sua transcendência
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quanto às atividades, desde Dewey, conforme descreve Lopes e Macedo (2011,
p. 33), não conseguem resolver o problema do “hiato entre os planos curricu-
lares e sua aplicação”.
Os conceitos curriculares de matriz fenomenológica defendem uma estrutura
aberta à experiência das pessoas e que esteja além dos saberes sociais prescri-
tos por estudantes. O nome mais marcante dessa corrente é o de Paulo Freire.
Como já vimos, o educador considera a vida e a vivência cotidiana no espaço
escolar como forma de ensino guiado também por outras teorias, como o exis-
tencialismo e marxismo. Freire propõe “uma pedagogia baseada no diálogo e,
nesse sentido, vai além da análise das formas de funcionamento da ideologia e
da hegemonia” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 34), defendendo a posição de que
a educação se opõe ao sistema reprodutivo.
Uma outra teoria curricular é o que se alicerça nos estudos pós-curricula-
res, iniciados no Brasil por volta de 1990 despontando com os escritos de Tomaz
Tadeu da Silva (1957-). O pós-estruturalismo agrega ideias do estruturalismo,
sobretudo as que revelam a desconstrução de conceitos curriculares que se
apoiam na linguagem para instituir o que seja social. Dito de outra forma, nas
teorias pós-estruturalistas o significado de determinada coisa só o é porque foi
construído socialmente. A realidade é elaborada pela linguagem, que é forne-
cida pelo sistema, segue que para entender o mundo passa a ser necessário que
as estruturas sejam compreendidas sob análises da linguagem, como defende o
estruturalismo (LOPES; MACEDO, 2011).
Stuart Hall (1932), um pensador jamaicano, é conhecido pela escrita em que foca
sobre as definições de cultura, raça e identidades, chamando a atenção para as
crises das identidades e o papel da biologia cada vez mais questionado pelos des-
lizamentos das instabilidades sociais. Aquela identidade fixa e rígida iluminista,
que representava o centro das pessoas não passa de uma fantasia (HALL, 2006).
Os antigos paradigmas de referenciação identitárias estão em processo de des-
truição, uma vez que novos referenciais surgem, cada vez mais decalcada de
outros elementos.
As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo
social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmen-
tando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado
(HALL, 2006, p. 7).
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turas políticas e, portanto, nas linguagens e relações artificiais. As identidades
requerem para si sempre o que lhes falta, por isso do processo de decalques, de
fragmentos de outras para tentar completar uma que nunca será ou foi, mas estará
em processo. O móvel é a afirmação, o que desestrutura as afirmações ‘irrefutá-
veis’ biologizantes e se ancora na mobilidade histórica.
A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transforma-
da continuamente em relação às formas pelas quais somos representa-
dos ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. É definida
historicamente e não biologicamente (HALL, 2006, p. 12-13).
ou mesmo que suas marcas culturais estão no mesmo conjunto de cultura que
as nossas, por exemplo. A forma sugerida por Moreira e Candau (2007) para que
as relações de assimetria sejam minimizadas é a de que o currículo seja trans-
formado em um espaço de crítica cultural, em que a cultura de estudantes e de
fora dos muros dialogue.
Um dos caminhos é abrir as portas, na escola, a diferentes manifesta-
ções da cultura popular, além das que compõem a chamada cultura
erudita. Músicas populares, danças, filmes, programas de televisão, fes-
tas populares, anúncios, brincadeiras, jogos, peças de teatro, poemas,
revistas e romances precisam fazer-se presentes nas salas de aula. Da
mesma forma, levando-se em conta a importância de ampliar os hori-
zontes culturais dos(as) estudantes, bem como de promover interações
entre diferentes culturas, outras manifestações, mais associadas aos
grupos dominantes, precisam ser incluídas no currículo (MOREIRA;
CANDAU, 2007, p. 41).
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1998, Art. 3, III).
As diretrizes para o ensino médio, por sua vez, dão sequência a essa noção de
identidades e culturas dentro do currículo, revelando que as expressões sociais
contribuem para o processo formativo de ser uma pessoa cidadã.
Art. 6º O currículo é conceituado como a proposta de ação educativa
constituída pela seleção de conhecimentos construídos pela socieda-
de, expressando-se por práticas escolares que se desdobram em torno
de conhecimentos relevantes e pertinentes, permeadas pelas relações
sociais, articulando vivências e saberes dos estudantes e contribuindo
para o desenvolvimento de suas identidades e condições cognitivas e
sócio-afetivas (BRASIL, 2013, p. 195).
Escola, ainda que seja configurada como dispositivo de poder, precisa se abrir
às identidades todas. Receber as demandas sociais e reconhecer as diferenças
todas trazidas pelas identidades é educar para uma sociedade cidadã. Os diver-
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sos currículos e teorias sobre corpos e/ou identidades estão em constante atrito,
algumas teorias na tentativa de criar uma hegemonia social, quando ela a cada
dia é mais provisória.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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performatividades, como o gênero por exemplo. Longe de fecharmos alguma
definição pontual, a ideia é a de provocar em que medida os corpos foram ana-
lisados, vigiados e punidos de forma a responder a um poder disciplinar. Esse
controle tenta, a todo momento, guiar nossos gestos, desejos, sexualidades, reli-
giosidades, etnias, o que se espraia na escola.
Os corpos não mais aparatos orgânicos e biológicos, mas culturais, tecno-
lógicos e híbridos, ganhando uma dimensão que antes parecia residir apenas
em obras ficcionais. Corpos considerados abjetos, estranhos, divergentes ou
anormais, estão presentes em nossa estrutura social, ainda que marginalizados
culturalmente. É dever de uma escola democrática considerar que, ao longo da
história, esse corpo está conectado a uma identidade e merece tanta atenção
como aos demais.
A escola, enquanto instituição de ensino, não deve ser omissa ao que se
segue na sociedade para além dos muros, como se fosse uma ilha isolada. Os
fenômenos existem e as ciências os investigam e o categorizam, mas para além
disso, tais fenômenos estão nos espaços escolares e merecem atenção pedagó-
gica, didática e humana.
A maneira para que haja esse diálogo é por intermédio do currículo, que
guiará o trabalho docente. Ele, ao se guiar pelos documentos legais, considera
tais diversidades e plasticidades no convívio escolar, o que pode minimizar as
violências e preconceitos.
1. Bruno Latour acredita que a Modernidade nunca deixou de ser projeto. Justifi-
que.
2. Sobre as relações da antropologia filosófica, leia as sentenças a seguir:
I. A base de discussões da antropologia filosófica é o ser.
II. Uma educação centrada da antropologia filosófica revela o anseio pela vol-
ta a um mundo mais natural e menos artificial.
III. A antropologia filosófica se ocupa mais com questões zoológicas do que
as culturais.
IV. A antropologia filosófica não foi gestada exclusivamente graças à filosofia
em si, mas ganhou corpo por causa das influências trazidas por outras ci-
ências que investigam a categoria humana, como a psicologia, sociologia
e biologia humana.
Assinale a alternativa correta:
a. Apenas I e II estão corretas.
b. Apenas II e III estão corretas.
c. Apenas I está correta.
d. Apenas I e IV estão corretas.
e. Nenhuma das alternativas está correta.
3. O corpo foi e é amplamente estudado, o que revela olhares diferentes segundo
a história e a filosofia ao decorrer do tempo. Frente a isso, leia as sentenças e
assinale Verdadeiro (V) ou Falso (F):
( ) O corpo, como defendem Butler e Haraway, é mais amplo do que as
relações puramente orgânicas.
( ) O corpo pode ser considerado como linguagem e, como tal, pode ser
performatizado.
( ) O corpo na Idade Média foi considerado como fonte da racionalidade e
de conhecimento.
( ) A noção de corpo não pode ser considerada fixa e rígida, mas plástica e
em constante mutação.
( ) O corpo não precisa ser punido, segundo Foucault, pois ele compreende
a disciplina de forma quase que orgânica.
4. A escola pode trabalhar com um currículo que agregue as discussões sobre cor-
poreidades sem ferir algum documento legal? Justifique.
232
Problemas de gênero
Judith Butler
Editora: Civilização Brasileira
Sinopse: Judith Butler traz elementos históricos e filosóficos para se
analisar, de forma geral como os conceitos de gênero se estabelecem e
fazem marcar sua denominação aceita de modo equivocado, partindo
daquilo que se considera como ‘natural’. A proposta do livro chama a
atenção para o modo como as identidades foram demarcadas e que
não carregam uma essencialidade efetiva, mas talvez efêmera.
LOURO, G. L. Corpos, escola e identidade. In: Educação & Realidade, 25(2), p. 59-76,
jun./dez., 2000.
LE BRETON, D. Antropologia do corpo e modernidade. Trad. Fábio dos Santos Cre-
der Lopes. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2012.
LOPES, A. C.; MACEDO, E. Teorias de currículo. São Paulo: Cortez, 2011.
MOREIRA, A. F. B.; CANDAU, V. M. Indagações sobre currículo: currículo, conheci-
mento e cultura. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica,
2007.
SILVA, T. T. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2.
ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
STÖRIG, H. J. História geral da filosofia. Petrópolis: Vozes, 2008.
VARELA, B. L. O currículo e o desenvolvimento curricular: concepções, práxis e
tendências. Cabo Verde: Edições UNICV, 2013.
237
GABARITO
Prezado(a) aluno(a), esperamos que a proposta feita no início desta obra tenha se
concluído, suscitando conteúdo dinâmico e atual dentro do possível, tendo consci-
ência dos limites da totalidade da filosofia e de como ela e a história atravessam o
processo educacional.
A primeira Unidade resgata os pensamentos gregos e romanos clássicos, que deram
bases ao pensamento medieval e escolástico; notamos o quanto a reinterpretação
da filosofia grega se modifica no ocidente pelo ideário cristão, que ganha cada vez
mais terreno. O Iluminismo, por sua vez, traz o contraponto em relação ao conheci-
mento separando a razão da fé, o que deu base para a elaboração de saberes mais
modernos. A preocupação com o método guia as estruturas sistemáticas, que dão
a tonicidade desse período, além da preocupação em construir um pragmatismo e
noções de individualidade que crescem na dinâmica capitalista.
A segunda Unidade contemplou os grandes clássicos das ciências sociais. O positi-
vismo de Comte, o estruturalismo de Durkheim, o materialismo de Marx e a história
cultural de Weber.
A terceira e quarta Unidades revelam as influências europeias recebidas pelo Brasil
desde a chegada de jesuítas até o período do império. Essas influências perpassam
a dinâmica educacional e deixam uma marca que pode ser vista hoje nas estrutu-
ras escolares. No período getulista a educação esteve a serviço do Estado, sob uma
base tecnocrata e tecnicista, objetivando uma população qualificada para o proces-
so industrial e não emancipatório, mas não se pode negar a modernização nesse
período.
Na última Unidade há uma provocação tendo por premissa a filosofia antropológi-
ca, em que as noções de modernidade e pós-modernidade permeiam os corpos, o
que implica em se pensar outras pessoas que possuem corpos considerado ‘não-
-normais’ e que estão nos espaços educacionais. Ao se compreender uma educação
para todas as pessoas, se compreende que não pode haver distinção ou apagamen-
to desses sujeitos.
Este trabalho, que chega agora à sua conclusão, será sempre um ponto de partida
para uma nova revisão.
Desejamos a você muito sucesso!