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Satyre Buvante –
Detalhe de pintura mural.
Pompéia – Villa dos Mistérios.
MAIURI, A. “La Pinture Romaine”.
Genève – Paris – New York:
Editions d’art Albert Spira, 1953. INFORMATIVO
TÉCNICO
CIENTÍFICO
DO INES
Nº 21
JUN/2004
Realização
Debate
Educação de Surdos
e Corporeidade:
do Silêncio ao Grito
na Gesticulação Cultural
Espaço Aberto
Presbiacusia e Saúde Pública
As Origens Sociais e Políticas da
Noção de Cultura Surda na Cidade
do Rio de Janeiro
CARACTERIZAÇÃO DAS SEÇÕES
DA REVISTA ESPAÇO
Espaço Aberto
Artigos de relevância teórica pertinentes à
área da surdez
Debate
Tema previamente escolhido a ser discutido
por diversos autores
Atualidades em Educação
Artigos de relevância teórica pertinentes
à área da Educação
Reflexões sobre a prática
Discussões e relatos de experiências de
profissionais sobre sua prática
Produção Acadêmica
Referência de dissertação de mestrado e teses
de doutoramento na área da surdez realizadas
em instituições nacionais e/ou internacionais
Resenhas de livros
Apresentação de resumos de obras
Material técnico-pedagógico
Divulgação de materiais produzidos
Visitando o acervo do INES
Apresentação de material de relevância
histórica constante no acervo do INES
Envio de artigos:
Os trabalhos submetidos à apreciação devem
ser acompanhados de carta do autor respon-
sável autorizando a publicação. Uma vez acei-
tos, não poderão ser reproduzidos total, nem
parcialmente, sem autorização do autor. A re-
produção de trabalhos de outros periódicos de-
verá ser acompanhada de menção da fonte,
dependente ainda da autorização do editor.
Os artigos submetidos serão avaliados e todo
texto aprovado passará por revisão da Comis-
são Editorial.
Cada texto deverá portar identificação do(s)
autor(es) e respectivo(s) endereço(s) eletrônico(s)
a ser(em) divulgado(s).
Resumo: Normas para publicação na
Todos os artigos submetidos em português ou
espanhol deverão ter resumo no idioma origi- Revista Espaço
nal e em inglês, com um mínimo de 100 pala-
vras e no máximo 200 palavras. Os artigos Os interessados em enviar artigos para a revista Espaço
submetidos em inglês deverão vir acompanha- devem seguir o seguinte padrão editorial
dos de resumo em português, além do abstract
em inglês. • Os textos deverão vir digitados no programa Word for Windows;
• Os artigos deverão ter título e trechos do texto em destaque (olhos);
Referências Bibliográficas: • Formatação: papel tamanho A4, com margem superior e inferior com
Serão baseadas na NBR-6023 da ABNT/1989,
4,5 cm; margem direita e esquerda com 3,0 cm;
ordenadas alfabeticamente pelo sobrenome
• Cada matéria deve ter no máximo 6 páginas; cada página com 30 linhas;
do autor e poderão ser numeradas em or-
• Corpo do texto: digitação na fonte Times New Roman, tamanho de 11
dem crescente. A ordem de citação do texto pontos e entrelinha de corpo 12; justificado; título em negrito, alinhado à
poderá obedecer a esta numeração. Nas re- esquerda e separado do corpo do texto com 2 espaços;
ferências bibliográficas com mais de três au- • Referências bibliográficas, citações e notas: devem ser observadas as normas
tores, citar o primeiro autor seguido de et al. da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) em vigor;
A exatidão das referências bibliográficas • Enfatizamos que as referências bibliográficas devem ser colocadas no
é de responsabilidade dos autores. final do texto e na utilização de notas deve ser tomado, como padrão, o
uso do rodapé.
Comissão Editorial
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
SUMÁRIO
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2 Editorial
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INES
3 Espaço Aberto
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ESPAÇO
ESPAÇO
As Origens Sociais e
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Políticas da Noção de JUN/04
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Cultura Surda na Cidade
○
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do Rio de Janeiro
Mário José Missagia Jr ○
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○
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1
85 Produção Acadêmica
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63
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10
○
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A Inclusão de Alunos D issertações e teses
○
○
Presbiacusia e Saúde Surdos na Escola Regular produzidas na área da
○
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○
Pública
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Amélia Rota Borges surdez
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Profª Ms. Leila Couto Mattos
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69 Reflexões sobre a 89 Resenhas de Livros
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○
18 Debate
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prática
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Aportes para a Formação
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Surdas: Na Espreita do P ré- escola
ré-escola 91 Material
○
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Entre
Entre-- saber
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Técnico-Pedagógico
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74
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24 92 Agenda
○
As Imagens e os TTextos
extos
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Corporeidade: Do Silêncio
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Questão de Relevância
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no endereço:
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Comissão Editorial:
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83 Visitando o acervo
○
Entre o Real e o
○
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Imaginário: Processos
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Simbólicos e Corporeidade
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v.
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54 Atualidades em Semestral
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Estudantes Surdos
○
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94-0100 CDU-376.33
○
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EDITORIAL ○ ○ ○ ○ ○ ○
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INES
D entre os vários artigos apresentados nesta publicação da ESPAÇO, aque-
les que compõem a seção Debate dizem respeito, mais uma vez, à subjeti- ISSN 0103-7668
vidade como essencial ao aprendizado e, desta feita, enfatizando, talvez de
GOVERNO DO BRASIL
ESPAÇO
ESPAÇO modo inédito, estudos do imaginário. Imaginário não no sentido do irreal que se
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
opõe ao real, conforme se costumam dizer de devaneios, sonhos, crenças, mi- Luiz Inácio Lula da Silva
JUN/04
tos, romances, ficção. Ao invés disso, imaginário que comporta tanto uma
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
dimensão representativa e verbalizada como uma dimensão emocional,
Tarso Genro
2 afetiva que toca o sujeito, como nos diz, em seu artigo, Maria Cecília Sanchez
Teixeira. É de fato nesse sentido que podemos pensar sobre a importância do SECRETARIA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
Cláudia Pereira Dutra
imaginário em formações e práxis pedagógicas fundadas em territórios de “en-
tre-saberes”, lugares privilegiados de diálogos que atravessam várias áreas do INSTITUTO NACIONAL DE
EDUCAÇÃO DE SURDOS
conhecimento e de dimensões humanas, sem que nenhuma perca sua
Stny Basilio Fernandes dos Santos
especificidade, mas caminhe, inevitavelmente, rumo a uma desejável
interdisciplinaridade e a uma transdisciplinaridade, como bem aponta o artigo DEPARTAMENTO DE
de Lúcia Maria Vaz Peres. DESENVOLVIMENTO HUMANO,
CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO
Os artigos alojados na seção Debate nos convidam, então, a repensar a
Nadia Maria Postigo
educação e o espaço escolar para além da base epistemológica aristotélica-
cartesiana, cujos pilares repousam em postulados da identidade, da exclusão e ESPAÇO é o informativo técnico-científico
da não-contradição, via lógica de cunho anti-tético (corpo ou mente, sujeito ou de Educação Especial para profissionais da
área da surdez. Os trabalhos publicados
objeto). Diferente disso, as três matérias discutem um outro olhar
no Informativo técnico-científico ESPAÇO
“epistemológico” dirigido à prática pedagógica e amparado em princípios que podem ser reproduzidos desde que citados
nos possibilitam transpor fragmentações, exclusões, dicotomias e hiper-especia- o autor e a fonte. Os trabalhos assinados
lizações presentes, ainda hoje, no mundo ocidental. Afinal, merece destaque a são de responsabilidade exclusiva
razão sensível – um dos princípios desse outro modo de “olhar” – como sendo dos autores.
alternativa para captar a racionalidade dos processos simbólicos, a partir da DIVISÃO DE ESTUDOS E PESQUISAS
corporeidade, para além da dicotomia sujeito/objeto, conforme bem assinala Leila de Campos Dantas Maciel
Marcos Ferreira Santos, em seu artigo. Enfim, nesses três textos somos contem-
EDIÇÃO
plados com uma abordagem que privilegia a inter-relação entre processos sim- Instituto Nacional de Educação de
bólicos e corporeidade, se estendendo ainda a reflexões pertinentes à gesticula- Surdos – INES
ção própria da pessoa surda. Rio de Janeiro – Brasil
Por sinal, foi seguindo a trilha de estudos do imaginário que escolhemos
COMISSÃO EDITORIAL/EXECUTIVA
para a seção Visitando o Acervo do INES o trabalho desenvolvido pela equipe Carmen B. Capitoni
de professores e monitores surdos, em nossa Biblioteca Infantil. Especialmente Marcelo M. Costa Lima
lá, é que lendas, contos infantis, folklore, sonhos e fantasias colocam em “alto Marilda P. de Oliveira
relevo” a magia do aprender, cujo canto se conjuga com a racionalidade e, Marta Ciccone
portanto, de lá podemos dizer ser um local de re-(en)canto! PARECERISTAS
Quanto à pintura mural escolhida para a capa deste número e que faz refe- Prof. Dr. Eduardo Jorge C. da Silva - IFF
rência à embriaguez dionisíaca, gostaríamos de explicitar que nossa intenção foi Profª Drª Elizabeth Macedo - UERJ
a de que servisse como possível pano-de-fundo para o estudo do imaginário, a Profª Drª Mônica Pereira dos Santos - UFRJ
ser entendido como algo que, se não comporta uma extremada objetividade, PROGRAMAÇÃO VISUAL
fragmentações e exclusões, tampouco se reduz ao pânico dionisíaco como uma I Graficci
análise precipitada, ingênua e preconceituosa poderia fazer crer. Em última IMPRESSÃO
instância, campos do imaginário dizem respeito àquilo que nos é mais huma- Gráfica Rio Branco
no: a nossa fraternidade. Certamente, se “os homens podem se ‘compreender’ TIRAGEM
mutuamente através do tempo, da história e da distância das civilizações [...] 5.000 exemplares
é porque toda a espécie homo sapiens possui um patrimônio inalienável e
fraterno que constitui o império do imaginário”1. Assim sendo, quem somos Contribuições, bem como
cada um de nós, senão o homo symbolicus de que nos fala o filósofo Ernest pedidos de remessa, deverão
Cassirer? ser encaminhados para:
Sem dúvida alguma, nas tantas outras seções da presente edição da ESPAÇO Instituto Nacional de
serão encontrados novos discursos também sumamente instigantes. Entende- Educação de Surdos
mos que, tal qual os demais, de idêntico modo, esses outros não estarão esgo- Rua das Laranjeiras, nº 232/3º andar
tando respostas, ao mesmo tempo em que, seguramente, irão fomentar novas e Rio de Janeiro – RJ – Brasil CEP: 22240-001
férteis indagações. Que você – leitor e leitora – faça bom proveito!
Telefax: (21) 2285-7284/
2285-7546 r. 111
Comissão editorial E-mail: ddhct1@ines.org.br
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ diesp@ines.org.br
1
DURANT, Gilbert (1996) Campos do imaginário. Lisboa: Instituto Piaget.
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ESPAÇO ABERTO
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INES
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ESPAÇO
ESPAÇO
As Origens
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Sociais e Políticas
da Noção de
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Cultura Surda
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na Cidade do Rio
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de Janeiro
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lhar outras de modo a tentar con- tema estudado. Com esse instru- “Deaf Culture”. We have
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○
tribuir para elucidar os porquês mental originado nas Ciências considered three approaches
○
em torno da questão da “cultura fenômeno tão convergente com First of all, an anthropological
○
○
Surda”. Para tal, são privilegiadas a modernidade. view, we discuss the culture
○
primeira, uma visão antropológi- viewer, look for the social base.
○
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INES
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um forte e engajado discurso em
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favor do conceito de “cultura Sur-
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ESPAÇO
ESPAÇO
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da”. Práticas dessa comunidade
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JUN/04
○
não se distanciam desse movimen- geiros” conseguirem se definir de
○
○
to ideológico, podendo-se nela forma positiva (BEHARES, 1999),
4
○
identificar uma postura ativa na ou seja, formularem uma identi-
○
○
luta e no debate travado em tor- dade baseada não no que não são
○
○
no das questões referentes a ou que não têm, mas sim na afir-
○
“ações afirmativas”. A partir des- mação de traços próprios e indi-
○
○
sas evidentes constatações, uma viduais.
○
○
questão então se levanta: por que Como elemento mais eluci- pressuposto igualmente funda-
○
○
isto está ocorrendo? dativo e comprovador de tal sis- mental, essa teoria abriga, pois, a
○
Muitas respostas surgem e a tema cultural nasceria a Língua aludida visão do surdo como um
○
○
mais popular nos dias de hoje Brasileira de Sinais (LIBRAS, como “estrangeiro” (BEHARES, 1999) que
○
○
busca explicar o objeto referido será referida neste artigo), a qual não compartilharia com os ouvin-
○
○
através de questões de natureza seria prova de autonomia e sin- tes de suas representações cultu-
○
culturalista, fundando suas teses gularidade frente aos demais sis- rais por outra forma que não a da
○
○
em uma diferenciação entre “cul- temas. Por ser um meio totalmen- simples imposição3 destas por par-
○
○
tura Surda” e “cultura ouvinte”, te novo de classificar e tipificar o te dos ouvintes (TESKE, 2002).
○
vendo conflitos político-sociais
como frutos da negação, por par-
te dos ouvintes, de algo real que
existe de forma substantiva1: “a
Se os surdos são “estrangeiros” em relação
cultura Surda” (BEHARES, 1999).
à nossa sociedade, o que se denomina por
Segundo teorias desenvolvi- “cultura Surda” seria a expressão de uma
das por essa linha, a gênese des- forma concreta e substantiva de
sa “forma substantiva” seria fun- representar o mundo.
dada no encontro “surdo-surdo”
(BEHARES, 1999). Nesse encon-
tro dar-se-ia pela primeira vez uma mundo (incluindo, então, uma Em outras palavras, tal pressu-
○
○
troca verdadeira de experiências, estrutura e pensamento próprios), posto justificaria uma autonomia
○
○
na qual “estrangeiros”2 poderiam tal pode ser dito se admitido for da “cultura Surda”,4 já que fica
○
enfim dividir experiências distin- que esta seria a evidência de uma implícito ter havido uma divisão
○
○
tas de vida, de modo a dar ori- cultura baseada em um modo au- de símbolos e representações cul-
○
○
gem a um sistema comum de abs- têntico e singular de lidar com a turais com os que não são surdos,
○
a “cultura Surda”. Esta, por con- indivíduos, que não compartilham semos o papel da LIBRAS a ponto
○
○
seqüência, permitiria a tais “estran- do mesmo sistema cultural. Como de entendermos de outra forma
○
1
Por “existir de forma substantiva” deve-se entender uma forma independente e concreta, fundada numa gênese própria e individual.
2
O que se entende por estrangeiro é a idéia do surdo como indivíduo estranho às representações culturais de sua comunidade e, portanto, alijado de
contatos no próprio mundo em que se encontra.
3
Por “impor representações culturais” entenda-se aculturar, no sentido mesmo utilizado para falar da relação dos índios com os jesuítas, ou dos espanhóis
com os incas; ou seja, impor representações externas àquele grupo, através de relações de poder baseadas na coerção.
4
Aqui a surdez está escrita com “s” maiúsculo para fazer menção à surdez como identidade positiva, conceito o qual Behares desenvolve em seu texto “Línguas
e Identificações: as crianças surdas entre o sim e o não” no livro organizado por Skliar “A Surdez: um olhar sobre a diferença” - 1998.
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ESPAÇO ABERTO
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gua5, a um grupo cultural, sob o INES
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argumento de que dividiriam ESPAÇO
ESPAÇO
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uma estrutura comum de classifi-
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Surda” seria a expressão de uma cação e de tipificação do mundo
○
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forma concreta e substantiva de construídas na estrutura própria
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representar o mundo. Do contrá- de cada língua.
5
rio, se for decorrente da posi- Entretanto, existem algumas
○
as próprias causas que levariam abstração de cunho ideológico, escola culturalista norte-ameri-
○
surdos a promoverem os menci- fruto da relação de um grupo cana, em especial com a noção
○
○
onados movimentos sociais e po- com os demais dentro da mesma de cultura como uma seleção de
○
○
líticos. Esses movimentos, no en- sociedade e, portanto, tendo os respostas adaptativas que os ho-
○
tos de uma conjuntura política e sim como os mesmos “objetivos mas que o meio impõe (RUTH
○
○
dada em questões culturais am- (MERTOM, 1970). dizer que essa opção não se re-
○
○
plas e comuns, tanto a surdos, De qualquer modo, para dis- flete em radicalismos ou doutri-
○
dade e de outras sociedades oci- Surda” (BEHARES, 1999) o pri- posta cultural encontrada pelos
○
○
dentais modernas, nas quais se meiro passo é entendermos o que surdos para uma necessidade prá-
○
podem encontrar, sem dificulda- queremos dizer por cultura. Nos tica e específica do seu dia-a-dia,
○
○
de, grupos com propostas seme- trabalhos que versam sobre o a qual pode ser encarada como
○
○
lhantes e em condições sócio- tema, normalmente cultura é de- uma marca distintiva entre eles e
○
econômicas semelhantes. finida como um conjunto de re- os ouvintes. Essa marca traz mais
○
○
Em termos mais claros, a ques- presentações simbólicas do mun- do que uma pequena diferença,
○
○
tão epistemológica em que tal do. Ao se assumir essa definição, ela afeta toda a possibilidade de
○
○
pressuposto influiria é a seguin- fica supostamente simples igualar comunicação dos surdos e, por
○
te: se os surdos são “estrangeiros” um grupo de usuários de uma de- conseqüência, toda sua socializa-
○
○
em relação à nossa sociedade, o terminada língua, desde que es- ção, embora isto não queira di-
○
○
que se denomina por “cultura tes a tenham como primeira lín- zer que ele esteja alijado do con-
○
5
Língua nativa, ou com a qual existe relação mais estreita.
ESPAÇO ABERTO ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
com o dos surdos suecos. Ou seja,
○
também situações como essas
○
○
mostram como a cultura se repro-
○
○
duz em função do contato social,
○
INES
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mesmo quando não há uma lín-
○
ESPAÇO
ESPAÇO gua comum.
○
○
JUN/04 Outro elemento importante
○
○
para se pensar a cultura é a ques-
○
6
○
tão da continuidade. Como as cul-
○
Os trabalhos de oralização mais bem- turas se transmitem? Em todos os
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○
sucedidos são [...] aqueles feitos casos, esse processo se dá pelo
○
○
desde o primeiro ano de vida, o que contato, em primeiro lugar, com
○
○
a família que é o conjunto de pes-
pressupõe um diagnóstico precoce
○
soas que forma inicialmente o
○
○
mundo do indivíduo para, a par-
○
○
tir daí e gradativamente, este mun-
○
○
do ir se abrindo pelo contato com
○
tato com a comunidade que o tura do lugar onde o surdo viveu a sociedade e com outras crian-
○
○
rodeia, já que a comunicação se tenha tido força para nele impri- ças na educação formal.
○
○
dá por todos os sentidos. mir suas marcas, assim como nos No caso da criança surda, esse
○
○
Quando uma mãe, através de outros que lá viviam. processo se dá quase sempre em
○
um tapa ou de outra coerção Para deixar ainda mais clara a meio a ouvintes7, apesar de mar-
○
○
qualquer, produz um estímulo questão, vale a pena mencionar cado por fortes traumas e estig-
○
○
negativo associando-o com deter- também o texto de Mauss (2003) mas, os quais conturbam o curso
○
○
minada atitude, ela está transmi- intitulado Técnicas Corporais, no comum do processo, mas não o
○
○
tindo seus hábitos e seus costu- qual o autor demonstra como anulam por completo. A evidên-
○
mes, isto é, em uma escala maior atos dotados de um certo grau de cia empírica mais clara é a de que
○
○
de análise, sua cultura. Crianças involuntariedade6 são na verdade os surdos, com os quais é desen-
○
○
surdas têm o hábito de usar rou- moldados pela sociedade e, por- volvido um trabalho de ora-
○
○
pas assim como crianças ouvintes tanto, tornam-se traços represen- lização, muitas vezes conseguem
○
e se olharmos para os próprios tativos da cultura. Uma boa ilus- superar grande parte das dificul-
○
○
surdos que pregam o conceito de tração dada pelo autor é o modo dades, apesar de geralmente con-
○
○
“cultura Surda” poderemos reco- de andar das mulheres, o qual é tinuarem estigmatizados. Quando
○
○
nhecer elementos inegavelmen- diferente de cultura para cultura. não são falantes da modalidade
○
te culturais, os quais também são Se transportarmos essa ótica para oral de nossa língua, o processo
○
○
constatáveis nos ouvintes, como a nossa questão e compararmos, chega a pontos críticos, muitas
○
○
o padrão de beleza, ou o senso por exemplo, o modo de jogar vezes limitando o contato social
○
○
de humor. Sendo assim, não há bola de um surdo brasileiro com com a família e, no entanto, sur-
○
○
como negar que a comunicação o de um surdo sueco, não será dos não ficam privados de conta-
○
entre surdos e ouvintes se deu e, difícil constatarmos que, na mai- to com a cultura da sociedade de
○
○
ainda mais, que esta comunicação oria dos casos, o modo do surdo onde se originam. Já suas famí-
○
○
foi suficiente para que (exce- brasileiro terá mais a ver com o lias, mesmo que por meio de
○
○
tuados casos excepcionais) a cul- dos ouvintes brasileiros do que comunicação rudimentar, trans-
○
6
Involuntariedade no sentido de não se ter o completo domínio do processo, ou seja, não se constitui de uma ação completamente planejada, mas sim
de uma técnica de aprendizado social baseado na repetição.
7
É possível afirmar isto: a maior parte dos surdos nasce em famílias ouvintes. Esse fato serve para permitirmos concluir a baixa incidência de surdez por
motivos transmitidos hereditariamente. Além disso, grande parte dos surdos nasce ouvinte e perde a audição posteriormente, devido a doenças mal
tratadas, ou mesmo medicamentos mal aplicados, se tornando só então surdos.
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JUN/04
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7
deste serviço, principalmente, a
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mitem-lhes noções de certo e er- da para surdos usuários de LI- Depois, a modalidade oral do
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○
rado, além de outros valores vi- BRAS, já que os oralizados, ou português requer um trabalho
○
Assim, pois, a questão da cul- nais, não dividiriam uma mesma e periódico, o qual custa muito
○
○
tura nos ajuda a responder a per- forma de classificar e tipificar o caro. A situação fica ainda pior
○
○
gunta inicialmente levantada, mas mundo, assim como não compar- por não existirem profissionais
○
não constitui a única resposta por tilhariam dos mesmos símbolos. qualificados em número o bastan-
○
○
si só já que surdos, sejam eles Ademais, dentre a parcela carioca te para satisfazer a demanda.
○
○
oralizados ou não, compartilham (grupo ao qual o presente traba- Tal não bastasse, o surdo em
○
○
significativamente da sociedade lho se refere) é possível notar um questão também carrega o referi-
○
onde vivem. Mas, então, o que os outro denominador comum: o do outro elemento comum: o es-
○
○
estaria levando a entrar na dinâ- do padrão sócio-econômico. Essa tigma 8 social derivado da defi-
○
○
mica de construção de uma iden- maioria de surdos tem sua origem ciência. Sabemos que essa condi-
○
○
tidade alternativa à sua de origem? nas classes populares, além de ção de estigmatizado não é privi-
○
○
Para ajudar a trabalhar com uma história de diagnóstico tar- légio dos surdos usuários de LI-
○
essa outra versão um pouco mais dio da surdez, de forma que fica- BRAS. Mas, pelo sofrimento e a
○
○
refinada do aludido questio- rá interessante observarmos qual exclusão social provocados pelo
○
○
namento inicial, podemos nos e o quão determinante terá sido estigma, tais surdos reagem de
○
○
voltar para alguns trabalhos de o fator para que se tornassem usu- modo a transformar em ponto
○
sociologia que buscam entender ários de LIBRAS ao invés do por- comum seu uso da LIBRAS em fa-
○
○
seu caráter sociológico e políti- Primeiramente, os trabalhos tidade, na medida em que só eles
○
○
co. Antes de mais nada, contudo, de oralização mais bem-sucedidos têm este elemento em comum.
○
para adentrarmos nessa comple- são (de acordo com a literatura No caso, a idéia básica é a de
○
○
xa tarefa será indispensável pen- da área) aqueles feitos desde o pri- que a oposição entre ouvintes e
○
○
sarmos em quem é o surdo que meiro ano de vida, o que pressu- surdos, criada pelo estigma soci-
○
○
reivindica essa possibilidade iden- põe um diagnóstico precoce. Em al carregado pelos últimos, terá
○
○
titária com todos os seus efeitos nosso país, exames que tornam agido de modo a ressaltar ele-
○
políticos e sociais. possível esse diagnóstico são pra- mentos comuns que seriam usa-
○
○
Podemos observar, já de pron- ticamente privilégio de classes al- dos como distintivos sociais 9
○
○
to, que tal reivindicação só é váli- tas e médias, deixando carentes (BOURDIEU, 1992) (aqui, o mais
○
8
O termo estigma está sendo empregado no sentido em que está referido no texto de Goffman, E. (1980) ESTIGMA: NOTAS SOBRE A MANIPULAÇÃO
DA IDENTIDADE DETERIORADA.
9
Por distintivos sociais deve-se entender um elemento comum a um grupo, que seja evidente o bastante para marcar a margem entre ele e os demais
grupos sociais dos quais se o pretende distinguir. Esse conceito é trabalhado por Bourdieu (1992), em seu texto “Economia das Trocas Simbólicas”.
ESPAÇO ABERTO ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
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INES
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8
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forte seria a LIBRAS). Essa oposi- aonde um movimento de ação Entre esses dois clãs, a igualdade
○
ção tenderia a obscurecer os pon- afirmativa pode levar. Grupos não se pode dar de forma plena,
○
○
tos comuns entre surdos e ouvin- como o do movimento negro, no especialmente porque emerge, na
○
○
tes em uma mesma cultura e um caso das cotas em nossas univer- maioria dos casos, um atrito polí-
○
○
tal tipo de processo social foi sidades públicas e de outros mo- tico entre grupos, já que o espa-
○
identificado por Zimmel (1983) vimentos étnicos nascidos fora do ço que está sendo cedido a um,
○
○
como “coesão pelo conflito”, país, conseguiram benefícios di- estará sendo tomado do outro.
○
○
quando o autor se perguntou versos e muito expressivos. Sen- Ademais, tais benefícios pode-
○
○
quais seriam as formas pelas quais do assim, não seria difícil supor- riam contribuir para a condição
○
sociedades e grupos sociais man- mos que surdos, para terem aces- econômica dos surdos que se
○
○
ter-se-iam coesos. so a semelhantes benefícios, po- envolvessem nesse processo, po-
○
○
Essa derradeira hipótese seria deriam estar interessados em usar rém não parece pouco provável
○
○
uma possibilidade fundada na o mesmo tipo de argumento, ca- que acabassem por aumentar o
○
○
esfera sócio-econômica para atri- racterizando-se como grupo cul- grau de estigmatização social, o
○
buir sentido ao movimento social tural distinto. Porém, ainda assim que, dentro da lógica acima pon-
○
○
protagonizado pelos surdos em a questão só mudaria de figura: a tuada 13, só aumentaria o fosso
○
○
pauta: uma visão que enxerga o que tipo de posição social esse social que separa surdos usuários
○
○
grupo e sua dinâmica como fruto grupo estaria se conduzindo se de LIBRAS do resto da sociedade.
○
de uma conjuntura, como conse- conseguisse alcançar desejados Seja como for, ao longo deste
○
○
são social e econômica. Marshell (1967) tem um bom ciências sociais, busquei introdu-
○
○
Mas, um novo ponto referen- texto sobre o assunto, no qual zir a razão de ser de um movi-
○
te à cultura e suas delimitações afirma que mesmo que se conce- mento sócio-político que vem se
○
○
pode também ajudar a pro- dam benefícios políticos 10 de desenvolvendo no Rio de Janei-
○
○
blematizarmos a idéia de “cultu- modo a privilegiar social e eco- ro, em prol da defesa do concei-
○
○
ra Surda” e uma outra pergunta nomicamente grupos menos abas- to de “cultura Surda”. Para tal,
○
questão parece ser: onde, politi- estes se livram facilmente de ques- três áreas de conhecimento, en-
○
○
camente, o reconhecimento da tões referentes ao status, pois, tre as quais não há fronteira cla-
○
○
identidade positiva colocaria o onde ocorre quebra de igualda- ra: a antropologia, a sociologia e
○
○
Quando nos viramos para o de cidadãos: os que recebem “di- ótica heterodoxa não pretendi
○
○
exterior e mais especificamente reitos sociais”11 e os que depen- esgotar questões ou concluir ver-
○
○
para o próprio Brasil, fica óbvio dem de “assistências sociais”12. dades, mas problematizar as far-
○
10
Políticos pois dizem respeito à igualdade, ou melhor, desfazem a igualdade política para tentar alcançar uma maior igualdade social e econômica.
11
Por “direitos sociais” entendem-se benefícios os quais são comuns a todos os cidadãos e que, portanto, são inerentes à condição de cidadania.
12
Por “assistências sociais” entendem-se benefícios de caráter não universal e que, portanto, são externos à condição de cidadão ou são externos a uma
cidadania de tipo distinto do primeiro.
13
Na qual o processo de estigmatização, somado à coesão pelo conflito, acaba agregando os surdos usuários de LIBRAS em torno desta, utilizando-a como
distintivo social.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
ESPAÇO ABERTO
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tas polêmicas que sobrevoam tal se sabe que faltam evidências agentes políticos envolvidos na INES
○
○
questão, mirando-as por meio de empíricas produzidas cientifica- área, de modo a produzir uma ESPAÇO
ESPAÇO
○
conceitos de autores pouco co- mente para que se possam testar análise desconfiada que olhe para
○
JUN/04
○
muns no campo em causa. teses mencionadas. Porém, mes- discursos não como expressões
○
○
É sabido que as questões que mo com todas essas limitações, sempre sinceras da verdade, mas
neste texto foram tocadas são ○
○
○ conto ter trazido à tona elemen- também como frutos de uma con- 9
muito grandes para as parcas li- tos que ajudem a pensar o tom juntura social, política e econô-
○
○
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LTC, 1982.
ESPAÇO ABERTO ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
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INES
Presbiacusia e
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ESPAÇO
ESPAÇO
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Saúde Pública
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10
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ção sonora. Através de nossa práti-
○
Leila Couto Mattos*
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ca, é possível perceber que, quan-
○
do começam a usar esse tipo de
○
○
aparelho sem a necessária edu-
○
○
cação auditiva, muitas pessoas
○
sentem-se decepcionadas e recu-
○
○
interfere diretamente na comuni- sam-se a usar. Para que haja be-
○
Resumo:
cação. Portanto, torna-se necessá-
○
nefícios com o uso do aparelho
○
rio desenvolver ações que bus- é também necessário que se es-
○
○
Com um total absoluto de quem melhorar a qualidade de tabeleça um programa de educa-
○
14.512.803 pessoas com 60 anos vida através do restabelecimento ção auditiva. É como reaprender
○
○
de idade ou mais (BRASIL. IBGE, do processo comunicativo do a ouvir. Esse trabalho, sem dúvi-
○
2001), o Brasil hoje é um país com
○
idoso, no seio da própria família da, poderá devolver ao idoso
○
significativo crescimento da po- e da sociedade como um todo. presbiacúsico o prazer nas rela-
○
○
pulação idosa. Espera-se alcançar De acordo com COUTO-LENZI ções sociais e familiares então
○
um total de 28,5 milhões de pes- (2000), quando um adulto habi-
○
○
perdido.
soas, no ano de 2020, com mais tuado a ouvir normalmente per-
○
○
de 60 anos. Esse fato, sem dúvi- de sua audição ou a tem diminu- Abstract
○
vidade humana que se estende a à comunicação com as pessoas da people aged sixty years or more
○
2003). Uma vez que o quantitati- ximos, os colegas do trabalho e today a country that has a
○
da presbiacusia que interfere na dados em relação à amplificação expect to reach a total of 28, 5
○
(ROSENHALL, 2001). Segundo aos aspectos tecnológicos. É pre- who have reached sixty years or
○
○
esse último autor, a presbiacusia ciso considerar também a reedu- more. This, no doubt, includes our
○
dos efeitos na qualidade de vida de percepção auditiva possibili- longevity increase, which goes
○
○
das pessoas idosas, uma vez que tada pelo aparelho de amplifica- beyond the limits previously
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INES
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ESPAÇO
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through re-establishment of the
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family and community as a Com um total absoluto de próximos anos. Por outro lado,
○
○
whole. According to COUTO-LENZI 14.512.803 pessoas com 60 anos o aumento da longevidade, como
○
(2000), when an adult with de idade ou mais (BRASIL. IBGE, fenômeno mundial, tem coloca-
○
○
normal hearing starts to lose it or 2001), o Brasil hoje é um país com do questões muito mais profun-
○
the hearing ability starts diminish, significativo crescimento da po- das do que a simples percepção
○
○
immediately. These difficulties (2003) essa população idosa já pessoas com 60 anos ou mais.
○
communication with family, milhões de brasileiros conside- Nacional de Saúde do Idoso (BRA-
○
other social situations. On the 170 milhões de habitantes. A esti- tem por objetivo assegurar os di-
○
○
other hand, taking care of a mativa para os próximos 20 anos reitos sociais do idoso, criando
○
hearing aid involves not only the é de 32 milhões de idosos no condições para a promoção da sua
○
○
technological aspects. It’s Brasil. Esses dados mostram que autonomia, integração e partici-
○
○
education possible from the full estaremos muito próximos de al- acordo com BERGER (1988), a
○
○
use of the residual hearing. The cançar 20% de idosos em relação qualidade de vida do idoso, seg-
○
residual hearing must be taken ao total de habitantes no país. mento populacional que vem
○
○
experience considerable
○
refuse the hearing aids. In order Para CAMARANO (1999) uma pro- crescendo tão rapidamente, não
○
○
to get benefits from the hearing aid porção importante do crescimen- pode mais ser ignorada sem con-
○
it’s necessary to follow a hearing to da população idosa já está de- seqüências desastrosas. Tradicio-
○
○
education program. It is like: terminada pela estrutura etária nalmente, a idéia de saúde não
○
○
learning to hear. This work can atual da nossa população, ou seja, significa simplesmente a falta de
○
contribute very much in helping os brasileiros idosos do futuro já doença, mas um estado comple-
○
○
elderly people to regain the nasceram. Em relação à atual, a to de bem estar físico, social e
○
○
family and the community, which passado determina o aumento Associada ao envelhecimento
○
○
they had lost. desse segmento populacional nos está a presbiacusia, perda auditi-
○
ESPAÇO ABERTO ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
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ESPAÇO
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adultos (BRASIL. Ministério da
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12 Associada ao envelhecimento está a
○
Saúde, 2002).
○
presbiacusia, perda auditiva
○
Foram identificados, até o
○
neurossensorial [...] que resulta do momento, apenas três estudos
○
○
processo natural de envelhecimento/ realizados no Brasil, os quais
○
○
apontam para uma prevalência de
degeneração coclear
○
presbiacusia maior para idosos do
○
○
sexo masculino (RUSSO, 1993;
○
JURCA APK et al, 2002; NEVES et
○
○
va neurossensorial específica des- das células do órgão de Corti [...] al, 2002). Mas, são muito poucos
○
○
se segmento populacional, uma se inicia na espira basal e se diri- os estudos que tenham tido como
○
vez que resulta do processo na- ge para o ápice ...”, o que impli- objetivo estimar a prevalência da
○
○
tural de envelhecimento/degene- ca numa dificuldade de compre- presbiacusia em idosos, no Bra-
○
○
ração coclear. Considerando-se ensão durante a comunicação ver- sil, principalmente em popula-
○
que o quantitativo da população bal. Outros autores na literatu- ções estatisticamente significati-
○
○
idosa vem aumentando, também ra nacional (JURCA APK et al, vas. Esse fato vem deixando uma
○
aumenta a prevalência da pres- 2002; LIMA FJP, 1996; RUSSO, grande lacuna, considerando-se a
○
○
biacusia que interfere na qualida- 1988; RUSSO, 1993; QUINTERO atual longevidade e aumento da
○
○
de de vida do idoso (ROSENHALL, SM, 2002), também apontam população idosa (CAMARANO,
○
1998, 2001, 2002, 2003). Esse au- para o aspecto fisiológico e na- 1999), que fazem com que o seg-
○
○
tor define a presbiacusia como um tural da presbiacusia. Já segun- mento dessa população seja o de
○
○
tipo comum de perda auditiva do PORTMANN & PORTMANN maior crescimento na atualidade.
○
causada por uma degeneração (1993), a presbiacusia, ou se- O relatório Hearing Impairment
○
○
coclear, que afeta principalmen- nescência da orelha, é um fenô- Among Adults – HIA (MARTTI, S et
○
○
te a parte basal da cóclea prejudi- meno biológico do qual ninguém al, 2001), resultado de um traba-
○
cando a percepção auditiva das escapa. Normalmente, inicia-se a lho conjunto entre os países nór-
○
○
freqüências altas. Dentro dessa partir dos 20/30 anos de idade dicos (Finlândia, Noruega, Dina-
○
○
mesma abordagem encontram-se podendo tornar-se significativa a marca, Suécia e Islândia) e o Rei-
○
ainda na literatura internacional partir dos 40/50 anos. no Unido, teve como objetivo
○
○
muitos outros autores, dentre os Nossa Política Nacional de Saú- determinar a prevalência atual e
○
quais FERRÉ REY J et al (2002); de da Pessoa Portadora de Defi- estimada da presbiacusia para pes-
○
○
MEGIGHIAN D et al (2000); ciência faz referência à literatura soas com mais de 45 anos de ida-
○
○
No Brasil, autores como LOPES vida à idade, que vem sendo os, além de se poder conhecer
○
○
FILHO (1997) e RUSSO (1996) re- apontada como a principal causa de que forma os tratamentos não
○
ferem-se à presbiacusia – causa de deficiência auditiva nos ido- invasivos estão sendo organizados
○
○
mais freqüente da deficiência au- sos, com uma incidência de cer- nestes países.
○
○
ditiva em pessoas idosas – como ca de 30% na população com Dentre várias importantes
○
envelhecimento do ouvido inter- mais de 65 anos de idade. Espe- questões, o HIA chama a atenção
○
○
no, quando vai progressivamen- cialmente no ambiente de traba- para o fato de terem sido locali-
○
○
te ocorrendo a degeneração das lho, o ruído é considerado como zados apenas três estudos cienti-
○
estruturas, de forma que “...a a segunda principal causa de per- ficamente válidos, com represen-
○
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1999) e outros três cientificamen- pectivo grupo de pesquisadores e o grau de deficiência orgâni-
○
te válidos, mas não nacionalmen- conclui que apesar de existirem ca, nem a idade desses indivídu-
○
○
te representativos (ROSENHALL et diferentes causas de presbiacusia, os, o que impede um melhor co-
○
○
al, 1987; UIMONEN et al, 1999; as evidências obtidas não sugerem nhecimento dessa população. A
○
KARLSMOSE et al, 1999), referin- taxas diferentes de prevalência classificação feita incluiu indis-
○
○
do-se a populações locais sobre a entre os diferentes países, para as criminadamente escolares, adul-
○
○
prevalência da presbiacusia. Esses pessoas da mesma idade e sexo. tos e idosos, ou seja, todas as
○
estudos foram identificados na Entretanto, a taxa total de preva- pessoas com algum tipo de defi-
○
○
base de dados das bibliotecas lência pode variar por causa da ciência auditiva.
○
2001) e mostram um aumento da idosas em diferentes países. Exis- idosa no Brasil é hoje em torno
○
○
prevalência da presbiacusia com tem ainda diferenças relativas à de 15 milhões de pessoas e que
○
a idade, embora não tenham esti- acessibilidade aos serviços de a prevalência estimada de
○
○
mado a prevalência futura dos audiologia, ao tipo e número de presbiacusia, de acordo com a
○
○
grupos etários de 45-65 anos e dos serviços de audiologia organiza- política nacional de saúde da
○
idosos com mais de 65 anos. Tam- dos, à disponibilidade orçamen- pessoa portadora de deficiência,
○
○
bém referem-se à presbiacusia tária para doação de aparelhos de é de 30%, pode-se estimar um
○
como uma deficiência auditiva amplificação sonora para esta po- total de 4,5 milhões de idosos
○
○
mente com a idade e que acarre- tivo de profissionais especia- A perda auditiva no idoso pa-
○
ta efeitos adversos nas atividades lizados na área da audição e en- rece fazer com que esses indiví-
○
○
do na qualidade de vida desses No Brasil, os dados oriundos risco para desajustes psicossociais
○
○
O HIA ressalta como limitações (IBGE, 2001) utilizando-se da precoce deve ser o objetivo dos
○
para tal tipo de estudo as varia- classificação Internacional de Fun- profissionais da audição e do en-
○
○
ções relativas ao critério utiliza- cionalidade, Incapacidade e Saú- velhecimento, já que a diminui-
○
○
do para a definição da perda au- de, da Organização Mundial de ção da função auditiva traz sérias
○
ditiva, bem como das diferentes Saúde, mostram um total de 24,5 conseqüências para a vida social
○
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considerável dos idosos acaba por
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desistir de usar o aparelho pois,
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do idoso. A baixa auto-estima e a A literatura não só faz referên- sozinhos, não conseguem se
○
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insegurança começam a fazer par- cias a um grande número de ques- adaptar a ele.
○
○
te de sua vida e isto acaba por tionários de auto-avaliação da Assim, o cuidado em relação à
○
levá-lo ao isolamento social e fa- perda auditiva (GORDON-SALANT sua adaptação não se restringe
○
○
miliar. À medida que já não com- S et al, 1994; MAGILVY JK, 1985; apenas aos aspectos técnicos do
○
preende bem o que lhe falam, à SCHUM DJ, 1993), mas mostra aparelho, caso contrário, será di-
○
○
medida que o som da televisão inúmeras pesquisas (BRAINERD fícil para o idoso o aproveitamen-
○
○
que é ideal para seus familiares SH & FRANKEL BG, 1985; to real de sua audição residual.
○
deixa de ser para ele, as relações CORBIN S et al, 1984; SALOMON De acordo com COUTO-LENZI
○
○
em família e com as pessoas mais G et al, 1988; WEINSTEIN BE & (2000) quando um adulto habi-
○
○
próximas vão se tornando muito VENTRY IM, 1983) que comparam tuado a ouvir normalmente per-
○
difíceis. Isso leva o idoso a se afas- resultados de testes auditivos ob- de sua audição ou a tem diminu-
○
○
tar do convívio com as demais jetivos e questionários de auto- ída, o desconforto é imediato. As
○
pessoas. Há um perceptível défi- avaliação para a percepção da per- dificuldades começam em relação
○
○
cit em sua qualidade de vida. da auditiva. WILSON et al (1999) ○
○
à comunicação com pessoas da
Já o caráter etiológico multifa- encontraram, em seus estudos, própria família, com amigos mais
○
torial da perda auditiva associada uma prevalência total similar en- próximos, com colegas de traba-
○
○
ao envelhecimento faz com que tre questionários de auto preen- lho e, depois, em lojas, nas feiras
○
○
não seja possível a identificação chimento e medida de perda au- e tantas outras atividades sociais.
○
de apenas um fator etiológico. ditiva. Ao compararem essas duas Quase todo mundo tem uma
○
○
Vários são os autores que se refe- formas de avaliação, encontraram história de surdez na família.
○
○
rem a esse aspecto, citando fato- também 46% de falso positivo para Apesar disso ser um fato bastan-
○
res extrínsecos e intrínsecos o questionário de auto preenchi- te comum, as pessoas têm muita
○
○
como: exposição a ruídos ocupa- mento e 17% de falso negativo. dificuldade em lidar com o ido-
○
○
cionais e não ocupacionais, nu- A orientação e o encaminha- so com perda auditiva. Impaci-
○
trição, estresse, uso de medica- mento de idosos presbiacúsicos ência, irritação e isolamento são
○
○
mentos, desordens vasculares, à reeducação auditiva, visando freqüentes diante da falta de ori-
○
Em relação ao diagnóstico, ciedade, evitando não só o isola- Caberá aos profissionais, aos
○
○
VENTRY & WEINSTEIN (1983) mento social, mas a própria ex- estudos e às pesquisas a promo-
○
sugerem que, além da audio- clusão familiar, devem fazer par- ção de conhecimento, informação
○
○
metria tonal com todos os seus te dos programas de diagnóstico e orientação, não só aos próprios
○
○
procedimentos complementares de perda auditiva. Na verdade, o idosos e suas famílias, mas à co-
○
auto-avaliação devem ser usados duos para a aquisição de apare- tudes simples poderão ser toma-
○
○
para verificar prejuízos funcional lho de amplificação sonora indi- das de modo a minimizar dificul-
○
e psicossocial causados pela per- vidual é apenas um ponto de par- dades surgidas, principalmente
○
○
da auditiva na vida do idoso. Es- tida que sem o trabalho de ree- em relação à comunicação, con-
○
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ses questionários são imprescin- ducação auditiva muitas vezes tribuindo assim para uma melhor
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quisas e a prática de serviços de ○
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○ nº1.948 (BRASIL. Ministério da pública é responsabilidade não 15
saúde envolvendo suporte e Saúde, 1996), compete ao Minis- só de governos e dirigentes, mas
○
○
apoio aos idosos presbiacúsicos, tério da Saúde, por intermédio de todos nós, profissionais e fa-
○
seja em relação à informação, di- da Secretaria de Assistência à Saú- miliares. Cada um atuando em
○
○
agnóstico, indicação de aparelho de, em articulação com as Secre- sua respectiva esfera, mas todos
○
○
de amplificação sonora e, princi- tarias de Saúde dos Estados, do unidos caminhando em uma
○
audiológico específico às ques- dentre outras ações, realizar e Os serviços de Saúde, envol-
○
○
tões auditivas do envelhecimen- apoiar estudos e pesquisas de ca- vendo médicos e fonoaudiólo-
○
to, ainda estão por começar. A ráter epidemiológico visando gos, deverão estabelecer diretri-
○
○
estatística nos dá números extre- ampliar conhecimentos sobre o zes para o desenvolvimento de
○
○
mamente reduzidos a iniciar pelo idoso e subsidiar ações de pre- programas de diagnóstico, aqui-
○
próprio sistema de saúde pública venção, tratamento e reabilitação. sição de aparelhos de amplifi-
○
○
que vem priorizando o atendi- O emergente aumento da po- cação sonora individual e, prin-
○
mento infantil para concessão de pulação idosa como fenômeno cipalmente, de reeducação au-
○
○
aparelhos de amplificação sono- mundial abre um novo campo de ditiva para que idosos portado-
○
○
ra em detrimento do idoso, como pesquisa a todos nós profissio- res de presbiacusia possam par-
○
se fosse possível escolher quem nais comprometidos com uma ticipar e desfrutar das relações
○
○
precisa menos. melhor qualidade de vida sociais, mantendo uma boa qua-
○
○
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NOTA– Conteúdos do presente texto compõem parte da Pesquisa de Doutorado no Programa de Saúde Coletiva do Instituto de Medicina Social, Departamen-
to de Epidemiologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Orientador: Dr. Renato Peixoto Veras – Diretor da Universidade Aberta da Terceira
Idade – UnATI/UERJ/RJ.
ESPAÇO ABERTO ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
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INES
ESPAÇO
ESPAÇO
BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Política Nacional de Saúde da Pessoa
JUN/04 Portadora de Deficiência. Portaria nº 1.060, de 5 de junho de 2002. Diário Oficial de 10 junho
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DEBATE ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
○
○
○
Aportes Para a
○
○
INES
○
Profª Drª Lúcia Maria Vaz Peres*
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
Formação do
○
○
JUN/04 *Professora adjunta do
○
Departamento de Funda-
○
18 Docente de
○
mentos da Educação da
○
Universidade Federal de
○
○
Pelotas; líder do grupo de
○
pesquisa no Cnpq e vice
coordenadora do mestrado
na área de educação da
○
○
○
○
Crianças Surdas:
na Espreita do
○
○
Universidade Federal de
○
Pelotas
○
○
lvperes@terra.com.br
“Entre-saber”
○
lperes@ufpel.tche.br
○
○
○
○
○
○
○
Resumo: Abstract:
○
Este texto pretende propor This paper aims at proposing a indiferentes porque as olha-
○
uma reflexão acerca da formação reflection about teacher formation, mos com olhar indiferente. Mas
○
○
do professor, especialmente o focusing especially on the teacher para um olho claro, tudo é es-
○
who will work with deaf children. pelho; para um olhar sincero
○
anças surdas. Traz a contribuição It brings the contribution of the e grave, tudo é profundeza.
○
○
Imaginário, aqui concebidos Anthropology, here conceived as the Todo pensamento humano é
○
○
discussão diz respeito aos sabe- discussion concerns the necessity of (DURAND, 1988)
○
○
energia, do espírito, da sensibili- contemplates the aura of energy, Até quando vamos alimentar o
○
que, no decurso da formação do demarcates the fundamental gens e, isto posto, devo anunciar
○
conteúdos que advêm do imagi- process that contemplates the mação da professora e do profes-
○
a riqueza desse campo de conhe- imaginary, showing the importance partir do enfoque da Antropolo-
○
○
cimento para esse profissional. and richness of such a field of gia do Imaginário, deste lugar do
○
○
○
○
sacralizado em prol de um conhe-
INES
Penso, que mais do que nunca, o século XXI cimento direto.
O campo do imaginário é rico
tem que descobrir a aura dos fenômenos ESPAÇO
ESPAÇO
desses saberes e desses conteúdos
sociais onde a energia, o espírito e o fluxo simbólicos. Esse campo é o lócus JUN/04
dos símbolos jorram, e sempre jorraram, das onde tecemos nossos saberes e
profundezas do que há de mais humano em fazeres, numa espécie de tecido 19
conjuntivo entre as disciplinas
nós – a sensibilidade e a sacralidade; a (DURAND, 1996, p.231); é o lu-
imanência e a transcendência. gar das brumas, das invisibilidades
onde estão subsumidos os conhe-
cimentos. Dizer isso implica assu-
Penso, que mais do que nun- processos e conhecimentos fo- mir que o entre-saberes, proposto
○
○
ca, o século XXI tem que desco- ram instituídos... Homens e mu- por Gilbert Durand (op.cit.), apon-
○
brir a aura dos fenômenos sociais lheres se des-sacralizaram daque- ta para um pluralismo de saberes
○
○
onde a energia, o espírito e o flu- le embrião simbólico, da sua pró- e imagens com infinitas possibili-
○
xo dos símbolos jorram, e sem- pria exegese, a reboque da dades, não estando localizado em
○
○
pre jorraram, das profundezas do modernidade que primou por nenhuma disciplina específica. A
○
que há de mais humano em nós um pensamento cuja lógica é a emergência do imaginário, segun-
○
○
a imanência e a transcendência. pragmática. De certo modo, essa uma disciplina, mas implica
○
○
Desde os primórdios da huma- parece ser, ainda, a lógica a par- pluridisciplinaridade e interdis-
○
○
nidade, especialmente no berço tir da qual vimos formando pro- ciplinaridade (op. cit).
○
plo, a egípcia, os grandes sacer- Hoje, nesse rápido sobrevôo podemos alimentar uma evoca-
○
dotes e iniciados prezavam a antropológico, busco isomor- ção ao devaneio como cúmplice
○
○
sacralidade da vida interior, fismos naqueles conhecimentos dos saberes pragmáticos e objeti-
○
objetivando-a junto aos seus ini- para o texto que aqui proponho. vos fazendo-nos alçar vôos para
○
○
ciados, através de ensinamentos O que desejo demarcar é a fun- um outro mundo... Um mundo
○
○
entretecia a transcendência e vice- professor carregue, em sua baga- cioso e absolutamente fecundo.
○
○
versa. Ou seja, a busca do conhe- gem de conhecimentos e saberes, Estou me referindo à fecundidade
○
cimento sempre esteve entretecida os conteúdos que advêm desse do simbolismo nos gestos/lingua-
○
○
às intimações cósmicas e, por sua manancial simbólico. Com isso, gem da comunicação da criança
○
vez, essas intimações ditavam a penso que a formação do docen- surda que, como narra Capitoni
○
○
sacralidade do vivido. O pensa- te que trabalhará ou trabalha com (2003), levaram-na a partilhar da
○
○
mento simbólico estava enraizado crianças surdas (e não somente beleza poética de suas expressões
○
nos quatro elementos de Empé- este professor) pressupõe um sa- [...] e a fizeram alçar o solitário
○
○
docles: a terra, o ar, a água e o ber acerca da riqueza do homo vôo no devaneio das imagens da
○
fogo. Nesse e desse quatérnio o symbolicus (CASSIRER, 1994) que [...] própria infância (p.2).. Por-
○
○
homem bebia e absorvia as gran- há tanto nos habita e que foi des- tanto, este mundo aparentemen-
○
de entre ambos.
○
○
sifica como uma experiência do
○
medo e da angústia primários,
○
○
mas também uma experiência de
○
vontade – vontade de abrir ca-
○
○
INES ...vontade de abrir caminhos num mundo minhos num mundo cheio de obs-
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO cheio de obstáculos (p.137) (grifos meus), táculos (p.137) (grifos meus), ou
○
seja, experiência do medo e da
ou seja, experiência do medo e da angústia
○
JUN/04
○
angústia (agos) que potencializam
(agos) que potencializam o melhor
○
o melhor de si para o outro.
○
20 de si para o outro.
○
Durandianamente pensando,
○
a imaginação humana represen-
○
○
ta simbolicamente a angústia
○
○
te silencioso é fecundo, simbóli- Portanto, através dos cami- humana diante da finitude. A
○
co e profundamente instaurador. nhos do Imaginário, parece pos- educação poderia ter uma fun-
○
○
Através dele, somos convidados a sível reduzir a distância entre a ção eufemizadora desta angús-
○
adentrar caminhos a-lógicos ou realidade e o desejo, pois a ima- tia, buscando, no plano imagi-
○
○
pré-lógicos que, por isso mesmo, ginação ultrapassa a realidade e, nário, o resgate da função sim-
○
abrem uma grande fenda para um de certa forma, exerce influência
○
bólica por meio de gestos/tex-
○
outro modo de pensar. Neste caso, no real. Em suas manifestações tos, contextos e imagens, a fim
○
○
pensar e fazer educação, pensar a mais típicas, o imaginário objeti- de que os aprendizes pudessem
○
formação de professoras e profes- va-se nos gestos, nos sonhos, nos expressar conflitos interiores e
○
○
sores daqueles que atuam ou atu- devaneios, nos ritos, nos mitos, enunciar formas de resolvê-los
○
arão com crianças surdas. entre outras manifestações. Nes- ou minimizá-los, como uma es-
○
○
Tais crianças “mostram” em sua te sentido é a-lógico –com rela- pécie de magia emocional.
○
gestualidade, com olhos, mãos e
○
ção à lógica ocidental, desde Com isso, os “formadores” de
○
sentimentos, a verdadeira epi- Aristóteles ou Sócrates –, identi- “aprendizes de professores” têm
○
○
fania do mistério (DURAND, dade não localizável; tempo não- ○
necessariamente de “in-corporar”,
1988) dos símbolos; arrebatam a simétrico; redundância; meto- trazer para dentro de si a idéia
○
○
“cultura ouvinte” evidenciando nímia “holográfica” e, assim, de- de que não se forma um profes-
○
sas, mas os signos. Todos esses tra”. Então, fica-nos a pergunta: renciais teórico-metodológicos
○
rostos que encaram um futuro com que ferramentas o professor pragmáticos. Mas, sobretudo, bus-
○
○
devem nos ajudar a compre- “deve” ensinar a criança surda? cando convergências entre os
○
almente um rosto [...] para venha de Capitoni (2003), quan- abordagem da pragmática ima-
○
○
um olhar sincero e grave, tudo do fala no trânsito entre o medo nente com os referenciais da sen-
○
1991, p.51) a uma outra potência. Ela a clas- que retomemos, especialmente na
○
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
DEBATE
○
○
venho debruçando, desde meu
Assim, apontamos para uma pedagogia que doutoramento: a cultura da
INES
prima por um pensamento que põe em interioridade advinda de uma
comunicação os três níveis do cosmos: o dramática simbólica da subjetivi- ESPAÇO
ESPAÇO
dade humana (PERES, 1999). Ou
subterrâneo, a superfície e as alturas. ainda, uma espécie de artefato JUN/04
to complexo, proposto por Ed- constituir em aportes para pen- mal, que é signifer (DURAND,
○
gar Morin (2000), o qual faz sua sar a formação do docente, pro-
○
morada na simplicidade de um fessor de crianças surdas. 1994) antes de ser racional; que
○
transcendente só pode ser pen- gogia Simbólica (PERES, 1999) dessa cultura interior subjacente
○
○
sado como sinal da imanência, ou que faça emergir cenas do vivido, à formação da pessoa, seja do pro-
○
como diz Durand (1996, p. 242), de um cotidiano escolar onde a fessor ou do aluno. Como nos
○
○
Assim, apontamos para uma como anunciadoras de novos ven- quando se refere à imaginação
○
pedagogia que prima por um pen- tos para a educação. Tal proposta
○
samento que põe em comunica- visa, sobretudo, a pensar a forma- menta a ciência que é, afinal, a
○
subterrâneo, a superfície e as al- ro, um professor que tenha na uma espécie de demiurgia cien-
○
○
turas. O subterrâneo, levando em sua formação o rigor do saber- tífica! Então, nesse sentido, a con-
○
conta, e trazendo junto, os esque- fazer amalgamado no saber-ser. tribuição que desejo deixar aqui,
○
○
mas arquetipológicos subsumidos Penso que este seja um dos mé- aponta para este primoroso
○
ensinamento – a necessidade de
○
soal e coletivamente; a superfície, ginário: mostrar como é possível trabalhar com o imaginário, com
○
à luz os conhecimentos “adorme- ada, sem, com isso, descartar o das imagens de sensibilização. Tal
○
○
cidos” e/ou esquecidos, enraiza- rigor dos conceitos e da razão, idéia apresenta uma reversão na
○
dos no solo subterrâneo das ma- visibilizando o entre-saber nas si- concepção de ensinar e apren-
○
○
lhos superiores e de seu cimo, Uma espécie de coração com “diferentes”. Isto é o que pode-
○
como braços que acolhem as in- pode, e se torna mola propulso- saber, em consonância com aqui-
○
tempéries das faces do tempo, ra de outros devaneios geradores lo que venho preconizando
○
○
acolhendo tudo o que voa num da arte de viver na arte de ensi- como Pedagogia Simbólica
○
(PERES, 1999).
○
dente. Penso que esses aspectos e propondo e sobre o que me Trata-se de aclarar novos cami-
○
○
fato, ela só pensa ao compri-
○
○
mir, ao amassar, sendo
○
ativa.(BACHELARD, 1991,
○
Proponho, então, uma Pedagogia Simbólica
○
p.116-117)
○
INES
(PERES, 1999) que faça emergir cenas do
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO vivido, de um cotidiano escolar onde a Portanto, nosso trabalho, nes-
○
○
JUN/04 esperança e a fé na sensibilidade humana ta pequena/grande tribo, tem de
○
ser o de amassar, o de alargar, com-
○
possam se apresentar como anunciadoras de
○
primindo, com nosso corpo intei-
22
○
novos ventos para a educação. Tal proposta ro, as sutilezas e as belezas em que
○
visa, sobretudo, a pensar a formação de um
○
estão envoltos os conhecimentos
○
professor mais inteiro, um professor que
○
indiretos que advêm do imaginá-
○
tenha na sua formação o rigor do rio. Do que temos de substrato do
○
○
imaginário antropológico são con-
saber-fazer amalgamado no saber-ser.
○
seqüências das atitudes da imagi-
○
○
nação, que espelha e reflete as for-
○
○
mulações, pari passu concretiza-
○
ciplina rigorosa, com classes nu- aprender se dá na participação e das nos fazeres de nossos saberes.
○
○
merosas, como na História Social na intervenção com e no mundo, Assim, também a educação reflete
○
da Criança e da Família, de tendo como premissa a conquis- a cultura que produzimos e a for-
○
○
Philipe Áries (1981)1, em que se ta da harmonização consigo e com ma como somos levados a agir. E
○
formariam todas as gerações ins- o outro, especialmente na pers- nossas produções são conseqüên-
○
○
truídas no Ancien Régime. Neste pectiva de um pensar, um sentir cia da materialização de nossa ima-
○
○
filão de idéias, penso que os e um agir na direção do coletivo ginação.
○
aprendizes de professores que e do bem comum. Esta é uma das facetas do ima-
○
○
exercitam e constroem o caminhar Na trilha desses saberes pode- ginário, que nos pode ajudar a
na própria caminhada, tendo se exorcizar os descaminhos que ○
○
○ entender melhor de que forma
como conteúdos fundantes os nos impedem um caminhar na di- nos inserimos no processo de
○
forjarão o hábito de alimentar o Durand (1996), temos a cabeça Neste capital cultural e subjetivo,
○
to mais do que meramente pro- (p.56), Então, real, de colocação de algo que
○
○
derão copiar seus mestres sem a mão trabalhadora, a mão imaginário está imerso de repre-
○
○
que eles digam: “Esperem, vou animada pelos devaneios do sentações simbólicas daquilo que
○
mostrar como se faz...” trabalho, engaja-se. Vai impor nomeamos como verdadeiro,
○
○
grandes mestres da humanidade devenir de firmeza, segue o O que tratamos de real nada
○
○
reflete um ensinar, em que o esquema temporal das ações mais é do que a cultura refletida
○
1
ARIÉS, Philipe. História social da criança e da família, 1981. Nesta obra, o autor tece importantes reflexões sobre esse tema.
na educação, que, por sua vez,
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
DEBATE
○
traduz-se em ações e leituras de
○
○
suas representações simbólicas,
○
instrumentos dos quais nos
○
INES
○
apropriamos e que viabilizam a Referências
○
alteração do social que nos cir-
○
Bibliográficas ESPAÇO
ESPAÇO
○
cunda. Esta alteração, no entan-
○
to, é extremamente complexa, JUN/04
○
ARIÉS, Philipe História
○
dinâmica e contínua, o que nos social da criança e da
○
leva a conviver com a diversida-
○
○
família. Rio de janeiro:
Zahar Editores, 1981.
23
de cultural. Um meio cultural
○
○
personagens criadores que atu- fissionalização do docente que tra- e os sonhos: ensaio sobre a
○
BACHELARD, Gaston O
○
surdas, aparecem diferenças, não entre-saberes que permeia todas e os devaneios da vontade:
○
○
somente na expressão dos gestos, as disciplinas na formação docen- Ensaio sobre a imaginação
○
mas também dos sentimentos, te, cria a necessidade de rever an- da matéria. São Paulo:
○
pois, afinal, estamos falando de tigos conceitos, para que eles le-
○
pessoas. Nos enganamos, enquan- vem a uma abertura em que, an- CAPITONI, Carmem Barbosa
○
CRESCER: Ludicidade e
○
que elas pulsam no mesmo tom, minismo, hoje se opera com uma corporeidade com crianças
○
desse micro movimento social da “abrir” outros diálogos, gostaria (dissertação de mestrado),
○
2003, 167 p.
○
próximo que esse grupo pode al- (1988), que todo pensamento é CASSIRER, Ernest Ensaio
○
mejar pode ser o de visibilizar a representação que abrange tanto a uma filosofia da cultura
○
○
força da expressão presente na o domínio intelectual quanto o humana. São Paulo: Martins
○
prenhe de simbolismo, por isso do gesto, tendo o imaginário DURAND, Gilbert As estrutu-
○
Presença, 1989.
mos captar os anseios que daí cente que for trabalhar com cri-
○
○
de e transdisciplinaridade: a
às vertentes educacionais vigentes, seus sonhos (os regimes noturnos
○
reforma da universidade e
○
que de fato queiram “olhá-los e diurnos da alma). Somente assim PERES, Lúcia Maria Vaz Dos
○
○
escutá-los”. Enquanto isso, a edu- o futuro professor ou professora saberes pessoais à visibili-
○
cação, para pessoas com necessi- tomará para si o “elo perdido” dos dade de uma pedagogia
○
dades especiais, continua a ser quatro elementos de Empédocles do), UFRGS, 1999.
○
Imagens da infância... A
○
Mas de que educação e de qual ças imaginantes (noturnas e diur- poética da aprendiz de
○
inclusão estamos falando? nas) poderão atuar simultanea- professora. Pelotas: Editora
○
da UFPEL, 2002.
○
○
○
○
INES
ESPAÇO
ESPAÇO
Educação de Surdos e
JUN/04 Corporeidade: do Silêncio
24 ao Grito na Gesticulação
Cultural
P rof
rof.. Dr
Dr.. Marcos FFerreira
erreira Santos*
Resumo: Abstract:
○
• Mudança Paradigmática
○
○
○
O presente artigo discute a The present article discusses the Para além da razão mono-
○
córdica
○
através de uma hermenêutica sim- through a symbolic hermeneutics O advento de uma razão
○
○
lifônica.
○
sível, tentando evidenciar a prá- evidence the oclusive practice in Para além da razão purista,
○
○
tica oclusiva de nossas tradicionais our traditional pedagogic ways inodora e insípida
○
curso inclusivo e a estrutura po- the political-social structure of tiça, cheirosa e saborosa.
○
○
lítico-social de exclusão) frente à exclusion) front to the cultural Para além da razão rigidi-
○
○
pluralidade cultural que se cons- plurality that it is verified with the ficada, dura e sisuda
○
○
tata com as pessoas portadoras de people bearers of special virtues O advento de uma razão fle-
○
virtudes especiais e que, portan- and that, therefore, starting from xível, fluente e brincante.
○
○
to, a partir de sua gesticulação his concrete cultural gesture Para além da razão que se
○
○
cultural concreta (através da (through the bodyness) they teach confina nos vãos do saber, da
○
○
○
○
○
○
Quando nos detemos sobre a
○
○
mudança de “olhar” que a discus- INES
Como perceber que o diferente não é
○
são quântica operou nas ciências
○
desigual, muito menos, inferior? ESPAÇO
ESPAÇO
○
de ponta no início do século XX,
○
JUN/04
○
especialmente a partir do ano de
○
○
1905, quando surgem dois
impactantes artigos de Einstein, ○
○
○ • a lógica aristotélica fundada near) de certezas e verdades in- 25
o primeiro sobre a teoria da rela- nos princípios da identidade, contestes e evidentes na insti-
○
○
mentos que se apresenta para Tendo a “sombra” do mode- Hoje, como fazer com que a
○
○
nosso espanto: o ser do observa- lo da física do final do séc. XIX ciência do séc. XX seja a discus-
○
○
dor é que determina as respostas como orientador metodológico são de nossos alunos no umbral
○
da experiência. Os avanços tecno- e epistemológico, as ciências hu- do terceiro milênio3? Como in-
○
○
lógicos nos possibilitam instru- manas surgem em busca de um corporar esta mudança de “olhar”
○
○
mentos que evidenciam ainda status de prática científica, já sob na prática pedagógica? Como per-
○
○
mais o paradoxo. A menor fração a égide do positivismo comte- ceber que o diferente não é desi-
○
da matéria ou da energia se com- ano, tornando o quadro ainda gual, muito menos, inferior?
○
○
porta ora como partícula e ora mais dramático: as ciências hu- Devemos acrescentar a essa
○
○
como onda. As duas fases do fe- manas já nascem a reboque. Aqui- constatação genérica, que a for-
○
○
não excludentes, nos conclui interior da própria física, logo se educação se torna refratária a
○
○
cisamente, no interior das chama- No esteio das ciências huma- em que se trata de uma organiza-
○
das ciências “duras” que os limi- nas, a educação e as ciências da ção, altamente, burocratizada. Se
○
○
tes do paradigma clássico são educação se encontram no mes- entendermos, no sentido weberi-
○
○
questionados: a física quântica, a mo percurso. Neste sentido, tan- ano, que a burocracia é a forma
○
○
princípios newtonianos reformu- prática educativa se mantém fiéis tecnocrático que se institui e se
○
○
lados em outras bases, os fractais ao dogmatismo habitual que bati- legitima como poder, à revelia de
○
○
nos modelos matemáticos, são za o nascimento da universidade quaisquer fins; resulta compreen-
○
○
alguns exemplos que nos exigem no séc. XII do ventre da igreja ca- sível que seja a primeira instância
○
ampliar os pilares de sustentação tólica para a manutenção de sua a obstar e impedir a emergência
○
○
do paradigma clássico ainda vi- hegemonia com a transmissão (no do novo e das mudanças que são
○
○
gente entre nós, quais sejam: seu sentido mais mecânico e li- produtos da cultura. Daí, o
○
1
Capra, Fritjof (1989) O Ponto de Mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. São Paulo: Cultrix, 8ª ed, p.70.
2
idem, p. 72.
3
Mesmo levando em conta o paradoxo de que “ensinar a ciência do passado pode significar ensinar a ciência do futuro. Vê-se por que desconfio de toda
insistência unilateral demais sobre a necessidade de um ensino ‘moderno’ (...) Assim, em vez de querer modernizar a todo custo os conteúdos específicos
do ensino científico, parece-me muito mais urgente levar os alunos à compreensão do que é realmente ciência, de seus processos de trabalho, seus
desafios epistemológicos, suas implicações sociais.” Lévy-Leblond, Jean-Marc (2001). É possível ensinar a física moderna?. In: Morin, E. (org.). A Religação
dos Saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 69-72.
DEBATE ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
○
○
○
○
“betsauberung” (desencantamen- do dado por Thomas Kuhn6, mas
○
to) que Max Weber diagnosticou com uma maior profundidade an-
○
INES
○
no mundo capitalista. tropológica, poderíamos afirmar
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
Aqui não se trata apenas de que a bacia semântica prometeica
○
JUN/04
○
perceber na educação os reflexos apresenta no início do séc. XX os
○
de uma superestrutura, desco- primeiros sinais de desgaste nos
○
26
○
nhecendo suas próprias particu- “deltas e meandros” das ciências
○
○
laridades, mas de perceber, como duras. Ao mesmo tempo, estas
○
sugere Gilbert Durand, várias ve- “escorrências” vão formando o lei-
○
○
zes ao longo de sua obra, que o to de um novo rio que dará numa
○
○
mytho4 diretor de um determina- nova bacia semântica. Este é o
○
○
do tempo histórico exerce uma momento da transição paradig- superficial, rasteiro e vazio que
○
“pressão pedagógica”, no sentido mática. tende ao irracional numa atitu-
○
○
em que difunde as imagens As evidências destas escorrên- de consumista própria ao
○
○
catalizadoras, os esquemas verbais cias nos levam a apontar algumas Kapitalismus Geist.
○
○
e perceptuais, as variantes ideo- características deste novo para- gradi-
Aqui utilizo o termo “gradi-
○
lógicas, filosóficas e morais deste digma. Assim como em várias in- ente
ente” em substituição ao termo
○
○
mesmo mito em suas várias ins- vestigações anteriores, arriscarí- mais conhecido “paradigma” ao
○
○
tâncias sociais. Trata-se de uma amos a nomear a emergência des- me referir à transmutação da raci-
○
pressão pedagógica no tecido te como “gradiente holonômico”, onalização clássica em uma outra
○
○
social e na própria organização da tendo em vista o caráter de rede racionalidade e sensibilidade
○
○
educação. Desta forma, percebe- e de espectro destas novas bases, (holonômica, ou em termos mais
○
○
mos sem maiores malabarismos assim como o princípio geral de ○
simples: numa razão sensível). Tal
mentais que o modus prometeico observância do todo (“holon”, o distinção é devido ao caráter ba-
○
○
do homo faber impregna ainda a todo integrado) em suas relações nalizado de que o termo para-
○
○
Acompanhando a herme- partes, para marcar a diferença anos, estando esvaziado de sua sig-
○
nêutica simbólica de Durand, sua com o termo mais difundido de nificação. Portanto, conservo ain-
○
○
metáfora potâmica que nos auxi- “ismos” pecam pela redução sim- quando me referir à racionalidade
○
○
lia na detecção deste mito dire- plista. Neste caso, pela redução clássica. Além do termo compor-
○
tor em seus processos de ascen- ao todo, como por exemplo os tar uma racionalização que, de
○
○
4
Utilizo a forma ortográfica arcaica de mytho, a partir do grego mythós: “aquilo que se relata”, para sinalizar a diferença da concepção aqui adotada, como
narrativa dinâmica (Gilbert Durand) de imagens e símbolos que orientam a ação na articulação do passado (arché) e do presente em direção ao futuro
(télos), isto é, num pro-jectum existencial a ser vivido (conf. Mircea Eliade e Georges Gusdorf). O sentido mais difundido de “mito” como algo ilusório,
fantasioso, falacioso, resultado de uma “má” consciência das coisas e das “leis” científicas, aqui é descartado. Daí a importância também das metáforas,
como meta-phoros, um além-sentido que impregna a imagem e explode a sua semântica. Vide: Ferreira Santos, Marcos (1998). Práticas Crepusculares:
Mytho, Ciência e Educação no Instituto Butantan – Um Estudo de Caso em Antropologia Filosófica. São Paulo: FEUSP, Tese de doutoramento, ilustr., 2 vols.;
e Ferreira Santos, Marcos (2004). Crepusculário: conferências sobre mitohermenêutica & educação em Euskadi. São Paulo: Editora Zouk.
5
Durand, Gilbert (1994). L’Imaginaire. Essai sur les sciences et la philosophie de l’image. Paris: Hatier. Tradução: Prof. Dr. José Carlos de Paula Carvalho
e revisão técnica do Prof. Marcos Ferreira Santos para fins exclusivamente didáticos no CICE/Feusp. Disponível em www.cice.pro.br
6
Entenda-se a noção de paradigma a partir de Thomas Kuhn como “estrutura absoluta de pressupostos (constelação de crenças, valores, técnicas) que
alicerça uma comunidade científica e que são partilhados pelos seus membros.” Sanchez Teixeira, M. C. (1990).
Antropologia, Cotidiano e Educação. Rio de Janeiro: Imago Editora.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
DEBATE
○
○
○
...contanto que, de quando em vez, se faça o INES
ajustamento, pergunte-se por que o ESPAÇO
ESPAÇO
instrumento funciona aqui e mitações na síntese que apaga
os pólos anti-téticos, dissol- JUN/04
fracassa alhures.
vendo o conflito. O anel de
recursividade mantém a ten- 27
são, de forma espiral, em ou-
sim, quando nos referirmos ao • princípio da recondução aos tros níveis de correlação sem-
○
○
pre lembrado e exercido. Neste considerar o domínio da ló- mentar; permitindo-se analisar
○
○
Ponty7:
○
“O gradiente é uma rede que não se entender as outras ba- terminado campo;
○
○
• princípio da autopoiésis
○
ela recolherá. Ou ainda, é o dé- tir dos problemas que o (Humberto Maturana11)
○
da energia em Stephan
○
cesso “ordem-desordem-orga-
○
nização”;
Entre as características do compreensão dos fenômenos.
○
○
“Gradiente Holonômico” que per- • princípio da recursividade Portanto, em outra rede re-
○
poderíamos elencar as seguintes: samento da dialética e suas li- como economia de dispên-
○
7
Merleau-Ponty, Maurice (1975). O Olho e o Espírito. p. 275-276. In: Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural.
8
Ferreira Santos, Marcos (1998), op.cit.
9
Morin, Edgar (1997). Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2ª ed.
10
Morin, Edgar. (org.) (2001). A Religação dos Saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, p.329-391.
11
Maturana, H. & Varela, F. (1997). De Máquinas e Seres Vivos – Autopoiese: a organização do vivo. Porto Alegre: Artes Médicas, 3ª ed.
12
Maffesoli, Michel (1997). Elogio da Razão Sensível. Petrópolis: Vozes.
13
Bachelard, Gaston (1989). A Chama de uma Vela. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil.
DEBATE ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
Por outra matriz epistemo-
○
○
lógica, mas com o mesmo espíri-
○
to independente e arguto, Sir
○
○
Karl Popper, confronta tanto o
○
INES
○
historicismo dialético de tradição
○
ESPAÇO
ESPAÇO marxista como o positivismo es-
○
○
JUN/04 dios, numa perspectiva de ra- Estas características que permi- treito das escolas analíticas e
○
zão técnica ou instrumental, tem um diálogo intenso entre as
○
funcionalistas. Sua sugestão é de
○
como bem criticaram os teóri-
28 ciências de ponta, como por
○
que a prática científica deveria ir
○
cos da Escola de Frankfurt; exemplo nos Colóquios de Cór- ao encalço das “condições de
○
○
• princípio da multidiscipli- doba, de Cerissy, de Kyoto, ou refutabilidade”, através das quais,
○
mais recentemente na França,
○
naridade a hipótese provisória (como sem-
○
como estratégias de “religação de pre), se saísse ilesa, arquitetaria
○
como forma de trabalho pri-
○
saberes” (Morin, 2001), possuem outras condições de refutabili-
○
vilegiado para que o diálogo
○
como precursor nas escorrências dade16. O cientista deveria criar
entre as várias áreas do conhe-
○
iniciais derivadas do esgotamen-
○
cimento enriqueça, amplie e testes e experimentos que provas-
○
to da bacia semântica do para- sem a inconsistência da teoria e
○
complexifique as suas pró-
○
digma clássico, a tentativa de suas falhas (e não apenas experi-
○
prias contribuições, sem per-
religação da tradição racionalista
○
der de vista as suas próprias mentos que “provassem” sua teo-
○
idealista com o racionalismo
○
especificidades, em direção a ria). Cada vez que a teoria se
○
empirista no criticismo de mostrasse irrefutável, seriam cria-
○
uma interdisciplinaridade de-
○
Emmanuel Kant e sua abertura dos novos testes e experimentos.
sejável (nem sempre realizá-
○
fenomenológica. Nesse aspecto,
○
vel) e a uma transdiscipli- Com tal procedimento se inaugu-
○
somos todos devedores do pen- raria uma outra postura mais con-
○
naridade (ainda utópica). Nes-
○
samento kantiano. ○ dizente com uma “sociedade
te sentido, é a busca da ○
versidade e a unicidade do
○
tre nos abre uma “filosofia das for- verdade a priori e que orientam
○
humano14; e
mas simbólicas”, onde o “homo
○
ciações do campo humano para tam seu corpo teórico. Tal postu-
○
○
socrática.
○
ser humano é que explica o em Gaston Bachelard, assim como abertas é que, no final dos anos
○
○
alcance das contribuições pro- para o seu “racionalismo poético” 50 e anos 60, a discussão sobre a
○
reflexão filosófica e da práxis ginação material tanto na litera- tua e, em especial, com a obra de
○
○
educativa, sob pena de re-edi- tura como no discurso científico, T. Kuhn, “A estrutura das revolu-
○
ou, de sua forma mais explíci- cristalização reinante no conhe- volucionárias que, por saltos qua-
○
○
14
O termo foi cunhado por Jacob Böehme, o filósofo sapateiro (séc. XVII), e re-apropriado por Berdyaev, N. A. (1936). Cinq Meditations sur l’Existence.
Paris: Fernand Aubier, Éditions Montaigne, p. 169. Em Edgar Morin, o conceito de “unitas multiplex” é atualizado no contexto das mudanças paradigmáticas
e do pensamento complexo: Morin, 1997, op.cit.
15
Cassirer, Ernst (1973). La Philosophie des Formes Symboliques. Paris: Éditions de Minuit, 3 vols.
16
Popper, Sir Karl R. (1989). Em Busca de um Mundo Melhor. Lisboa: Editorial Fragmentos, 2a. ed. rev. ampl
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
DEBATE
○
e cumulativa – re-dimensionariam
○
○
a própria ciência e seus paradig-
○
○
mas. No entanto, é preciso salien-
○
INES
mudança paradigmática ainda em
○
tar que o processo de consolida- rios do Brás, Moóca e Belém (pe-
○
ção das ciências revolucionárias se riferia de São Paulo) no início do curso nas ciências “de ponta”, sem ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
dá pela subsunção das ciências re- século XX, culminando com a gre- dúvida, sua importância para as JUN/04
○
○
futadas, pois, no salto qualitativo, ve geral de 1917 e, logo em se- ciências da educação assinala a
○
o questionamento se amplia para
○
○
guida, com a Lei Adolfo Gordo envergadura e amplitude do cam-
po a ser investigado. Notadamen-
29
todas as bases epistemológicas e (1918) legalizando a perseguição
○
○
metodológicas em voga. e eliminação das lideranças anar- te, no diálogo entre cultura e
○
Mas, na linha argumentativa quistas imigrantes (sobretudo, es- educação. Neste sentido, os des-
○
○
de Kuhn, as ciências humanas (en- panhóis e italianos); da práxis de dobramentos na pesquisa cientí-
○
○
tre as quais as ciências da Educa- uma pedagogia sensível em fica em educação, sob os ventos
○
da reparadigmatização podem
○
tatuto que as outras ciências; são ção popular; mais recentemente ser constatados, entre outros fa-
○
○
consideradas ciências “pré- (a partir dos anos 50), o caráter tores, nas:
○
○
litativa
○
uma comunidade científica em movimentos sociais. São respos- debruçam sobre os estudos de
○
○
pressupostos discutíveis. Ainda tas de ação educativa à demanda caso, análises de discurso,
○
equipes multidisciplinares,
○
antropológico
○
chamar de gradiente holonômico) ter seu fígado dilacerado, diutur- que captem o micro-universo
○
“locus” e dinâmica;
teico (ainda que alternativas em- mente no final dos anos 80, é que
○
○
bebidas deste modelo); o mesmo começam a aparecer nas ciências • Pesquisas etnográficas
○
○
não ocorre com a investigação da educação, ressonâncias mais que conseguem, a partir das
○
○
ção anarquista nos bairros operá- pel inquestionável no processo de do humano18; portanto, a par-
○
17
Soares, Magda & Fazenda, Ivani (1992). Metodologias Não-Convencionais em Teses Acadêmicas. In: Novos Enfoques da Pesquisa Educacional. São
Paulo: Cortez Editora, 119-135.
18
“Mas como a semelhança da condição humana é assim paradoxalmente explorada pelo viés da diferença! A despeito de todo o exotismo da viagem por
terras desconhecidas do espaço e do tempo, é precisamente do homem, meu semelhante, que eu me aproximo a cada vez. Entre o diferente e o idêntico,
a dimensão a explorar é a do semelhante. E é exatamente ela que a história explora. As implicações morais e políticas são importantes: a razão
fundamental para recusar a idéia de raça é que o fato de todos os homens pertencerem à mesma história está ligado, no fundo, à similitude humana. Nela
reside a resposta forte à tentação de exotismo geográfico e histórico. A esse respeito, a função da exploração das diferenças é a de ampliar a esfera das
semelhanças.” Ricoeur, Paul (2001:376). O Passado tinha um futuro. In: Morin, E. (org.) Religação dos Saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil.
DEBATE ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
○
“contingência radical” 22 , sua
○
○
imprevisibilidade a despeito dos
○
poderes didático-metodológicos
○
• Pesquisas meta-cognitivas
○
INES instituídos. Esta própria contin-
○
pesquisas em que a investiga-
○
ESPAÇO
ESPAÇO gência (a incerteza, o caos, o aca-
○
ção dos processos de apren-
○
so...) se constitui como uma ex-
JUN/04
○
dizagem e significação, bem periência altamente pedagógica
○
○
como de construção lógico- para a compreensão do fenôme-
30
○
conceitual, ultrapassam os li-
○
no humano23.
○
mites do cognitivismo-desen-
○
○
volvimentista ou comporta- Necessidades especiais
○
○
mentalista, ampliando o diá-
○
logo com a psicologia social,
○
tir do cuidado e fidelidade na Na direção desta compre-
○
psicanálise, psicologia analíti- ensão, para que esta reflexão seja
○
reconstrução da paisagem esco-
○
ca e as ciências cognitivas e da frutífera, é necessário que seja
lar e de seus agentes em rela-
○
linguagem.
○
ção, com uma “escuta atenta”; uma reflexão radical. Deve atin-
○
○
Estes desdobramentos mais gir a raiz do problema não fican-
• Pesquisas de antropologia
○
pontuais do movimento paradig- do apenas na sua aparência su-
○
visual
○
mático nas ciências da educação perficial. Deve colocar em ques-
○
que privilegiam outras formas
○
suscitam outros tantos desdobra- tão os princípios e os conceitos
○
de registro e expressão que
mentos para a filosofia da educa-
○
que originam a prática em qual-
não apenas a sua forma escrita
○
ção, aqui entendida como a ati- quer área do conhecimento e do
○
(verbal ou estatística), como
○
tude reflexiva de busca de senti- agir humanos. Não se trata do sen-
○
por exemplo, a análise de
○
do para a práxis educativa. tido corriqueiro de ser “inflexí-
obras plásticas, desenhos, fo- ○
A consolidação de uma her- vel”, pois isto seria uma anti-filo-
○
nêuticas)
○
que privilegiam a memória, fundidade só se torna possível mente, sem que saibamos ainda
○
○
seja ela documental, individu- num clima dialógico frente ao do imperativo socrático. E para
○
○
al ou coletiva, mas que possi- pluralismo epistemológico21 que isso, mais do que consciência, é
○
te, a formação docente nos Mas, o pluralismo não esca- todo o mais claro possível e que
○
○
pro-jectum existenciais (como moteia o traço “quântico”, dramá- lhe dê alguma segurança. É a ques-
○
por exemplo as histórias de tico e trágico da constituição da tão de como projetar a luz. Méto-
○
○
19
No quadro das pesquisas de cunho sócio-antropológico, etnográficas e mitohermenêuticas, veja-se a produção do diretório de pesquisas do CNPq através
do CICE – Centro de Estudos do Imaginário, Cultura e Educação, com pesquisadores de várias universidades brasileiras. Disponível em www.cice.pro.br
20
Merleau-Ponty, 1992, op.cit.
21
Severino, A. Joaquim (1996). Dilemas e Tarefas das Ciências Humanas Frente ao Pluralismo Epistemológico Contemporâneo. Interações: Estudos e
Pesquisas em Psicologia, São Paulo, vol.1 (1): 97-115.
22
Chauí, Marilena (1980). Ideologia e Educação. In: Revista Educação e Sociedade, nº 05: 24-40.
23
Ferreira Santos, 1998, op.cit.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
DEBATE
○
○
○
○
○
INES
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
JUN/04
seus argumentos, afinal a reflexão Ainda que quatrocentos anos modo ontológico de afirmação no
○
○
filosófica não faz afirmações levi- nos separem do momento histó- mundo. Esta validação que pres-
○
○
anas. Procura esclarecer o signifi- rico em que Spinoza escreve esta supõe uma compreensão mais
○
cado de seus conceitos para que carta, sua verdade ilumina a alma profunda e, portanto, uma acei-
○
○
a linguagem possa dizer “algo de nossas buscas. Exercício de tação “vertical” (não apenas “su-
○
○
mais”, seja mais objetiva, mesmo descentramento importantíssimo perficial” para constituir as apa-
○
mas não sendo vítima dela. Apro- que nos acompanha historica- nos abre uma perspectiva, alta-
○
○
veitar todos os sentidos possíveis mente. Perceber que o Outro, mente, alvissareira: aprendermos
○
○
de uma mesma palavra. É o rigor diferente, não deve ser julgado com o Outro diferente estes mo-
○
no pensamento. O método é o nem avaliado pelos atributos que dos diferentes de existir. Apren-
○
○
caminho que a reflexão percor- são nossos e, portanto, tendo dermos cantos outros de existên-
○
○
re, e caminhos existem vários. como termo de comparação, pre- cia. Enriquecermos o nosso pró-
○
○
“Caminante no hay caminos, se cisamente, aquilo que temos e prio cantar ao experienciar o can-
○
hace camino en el andar... verso que “falta” ao Outro. A percep- to de outros cantos...
○
○
a verso, golpe a golpe” dizia o ção desta “falta” é a forma de ten- Isto que se aplica a todos os
○
○
ro, de uma bengala, talvez. E o tarmos submeter ao controle ra- diferentes (sejam de outras etnias,
○
cego saberá menos do mundo e cional a sombra em que o Outro raças, grupos sociais, classes soci-
○
○
da vida do que aquele que existe diferente se constitui para nós. ais, etc), se aplica, mormemente,
○
○
dependendo da visão dos olhos? Tentar perceber que o Outro aos portadores de necessidades
○
○
“A cegueira não é ausência de vi- possui, tão somente, uma outra especiais. Se conseguirmos dei-
○
são: é uma maneira diferente de maneira de existir, valida a pró- xar de lado toda a carga assisten-
○
○
existir” (Baruch de Spinoza, pria forma de existir deste Outro cialista, preconceituosa e po-
○
○
24
Spinoza, Baruch de. “Carta n° 21” In: Correspondência, Os Pensadores, pp. 386-387.
DEBATE ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
○
○
○
○
○
○
INES oferta de possibilidades de inser- obliterar, de tapar uma abertura
○
ção social, e nem o descuido com natural do organismo, como se
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
políticas públicas que atendam diz em fisiologia. Que fazemos na
○
JUN/04
○
mente, as ações destinadas a esta estas populações (em especial, em escola (instituição privilegiada de
○
○
população, talvez consigamos garantir condições de acessibili- ação da sociedade que ali se
32
○
aprender com eles estes modos dade física e informacional). O espelha e se forma) senão fechar
○
○
distintos de existir. No entanto, que me parece descabível é igno- as possibilidades de nossos alu-
○
○
é importante, antes de tudo, nos rar a dimensão subjetiva e a di- nos ao contato com outros mo-
○
darmos conta de que são modos mensão desejante destas pessoas. dos de existência e inviabilizar
○
○
distintos de existir. É forçoso relembrar: são pessoas. para cegos, surdos, mudos, para-
○
○
Sem esta percepção antropo- E como tal, possuem vontades, líticos, portadores de Síndrome
○
lógica, podemos continuar insis- desejos, esperanças, visões de de Down e de qualquer outra ne-
○
○
tindo numa “inclusão” destas pes- mundo, expectativas, frustações e cessidade especial, senão, o fecha-
○
○
soas num ambiente escolar diver- sensibilidade. Necessitam, sobre- mento das possibilidades de re-
○
○
sificado (mas, não-plural) que não tudo, de diálogo. Encontrar inter- afirmarem-se em sua pessoalidade
○
os aceita; num mercado de traba- locutores. Na institucionalização e abrirem-se às possibilidades po-
○
○
lho para apertar parafusos sem, hospitalar ou educacional, não tenciais de sua humanitas? Nos-
○
○
minimamente, se importar se isso me parece que esta necessidade sas práticas concretas são oclusivas
○
é o que eles desejam ou não. Ou seja atendida. Nem tampouco na ainda que, por dever de ofício,
○
○
ainda, o que me parece piorar ain- linha de montagem de qualquer deva nomeá-las de oclusão sim-
○
○
da mais a situação e as relações indústria ou fábrica artesanal. bólica. Fechamos as pessoas – nos-
○
○
humanas: “incluí-los” como se Portanto, posso afirmar que sos alunos – a um único e sobe-
○
não possuissem nenhuma dife- não conseguimos ainda uma prá- rano modo de existir: branco,
○
○
rença entre os “normais” e exi- tica inclusiva (pois ainda não se adulto, ocidental, rico, macho, ra-
○
○
gindo que o tratamento seja in- transformou a sociedade para a cional e “normal”25, dificultando-
○
distinto para que não se incorra convivência com os diferentes di- os a vivência, busca de sentido,
○
○
inclusão, além de hipócrita e pa- partir da Declaração de Sala- em outros modos possíveis de
○
○
triarcal, se esquece do principal: manca) e ainda não saímos da existir. Negamos existência àque-
○
Ora, converter estes contingen- de nossa sociedade capitalista mos o direito apregoando-lhes a
○
○
tes de pessoas especiais (não por- neo-liberal de acumulação ampli- adaptação inclusiva à sociedade
○
○
que sejam “deficientes”, mas por- ada de capital. Portanto, no hiato que lhes excluiu e que lhes ex-
○
desenvolvidas a partir de relações tico) da inclusão e as práticas con- Àqueles que acabam se consti-
○
○
corporais concretas) em massas de cretas de exclusão, estamos ain- tuindo como “sombra” deste mo-
○
consciência, não poderá contri- Será, então, apenas mais um ta a prática complementar da
○
○
buir com a constituição de uma so- jogo de palavras – de criança ou oclusão: a reclusão. Que nada mais
○
○
Não preconizo aqui nenhuma Senão, vejamos: oclusão deri- ato ou efeito de encerrar num es-
○
○
forma de isolamento, institucional va do latim occlusione, sendo, paço único, submeter a um con-
○
○
ou não, nem tampouco a não- portanto, o ato de fechar, de trole absoluto, apartar da socie-
○
25
Também por dever de ofício, devemos lembrar que há, e que sempre haverá, exceções que marcam o campo, especificamente, humano da educação
escolar. O tom mais generalizante da afirmação cumpre apenas uma função argumentativa.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
DEBATE
○
○
○
○
○
INES
○
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
JUN/04
Portanto, no hiato entre o discurso (modista
e acrítico) da inclusão e as práticas 33
concretas de exclusão, estamos ainda
vivendo a oclusão de todos.
numa instituição: penitenciárias, mecanismo da construção da hu- “formação integral do ser huma-
○
○
assistencialistas; tudo a depender, pessoa (como preferirem). En- Imaginem se conseguíssemos tal
○
○
evidentemente, da “infração” co- quanto processo, a educação é façanha. Skinner nem precisaria
○
○
metida: ser diferente. pertença do indivíduo (ou da pes- ter escrito Walden II, nem George
○
Dialogar com as especificida- soa) – isto é, é o processo pelo Orwell precisaria criar o proféti-
○
○
des de cada um destes portado- qual, a partir de seu próprio equi- co “1984” – este seria um docu-
○
○
res de necessidades especiais, por pamento pessoal (biofisiológico/ mentário e não ficção.
○
○
conseguinte, portadores de dese- psicológico), cada indivíduo se Não me parece caber à escola
○
jos especiais e de expectativas auto-constrói como homem. En- formal tamanha pretensão. Abrin-
○
○
especiais, abre uma dimensão quanto mecanismo, a educação do mão de qualquer viés totalitá-
○
○
educativa que possui, necessaria- é pertença do grupo – é o recurso rio (ainda que imbuído de boas
○
mente, mão dupla: nos converte, (ou o instrumento) que o grupo intenções), reconduzir a unida-
○
○
Mas, esta percepção já envol- seus membros em humanidade os sistemas formais que os com-
○
○
ve uma outra concepção de edu- (ou como homens).” 26 portam, aos seus próprios limites,
○
○
no. Eis a divisa de uma educação vel. Desta forma, podemos verifi-
○
Educação como fim coerente. Como processo e recur- car a inconsistência de atribuir à
○
○
A educação vem sendo tratada dade potencial da pessoa mente, instrumental de educação:
○
○
como matéria específica de uma (humanitas), poderíamos rela- educação para a cidadania, edu-
○
○
entidade burocrática: a escola for- tivizar o “escolacentrismo”, colo- cação para o trabalho, educação
○
○
mal. Como instituição burocráti- cando em relevo o processo para a inclusão, educação para
○
ca é, predominantemente, estatal educativo que várias outras insti- o ambiente, etc. Os exemplos se
○
○
– o que não quer dizer, necessa- tuições e instâncias sociais desen- multiplicam ao infinito depen-
○
○
riamente, pública. Se entender- cadeiam. Creio que voltar os olhos dendo, tão somente, da deman-
○
mos, minimamente, a educação para além dos muros e grades es- da exterior à educação.
○
○
na mesma linha compreensiva da colares oxigena a própria discus- Numa concepção antropológi-
○
○
Profª Beatriz Fétizon: são escolar. Se ainda não conse- ca que coloca o ser humano no
○
26
Fétizon, Beatriz (2002). Sombra e Luz: O Tempo Habitado. São Paulo: Zouk. Vide em especial um dos prefácios do mesmo livro: Ferreira Santos, Marcos.
Mistagoga Alexandrina e Moura: Beatriz Fétizon, p. 51-69.
DEBATE ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
○
○
○
○
clássicas do pensamento
○
○
INES cartesiano que separa a res
...a educação possui um fim em si mesma:
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO cogitans da res extensa numa
trata-se de exteriorizar e objetivar o potencial
○
○
dicotomia balizada também pela
JUN/04 humano das pessoas submetidas ao
○
tradição religiosa judaico-cristã.
○
seu processo.
○
Nestas duas tradições o corpo é
34
○
○
um apêndice do nosso ser e que
○
“arrastamos” seja pelo seu peso,
○
○
centro dos processos, podemos, seja como carga de barro úmido
○
Corporeidade como nó de
○
então, reafirmar que a educação significações vividas a testemunhar um pecado origi-
○
○
possui um fim em si mesma: tra- nal. Daí a dificuldade do ociden-
○
ta-se de exteriorizar e objetivar o tal em lidar com as questões do
○
Tentando ampliar e re-signi-
○
potencial humano das pessoas corpo, seus sentidos e prazeres,
○
ficar a idéia de corporeidade,
○
submetidas ao seu processo. Ou portanto, sem as cisões realiza- suas possibilidades e limites. A
○
○
seja, contribuir para que estas das no pensamento cartesiano rigor, acompanhando as reflexões
○
pessoas sejam elas próprias e não de Merleau-Ponty, nós não temos
○
entre a res cogitans (mente) e a
○
alguma outra coisa que não sejam um corpo. Nós somos um cor-
○
res extensa (corpo), Maurice
○
elas próprias. No sentido instru- Merleau-Ponty (1908-1961), filó- po, e é este corpo que sente, pen-
○
○
mental, se transforma a pessoa em sofo francês ligado à fenome- sa, age e atua no mundo concre-
○
algo que ela não é. Dificilmente, to que vivemos. A facticidade do
○
nologia e ao existencialismo,
○
em algo que ela deseja ser ou que desenvolveu a sua compreensão mundo (seu caráter concreto e
○
○
ainda não sabe que é. Este traba- de corporeidade, altamente, resistente aos nossos desígnios)
○
lho parturiente é, sem dúvida, o nos atesta esta rede de significações
○
qualquer educador digno desta “Um romance, um poema, um nos movemos e percebemos o
○
○
de si mesmo através do conheci- expressão do exprimido, cujo “Para dizer a verdade, todo
○
○
mento do mundo e, neste senti- sentido só é acessível por um hábito é ao mesmo tempo mo-
○
do, de nossa interlocução, para nar seu lugar temporal e es- cepção explícita e o movimen-
○
sobre sua inserção e engajamento de arte. Ele é um nó de signifi- tempo nosso campo de visão e
○
○
profissional, social, político, eco- cações vivas e não a lei de um nosso campo de ação (...) o
○
riantes” (Merleau-Ponty,
○
processos educacionais a que são Este nó de significações vivas po, uma extensão da síntese
○
○
27
Análise etimológica de existência, assim como nos existencialistas, Heidegger e Jaspers, ressaltando seu caráter de exteriorização da carga vivencial
subjetiva.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
DEBATE
○
○
○
○
○
INES
○
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
JUN/04
○
○
35
Os sentidos se comunicam alterando a “Os sentidos são distintos uns
própria síntese corporal. dos outros e distintos da
intelecção, tanto que cada
um deles traz consigo uma es-
Por sua vez, esta síntese cor- significações: nossos movimen- trutura de ser que não é nun-
○
○
poral prescinde das cisões con- tos antigos se integram em uma ca exatamente transponível.
○
○
ceituais do intelectualismo oci- nova entidade motora, os pri- Podemos reconhecê-la porque
○
dental. Ao mesmo tempo em que meiros dados da vista em uma rejeitamos o formalismo da
○
○
tendemos a perceber na interação nova entidade sensorial, nos- consciência, e fizemos do cor-
○
○
do corpo com o mundo apenas sos poderes naturais reencon- po o sujeito da percepção. E
○
uma correspondência baseada em tram subitamente uma signifi- podemos reconhecê-lo sem
○
○
estímulos e respostas (mecânicas cação mais rica que até então compreender a unidade dos
○
○
ou complexas, segundo a tradi- só era indicada no nosso cam- sentidos. Por que os sentidos
○
dos e significações dadas pelo Ser e cujo advento subitamente re- Esta estrutura de ser que a vi-
○
que habita a região selvagem do organiza nosso equilíbrio e pre- são possibilita, por exemplo, é a
○
○
pré-reflexivo. Este Ser Selvagem, enche nossa cega espera.” do ser intelectivo, racionalizante,
○
○
mundo” (p.433) é um constante Aqui devemos nos lembrar que tiva. Subjugada esta estrutura de
○
○
processo resultante das correlações a análise de Merleau-Ponty sobre ser, abrem-se alternativas para uma
○
○
com o meio exterior – perspecti- longo de toda a sua obra, a eleva do movimento, dificilmente, con-
○
○
va muito próxima do “trajeto an- à identificação com a própria cons- seguiria dar conta das re-articula-
○
○
tropológico” de Gilbert Durand ciência. Perceber algo é, de ime- ções que fazem as bombas circu-
○
(1981) – que pode se re-organizar diato, ter consciência deste algo latórias, as sístoles e diástoles da
○
○
pela percepção de uma “falta”: num plano ainda pré-reflexivo. arquitetura muscular, a combus-
○
○
“(...) um novo uso do corpo perceptivo pelas categorias refle- teses protéicas, sem um princípio
○
○
próprio, é enriquecer e reorga- xivas que utilizamos no pensa- subjetivo que configurasse esta
○
○
nizar o esquema corporal. Sis- mento verbal é que esta cons- machina speculatrix da corpo-
○
○
de potências perceptivas, nos- mântica (derivada de seus signifi- A estrutura de ser que os sen-
○
○
so corpo não é objeto para um cados e sentidos), alterando a or- tidos cinestésicos e táteis-vibra-
○
○
‘eu penso’: é um conjunto de ganização do real. Os sentidos se tórios possibilita é a do ser dinâ-
○
significações vividas que segue comunicam alterando a própria mico que reaproxima sua carne à
○
○
no sentido de seu equilíbrio. Às síntese corporal. Mais uma vez carne do mundo, numa fusão
○
○
vezes se forma um novo nó de Merleau-Ponty nos explica: corporal das dimensões concre-
○
DEBATE ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
○
○
○
INES
tas de sua existência. Não é por Esta verdadeira gesticulação cultural, como
ESPAÇO
ESPAÇO
coincidência que elementos de diz Merleau-Ponty, da marca corporal sobre
JUN/04 trajetividade, repetição, me- a cultura e sua sintaxe simbólica, seu
diação, circularidade, dinami- universo semântico polifônico e sua
36 cidade, etc. aparecem com fre- pragmática prosódica, demonstram, no caso
qüência nesta estrutura de ser da comunidade surda, a resistência como
(Capitoni, 2003).
forma de re-afirmar a própria existência.
Este soma28 – reserva ener-
gética do corpo – é mobilizado
por uma consciência nem desper-
ta, nem hipovígil, mas intensa
intensa:
○
dos, a linguagem de sinais não é Desta forma, é que podemos
○
apenas uma linguagem exterior e perceber como o silêncio apare-
○
○
“O mundo não penetra em dotada de signos arbitrários ce, no caso dos surdos, como fe-
○
mim sem que minha ativida-
○
(como acontece na datilologia), nômeno de interdição frente ao
○
de o solicite, pois ele depende mas linguagem do corpo inteiro, logocentrismo dos ouvintes e
○
○
de minha atenção, de minha pois é esta corporeidade que é mesmo dos oralizados. Este silên-
○
imaginação, da intensidade
○
solicitada e engajada na atitude cio pesado da falta de espaço para
○
de minha consciência; e esta comunicativa. São elementos a voz de suas reivindicações e
○
○
intensidade não vem de fora, constituintes desta linguagem: o atendimento de suas necessida-
○
○
mas de dentro.” (Berdyaev, próprio corpo em sua inteireza, des básicas (carinho, afeto, diálo-
1936:50). ○
o contexto da comunicação, os ○
○
go, expressão, auto-afirmação,
interlocutores e as mensagens etc) emudece.
○
○
Corpo como existência transitadas entre eles. Mas, mesmo neste caso, a co-
○
○
Se admitimos este pressupos- podemos então, dizer que, tam- ensinar com o grito do corpo e a
○
○
to da corporeidade como nó de bém no caso dos surdos, a exis- resistência cultural, muitas ve-
○
○
significações vividas, o próprio tência é linguagem. Não pela fal- zes, muito bem organizada (veja-
○
corpo passa a ser entendido ta que a fala articulada faça ou se a FENEIS, por exemplo). O
○
○
como suporte de nossa existên- pela impossibilidade ou deficiên- chamado deaf power norte-
○
○
cia. Portanto, toda nossa existên- cia em ouvir. Mas, porque a americano, a exemplo de outros
○
cia só se realiza a partir das rela- corporeidade demonstra, de ma- movimentos anteriores (black
○
○
ções corporais (e subjetivas tam- neira mais explícita no caso dos power, flower power, etc) que,
○
○
bém – já que não partimos da idéia surdos, como ela é o suporte de de certa forma, também influen-
○
corpo) com as pessoas e o mun- dade de comunicação com o tem na base a sólida identifica-
○
○
do. Esta é uma dimensão impor- mundo. Qualquer processo edu- ção de seus semelhantes na cons-
○
○
tantíssima para que possamos cativo que menospreze esta di- tituição da comunidade (cimen-
○
adentrar o universo do potencial mensão existencial da linguagem to social, diria Maffesoli, 1985;
○
○
educativo das relações com os di- entre surdos impossibilita a apre- a partir de laços afetuais) e que
○
○
Capitoni (2003) muito bem de- sensibilidade e do caráter estéti- qüência, com a exclusão e suas
○
○
monstrou, que no caso dos sur- co de sua racionalidade. formas mais mascaradas (discur-
○
28
Keleman, 2001 e 1992.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
DEBATE
○
○
○
○
○
○
INES
○
○
sos inclusivos e práticas oclu- dundam numa concepção de vida, Mais uma lição surda: o toque. ESPAÇO
ESPAÇO
○
sivas, por exemplo). altamente estética e, conseqüen- Expressão dos dedos carregados
○
JUN/04
○
Esta verdadeira gesticulação temente, de raízes éticas. de subjetividade, o toque, mais
○
○
cultural, como diz Merleau-Ponty, Agir com o corpo, comunicar do que deslize pecaminoso de tra-
da marca corporal sobre a cultura ○
○
○ através do corpo, viver o próprio dição judaico-cristã, é solidarie- 37
e sua sintaxe simbólica, seu uni- corpo – sem as cisões proporcio- dade corporal que fecunda pala-
○
○
verso semântico polifônico e sua nadas pela expressão verbal de tra- vras táteis no irriçar da pele, à flor
○
pragmática prosódica, demons- dição aristotélica e cartesiana – nos da pele... o toque é ponto de con-
○
○
tram, no caso da comunidade sur- mostram a pertinência do chiasma tato entre as membruras que esta-
○
○
da, a resistência como forma de (Merleau-Ponty, 1992): como o belecem, de imediato, redes sen-
○
○
Mais do que uma resistência reni- minha carne, a própria carne do existências. Aos pedagogos e edu-
○
○
tente, de cenho sizudo, de ban- mundo. Ponto de membrura, a cadores transitando pelos cami-
○
○
deiras e panfletos militantes de um membrana diáfana que nos isola nhos tantos de nossos desca-
○
ativismo cego; nos ensinam, no- em nossa pessoalidade, mas ao minhos, seria prudente e salutar,
○
○
vamente, a alegria da afirmação e mesmo tempo, nos junta aos ou- ouvir o canto vivo e vibrante dos
○
○
do estar-junto (ais-thesis) que re- tros no mundo concreto. surdos nas encruzilhadas.
○
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○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
DEBATE
○
○
○
Entre o Real e
○
○
INES
○
○
○
ESPAÇO
o Imaginário:
ESPAÇO
○
○
JUN/04
○
○
Maria Cecília Sanchez TTeixeira*
eixeira* ○
○
○
○
○
Processos 39
*Professora Associada da
Simbólicos e
○
Faculdade de Educação da
○
○
USP e Professora do
○
○
Mestrado em Educação da
Corporeidade
○
UNIC/Cuiabá.
○
○
○
○
○
○
○
Resumo:
○
○
○
tividade entre natureza e cultura, ginary: Symbolics process and social human acts.
○
○
entre o gesto pulsional e o meio corporeal anchor Key words: real, imaginary,
○
matrizes neurobiológicas, etoló- Consider that in the way O mundo que você vê é real
○
○
imaginário, a partir do diálogo between the pulsate gesture and A luz que se projeta ao seu re-
○
entre autores como Gilbert material socialculture means, the dor seria observada e sentida
○
○
Durand (antropologia do imagi- symbolic function set up the real, da mesma forma se você não
○
○
nário), Edgar Morin (antropolo- the article intends identify the estivesse aqui?
○
gia da complexidade), Konrad neurobiologic, ethologics and As cores fariam algum sentido
○
○
Damásio (neurobiologia), Joseph imaginary, from the dialogue servar, catalogar, interpretar?
○
Cambpell (mitologia) e Stanley among the authors as Gilbert Os sons produziriam o mesmo
○
○
durandiana, mostra como, por (anthropology of complexity), O frio ou o calor teriam algu-
○
○
meio do processo de simboli- Konrad Lorenz (ethology), Anto- ma importância na ordem ge-
○
zação, que marca irredu- nio Damasio (neurobiology), ral do universo se não fosse
○
○
tivelmente a diferença entre o Joseph Campbell (mythology) and você que os tivesse sentido?
○
○
homo sapiens e os animais, o ima- Stanley Keleman (somatic Tudo o que ouvimos, vemos e
○
indivíduos e dos grupos, organi- of symbolic process, which marks como alguém percebe, interpre-
○
zando as experiências e ações irreducibly the difference between ta ou reage é pura criação do
○
○
humanas individuais e sociais. homo sapiens and animals, the cérebro. “O que o cérebro faz
○
○
Palavras-chaves: real, imagi- imaginary define the symbolic- o tempo todo, dormindo ou
○
○
○
○
○
○
○
○
INES
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
JUN/04 Considerando que é na trajetividade entre
○
categoria mista e desconcertante
○
natureza e cultura que a função simbólica
○
que se situa a meio caminho en-
40 instaura o real, pretendo mostrar como o
○
tre o concreto e o abstrato, entre
○
imaginário, a partir de bases biológicas e
○
o real e o pensado e imaginado,
○
etológicas, tece as redes simbólicas que
○
entre o sensível e o inteligível.
○
sustentam os comportamentos culturais. Logo, o imaginário comporta tan-
○
○
to uma dimensão representativa
○
e verbalizada como uma dimen-
○
○
são emocional, afetiva que toca o
○
○
Introdução lidamos sempre com interpreta- sujeito (Wunenburger, 1997).
○
ções, como podemos afirmar, Duas concepções principais de
○
○
Inicio com esta epígrafe do com certeza, que arte, religião, imaginário podem ser identificadas,
○
○
neurocientista Rodolfo Llinas, mito, linguagem e outras produ- segundo Wunenburger (2003): uma
○
porque entendo que ela é o mote ções do homo symbolicus não são restrita, que designa o conjunto
○
○
para o tema que me propus de- objetivações constitutivas de um estático dos conteúdos produzi-
○
senvolver neste artigo: a ancora- “real” tão sólido e tão vital como dos pelo imaginário, isto é, um
○
○
gem corporal dos processos sim- o real criado pelo homo faber, tecido de imagens passivas e neu-
○
○
bólicos organizadores do real. pela via científica e técnica tras (sistema estático e fechado);
○
Considerando que é na trajetivi- (Durand, 1997:197)? e outra ampliada, que se refere
○
○
dade entre natureza e cultura que Mas de que imaginário se trata? aos agrupamentos sistêmicos de
○
a função simbólica instaura o real, O termo imaginário pode ter imagens que comportam uma es-
○
○
pretendo mostrar como o imagi- significados muito diferentes en- pécie de princípio de auto-orga-
○
○
nário, a partir de bases biológicas tre aqueles que o utilizam. Em seu nização de autopoiésis, permitin-
○
e etológicas, tece as redes simbó- uso corrente nas ciências huma- do abrir sem cessar o imaginário
○
○
licas que sustentam os comporta- nas e nas letras, remete a um con- às inovações, transformações e re-
○
○
mentos culturais. Em outras pala- junto bastante vasto de significa- criações (sistema dinâmico aberto).
○
vras, mostrar como razão e emo- dos: fantasmas, lembranças, so- É nessa concepção ampliada
○
○
ção, corpo e espírito desenham nhos, devaneios, crenças, mitos, que se situa a Teoria Geral do
○
○
o mapa com o qual lemos, inter- romance, ficção, o que mostra Imaginário de Gilbert Durand,
○
pretamos e criamos o mundo. que, geralmente, é definido por elaborada a partir da crítica que
○
○
Quando examinamos um con- oposição ao real. Nesses termos, faz à desvalorização da imagem e
○
do imaginário no pensamento
○
primeira vista, identificar as suas qual tanto pode ser entendido em ocidental. Fruto do que chama
○
○
vinculações com a realidade. Da um sentido relativo, como o que “iconoclastia endêmica”, a qual se
○
mesma forma que não é fácil de- não está atualmente presente inicia como iconoclastia religio-
○
○
fundamentos imaginários, princi- sentido absoluto, como imagem – judaísmo, cristianismo e islamis-
○
palmente se considerarmos que representativa de algo que não mo – que proibiam a confecção
○
○
toda abordagem do real só se dá poderá jamais se colocar na or- de imagens) e se prolonga atra-
○
○
por meio da função simbólica, dem dos fatos “reais” no campo vés dos diversos racionalismos,
○
porque, como diz Paula Carvalho do perceptível, como, por exem- dos gregos até nossos dias.
○
○
(1998), em profundidade só te- plo, uma ficção irrealizável Desde Aristóteles, o único
○
○
mos redes de leituras, de media- (Wunenburger, 1997, 2003). método eficaz de busca da ver-
○
ções simbólicas, constitutivas ou Esta imprecisão decorre do dade funda-se sobre uma lógica
○
○
instauradoras do real. Portanto, se fato de a imagem constituir uma binária, a qual permite somente
○
duas proposições, ambas “verda-
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
DEBATE
○
deiras”, e exige clareza e distin-
○
○
ção. Então, a imagem, que não
○
pode ser reduzida a um argu-
○
INES
○
mento formal “verdadeiro” ou O privilégio pedagógico é atribuído à
○
○
“falso” em razão da sua ambigüi- percepção e ao conceito, em detrimento da ESPAÇO
ESPAÇO
○
dade constitutiva é descartada.
○
imaginação. O símbolo perde a sua JUN/04
○
Por propor um real velado, é des-
○
valorizada e acusada de ser “mes- plurivocidade, torna-se sintema.
○
tra do erro e da falsidade” ○
○
No processo de sintematização, o símbolo 41
se empobrece semanticamente, porque a
○
(Durand, 1994).
○
obtido por meio da sensação, da imagem, que dela retirou seu ma pode sugerir, o imaginário é
○
○
memória. Daí ser o método cien- heurístico, não significou o seu Potencial que é valorizado quan-
○
○
tífico o único válido para se che- fim. Ao contrário, paradoxalmen- do se considera o imaginário não
○
○
gar à verdade. O privilégio peda- te, nossa civilização fundada so- como um conjunto de imagens
○
gógico é atribuído à percepção e bre verdades iconoclastas é inces- que vagueiam livremente na me-
○
○
ao conceito, em detrimento da santemente assediada pela ima- mória e na imaginação, mas como
○
○
imaginação. O símbolo perde a gem, pois como diz Durand, que um “dinamismo organizador en-
○
sua plurivocidade, torna-se cito de memória, jogamos as ima- tre diferentes instâncias fundado-
○
○
sintema. No processo de sintema- gens fora pela porta e elas entram ras” (Thomas, 1998), que tem o
○
vocidade e a espessura de senti- ...os difusores das imagens, a nos a ponta do véu que encobre
○
do cedem lugar ao concep- mídia, estão onipresentes em a intrincada teia de relações bio-
○
○
tualismo que se dirige para a todos os níveis da representa- lógicas, neuropsicológicas, etoló-
○
○
univocidade (Durand, 1988). Esse ção, da psique do homem oci- gicas, somáticas e socioculturais,
○
imagem ao conceito é poetica- berço ao túmulo a imagem que atribuímos ao mundo, pro-
○
○
mente ilustrado por Manoel de está lá, ditando as intenções ponho um diálogo entre autores
○
Barros (2001:25), quando diz: de produtores anônimos ou como Gilbert Durand (antropo-
○
○
atrás de nossa casa era a ima- econômicas e profissionais dos Konrad Lorenz (etologia), Anto-
○
○
gem de um vidro mole que fa- adolescentes, nas escolhas nio Damásio (neurobiologia),
○
Passou um homem depois e um, nos costumes públicos ou Stanley Keleman (abordagem
○
○
disse: Essa volta que o rio faz privados a imagem midiática somática).
○
a imagem. Mas, para além do seu poder e de símbolos que tem por fun-
○
DEBATE ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
○
○
ção colocar o homem em relação
○
○
de significado com o mundo,
○
INES
○
com o outro e consigo mesmo,
ESPAÇO
ESPAÇO constituindo-se como o referen-
te fundamental da evolução hu- O imaginário é um sistema dinâmico
JUN/04
mana. organizador de imagens e de símbolos que tem
A motivação de Durand ao es- por função colocar o homem em relação de
42 tudar o imaginário era buscar, nos significado com o mundo, com o outro e
componentes fundamentais do consigo mesmo, constituindo-se como o
psiquismo humano, as estruturas
referente fundamental da evolução humana.
profundas arquetípicas, nas quais
se ancoram as representações sim-
bólicas e o pensamento. Era es-
tudar o homem como produtor tor afirma que o imaginário é pro- tividade entre o gesto pulsional
○
○
de imagens, conhecer as que o duzido na confluência do subje- e o meio material e sociocultural.
○
○
estruturam e todas as suas obras. tivo e do objetivo, do pessoal e Ao elaborar a sua teoria do
○
Para isso, partiu do pressuposto do meio sociocultural (idem). O imaginário, Durand (1997, 1998)
○
○
de que se pode reconhecer, ge- trajeto junta, intimamente, em parte da hipótese de que existe
○
neticamente, na psique de cada uma representação ou atitude uma estreita concomitância entre
○
○
individuo vários níveis matriciais, humana, o que vem da espécie os gestos do corpo, os centros
○
○
nos quais se constituem os ele- zoológica (o psíquico e o psicofi- nervosos e as representações sim-
○
mentos “simbolizantes” do símbo- siológico) e o que vem da socie- bólicas. Identificando uma ligação
○
○
lo, ou seja, as forças de coesão dade e da sua história, impedin- entre a motricidade primária e in-
○
impulsionadoras das atitudes do, epistemologicamente, que se ○
○
consciente e a representação, li-
psicofisiológicas que os “padrões” atribua a um ou outro pólo a gação já confirmada pela psico-
○
○
simbólico-culturais vão derivar, dominância ontológica (Durand, logia e recentemente pela neuro-
○
dada sociedade (G. Durand, 1988). Ora, se nessa perspectiva, o uma ancoragem corporal.
○
○
Situando a sua investigação no imaginário não é nem mera cria- Para mostrar esta relação, o
○
que chamou de trajeto antropoló- ção individual, nem simples pro- autor (1997:47) empresta de
○
○
gico, entendido como “... a inces- dução social, então, as motivações Betcherev a noção de “gestos do-
○
sante troca que existe, ao nível do profundas não podem ser encon- minantes”, considerados com os
○
○
imaginário entre as pulsões subje- tradas apenas em dados exterio- mais primitivos conjuntos sensó-
○
○
objetivas que emanam do meio como querem algumas teorias do tema de “acomodações” mais ori-
○
○
cósmico e social,” (1997:41), o au- imaginário, mas sim na traje- ginários na ontogênese. São rea-
○
○
calidade) e a de nutrição. De
apenas em dados exteriores à consciência
○
○
○
○
○
Essas três dominantes reflexas,
○
entendidas por Durand (1997:51)
○
INES
○
como malhas intermediárias en-
○
○
tre os reflexos simples e os refle- ESPAÇO
ESPAÇO
○
xos associados, são as matrizes
○
JUN/04
○
sensório-motoras dos três grandes
○
esquemas dominantes na nature-
za comportamental e morfológica ○
○
○
○ timidade, da ocultação; ao gesto Apoiando-se em estudos 43
do sapiens; a cada um deles vai copulativo, os esquemas rítmico, etológicos, Durand (1998:152)
○
corresponder, na sua teoria, uma dialético, messiânico. postula que os Urbilder também
○
○
estrutura do imaginário, como Em contato com o ambiente podem ser encontrados nos
○
veremos logo mais. natural e social, os esquemas de- sapiens sapiens. Essas imagens
○
○
É, pois, na motricidade do cor- terminam os grandes arquétipos, primordiais teriam por base as
○
○
po que ele identifica a linguagem considerados como moldes estruturas de reflexos dominan-
○
primeira do sapiens – o “verbo” –, afetivo-representativos que, em tes, tanto as que o ser humano
○
○
que é antes de tudo expressão contato com a cultura, são pre- partilha com grande número de
○
○
tutor instintivo.
○
conscientes da sensório-motri-
○
cidade e as representações é feita enchidos pelos símbolos1. A cul- seres vivos (de deglutição, de nu-
○
○
pelo esquema, entendido como tura é, pois, aquilo que é sobre- trição e copulativo), como aque-
○
○
uma generalização dinâmica e determinado por uma espécie de las mais específicas do homo
○
afetiva da imagem. É um trajeto finalidade e projeto natural for- erectus, os reflexos dominantes
○
○
representação concreta os gestos tes que lhes servem de tutor ins- Prosseguindo nas suas elabo-
○
○
e as pulsões. O esquema é o mais tintivo (Durand, 1997:52). rações, o autor aproxima essas
○
○
imediato para a representação fi- É este tutor instintivo, tam- grandes imagens primordiais dos
○
gurativa que se eleva diretamen- bém chamado em outro texto arquétipos que, no seu entender,
○
○
corpo, graças às conexões refle- lógico, que seria o desencadea- tico de cada espécie, como ao ca-
○
xas no “grande cérebro” humano dor do processo de simbolização, pital culturalmente adquirido
○
○
(Durand, 1998:75). Assim, ao gesto por meio das imagens primordi- pelo homem, razão pela qual dis-
○
○
da iluminação, da divisão visual mais, eles são grandes conjuntos Os arquétipos genotípicos são
○
○
ou manual; ao gesto do engo- espaciais, sensoriais e simbólicos os Urbilder que funcionam como
○
limento (nutricional) os esque- que definem seu mundo e seu potencializadores das representa-
○
○
1
Durand (1997:60) esclarece que o que caracteriza o arquétipo é a sua universalidade e a sua falta de ambivalência, enquanto o símbolo é extremamente
ambivalente, porque produzido culturalmente. Assim, por exemplo, enquanto o esquema ascencional e o arquétipo do céu permanecem imutáveis, os
simbolismos que os expressam manifestam-se em diferentes imagens: escada, flecha voadora, avião.
DEBATE ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
○
○
○
○
○
○
INES
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
JUN/04
○
○
○
44
○
adquirir materialidade no ambi-
○
○
ente tecnológico, o qual se cons-
Os grandes gestos dominantes e seus
○
titui como uma extensão do pró-
○
respectivos arquétipos vão adquirir
○
prio corpo. Cada gesto implica,
○
materialidade no ambiente tecnológico, o
○
ao mesmo tempo, uma matéria e
○
qual se constitui como uma extensão do uma técnica, suscita um material
○
○
próprio corpo. Cada gesto implica, ao imaginário e se materializa num
○
○
mesmo tempo, uma matéria e uma técnica, instrumento ou utensílio. Os es-
○
tudos de Leroi-Gourham (1965)
○
suscita um material imaginário e se
○
confirmam essa associação ao
materializa num instrumento ou utensílio.
○
mostrar que os símbolos podem
○
○
ser considerados como concreta-
○
○
mente ligados às operações que
○
mobilizam o campo manual ou
○
○
tomo-psicológica de cada espécie. gem sociocultural, a qual garante como abstratos de operações ma-
○
○
Eles são, para Durand, esquemas o desabrochar das estruturas nuais.
○
inatos de desencadeamento, bem arquetípicas (Durand, idem). Assim, ao gesto postural
○
○
próximos dos arquétipos jun- Dessa forma, embora ambos correspondem as técnicas de se-
○
guianos. Têm funcionamento sejam inatos, há uma espécie de paração, de purificação, os instru-
○
○
imediato e se manifestam na estru- gradação entre eles. Os arquéti- mentos percucientes e contun-
○
○
turação do campo das imagens de pos genotípicos se manifestam de dentes, os ligados à técnica da
○
modo bem precoce. Existem, as- forma precoce, com os fenôme- escavação e as imagens de domi-
○
○
sim, “vínculos simbólicos rudi- nos da digestão e deglutição (do- nação do guerreiro e do sobera-
○
○
universo imaginário, regularizan- ritmos ecolálicos – repetição de uso das armas pela liberação das
○
○
espécie (Durand, 1985). cido – (dominante rítmica). Os dominação, que Durand (1997)
○
○
pela imaturidade, necessitam de são mais tardios, necessitando de correspondem os utensílios con-
○
○
modelo adulto da espécie. São tra- Nesse sentido, segundo gens maternais e de nutrição que
○
ação educativa do meio. A etolo- para lá de qualquer espaço desejo de proteção e de nutrição,
○
○
gia evidenciou que, enquanto nas sociocultural e para cá de qual- próprios da estrutura mística.
○
espécies de fraca neotenia as quer tempo histórico, permane- Ao gesto rítmico correspon-
○
○
pulsões e os instintos aparecem ce como entidade constitutiva e dem a roda, o tear, o transporte
○
○
precocemente e totalmente cons- formadora, numa espécie de e as imagens do ciclo agrícola, das
○
tituídos, nas de forte neotenia firmamento antropológico, tal estações do ano, da indústria têx-
○
○
como o homo sapiens, cuja infân- como os “genes” da espécie til, respondendo às necessidades
○
tintos precisam ser complemen- Os grandes gestos dominantes desejo de dominar o tempo pelo
○
○
tados, “educados” pela aprendiza- e seus respectivos arquétipos vão seu desenvolvimento cíclico e
○
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
DEBATE
○
○
○
○
○
INES
○
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
JUN/04
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○
○
○
○
○ progressista, atende a neces- 45
sidade humana de ligação, de
○
conciliação de contrários, de
○
○
trários, que se situam na estrutu- ção com o mundo, que regula, religar as ações exteriores à
○
Segundo Leroi Gourhan (1965:99), dividual e social, favorecendo a faz integrando os modos he-
○
○
gestão e apetite, todas as cadên- gesto postural e mobilizado (1988, 1997) em dois regimes –
○
○
cias fisiológicas formam uma tra- pelos esquemas da ascensão e diurno e noturno–, considerados
○
ma sobre a qual se inscreve toda da separação, responde à ne- como dois pólos antagonistas e
○
○
apresenta de se identificar, de
○
constantemente são, na verdade, afrontar, de agir, de se afirmar ção heróica combate os monstros
○
(Jacquet-Montreiul, 1998).
○
se recolher na introspecção ao
pólos ou núcleos atratores, que identifica duas atitudes imagina-
○
pondendo a uma forma de repre- 3. Modo sintético ou dissemina- são e do eufemismo, inverte os
○
○
sentação imaginária, de simboli- tório, derivado do gesto copu- valores simbólicos do tempo e o
○
zar a nossa relação com o mun- lativo e estimulado pelos es- destino não é mais combatido,
○
○
do. A cada uma delas corresponde quemas rítmico, dialético e mas assimilado; animada por um
○
2
Durand (1980) diz que, originalmente, utilizou o termo sintético, por considerar que o seu processo sintático elementar é o de integrar mas, posteriormen-
te, passou a usar disseminatório para evitar qualquer equívoco hegeliano. Diz, também, que pode ser chamado de dramático, porque integra um processo
temporal numa ação (drama).
3
A noção de estrutura é usada por Durand (1980, 1997) não como uma forma classificadora, mas como força polarizadora. Respondendo às críticas sobre
o viés estruturalista da sua teoria do imaginário, toma da eletromagnética o conceito de pólo e o utiliza, epistemologicamente, para mostrar o caráter
dinâmico das estruturas polarizantes, que chama de estruturas figurativas. Semanticamente, os pólos significam mais uma dinâmica de orientação de
forças, do que uma estática de direção de espaço. Cada estrutura constitui-se como um núcleo atrator de imagens, como um universo mítico que se
organiza em torno de arquétipos. É a força arquetípica que atrai imagens e representações em torno de pólos homogeneizantes de sentido.
DEBATE ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
○
○
○
○
○
○
INES
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
JUN/04
○
○
○
46
○
○
caráter participativo, promove
○
ações assimiladoras, confusionais,
○
○
e unificadoras. No pólo noturno ancora-se no que temos de mais sapiens, tentemos aproximar
○
○
disseminatório, o tempo é do- concreto, o nosso corpo. aqueles que, nas ciências da na-
○
mado pela repetição dos instan- Se acreditamos, com Morin tureza, confirmam a predomi-
○
○
tes temporais; nele, as imagens (2003:49), que o ser humano é nância dos processos de sim-
○
plenamente físico, metafísico, bi-
○
antagonistas conservam sua in- bolização na estruturação do ser
○
dividualidade e potencialidade ológico e metabiológico, e que é humano e das sociedades já
○
○
e se reúnem no tempo, na linha no circuito cérebro, espírito, lin- apontada nas ciências humanas
○
narrativa, em um sistema e não guagem e cultura que o aparelho e sociais. Em outras palavras, cru-
○
○
numa síntese. Segundo Durand simbólico se constitui, então a sua zar as evidências oferecidas pela
○
(1980:52), a imisção do tempo,
isto é, de um antes e de um de-
pois, de amadurecimento, de As palavras e símbolos arbitrários são
desenvolvimento, introduz nessa
baseados em representações
estrutura uma lógica hetero-
geneizante, da qual decorrem
topograficamente organizadas, isto é, são
dois universos míticos: um imagens construídas pelo cérebro.
bipolar, no qual as imagens se
agrupam, na perspectiva tempo-
ral, em dois pólos compactos cla- compreensão requer uma aborda- neurobiologia e pela etologia à
○
○
ramente antagonistas (heróico e gem transdisciplinar, na qual, cerca das bases biológicas e
○
místico) e outro polimorfo, quan- além daquelas que tradicional- etólogicas do comportamento
○
○
horizonte temporal alternam seus simbolização como a antropolo- pela teoria durandiana, pelos
○
Do exposto até aqui penso güística, a mitologia, vêm se jun- Investigações anatomofisioló-
○
que foi possível perceber o traje- tar a neurobiologia e a etologia gicas e neurobiológicas sobre o
○
○
to circular entre o gesto pulsional entre outras. cérebro humano confirmam a sua
○
○
e a sua dupla ancoragem na natu- Matrizes neurobiológicas, comparado com o de outros ma-
○
○
Durand (1997), o imaginário é turais do imaginário suas dimensões, pela sua organi-
○
gestos do sapiens, como o “capi- Considerando que os recor- os três cérebros: o reptiliano
○
tal das competências simbólico- tes epistemológicos proporcio- (sensação) o límbico (emoção) e
○
○
imaginário não o simples produ- nas são meramente circunstanci- principalmente, pelas aptidões
○
to de uma mente fantasiosa des- ais, simples “pontos de vista” so- para a palavra e a consciência, o
○
○
colada da realidade, ao contrário, bre um único objeto, o homo cérebro humano permite ao
○
4
A respeito da dupla natureza do imaginário ver Paula Carvalho, 1998 e Badia, 1999.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
DEBATE
○
○
○
○
○
INES
○
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
JUN/04
○
ocorrendo entre as emoções, dão aprendidos, tanto nos animais
○
origem aos sentimentos de fun- como nos seres humanos. Enten-
○
○
○
○ do, sentimentos da própria vida, de que há uma programação 47
responsáveis pela sobrevivência filogenética dos processos de
○
mitadas.
○
O neurocientista, Antonio
○
certas patologias ligadas ao fun- que temos da realidade são formadas nessa
○
○
mento, produto da razão, é feito Para este autor (idem:142), o um “movimento instintivo”, tam-
○
de imagens. As palavras e símbo- cérebro possui circuitos neurais bém chamado de padrão fixo, per-
○
○
los arbitrários são baseados em re- inatos, cujos padrões de ativida- cebido como seqüências de im-
○
○
organizadas, isto é, são imagens bioquímicos no corpo propria- característicos de cada espécie.
○
○
construídas pelo cérebro. Diz ele: mente dito, controlam, de forma Entre esses, destaca a agressão, a
○
○
O conhecimento factual ne- segura, tanto os impulsos e ins- qual dedica o texto: “A agressão,
○
cessário para o raciocínio e para tintos necessários aos processos uma história natural do mal
○
○
a tomada de decisões chega à biológicos, como aqueles que (1974), considerada por ele como
○
○
mente sob a forma de imagens contribuem para a sobrevivência pulsão de vida, e não de morte
○
(...) Partilhamos com outros se- e preservação da vida em meio a como queria Freud. Pulsão de vida
○
○
res humanos e até com alguns condições ambientais muitas ve- porque incita o gesto postural e
○
○
animais as imagens em que se zes adversas. Assim, há impulsos a ação heróica de separar, de bus-
○
apóia o nosso conceito de mun- e instintos que induzem compor- car a individuação pela diferen-
○
○
A sua hipótese de base é a de fuga; outros ainda asseguram a natureza. Pulsão de morte seria o
○
○
que a razão não é tão pura quan- continuidade dos genes por desejo de identificação com o
○
○
os sentimentos estão enredados As pulsões instintivas seriam, en- natureza, à terra mãe, próprio do
○
○
nas suas teias fundando a razão, tão, o motor essencial do com- universo místico.
○
○
de tal modo que o enfraqueci- portamento humano. Como não A filosofia também nos ajuda
○
emotivamente pode ser a fonte sensório-motoras que se materia- to humano ancorado nessas
○
○
de comportamentos irracionais. lizam nos três esquemas – sepa- pulsões. Conforme diz Fétizon
○
Em outras palavras, a razão é in- rar (luta, defesa), incluir (consti- (2002), o agir do homem é sem-
○
○
vadida pela emoção e pela sensi- tuição dos laços sociais), religar pre marcado por vetores opostos:
○
○
bilidade, de modo que as con- (preservação da espécie) – dos como ser natural, está inserido na
○
cepções que temos da realidade quais vão derivar as estruturas do harmonia universal, obedecendo
○
○
são formadas nessa teia de ima- imaginário? à ordem determinada das coisas,
○
gens. Aprofundando esta relação, Lorenz (1995) também identi- buscando diluir-se na natureza de
○
○
Damásio (1996) identifica “esta- fica uma base biológica para os forma dionisíaca; mas, como ser
○
○
dos corporais de fundo” que, padrões de comportamento cultural, viola a natureza para
○
DEBATE ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
○
○
○
○
○
○
INES
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
JUN/04
○
○
○
48
○
A filosofia também nos ajuda a de tomada de decisão socialmen-
○
te permissíveis e desejáveis for-
○
compreender o comportamento humano
○
necidos pela educação, as quais,
ancorado nessas pulsões. Conforme diz
○
○
por sua vez, favorecem a sobrevi-
Fétizon (2002), o agir do homem é sempre
○
vência e servem de base para a
○
marcado por vetores opostos: como ser
○
construção da pessoa. É, pois, a
○
natural, está inserido na harmonia forte neotenia e a educação que
○
○
universal, obedecendo à ordem distinguem o comportamento do
○
○
determinada das coisas, buscando diluir-se sapiens do de outros animais.
○
No homem, há uma media-
○
na natureza de forma dionisíaca; mas,
○
tização neuropsicológica respon-
como ser cultural, viola a natureza para
○
sável tanto pela “razão” do ani-
○
poder se diferenciar, pois é esta separação
○
mal rationabile, como pela “sa-
○
apolínea que traz a possibilidade da
○
piência” do homo sapiens
○
auto-consciência. (Durand, 1998:78), ou seja, pelo
○
○
processo de simbolização. Essa
○
○
mediação é promovida pela sen-
○
○
○
sação da emoção, isto é, pela
poder se diferenciar, pois é esta forma complementar, concorren- consciência, portanto pela cultu-
○
separação apolínea que traz a pos- te e antagonista na constituição ra. Damásio (1996:160-161) mos-
○
○
sibilidade da auto-consciência. dos indivíduos e da sociedade. Se tra que, embora estejamos progra-
○
○
Mas, embora o cérebro huma- a cultura depende do desenvol- mados para reagir com uma emo-
○
no seja o referente fundamental vimento do cérebro, este também ção de modo pré-organizado a
○
○
podemos esquecer que ele, por razão da forte neotenia humana. corpo, é a sensação da emoção a
○
sua vez, é modelado pela cultu- É por esta razão que Damásio respeito do objeto que a desen-
○
○
ra5 por um processo que Morin (1996:153-154), partindo da cadeou, ou seja, a percepção da
○
(2002:30) chama de imprinting neurobiologia, entende que a cul- relação do objeto e o estado emo-
○
○
cultural, termo que empresta de tura e a civilização não podem ser cional do corpo que fazem a di-
○
○
creve-se cerebralmente, desde a cos ou a subconjuntos de especi- Assim, a partir das emoções
○
○
mais tenra infância, pela estabili- ficações genéticas. Muito menos primárias (inatas), o ser humano
○
○
zação seletiva de sinapses, inscri- ter surgido a partir de indivíduos desenvolve as emoções secundá-
○
ções iniciais que marcarão, isolados. Para eles, os seres hu- rias das quais, por sua vez, decor-
○
○
irreversivelmente, o espírito in- manos surgem dotados de meca- rem os sentimentos. Ainda segun-
○
dividual no seu modo de agir. nismos automáticos de sobrevi- do este autor (idem: 175), a es-
○
○
Então, natureza e cultura es- vência, que são complementados sência do sentir de uma emoção
○
○
5
Julgo oportuno esclarecer aqui que, embora os autores com os quais dialogo possam ter concepções diversas de cultura, eu a entendo como o universo
das mediações simbólicas, ou seja, como manifestação e atualização de um imaginário numa práxis. Nesse sentido, como a função simbólica é “invasiva”
(Durand, 1997; Paula Carvalho 1998), todas as manifestações culturais são expressões do imaginário, ou seja, cultura e imaginário se superpõem.
Imaginário e cultura são homólogos.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
DEBATE
○
○
justapostas às imagens mentais
○
○
que iniciaram o ciclo. Um senti-
○
mento depende da justaposição INES
○
○
de uma imagem do corpo propri- comportamento social ritualizado ma de atribuição de sentido que
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
amente dito com uma imagem de filogeneticamente deve à forma- recobre, simultaneamente, os
○
alguma outra coisa, tal como a vi- ção de um novo instinto sua for- modos de representação e o siste- JUN/04
○
○
sual de um rosto ou a auditiva de ma de se opor à agressividade e ma de significação (Wunenburger,
○
uma melodia. O substrato de um ○
○
de criar laços sociais, entre os 1997). Em outros termos, o pro- 49
sentimento completa-se com as humanos, a norma de comporta- gresso da consciência, portanto
○
○
alterações nos processos cogni- mento social ritualizado cultural- da cultura, depende do progres-
○
tivos que são induzidos, simulta- mente é a via que se transforma so da pregnância simbólica6.
○
○
no mundo.
○
mo tempo, ao aparelho fisioló- modo de comunicação, isto é, um possamos identificar nos animais
○
parte importante da estética se Dessa forma, toda a comuni- para a espécie, é só a espécie hu-
○
associa à humanização de com- cação humana repousa sobre mana que possui a faculdade de
○
○
e aos animais, como o sentimen- em símbolos, os quais, organiza- da sua imaturidade e do fosso en-
○
to de conforto e desconforto, o dos em narrativas míticas, ajudam tre desejo e realidade (Durand,
○
○
vo, olfativo, à intelectualização, mundo. Assim, as emoções e os cesso de simbolização que marca,
○
por meio de símbolos de fatos sentimentos, juntamente com a irredutivelmente, a diferença en-
○
○
biológicos de coesão com o meio oculta maquinaria fisiológica que tre o homo sapiens e os animais.
○
○
natural e social. lhes dá suporte, auxiliam o ho- Mas, para que um simbolismo
○
Lorenz, (1981:200) também mem na assustadora tarefa de fa- possa emergir deve participar,
○
○
considerar que o hábito, a apren- futuro incerto e a planejar suas de “vai-e-vem”, das raízes inatas
○
dizagem e a tradição se acrescen- ações de acordo com essas previ- (do corpo, da libido e do dese-
○
○
tam aos comportamentos filo- sões (Damásio, 1996:13). jo) e das intimações (imposições)
○
geneticamente adaptados. Assim, Entramos, pois, nos domínios várias do meio cósmico e social,
○
○
6
Segundo Neumann (1995:13), o processo de conscientização se inicia quando o inconsciente se revela à mente inconsciente em imagens arquetípicas, que
nada mais são para ele do que “formas pictóricas dos instintos”. Este autor parte do pressuposto de que os arquétipos, principais ingredientes da mitologia,
são os responsáveis pelo crescimento da consciência. Em sua evolução, esta passaria por estágios mitológicos, ou seja, no curso de seu desenvolvimento
ontogenético, a consciência individual do ego teria que passar pelos mesmos estágios arquetípicos que determinaram a evolução da consciência na vida
da humanidade.
DEBATE ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
○
○
○
○
○
○
INES
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
JUN/04
○
trajetividade promove a comple-
50 mentaridade entre as capacidades
Mas, a neotenia é, ao mesmo tempo, a força
inatas do homem e seus comple-
mentos pedagógicos exigidos e a fraqueza do sapiens, pois requer para o
pela neotenia humana, pois o seu pleno desenvolvimento um segundo
homem é o único ser cuja matu- útero, que, segundo o grande mitólogo
ração é tão lenta, que permite ao Joseph Campbell (1997) é proporcionado
meio, sobretudo social, desempe- pelo mito, ou seja, pelos processos de
nhar um grande papel na apren-
simbolização.
dizagem cerebral.
A conseqüência dessa lenta
neotenia, segundo Durand
(1994), é dupla, pois ela permite Portanto, níveis de “educação” dade, modo que modela e cons-
○
○
uma educação dos “regimes” da superpõem-se na formação do trói todas as sociedades humanas.
○
simbolização, mas também faz imaginário: a ambiência geo- Nessa perspectiva, o autor con-
○
○
com que essa educação seja vari- gráfica (clima, latitude, situ- sidera que os ritos e as mitologias
○
○
ável segundo os momentos cul- ação continental...) inicial- que lhe dão origem constituem o
○
turais de uma mesma cultura. Em mente, mas já regulamentados segundo útero da gestação pós-
○
○
outras palavras, as sociedades e as pelas simbólicas parentais de natal do sapiens placentário. O
○
culturas oferecem diferentes educação ao nível dos jogos mito é, em toda parte, o útero do
○
○
ambiências formadoras do simbo- (lúdicos), a seguir das apren- nascimento especificamente hu-
○
○
lismo, nas quais é possível iden- dizagens (idem:60). mano, a matriz há longo tempo
○
processo de simbolização da cri- Mas, a neotenia é, ao mesmo ser incompleto é levado à maturi-
○
○
o pedagógico, da educação da sapiens, pois requer para o seu te o ego em crescimento contra
○
○
criança pelo meio imediato; e o pleno desenvolvimento um se- os fatores libidinais que ele não
○
cultural, no qual se constituem os gundo útero, que, segundo o está preparado para enfrentar e
○
○
laços simbólicos que organizam e grande mitólogo Joseph Campbell fornecendo-lhe os necessários ali-
○
○
justificam a existência de uma (1997) é proporcionado pelo mentos e sucos para seu desabro-
○
Nessa perspectiva, a interme- simbolização. Nesse sentido, iden- Para Campbell (apud Keleman,
○
○
diação entre natureza e cultura é tifica no mito uma função bioló- 1999:25), a mitologia é uma fun-
○
feita pelo nível pedagógico (aqui gica. Apoiando-se em Róheim, ção da biologia, um produto da
○
○
entendido, em sentido durandia- para quem é da natureza da espé- imaginação do soma, enraizada
○
○
no, como os modos de vida que cie humana dominar a realidade no corpo. Por isso, entende que
○
se ancoram nas projeções imagi- em base libidinal, Campbell mos- os mitos têm a função biológica
○
○
nárias e míticas de uma cultura), tra como as potencialidades sim- de proporcionar o amadureci-
○
o qual confirma os símbolos esta- bólicas para a proteção da psique mento biopsicossociocultural do
○
○
belecidos em determinada socie- são tão importantes quanto às eco- ser humano. Os mitos refletem de
○
○
dade, inicialmente pela pedago- nômicas. Assim, em razão da ima- forma exemplar os eventos psí-
○
gia natural e, depois, pelo cate- turidade do ego, o homem desen- quicos fundamentais da alma hu-
○
○
cismo afetivo do meio familiar, volve um modo simbiótico de mana. São expressões simbólicas
○
○
lúdico e escolar (Durand, 1988). dominar simbolicamente a reali- da alma coletiva, que auxiliam o
○
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
DEBATE
○
○
○
○
○
○
INES
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
JUN/04
○
homem a se situar no cosmos.
○
Eles fornecem as bases para a or-
○
ganização tanto do senso de es- ○
○
○
51
paço, de continuidade e identi-
○
Considerando essa função bi- sua humanidade, isto é, toma de estruturas antropológicas do
○
○
ológica do mito, Keleman (1999) consciência da condição própria imaginário, cuja função é tanto a
○
propõe que é o mito que comu- aos seres vivos, do seu destino sobrevivência, para além dos im-
○
○
nica a nossa humanidade somá- mortal. É por isso que Durand pulsos e dos instintos, como a cri-
○
○
tica, ou seja, que uma imagem (1997) coloca na origem do ima- ação simbólica, por meio das di-
○
endomórfico, ectomórfico e
○
dianas.
○
ponderia ao modo heróico; o ginário as “realidades” que são o versas formas de linguagem que
○
○
tipo endomórfico, no qual pre- tempo e a morte, sendo a função promovem os processos de sim-
○
○
da digestão e da respiração e tem- o problema da angústia existen- Natureza animal e cultural sin-
○
○
peramento orientado para o cui- cial despertado por essa consci- gular não são mais separáveis para
○
○
dado e a intimidade (idem), ao ência, a qual, por meio da atitu- o grande cérebro humano do que
○
modo místico; o tipo ectomórfico, de simbolizadora, marca o ser o são separáveis em si as camadas
○
○
dos neuro-hormônios, pelos ór- com o conhecimento racional ele Durand (idem) postula uma na-
○
gãos da sensação e por um tem- domina o mundo exterior e a na- tureza biológica do sapiens cheia
○
○
peramento orientado para cole- tureza, é só com o conhecimen- de potencialidades que vão se atu-
○
tar informações sensoriais, por to simbólico que ele participa sub- alizar na cultura. Esta é, então,
○
○
meio das quais busca aprofundar jetivamente na concretude e no sinal privilegiado e específico do
○
○
a corporificação ligado, porém se- mistério do mundo (Morin, 1987). homem, mas não a sua causa, o
○
parado (idem), ao modo sintéti- É, pois, na trajetividade entre fator dominante das suas repre-
○
○
co ou disseminatório. natureza e cultura que o homem sentações. Por isso, o trajeto an-
○
○
É nesse processo de simboli- produz seus “modos de ser no tropológico pluraliza e singulari-
○
DEBATE ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
○
○
○
○
○
○
INES
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
JUN/04
○
○
○
52 Considerar o imaginário como fator de
○
○
organização do real significa conceber a
○
○
imaginação como atividade simbólica
○
○
criativa, e não apenas como mera nação simbólica restaura o equi-
○
○
reprodução (memória) ou fantasia. líbrio psicossocial seriamente afe-
○
tado pela monopolização da ra-
○
○
zão, permitindo o ressurgimento
○
○
do homo symbolicus e a reva-
○
za as culturas, sem esquecer a na- sentem-se menos impelidos a fa- lorização das estruturas arcaicas e
○
○
tureza biológica do homem. zer algo para minimizá-la e po- das velhas verdades fundamentais
○
○
Portanto, por mais que possa- dem mostrar menos respeito da humanidade, pois, como diz
○
mos estabelecer aproximações, há pelo valor da vida. Durand (1979), o homem é sem-
○
○
diferenças irredutíveis entre o E o papel do imaginário na pre o mesmo porque os deuses
○
processo de simbolização no ho- história humana é exatamente aju- são sempre os mesmos.
○
○
mem e nos animais que confir- dar o homem a lidar com a tragé- Portanto, não dá mais para ig-
○
○
mam a predominância do imagi- dia e é disso que tratam os mitos. norar a importância do imaginá-
○
nário na estruturação do ser hu- Como modos de compreender a rio na produção do real e mais
○
○
mano e das sociedades e a impor- nossa experiência, os mitos têm uma vez invoco um neurocien-
○
tância do que Durand (1994) cha- o poder de afetar os papéis que tista, Iván Izquierdo, que, em um
○
○
ma de “imperialismo das imagens” assumimos ou que desejamos as- belíssimo artigo denominado “A
○
○
Iniciamos este artigo propon- são parte da nossa vida (Campbell, que nunca iremos morrer; as-
○
○
do que os processos simbólicos e apud Keleman, 1999:28). sim, criamos uma enteléquia,
○
○
no entre o real e o imaginário. A fator de organização do real sig- ginação e o amor nos levam à
○
○
intenção era mostrar que o ima- nifica conceber a imaginação descoberta, ou seja, criação.
○
○
ginário não é algo desencarnado, como atividade simbólica criativa, Tropeçamos com coisas que
○
porque a mente não é um cogitum e não apenas como mera repro- andam soltas, ou Deus nos
○
○
não físico. Como lembra Damásio dução (memória) ou fantasia. Por- manda, e aí criamos. Quem
○
(1996:282), a mente se enraíza tanto, o imaginário não é um sim- não tem amor ou imaginação
○
○
num organismo biológico com- ples conjunto de imagens que va- não tropeça com as coisas: pisa
○
○
plexo, mas frágil, finito e único. gueiam livremente na memória e nelas. Bem aventurados os hu-
○
Não considerar essa complexida- na imaginação. Ele é uma rede de manos, que, às vezes, tropeça-
○
○
de obscurece a tragédia implícita imagens na qual o sentido é dado mos. Bem-aventurados aque-
○
○
no conhecimento dessa fragilida- na relação entre elas. A sua fun- les que, entre nós, conseguem
○
de, finitude e singularidade. E, ção é, pois, tecer a rede de senti- identificar aquilo com o que
○
○
quando os seres humanos não dos com a qual lemos, interpre- tropeçam. Coitados, mortos,
○
○
conseguem ver a tragédia ineren- tamos e criamos o mundo. perdidos aqueles que não con-
○
te à existência consciente por- Ao recriar as mitologias que seguem nem uma coisa nem
○
○
que não conseguem imaginar, servem de liame social, a imagi- outra (1996: 3).
○
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
DEBATE
○
○
○
○
INES
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ESPAÇO
JUN/04
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WUNENBURGER, Jean-Jacques Philosophie des images. Paris: PUF, 1997.
WUNENBURGER, Jean-Jacques L’Imaginaire. Paris: P.U.F., 2003.
ATUALIDADES EM ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
○
EDUCAÇÃO
○
○
○
○
○
INES
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
A Mediação de
○
JUN/04
○
○
○
54
○
Esquemas na
○
○
○
○
Maria Dolores Martins
○
Resolução de
○
da Cunha Coutinho*
○
○
○
Problemas de
○
*Mestre em Lingüística
○
○
Aplicada pela UFRJ.
○
○
Licenciada em Matemática
Matemática
○
pela UERJ. Professora de
○
○
Matemática de Ensino
○
por Estudantes Fundamental e Médio do
○
○
INES. Pesquisadora da
○
○
DIESP/INES na área do
○
Surdos ○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
ensino de Matemática.
mdolores.cout@globo.com
Resumo:
○
O presente artigo objetiva dis- so, melhorou-lhes a auto-estima instrument for the development of
○
○
cutir uma forma alternativa de na medida em que lhes possibili- citizenship. The analysis
○
acesso ao texto de problemas de tou uma atitude de autonomia di- indicates that the idea of using
○
○
matemática por aprendizes sur- ante de uma atividade tradicional- schemas, which arose intuitively,
○
○
dos, bem como de organização mente difícil para eles. was very useful as they acted as
○
ção de uma dissertação de mestra- This paper intends to discuss schemas worked both as reading
○
do que baseou-se na visão antro- an alternative way of accessing strategies and as tools to organi-
○
○
pológica da surdez, na visão só- information presented in the text ze the pieces of information into
○
○
the use of schemas as a tool to reason them out. Besides that, the
○
instrumento de cidadania. A aná- logical organization of the schemas helped the students
○
○
lise mostra que os esquemas re- thinking by deaf learners. The develop their self-esteem by giving
○
mediação entre o texto dos pro- was elaborated for the acquisition autonomous way with activities
○
○
blemas e os alunos, não só como of my master degree and presents they considered to be difficult and
○
○
○
○
EDUCAÇÃO
○
A educação dos surdos vem
○
○
sendo marcada, ao longo da his-
○
INES
tória, pelo fracasso. Muitos já fo-
○
○
ram responsabilizados por esse tica sempre enfrentei essa dificul- ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
fracasso: os surdos e sua surdez, dade, principalmente nas ativida- JUN/04
○
os professores ouvintes, bem des que envolvem resolução de
○
○
como os métodos utilizados na
escola (Skliar, 1998). Porém, não ○
○
○
problemas, devido à necessidade
de compreensão das situações
55
propostas, o que não é fácil de
ser atingido sem uma língua co-
Para os surdos, (...) o processo de aquisição mum. Essa atividade é bastante
de uma língua é dificultado pela importante, pela possibilidade
impossibilidade de aquisição espontânea da que o aluno tem de vivenciar, na
escola, situações semelhantes às
língua de seus pais e pela falta de contato
de seu dia-a-dia, o que favorece a
com a comunidade surda onde eles relação escola/realidade, em opo-
adquiririam, naturalmente, sição a atividades mecânicas que
a língua de sinais... reduzem a matemática a uma
mera resolução de algoritmos1.
Além disso, a resolução de pro-
há como partir para a busca de presente, até mesmo naquelas blemas pode ser vista como uma
○
○
soluções, sem enfrentar aquele onde a língua de sinais é enten- metodologia para ensinar mate-
○
○
que é o principal problema, a dida como a língua de instrução, mática, sendo o problema utili-
○
origem de todas as dificuldades pois a maioria dos professores não zado para iniciar a construção de
○
○
identificadas na educação de sur- apresenta uma fluência satisfatória conhecimento antes mesmo que
○
dos: a questão lingüística. nessa língua. Como os alunos tam- seja utilizada a linguagem mate-
○
○
Para os surdos, que na sua bém não são proficientes na Lín- mática formal, como uma manei-
○
○
maioria são oriundos de famílias gua Portuguesa, cria-se uma difi- ra de conduzir o aprendizado
○
pela falta de contato com a comu- matemática, sendo, o problema, utilizado para
○
○
matemática formal...
○
jeitos fiquem à margem, alheios culdade de comunicação que num movimento do concreto ao
○
○
às conversas, onde sentimentos pode produzir um ensino super- abstrato (Onuchic, 1999).
○
são partilhados, histórias são con- ficial e mecânico, onde a compre- Apesar dessa importância, a
○
○
tadas, enfim, onde o conhecimen- ensão é prejudicada e não se fa- atividade de resolução de proble-
○
○
essa dificuldade também se faz Como professora de matemá- apresentam. Essas vão desde a fal-
○
1
Os algoritmos são as contas (adição, subtração, multiplicação ou divisão).
ATUALIDADES EM ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
○
EDUCAÇÃO
○
○
○
○
Os alunos tiveram muita faci-
○
INES
lidade para preencher os dados
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO do esquema, uma forma diferen-
○
○
JUN/04 te de fazer as mesmas perguntas
○
feitas anteriormente. Partindo do
○
○
56 pressuposto que esse recurso pri-
○
○
vilegia a percepção visual, carac-
○
○
terística essa de vital importância
○
para a aprendizagem do surdo
○
ta de autonomia de leitura dos uma notícia de jornal (Cunha
○
(Skliar, 1998), passei a centrar
○
alunos – o que não permite a com- Coutinho, 2003).
○
meu trabalho nessa investigação
○
preensão do problema proposto A notícia falava sobre uma pes-
criando outras situações onde os
○
– até a dificuldade de organiza- ca de tubarões em Guaratiba e,
○
esquemas pudessem ser aplica-
○
ção do raciocínio lógico-matemá- entre outras informações, dizia
○
dos. Essa pesquisa baseia-se em
○
tico. Consciente dessas dificulda- que foram pescados “16 tubarões
○
alguns pressupostos teóricos
des e com o objetivo de favore- da raça Gralha Preta, alguns ain-
○
como veremos a seguir.
○
cer a autonomia dos alunos sur- da vivos. Eram 10 adultos e um
○
○
dos nessa atividade, desenvolvi só macho. Das nove fêmeas, três
○
Surdez
minha pesquisa em uma turma de estavam grávidas” (JB, 23/5/02). As
○
○
quarta série do Instituto Nacional perguntas propostas, que versa-
○
As diferentes maneiras de se
○
de Educação de Surdos, utilizan- vam sobre a quantidade de tuba-
○
compreender o universo dos sur-
○
do esquemas2 como mediadores rões adultos e filhotes, machos e
○
dos e da surdez orientam e de-
na compreensão e resolução das fêmeas, grávidas e não grávidas, ○
terminam a prática pedagógica das
○
filhotes adultos
○
machos fêmeas
○
2
Neste trabalho, este termo designa uma forma de representar, de maneira esquemática e resumida, as informações do texto em questão, nada tendo
a ver com a teoria de esquemas conforme apresentada por Kleiman (1999).
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
ATUALIDADES EM
○
○
EDUCAÇÃO
○
○
○
○
INES
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
JUN/04
○
○
○
quirir conhecimento e habilidades ○
○
○
○
57
e para promover o desenvolvimen-
○
Apontada nos últimos anos língua de sinais, mas significa que A questão da leitura e da es-
○
○
em congressos e seminários co- “todos os mecanismos de proces- crita e das impossibilidades cau-
○
mo a mais adequada para as pes- samento da informação, e todas sadas pelo não domínio dessas
○
○
soas surdas, a Educação Bilíngüe as formas de compreender o uni- modalidades da língua não estão
○
○
alinha-se com a visão sócio-an- verso em seu entorno, se cons- restritas apenas aos contextos de
○
○
tropológica da surdez. Essa nova troem como experiência visual” surdos. Kleiman (1999) coloca a
○
vertente na educação de surdos (Skliar, 1998:28). Dessa forma, dificuldade de interação com o
○
○
surgiu nas décadas de 60 e 70, a busca compreender o surdo na texto escrito como o maior obs-
○
○
partir do interesse de antropó- sua singularidade, sua língua e sua táculo ao sucesso escolar e Solé
○
logos, lingüistas e sociólogos forma de pensar e agir, a partir (1998) fala das desvantagens em
○
○
que passaram a olhar, de uma de valores culturais próprios, que se encontram as pessoas que
○
○
forma diferente, a questão da enfatizando os aspectos positivos não conseguiram realizar essa
○
que os surdos formam comuni- a visão adotada neste trabalho, em Ambas atribuem à escola a função
○
○
dades tendo como fator de uni- que busco, por meio de um re- de ensinar o aluno a compreen-
○
○
dade a língua de sinais, apresen- curso visual – os esquemas – uma der o texto escrito.
○
tando semelhanças com as mino- forma alternativa de acesso ao tex- Nos contextos educacionais de
○
○
rias lingüísticas e culturais to dos problemas de matemática surdos essa questão é potencia-
○
○
(Jokinen, 1999) e de que os sur- bem como de organização do ra- lizada, pois, como já foi dito an-
○
dos filhos de pais surdos apre- ciocínio lógico-matemático. A se- teriormente, esses aprendizes, de
○
○
sentam um nível de desenvolvi- guir, abordarei as duas funções modo geral, não possuem fluên-
○
○
mento acadêmico e emocional dos esquemas que julgo funda- cia na língua majoritária e, mui-
○
melhor do que os surdos filhos mentais nessa mediação entre os tas vezes, na própria língua de
○
○
de pais ouvintes (Skliar, 2000). alunos surdos e os problemas de sinais. Há vários fatores que difi-
○
○
Nesse sentido, a Educação Bi- matemática: os esquemas como es- cultam a interação dos surdos com
○
○
língüe, contrapondo-se à con- tratégia de leitura e como forma o texto escrito (Botelho, 2002:29-
○
cepção clínica que enfatiza o dé- de categorizar os dados do pro- 49), entre eles o sentimento de
○
○
ficit, propõe uma nova visão dos blema favorecendo a organização menos valia fruto da constante
○
○
○
○
EDUCAÇÃO
○
○
○
○
○
INES
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
JUN/04
○
○
○
58
○
○
○
○
por a utilização de esquemas para
○
Tanto a super como a sub-interpretação facilitar o acesso dos alunos aos
○
○
podem ser atribuídas ao fato de que os dados do texto, mesmo que in-
○
○
tuitivamente, eu estava desenvol-
surdos não dispõem de “um modelo
○
vendo com eles uma estratégia de
○
consistente de linguagem e língua”...
○
leitura. Nesse sentido, a utiliza-
○
○
ção de itens lexicais, a organiza-
○
ção dos elementos em categorias,
○
○
Esse sentimento gera uma falta de vos para a leitura. Segundo bem como a organização visual fa-
○
○
confiança por parte do surdo em Kleiman (1999) e Solé (1998), as vorecida pelo esquema fizeram
○
sua capacidade de compreensão informações apreendidas pelo lei- com que os alunos se conscien-
○
○
fazendo com que ele tenda a tor, no ato da leitura, bem como tizassem de seu objetivo com a
○
○
acrescentar elementos inexis- a interpretação do texto como um leitura do texto e direcionassem
○
○
tentes no texto (superinter- todo, dependem, além do seu sua atenção para seus pontos
○
pretação), bem como não inter- conhecimento prévio, dos obje- ○
○
mais importantes. Segundo Solé
prete elementos suficientes do tivos que o guiam. De acordo com (1998) há vários objetivos possí-
○
○
texto (sub-interpretação). Tanto a o objetivo do leitor, as idéias do veis quando um leitor se depara
○
super como a sub-interpretação texto são apreendidas por meio com um texto. Neste caso, o ob-
○
○
podem ser atribuídas ao fato de de estratégias que supõem a su- jetivo dos alunos era “encontrar
○
○
que os surdos não dispõem de pressão de conteúdos menos im- uma informação precisa” (Solé,
○
“um modelo consistente de lin- portantes, a síntese da parte mais 1998:92), ou seja, retirar do tex-
○
○
guagem e língua” (Botelho, interessante, além da categori- to alguns dados presentes no es-
○
○
2002:44), o que facilitaria o aces- zação de conceitos (Solé, 1998). quema para, posteriormente, efe-
○
○
so à língua escrita. Além de não Essas estratégias aplicam-se tam- tuar os cálculos necessários e en-
○
terem garantido o acesso preco- bém à leitura dos problemas de contrar os outros valores que o
○
○
ce à sua primeira língua, os sur- matemática, onde o aluno preci- completariam. Os espaços em
○
○
dos têm sido submetidos a opções sa, primeiramente, perceber a si- branco (no esquema) correspon-
○
cante à aprendizagem da segun- te, retirar os dados necessários anteriormente na forma escrita
○
○
da língua, o que contribui para para efetuar os cálculos. que não estavam explícitas, mas
○
Nesse contexto, o enfren- foram desafiados a resolver situa- Dessa forma, os esquemas es-
○
○
tamento do texto escrito e sua ções-problema a partir de uma tabeleceram uma mediação entre
○
○
utilização como estratégia de en- notícia de jornal. Apesar da o texto e o leitor na medida em
○
sino torna-se, às vezes, complica- interação com a professora, o tex- que funcionaram como estratégia
○
○
do, sendo necessário um trabalho to e as perguntas escritas surgiam de leitura. Eles atuaram como um
○
○
específico que garanta a compre- como elementos complicadores elemento intermediário (Olivei-
○
ensão dos alunos. Um dos fato- da compreensão, não só da situa- ra, 2002), já que a interação dos
○
○
res essenciais na compreensão de ção problema como das opera- estudantes surdos com o texto
○
○
um texto é a definição de objeti- ções lógicas envolvidas. Ao pro- escrito costuma ser problemática.
○
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
ATUALIDADES EM
○
○
EDUCAÇÃO
○
○
○
○
INES
Porém, para que isso aconteça é
○
○
essencial que os mesmos conte- ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
nham elementos que, de fato, JUN/04
○
([1934]1999), como a compreen- zes ficam soltos no problema es-
dirijam a atenção dos alunos para
○
são da primeira palavra. crito devido às dificuldades dos
○
os dados mais importantes, como
é o caso dos itens lexicais. Essa, ○
○
○
Pelo que observei em minha estudantes surdos com a Língua 59
pesquisa, os esquemas podem Portuguesa. A facilidade de lidar
○
seguir.
○
Os esquemas e a
○
categorização/organização
○
visual
○
○
○
A capacidade de organizar o
○
óleo 1,35
○
detergentes.
○
turado que lhes permita pensar o Quanto Paula gastou? detergente 0,60
○
○
Quanto as duas
○
gastaram juntas?
○
Luciana
○
○
○
EDUCAÇÃO gundo Kleiman (1999), levam o
○
○
leitor a criar expectativas sobre o
○
○
texto, objetivando a leitura e fa-
○
INES
cilitando, nesse caso, a apreensão
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO dos dados do problema. A seguir,
○
○
JUN/04 a aluna resolve o problema se-
○
○
guindo uma organização que foi
○
60 Apesar da quantidade de cál- Essa etapa consiste na seleção de possibilitada pela forma cate-
○
○
culos necessária à resolução do uma estratégia para resolver o gorizada como o esquema se apre-
○
○
problema, ele foi resolvido com problema, bem como na tentati- senta, ou seja, visualizando o es-
○
facilidade pela turma. O relato va de relacioná-lo a algum outro quema é fácil perceber que alguns
○
○
abaixo, fruto da observação de problema já resolvido. Pelo que produtos estão ligados à Paula,
○
○
uma das alunas, mostra isso. foi observado na transcrição aci- enquanto outros à Luciana; que a
○
soma dos preços pagos em cada
○
○
produto dará o total gasto por
○
○
cada pessoa e que, finalmente, a
(...) uma das etapas da resolução de um
○
soma dos valores gastos por cada
○
problema é a elaboração de um plano. Essa
○
uma resultará no total dos gastos.
○
etapa consiste na seleção de uma
○
Para finalizar minha coleta de
○
estratégia para resolver o problema bem dados, após propor várias situa-
○
○
como na tentativa de relacioná-lo a algum ções aos alunos, decidi entregar
○
○
outro problema já resolvido. um problema sem nenhum es-
○
quema de apoio e sem esperar
○
○
que eles conseguissem resolvê-lo.
○
○
(Érica interage facilmente ma fica claro que a aluna tinha um blema com um esquema já
○
com os dados da tabela, do texto plano para resolver o problema. construído, a fim de provar que
○
○
e com as pistas fornecidas pelo Ao iniciar os cálculos pelas linhas os esquemas eram indispensáveis
○
○
esquema. Com a mesma facilida- inferiores ela percebe que existe na resolução de problemas por
○
de começa a efetuar os cálculos a uma ordem de resolução – total aqueles alunos. De modo geral,
○
○
partir das linhas inferiores de- gasto com cada produto, total porém, os alunos surpreenderam-
○
○
monstrando bastante segurança gasto por cada pessoa e total gas- me demonstrando uma melhora
○
○
no que estava fazendo. Começa to pelas duas pessoas. Assim, ape- em sua capacidade de leitura e or-
○
multiplicando para obter o total sar do esquema não ter sido cria- ganização do pensamento. Dos
○
○
referente a cada produto compra- do pela aluna, ela se apropria sete alunos da turma, dois conse-
○
○
do por Luciana. Depois aponta desse recurso de forma compe- guiram efetuar todos os cálculos
○
para Luciana, sinaliza total e cal- tente. Primeiramente é capaz de de maneira lógica e organizada,
○
○
cula o total gasto por ela. A se- compreender a situação-problema chegando à resposta final; outros
○
○
guir olha para mim sorridente e e apreender os dados necessários dois alunos resolveram o proble-
○
pergunta se está certo. Respon- para resolvê-la (o esquema como ma após construírem um esque-
○
○
do positivamente e ela inicia o estratégia de leitura). Isso foi pos- ma, revelando terem compreen-
○
○
cálculo do gasto de Paula com sível pela presença dos nomes dido a sua lógica, bem como as
○
○
cada produto. Aponta para o re- Paula e Luciana no esquema que relações subjacentes a ele. As duas
○
tângulo onde está escrito Paula e facilitou a relação dessas perso- formas de resolução denotam
○
○
faz sinal de somar.) nagens com os produtos adquiri- uma atitude de autonomia por
○
○
É importante notar que, se- dos por cada uma (categorização) parte dos alunos, conseqüência
○
gundo Polya (1977) uma das eta- e pelas informações gráficas (bo- do trabalho realizado. Os alunos
○
○
pas da resolução de um proble- linhas que correspondiam à quan- restantes só conseguiram resolver
○
○
ma é a elaboração de um plano. tidade de cada produto) que, se- o problema com o esquema, ape-
○
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
ATUALIDADES EM
○
○
EDUCAÇÃO
○
○
○
○
INES
○
sar de terem feito algumas tenta-
○
tivas anteriores. ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
Segundo Moysés (1997) a JUN/04
○
○
internalização de conceitos pro-
○
move uma transformação na for-
ma de pensar do indivíduo, além ○
○
○
○
Considerações finais como língua de instrução, pois a
61
de desenvolver sua cognição. De falta de uma língua que possa
○
maneira análoga, penso que o tra- A questão da surdez e das difi- intermediar as trocas comunicati-
○
○
balho com os esquemas iniciou culdades a ela associadas geram vas inviabiliza qualquer tipo de
○
○
um processo de transformação na inúmeros conflitos que são interação. Além disso, é preciso
○
organização do pensamento dos vivenciados pelas pessoas surdas, buscar alternativas que favoreçam
○
○
alunos, fruto da internalização de bem como por seus familiares. a construção de conhecimento
○
○
o trabalho desenvolvido enfatizou Essas dificuldades são comparti- nas diversas áreas do saber, prin-
○
a visualização das relações entre lhadas pelos educadores de sur- cipalmente por meio da experi-
○
○
os dados como uma característica dos, que muitas vezes sentem-se ência visual, principal via de aces-
○
○
importante dos esquemas e con- impotentes diante de tantos obs- so ao conhecimento para os sur-
○
cluiu que estes ajudavam a enten- táculos que impedem uma edu- dos. Nesse sentido, enfatizo tam-
○
○
der a língua escrita. A professora cação de qualidade, objetivo pri- bém a importância da leitura e do
○
○
da turma também registrou em meiro de qualquer educador com- compromisso da escola em desen-
○
○
suas avaliações o avanço observa- prometido com essa causa. volver estratégias que possibilitem
○
do nos alunos quanto à capacida- Em meu percurso de deze- a interação dos estudantes surdos
○
○
de de resolver problemas, como nove anos trabalhando como pro- com o texto escrito.
○
○
mostra o seguinte trecho de seu fessora de surdos aprendi que Neste estudo, procurei pes-
○
relatório final: acima de tudo é preciso aceitar e quisar uma alternativa que facili-
○
○
(Os alunos estão sendo bene- respeitar a diferença, uma dife- tasse a resolução de problemas de
○
○
ficiados com a proposta. Alunos rença que pode ser entendida a matemática pelos estudantes sur-
○
que apresentavam dificuldades partir da língua dos surdos, de sua dos não só por causa da dificul-
○
○
significativas nessa atividade, hoje forma de perceber o mundo e até dade detectada na turma pesqui-
○
○
se destacam na execução desses de construir conhecimento. sada, mas também em todas as tur-
○
○
problemas. Esse trabalho favore- Sendo assim, cabe àqueles que mas que já tive em minhas mãos
○
ceu, além da leitura dos proble- trabalham com os surdos pensar nesses dezenove anos de prática.
○
○
mas matemáticos, a leitura de uma educação que vise atender Acho que obtive êxito com essa
○
○
suas enormes possibilidades en- às suas peculiaridades para que pesquisa pois observei uma me-
○
quanto pessoas surdas). eles possam desenvolver-se de lhora real na performance dos alu-
○
○
A seguir, passo às minhas con- forma plena. O primeiro passo, a nos, nessa atividade. Atribuo essa
○
○
siderações finais. meu ver, é a aceitação da LIBRAS conquista: a) a um acesso mais fá-
○
ATUALIDADES EM ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
○
EDUCAÇÃO
○
○
tância da continuidade desta in-
○
○
vestigação para que outras aplica-
○
INES
ções dos esquemas possam ser ava-
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO liadas, razão esta que me impul-
○
○
JUN/04 sionou a iniciar uma nova pesqui-
○
cil aos dados do problema (o es- sualmente as informações) e c) à sa com adolescentes e adultos da
○
○
62 quema como estratégia de leitu- interação interpessoal que jamais mesma instituição. Espero, com
○
○
ra); b) a uma possibilidade de per- será dispensável. Além disso, a este trabalho, estar contribuindo
○
cepção das relações entre as par- melhora na auto-estima dos alu- para a reflexão em torno da edu-
○
○
tes do problema num todo coe- nos que passaram a executar com cação dos surdos bem como na
○
○
rente, organizado visualmente mais segurança e prazer uma ati- construção de conhecimento
○
○
que favoreceu o raciocínio lógi- vidade que antes era complicada acerca das estratégias que melhor
○
co-matemático (o esquema como e até dolorosa para eles. possibilitem a aprendizagem des-
○
○
forma de categorizar e dispor vi- Vale destacar, ainda, a impor- ses sujeitos.
○
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VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, [1934]1999
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
ATUALIDADES EM
○
○
EDUCAÇÃO
○
○
○
○
INES
○
○
Amélia Rota Borges* ESPAÇO
ESPAÇO
○
A Inclusão
○
JUN/04
○
○
*Mestre em Educação. Prof.ª
○
do curso de Psicologia do
○
63
Centro Universitário
Franciscano
○
○
○
○
de Alunos
– Santa Maria – RS.
Surdos na
○
○
de Educação Tecnológica de
○
ameliaborges@hotmail.com
○
○
○
○
○
○
○
○
Resumo:
○
O presente estudo investigou apontaram uma série de adequa- students, once that the city’s
○
ções que a escola regular deverá special school does not offer high
○
que freqüentam a escola regular sofrer para atender suas necessi- school teaching. The students that
○
○
de ensino da cidade de Pelotas- dades, como: a necessidade de prefer the regular school rather
○
RS – sobre suas experiências de intérpretes em todo os espaços da than the special one, argue that
○
○
inclusão. Para a realização da in- escola; divulgação da LIBRAS para the first mentioned offers a better
○
nove alunos surdos – de um pos- dologias diferenciadas de ensino. school. The ones who preferred to
○
○
sível total de vinte e oito que acei- Palavra-Chaves: Surdos, In- study in a special school think that
○
taram o convite para dela partici- clusão, Alunos com Necessidades it offers a wider choice of
○
○
ficar que a escolha pela escola Abstract: these findings, the students have
○
○
todos esses alunos, uma vez que The current study has investi- inadequacies which the regular
○
a escola especial da cidade não gated the perceptions of deaf school should suffer to deal with
○
○
oferece ensino de nível médio. students who attend to a regular its needs, such as: the need of inter-
○
Os alunos que preferem a escola school in the city of Pelotas-RS – preters in all spaces of the school;
○
○
regular, em detrimento da escola about their experiences of the spreading of LIBRAS (BRA-
○
○
especial, argumentam que a pri- inclusion. To make the ZILIAN SIGN LANGUAGE) to the
○
meira oferece um ensino de me- investigation, nine deaf students school community and specia-
○
○
lhor qualidade do que a escola were interviewed – from a possible lized teaching methodologies.
○
○
de surdos. Os que preferiram es- total of twenty-eight who accepted Key-Words: Deaf, Inclosure,
○
tudar em escola especial pensam the invitation to participate of it. Students with Special Educational
○
○
que esta oferece uma maior pos- Among the main findings of this Needs.
○
1
O presente artigo é fruto da pesquisa para a obtenção do título de Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação / Curso de
Mestrado da Universidade Federal de Pelotas – RS. Este trabalho foi orientado pela Profª Dra. Magda Floriana Damiani.
ATUALIDADES EM ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
○
EDUCAÇÃO
○
○
○
○
○
INES
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
JUN/04
○
A preocupação com a inclusão
○
de alunos com necessidades
○
64
○
educativas especiais na escola re-
○
○
gular teve início na década de 90, de um trabalho pedagógico de
○
alicerçada por dois importantes qualidade, centrado no aluno,
○
○
eventos educacionais que se pro- oferecendo a oportunidade de
○
○
puseram a discutir o fracasso edu- aprendizagem a todos, inclusive 1996, e a Lei Federal nº 7.853,
○
cacional que assolava tantos paí- aos que apresentam dificuldades de 24 de outubro de 1989, garan-
○
○
ses desenvolvidos, quanto países severas, como no caso de indiví- tem o direito ao atendimento edu-
○
○
em desenvolvimento, como no duos com deficiências múltiplas. cacional para alunos com neces-
○
caso do Brasil. O primeiro destes De acordo com a Declaração de sidades educativas especiais na
○
○
eventos aconteceu em 1990 na Salamanca, todos os alunos que rede regular de ensino.
○
Tailândia. Denominado de Con-
ferência Mundial de Educação
para Todos, buscou discutir o de- A partir do aparato legal, o sistema
senvolvimento de uma política educacional brasileiro (...) garante a
educacional de qualidade, que inclusão de alunos com necessidades
possibilitasse o atendimento efe-
especiais em seu sistema regular de ensino.
tivo de um maior número de cri-
anças na escola, bem como o seu
tempo de permanência na mes-
ma. Além disso, neste encontro, apresentam dificuldades em sua A partir do aparato legal, o sis-
○
○
foi destacada a necessidade de escolarização são considerados tema educacional brasileiro, como
○
uma ampla adaptação da escola com necessidades educativas es- exposto no parágrafo anterior,
○
○
para desenvolver, por meio de peciais, não importando se essas garante a inclusão de alunos com
○
○
seu currículo e do trabalho do- dificuldades sejam permanentes necessidades especiais em seu sis-
○
cente, serviços que atendessem ou temporárias. Dessa forma, cabe tema regular de ensino. Entretan-
○
○
efetivamente as necessidades de à escola adequar seus processos to, a garantia de matrícula na es-
○
seus alunos. Tanto daqueles con- de ensino-aprendizagem às espe- cola regular não assegura o efeti-
○
○
siderados normais, como dos alu- cificidades de cada aluno. vo atendimento destes alunos.
○
○
nos com necessidades especiais, No Brasil, a sustentação de Segundo autores como Werneck
○
no caso, aqueles com algum tipo uma proposta de educação inclu- (2000), Mantoan (1998) e Sassaki
○
○
de deficiência (SANTOS, 2000). siva, segundo Werneck (2000), foi (1999), a inclusão de alunos com
○
○
No ano de 1994, aconteceu na assegurada por meio da Consti- necessidades especiais no sistema
○
Espanha a Conferência de Sala- tuição Federal de 1988, vigente regular de ensino pressupõe um
○
○
manca. Nesta conferência organi- atualmente, através do inciso III repensar da escola, tanto no que
○
○
zou-se o documento intitulado do art. 208. Ele define que o se refere à remoção de barreiras
○
Declaração de Salamanca (1994), atendimento aos deficientes deve físicas, quanto ao currículo e às
○
○
que propunha, dentre outras ser dado, preferencialmente, na metodologias de ensino. A pro-
○
○
medidas, a inclusão de todas as rede regular de ensino. Além da posta de uma escola inclusiva
○
Salamanca, surgiu o conceito de 13 de julho de 1990, a Lei de Di- gicas que visem ao acolhimento
○
○
escola inclusiva, tendo como prin- retrizes e Bases da Educação, Lei e à valorização das diferenças, em
○
○
○
○
EDUCAÇÃO
○
○
○
○
INES
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
JUN/04
○
acrescentou muito ao estudo. As
○
○
respostas foram extremamente
○
○
○ curtas e sucintas, não me permi- 65
tindo um maior aprofundamento
○
uma escola de qualidade para to- enunciação de Skliar (1998) – de informais, os pais terem relatado
○
dos. A educação inclusiva preco- que é impossível falarmos pelo suas impressões acerca da escola
○
○
niza a inserção total dos alunos, outros – procurei investigar a vi- – e até mesmo do sofrimento dos
○
○
não importando o grau de difi- são dos sujeitos que vivem o pro- filhos quanto às dificuldades en-
○
culdades por eles apresentados. cesso, suas percepções sobre a contradas durante o processo de
○
○
Isso exige das escolas o desenvol- inclusão na escola regular, de for- escolarização na escola regular –
○
vimento de projetos pedagógicos ma a contribuir para o efetivo críticas que não apareceram nos
○
○
centra-se na necessidade de
○
jamento das famílias no processo atendimento destes alunos na es- questionários3. Uma das hipóte-
○
○
de escolarização, entre outras me- cola, garantido-lhes um direito ses para tal é de que pode ser di-
○
○
didas (MANTOAN, 1998). fundamental: o acesso a uma edu- fícil para os pais criticar a única
○
Na cidade de Pelotas, a inclu- cação de qualidade. escola regular na cidade que rea-
○
○
são de alunos na escola regular é Para isto, investiguei nove 2 liza projetos com alunos surdos,
○
○
uma realidade desde o ano de dos vinte e oito alunos surdos além dos questionários auto-apli-
○
2000, uma vez que a escola espe- que estudam no ensino médio de cáveis não permitirem uma mai-
○
○
cial para surdos não oferece en- escolas regulares na cidade de or interação com os responsáveis,
○
○
sino de nível médio, o que fez Pelotas. O procedimento de co- impossibilitando o aparecimento
○
com que os alunos, para dar con- leta de dados com estes alunos e o aprofundamento de determi-
○
○
tinuidade aos seus estudos, fos- realizou-se por meio de entrevis- nados conteúdos, o que talvez
○
tornou-se urgente investigar encontravam. Além dos alunos Já os alunos surdos apontaram
○
como estava se desenvolvendo surdos, foram realizadas entrevis- para uma série de dificuldades
○
○
este processo de inclusão. Bus- tas com seus pais, com o intuito encontradas na escola. Todos
○
○
quei então, por meio do meu tra- de investigar suas percepções so- mencionaram a dificuldade de co-
○
balho de mestrado, dar voz aos bre o processo vivenciado. O de- municação na escola regular. Essa
○
○
alunos surdos incluídos em esco- poimento desses últimos não dificuldade ocorre tanto com re-
○
2
Na época da pesquisa foram identificados vinte e oito alunos surdos estudando na escola regular. Destes, apenas nove aceitaram participar do trabalho.
3
O procedimento de coleta de dados com os pais deu-se por meio de entrevistas estruturadas, organizadas por meio de um questionário auto-aplicável.
ATUALIDADES EM ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
○
EDUCAÇÃO
○
○
○
○
○
INES
○
surdos consiste em um grande
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
absurdo, indicando uma negação
○
JUN/04
○
da presença de alunos com ne-
○
cessidades diferentes dos demais
○
66
○
na escola e na sala de aula. Este
○
○
tipo de negação, que considero
○
irresponsável, não apenas nega
○
○
todas as propostas que buscam o
○
lação a colegas como com profes- balhos de Sousa (1998), Moura atendimento de alunos com ne-
○
○
sores. Para os alunos, não existe (2000), Silva (2000), Tartucci cessidades educativas especiais,
○
○
interesse por parte dos ouvintes (2001), Pedroso e Dias (2003). como fere os direitos básicos de
○
em se comunicar com os surdos Esses trabalhos evidenciaram que, um cidadão.
○
○
na escola – poucos são os que por não existir um código lin- Os alunos também apontaram
○
○
querem saber sobre a Língua Bra- güístico compartilhado entre to- a necessidade dos professores
○
sileira de Sinais (LBS). Além dis- dos os alunos e professores, as tro- ouvintes adequarem suas meto-
○
○
so, na escola não existe nenhum cas dialógicas ficam comprometi- dologias de ensino aos alunos
○
tipo de trabalho que venha favo- das, reduzindo as possibilidades surdos. Esse ponto foi também
○
○
recer o intercâmbio entre alunos. de interação dos surdos com de- levantado no trabalho de Tartucci
○
○
Essas percepções parecem ir ao mais colegas. (2001). A autora argumenta que,
○
encontro das afirmações de Góes Em meu estudo, os nove alu- em muitos momentos, os profes-
○
○
(2000), de que os alunos surdos nos foram unânimes em afirmar a sores parecem ignorar os alunos
○
○
incluídos em ambientes de ou- importância dos intérpretes para surdos dentro da sala de aula, o
○
vintes ficam impedidos de desen- auxiliar em seu processo de in- que também parece ter sido evi-
○
○
volver de forma hábil e compe- clusão na escola regular. Alguns denciado neste trabalho.
○
tente a LBS. Segundo a autora, os apontaram para a necessidade da Não podemos desconsiderar
○
○
surdos, quando inseridos em clas- presença do intérprete em todos que a ocorrência desse último fato
○
○
ses regulares, apresentam uma os espaços da escola e não ape- pode ser devida à quase total fal-
○
possibilidade de comunicação nas na sala de aula. Além desse ta de preparo dos professores
○
○
restrita. papel crucial do intérprete na me- para lidar com alunos com neces-
○
○
Além da dificuldade de co- diação da interação social entre sidades educativas especiais. E
○
municação, os alunos pontuam alunos surdos e ouvintes, os su- isso é reflexo do nosso sistema
○
○
a necessidade de intercâmbio jeitos desta investigação aponta- de ensino, que não investe na
○
○
com os demais colegas. Segun- ram a necessidade do intérprete qualificação adequada de seus
○
do eles, a falta de interação faz para possibilitar a compreensão docentes. Ademais, os baixos sa-
○
○
com que sintam- se segregados dos conteúdos transmitidos pelo lários do professorado, as longas
○
○
pontua a necessidade de intera- Ponderações feitas pelos alu- sitam cumprir, impedem-nos de
○
○
ção entre alunos surdos e ouvin- nos sobre a presença de intérpre- investir, por conta própria, em
○
tes, podendo isso ser também tes na sala de aula são também pre- uma formação continuada. Outro
○
○
alcançado a partir da realização ocupações da Declaração de ponto que merece ser destacado
○
○
de atividades em grupo. Salamanca (1994) e do INES – Ins- centra-se no fato de que a maio-
○
A aludida segregação que tituto Nacional de Educação de ria dos cursos de graduação não
○
○
ocorre tanto pela falta de comu- Surdos, que também prevê a par- contempla, em seus currículos,
○
○
nicação entre surdos e ouvintes, ticipação do intérprete na medi- uma ação voltada ao trabalho que
○
rações por parte do professor, meu ver, a falta de intérpretes nas Os alunos também foram ques-
○
○
foram também constatadas nos tra- escolas regulares que atendem tionados acerca da melhor escola
○
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
ATUALIDADES EM
○
○
EDUCAÇÃO
○
○
○
○
INES
○
○
– regular ou especial. Os alunos ESPAÇO
ESPAÇO
○
surdos que preferem a escola es-
○
JUN/04
○
pecial, escolhem-na pela maior
○
oportunidade de comunicação
○
que nela existe. Isso, segundo ○
○
○
67
eles, é um empecilho na escola
O trabalho demonstrou que, se uma escola
○
Além do questionamento
○
regular ou especial, os alunos fo- pela comunicação direta – pelo estão integrados. Para muitos, a
○
○
ram incitados a falar sobre suas menos em um grau mínimo. escolarização neste tipo de esco-
○
aprendizagens na escola regular. Além disso, a investigação re- la é uma garantia de futuro, de
○
○
Mais uma vez, pôde-se observar velou que, para os alunos surdos, acesso aos bancos universitários.
○
○
que a comunicação é um dos as- a escola não se configura como Em suas colocações, apenas pon-
○
pectos que dificulta a inclusão um lugar em que ocorre a apren- tuam uma série de modificações
○
○
desses alunos na escola regular, dizagem de conteúdos e habili- que a escola regular deverá sofrer
○
principalmente no que se refere dades úteis para a vida, constitu- para atendê-los de forma efetiva.
○
○
à aprendizagem. Embora os alu- indo-se, na maioria das vezes, em O estudo também sugere que
○
○
nos pontuassem a importância da um local onde ocorrem apenas ainda não existe uma inclusão
○
escolarização como forma de as- contatos sociais. A falta de um có- plena dos alunos surdos investi-
○
○
censão na vida adulta, parecem digo lingüístico compartilhado gados na escola regular, uma vez
○
○
não conseguir perceber a impor- dificulta-lhes também a aprendi- que a inclusão pressupõe que a
○
tância dos conteúdos aprendidos zagem, a construção de conheci- escola se transforme para atender
○
○
na escola, para o futuro, já que mentos. Tais achados concordam portadores de necessidades
○
○
pelas barreiras comunicacionais com as pesquisas de Reily, Ansva- educativas especiais nela inseri-
○
enfrentam dificuldade no proces- lenzuela e Fiamoncini (2000), dos. Apesar de se poder perce-
○
○
so de escolarização formal. Desta Sousa (1998), Bitencourt e Ram- ber que estão acontecendo lou-
○
○
forma, a escola não cumpre com pelotto (1999), Moura (2000), Sil- váveis modificações, estas podem
○
uma de suas tarefas fundamentais: va (2000) e Tartuci (2001). ainda ser consideradas insuficien-
○
○
a transmissão dos conhecimentos Entretanto, diferentemente tes. Dessa forma, cabe-nos pen-
○
socialmente valorizados. dos estudos acima citados, alguns sar a respeito das respostas às se-
○
○
O trabalho demonstrou que, alunos desta investigação acredi- guintes questões: será que alunos
○
○
se uma escola deseja incluir alu- tam que a escola regular oferece surdos estão realmente incluídos
○
nos com necessidades educativas um ensino de melhor qualidade na escola e esta está se construin-
○
○
especiais – como os surdos – de- do que a escola especial. Em ne- do como um lugar de aprendiza-
○
○
verá instrumentalizar-se de forma nhum momento, esses alunos gem, de democratização do sa-
○
a atender efetivamente essas ne- posicionam-se contrários à inclu- ber? Ou será que alunos surdos
○
○
cessidades. E essa instrumen- são na escola regular, nem tam- estão apenas inseridos fisicamen-
○
○
talização passa, inevitavelmente, pouco contrários à escola em que te em um espaço destinado aos
○
ATUALIDADES EM ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
○
EDUCAÇÃO
○
○
○
○
○
INES
○
ouvintes, sem que a verdadeira nuarmos a oferecer um ensino mo e o acesso à cultura –, será
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
inclusão esteja ocorrendo? ouvinte, branco, cristão, de clas- impossível ocorrer a verdadeira
○
JUN/04 Ao final, penso que inclusão se média, para alunos negros, inclusão. Mas, se acreditamos na
○
○
de alunos com necessidades pobres, surdos, continuaremos a função transformadora da esco-
○
68 educativas especiais não pode ser mantê-los excluídos da escola la, na possibilidade da existên-
○
○
feita na escola velha, que já vem (embora estejam nela inseridos cia de uma escola democrática,
○
○
fracassando – inclusive com seu fisicamente). Se a escola não for que, segundo Bueno (2001), é
○
alunado dito “normal”. Urge a repensada e se continuar repro- capaz de oferecer a todos, sem
○
○
necessidade de desenvolvermos duzindo os valores vigentes, exceções, as mesmas oportunida-
○
○
um trabalho escolar voltado às construídos por uma pequena des, então continuemos a carre-
○
diferenças, às necessidades indi- parcela da população – que de- gar esta bonita bandeira chama-
○
○
viduais de cada aluno. Se conti- tém o poder, os bens de consu- da de Inclusão!
○
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BUENO, José Geraldo Educação inclusiva e escolarização dos surdos. Integração. Ano 13, n.23, 2001.
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WERNECK, Claudia Ninguém vai ser bonzinho na sociedade inclusiva. Rio de Janeiro: WVA, 2000.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
REFLEXÕES SOBRE
○
A PRÁTICA
○
○
○
○
INES
○
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
JUN/04
○
Gláucia da Silva Carvalho*
○
69
Educação *Especialista na área da
surdez. Graduada em
Pedagogia. Professora de
Alimentar 1º e 2º Graus lotada no
Instituto Nacional de
Educação de Surdos – INES.
na Pré-escola glaucar@rio.com.br
○
se preocupando em fixar matéria”. é visto como aglutinador de esfor- and Citzenship (Valla, 1994: 122):
○
○
São muitas as possibilidades de ços e motivador de interesses. Atra- ”it is necessary to “re-educate” the
○
○
reeducação na sociedade em que vés da relação direta com os alu- students, creating habit and not
○
○
vivemos, que ainda se multiplicam nos e da troca com responsáveis, only if worring in “fastening
○
○
se considerarmos alunos oriundos pode arregimentar ferramentas matter”. The present paper makes
○
○
de famílias de baixa renda e, as- que propiciem uma atuação supe- see that they are many the re-
○
○
sim, uma questão que surge é: rior àquela exigida pela educação educate possibilities in the society
○
○
quais hábitos reeducar e qual o formal. Desse ponto de vista, tam- in that living, that multiply when
○
○
momento para dar-lhes início? bém ficará então sugerida a idéia the students are originating from
○
Embora existam controvérsias so- de uma investigação em torno da of families low income. So, a
○
○
bre efeitos da desnutrição no ren- possibilidade de uma proposta subject is: what habits to re-
○
○
dimento escolar, o presente arti- objetiva de ação em sala de aula educate and which the moment to
○
○
go ressalta o fato de que é razoá- capaz de, por intermédio da ree- give beginning to the re-education?
○
○
vel supor que uma forma de parti- ducação alimentar precoce, che- Very auspiciously there is a
○
○
cipação no processo de reversão gar a poder disseminar conheci- controversy on effects of the
○
○
da exclusão social seja a introdu- mento e proporcionar vivências malnutrition in the school revenue
○
○
ção, ainda na educação infantil, de que conduzam alunos menores e and it is reasonable to suppose
○
○
hábitos alimentares que resultem suas famílias a reverem hábitos e that a participation form in the
○
○
○
A PRÁTICA
○
○
○
○
○
INES
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
JUN/04
○
○
70
No Brasil, a maior parte dos casos de
exclusion is the introduction, still
doença e morte prematura tem, ainda
in the infantile education, of
hoje, como causa direta, condições
alimentary that result in the
desfavoráveis de vida
satisfaction of needs basic
nutrition which can contribute to
alleviate the cost of the feeding in ao enfrentarem barreiras que vão matura tem, ainda hoje, como
○
○
the famly income, surrender this da comunicação com os filhos aos causa direta, condições desfa-
○
○
subordinate to the incessant tabus alimentares. Essa constatação voráveis de vida: convive-se
○
○
solicitations of a consumption deu origem a um primeiro ques- com taxas elevadas de desnu-
○
○
society. In case, the educator are tionamento: será produtivo intro- trição infantil e anemias e
○
○
understanding as an coalecer of duzir-se o conceito de ajuste ali- uma prevalência inaceitável
○
mentar já durante o período pré- de hanseníase, doenças típi-
○
efforts and motivator of interests.
○
Through the direct relation ship escolar? ○
○
cas de ausência de condições
which the students and of the Pesquisa realizada com um gru- mínimas de alimentação, sa-
○
○
persons, it can regiment tools that 1981: 53-56) revela que, tentan- vida humana” (PARÂMETROS
○
○
the that demanded by the regular pais sem instrução ou nenhum co- 1997: 94).
○
○
consists in, through the precocious gam mais da metade da renda fa- a função da maturidade neuroló-
○
○
provide existences that drive the supririam necessidades alimenta- Accioly (2002: 370-382), na fase
○
○
student and its families to review res de seus filhos. pré-escolar ocorre o processo de
○
○
habits and alimentary taboos, São igualmente conhecidos aceitação ou recusa de alimentos,
○
○
contibutting like this to enlarge the tabus alimentares que permeiam numa iniciativa da própria crian-
○
○
quality of these future citizens’life. classes menos favorecidas, assim ça de explorar o mundo que a ro-
○
como privações a que são sub- deia. Cada uma tende a ser mais
○
○
Em quatorze anos de trabalho seguir: passam por sua vida escolar: pre-
○
○
tenho podido presenciar a difi- “No Brasil, a maior parte dos culturais, de crescimento pesso-
○
○
culdade pela qual passam famílias casos de doença e morte pre- al, desportivas e de recreação.
○
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
REFLEXÕES SOBRE
○
○
A PRÁTICA
○
○
○
○
INES
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
JUN/04
○
○
○
○
○
○
○
○
○
71
nos hábitos gerais e alimentares restritas ao fenômeno da falta de em aulas expositivas onde serão
○
○
dessas crianças, dentro e fora de saúde e desnutrição, ou à inte- trabalhadas a Língua Brasileira de
○
○
sala de aula. Os responsáveis, an- ração entre comportamento e Sinais (como L1) e o vocabulário
○
teriormente controladores da si- saúde? Um hábito alimentar ina- em Português oral e escrito
○
○
tuação, vêem-se envolvidos em dequado responderá por maze- (como L2), sempre com foco no
○
○
um processo gerador de ansieda- las mais abrangentes, resultando tema: hábitos alimentares.
○
○
de, podendo incorrer em inter- em evasão escolar, em baixa pro- Por meio de palestras, pode-
○
○
venções negativas e/ou desneces- dutividade e em aumento no ín- rão ser paralelamente apresenta-
○
○
sárias, como forçar a criança a co- dice de pobreza? das aos responsáveis maneiras de
○
econômica, traduzem suas rea- gações seria o de turmas de alu- cidadão qualificado não venham
○
○
ções em forma de liberação de ali- nos com faixa etária entre 04 e 06 a ser desperdiçados.
○
○
mentos supérfluos. Paralelamen- anos de idade, onde o professor- No momento em que defen-
○
○
te, é na idade escolar que inici- pesquisador atue como regente. de-se uma política de inclusão,
○
○
am-se dentições permanentes Na área da surdez, um trabalho entendo que um trabalho bem su-
○
○
quando será imprescindível a for- com tais grupos permitiria que, cedido com alunos surdos – que
○
mação de bons hábitos de saúde, através da reeducação alimentar, constituem unidade dentro de um
○
○
incluindo-se, nestes, os hábitos venha o educador a influir na qua- sistema social mais amplo – po-
○
○
favoráveis a uma alimentação de lidade de vida de seus alunos, derá incentivar educadores a ti-
○
○
Por semelhantes razões, no- passeios a supermercados, feiras quanto à aplicabilidade da reedu-
○
○
vas e interessantes questões apre- livres, visitas à horta e à cozinha cação alimentar precoce em seu
○
○
○
○
A PRÁTICA
○
○
○
○
○
INES
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
JUN/04
○
○
○
72
○
○
○
Rediscutindo Quando inicia sua vida escolar, a criança
direcionamentos traz consigo a valorização de
comportamentos favoráveis ou
Uma das dificuldades ineren- desfavoráveis à saúde oriundos da família e
tes à absorção de novos hábitos outros grupos de relação mais direta.
alimentares advém dos modismos
tão cultuados pela juventude e
presentes também entre crianças seguidores que, mesmo sendo condutas, a escola passa a as-
○
○
em idade pré-escolar. Como fa- respeitadas, devem suscitar a pre- sumir papel destacado à sua
○
○
zem ver Azor, Accioly e Cury ocupação com alternativas ali- função social e por sua poten-
○
○
(1999: 241): mentares de idênticas caracterís- cialidade para o desenvolvi-
○
○
ticas nutricionais. ○
○
mento de um trabalho sistema-
“Tem sido inegável a preocu- No tocante aos tabus alimen- tizado e contínuo. Deve, por
○
pação dos estudiosos em nu- tares – via de regra transmitidos isso, assumir explicitamente a
○
○
trição com os riscos de deficiên- às crianças por gerações anterio- responsabilidade pela educa-
○
○
cias nutricionais associadas res – ainda que alguns sejam con- ção para a saúde, já que a
○
○
aos chamados modismos, so- siderados benéficos do ponto de conformação de atitudes esta-
○
○
bretudo quando se trata de vista higiênico, há que fazer com rá fortemente associada a va-
○
○
grupos de indivíduos cujas ne- que sejam revistos os que são con- lores que o professor e toda a
○
○
cessidades alimentares são es- fundidos com hábitos alimenta- comunidade escolar transmi-
○
○
peciais, como é o caso de cri- res, uma vez que estes atuam tirão inevitavelmente aos alu-
○
anças, adolescentes, gestantes como poderosas barreiras ao con- nos durante o convívio esco-
○
○
aula, surgem oportunidades para “Quando inicia sua vida es- Como visto, de fato é também
○
○
o educador ajudar a desmistificar colar, a criança traz consigo papel do educador atuar direta-
○
○
modismos, sejam aqueles copia- a valorização de comporta- mente sobre os agentes propa-
○
dos de ídolos adolescentes no mentos favoráveis ou desfavo- gadores de mitos e tabus, obje-
○
○
convívio familiar, sejam os proje- ráveis à saúde, oriundos da tivando que, através da conscien-
○
○
tados no imaginário infantil pe- família e outros grupos de re- tização, nas mentes de crianças e
○
○
los apelos televisivos. Há ainda a lação mais direta. Durante a jovens refaçam-se conceitos ina-
○
○
considerar a influência de algu- infância e a adolescência, épo- dequados que ali tiverem sido
○
○
○
A PRÁTICA
○
○
○
○
○
INES
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
busquei deixar também explícito que tal procedimento poderá pro- JUN/04
○
Considerações finais
○
que tal experiência pode ser trans- porcionar a educadores uma vali-
○
Enquanto experiência isolada ○
○
○
formada em uma investigação com osa ferramenta que, realmente, 73
em sala de aula e sem a necessária embasamento científico capaz de poderá permitir-lhes colaborar
○
○
sistematização, uma experiência garantir sua divulgação e aplicação com salutares transformações na
○
de reeducação alimentar precoce continuada na educação infantil. realidade presente e futura de alu-
○
○
estará restrita a resultados empí- Embora fique sujeito a alterações nos e respectivas famílias. Minima-
○
○
ricos, que representarão unica- que naturalmente ocorrerão em mente, um objetivo dessa monta
○
○
mente a força de vontade de um função da exposição a renovadas já será suficiente para justificar uma
○
○
Referências Bibliográficas
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www.priory.com/psych/angélica.htm. Acesso em maio de 2003.
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Nota – O presente texto integra uma pesquisa em andamento no Programa de Mestrado Profissionalizante em Educação do Centro Universitário Plínio
Leite – RJ, sob orientação da Drª Carmem L. P. Silveira, encontrando-se a pesquisa cadastrada na DIESP/INES.
REFLEXÕES SOBRE ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
○
A PRÁTICA
○
○
○
○
○
INES
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
○
JUN/04
As Imagens e os
○
○
Carlos Henrique Freitas
○
74 Chaves*
○
○
Textos de
○
○
*Professor do INES e
○
Mestre em Educação.
○
○
Sujeitos Surdos: chaveschf@hotmail.com
○
○
○
○
Uma Questão de
○
○
○
○
○
Relevância
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
Resumo: das 38 narrativas escritas, as quais, study tried to analyse the
○
após análise lingüística, confirma- ○
○
influences of differents levels of
A complexa tarefa do indiví- ram a hipótese sobre o grau de iconicity presented in each type of
○
○
duo surdo em aprender uma lín- influência de imagens com níveis image on the production of
○
○
gua de modalidade oral-escrita é diferentes de iconicidade sobre narratives texts, as well as to,
○
entendida, segundo a maioria dos a produção escrita destes sujeitos. make an analysis of these images
○
○
profissionais que trata da educa- No caso, imagens portadoras de a pedagogic instrument to support
○
○
ção destes sujeitos, como um dos um menor grau de iconicidade the development and production
○
○
principais desafios do processo proporcionaram textos com me- of the writen-language by deaf
○
No sentido de investigar a re- isto é, textos com menor densi- with nineteen deaf individuals,
○
○
lação imagem/linguagem, este dade de cláusulas-figura e maior students of the National Institute
○
○
estudo procurou analisar a influ- de cláusulas-fundo. for the Education of Deaf, were
○
○
textos narrativos, bem como ava- The complex process of deaf degree of influence of images with
○
○
liar o uso destas imagens como people to learn a language of oral- differents degrees of iconicity over
○
apoio ao desenvolvimento e à these majority of the professionals duals. In other words, the images
○
○
produção de linguagem escrita that deals with the education of with the smallest degree of
○
○
por indivíduos portadores de sur- these individuals, as one of the iconicity, showed codifiaded texts
○
dez. Utilizados dois experimen- main challenges of the teaching- with discurse relevance of smaller
○
○
tos com 19 sujeitos surdos, alu- learning process. degree; that is texts of foreground-
○
○
nos do Instituto Nacional de Edu- With the goal of investigating clauses of smaller density and
○
○
cação de Surdos, foram produzi- the image/language relation, this bigger background-clauses.
○
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
REFLEXÕES SOBRE
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A PRÁTICA
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INES
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ESPAÇO
ESPAÇO
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JUN/04
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○
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○
morfismo onde os focos maio-
75
I. Introdução II. Fundamentação teórica
○
software educativo que auxilias- crita, pode-se observar que esta Essa definição aproxima-se da
○
○
se o indivíduo surdo na aquisi- apreensão, no caso do sujeito sur- proposta deste estudo pois apre-
○
○
ção e na produção de língua por- do, nem sempre é adequada por senta a funcionalidade na carac-
○
tuguesa em sua modalidade escri- uma ausência de consciência terização da iconicidade. Cumpre
○
○
ta, através do uso de imagens. A fonológica dificultar seu acesso a também acrescentar que, para fins
○
○
partir daí, uma questão primária, um referencial sonoro do objeto deste trabalho, o axioma “isomor-
○
○
ao mesmo tempo importante e escrito, sofrendo, desta forma, sua fismo” não foi entendido somen-
○
antes esquecida, tomou forma: leitura distorções de diferentes te como a semelhança estrutural
○
○
que tipo de imagens iria consti- ordens. Assim, podemos aventar entre plano fônico e plano se-
○
○
Na área, investigações sobre sibilitará a quem é surdo uma an- palmente em relação à semelhan-
○
variáveis em circunstâncias peda- coragem entre a palavra escrita e ça estrutural entre planos visual
○
○
gógicas têm apontado que influ- seu léxico mental, fortalecido e semântico da língua. Assim, ima-
○
○
ências das imagens na escrita são este, por sua vez, pela capacida- gens foram entendidas como fru-
○
○
têm-se tais imagens, por outro, uso das imagens como estratégia
○
○
trata-se da complexa tarefa dos su- Iconicidade, Funcionalismo e de ensino de leitura e escrita em
○
○
ta. Então, esse último ponto deu Apoiando-se em Givón (1990), Em relação à língua que os
○
○
origem ao desafio central deste Rigoni (1993) propõe a seguinte ouvintes usam, Votre (1993: 11)
○
○
meu estudo, a saber: analisar a in- definição para iconicidade: diz que “bem sabemos que a lín-
○
○
iconicidade presentes em cada “...se a estrutura não é arbi- manifesta uma relação entre for-
○
○
tipo de imagem na produção de trariamente ligada,mas está ma e conteúdo [...] icônica”. Acre-
○
○
textos narrativos, bem como ava- para realizar uma função, dito ser esse um aspecto dificul-
○
○
liar o uso destas imagens como então a estrutura precisa re- tador do aprendizado de leitura
○
instrumentos pedagógicos no fletir ou ser limitada pela fun- e escrita pelo indivíduo surdo,
○
○
apoio à aquisição e à produção ção que realiza. A relação es- pois, não apresentando relações
○
○
de linguagem escrita por sujeitos trutura-função não arbitrária claras de iconicidade, este indi-
○
○
portadores de surdez. mais óbvia é aquela do iso- víduo não ancora parâmetros de
○
REFLEXÕES SOBRE ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
○
A PRÁTICA
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INES
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○
ESPAÇO
ESPAÇO
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JUN/04
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○
○
76
○
comparação visual, ou seja, a lín- a relação icônica não está presa
○
○
gua portuguesa, em suas modali- somente a critérios concretos de
○
dades oral e escrita, parece ofe- análise, mas também aos concei-
○
○
recer-lhe reduzidas pistas, em ter- tos funcionais da língua.
○
○
mos léxico-semânticos. De um forma mais específica
○
○
O grau de iconicidade de uma e levando em consideração os es-
○
imagem está vinculado às ações tudos de diferentes correntes so-
○
○
por ela representadas, as quais fi- bre o tema iconicidade, pedago- turo dos dados, a memória esque-
○
○
cam sujeitas a codificações semân- gicamente esta questão é enten- matiza o que vai ser arquivado ou
○
○
ticas específicas. Segundo Silveira dida, neste estudo, como ponto memorizado. Assim, ver e com-
○
(1995: 11): “uma situação só se de mediação entre o que o indi- preender são, de uma forma ge-
○
○
manifesta para um sujeito se, e víduo surdo já sabe e o que pode ral, tarefas perceptivas e/ou cog-
○
○
somente se, ele for capaz de, na- aprender, aproveitando sua rota nitivas distintas, todavia inter-re-
○
○
quele momento, representá-la visual e imagética para aprendi- lacionadas, principalmente, ao
○
mentalmente.” Assim sendo, par- zagem. Desta forma, entende-se levar-se em consideração os pro-
○
○
ti também do pressuposto de que que tipos de imagens, textos, con- cessos e mecanismos de memori-
○
○
imagens devem estar carregadas textos e fatores pedagógicos po- zação. Nesse sentido e no que diz
○
○
de significado para que possam dem facilitar seu aprendizado de respeito a esses processos, o que
○
○
podem variar quanto a sua trans- ção rica em significado, o que vai
○
○
parência, translucência e opacida- No que diz respeito à memó- permitir sua posterior compreen-
○
○
de. Aqui, transparência significa ria, ao verificar que a criança é são. Memorizamos melhor aqui-
○
○
a pronta identificação da imagem; melhor sucedida quando ação an- lo que compreendemos.
○
translucência significa a idéia que tecede recepção em tarefas que Objetivando analisar proble-
○
○
tal imagem representa; e opaci- envolvem memorização, Piaget mas de ordem cognitiva e lingüís-
○
○
dade, a característica onde a pron- (1993) propõe que a imagem-lem- tica de indivíduos deficientes au-
○
○
ta identificação e a imageabilidade brança está diretamente relacio- ditivos, dentre outras conclusões
○
ocorram com muita dificuldade. nada a esquemas de ação, suge- Fernandes(1990) verificou que
○
○
Como dito anteriormente, ico- rindo, finalmente, que crianças em seus textos não ocorriam, de
○
○
nicidade estaria ligada a um cer- retêm mais facilmente aquilo que modo geral, problemas relativos
○
○
ceria o uso das imagens como re- Ao referir-se à memória, memória visual desenvolvida.
○
○
curso pedagógico para a aquisi- Slobin (1980) aponta para o fato Ao analisar os resultados do
○
○
ção e produção de linguagem es- de que, em uma tentativa de aludido trabalho de Fernandes
○
○
crita pelo sujeito surdo, visto que recodificação e processamento fu- (Ibid), fica então caracterizado, de
○
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
REFLEXÕES SOBRE
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A PRÁTICA
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INES
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ESPAÇO
ESPAÇO
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JUN/04
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77
Piaget (1993) propõe que a imagem-
○
○
certa forma, que uma das dificul- lembrança está diretamente relacionada a
○
○
reta utilização da língua portugue- que crianças retêm mais facilmente aquilo
○
○
descritos inicialmente por Piaget damento cognitivo explorado ini- estruturados de formas diferen-
○
○
(1993) pois, não existindo o con- cialmente pela Psicologia da tes. Segundo Hopper, entender-
○
○
tato significativo com a lingua- Gestalt. Porém, neste estudo essa se-ia como foreground– figura –
○
gem escrita, a dificuldade em sua categoria estará relacionada à du- o plano em que as cláusulas da
○
○
compreensão passa a ser uma re- pla dimensão do discurso visto narrativa se apresentam em forma
○
○
Já no que diz respeito a rela- processo cognitivo espontâneo. do os fatos como estes se deram
○
○
ções entre leitura e memória, Dessa perspectiva, o termo figu- no evento. Por seu turno, são con-
○
Smith (1989) refinou alguns con- ra equivale a unidades do discur- sideradas como background–
○
○
ceitos relativos aos processos so que se apresentam bem recor- fundo – as cláusulas que repro-
○
○
cognitivos e descreveu e enume- tadas, bem iluminadas, focalizadas duziriam, por natureza, um co-
○
○
rou quatro características de ope- e construídas a partir de condi- mentário, uma avaliação e, prin-
○
ração da memória por ocasião da ções bem objetivas, localizando- cipalmente, que ofereceram in-
○
○
leitura: input (como o material é se em primeiro plano neste dis- formações contidas num suporte
○
○
recebido); capacidade (quantida- curso. Denominadas de fundo, as que, com a suspensão das ações,
○
○
mação); persistência (tempo de em um segundo plano, mais sub- cláusulas-figura. No presente es-
○
○
(saída de dados). Distinguiu tam- posição complementar ao primei- sendo um relato lingüístico acer-
○
○
bém três espécies ou aspectos da ro. Ao mesmo tempo em que ofe- ca de um evento passado e acaba-
○
memória envolvidos na leitura: rece uma moldura à figura, o pla- do, armazenado e disponível na
○
○
armazenamento sensorial, memó- no de fundo lhe dá forma. memória do sujeito, o qual pode
○
○
ria a curto prazo e memória a Segundo Votre (1992) e ser expresso tanto de forma oral,
○
○
PLANOS: FIGURA E FUNDO Hopper (1979) considerou que, de sinais que é também natural.
○
○
A categoria analítica plano fi- há a evidência também da exis- tos mais gerais a figura pode ser
○
○
gura/fundo baseia-se em um fun- tência de dois planos distintos e compreendida como uma infor-
○
REFLEXÕES SOBRE ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
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A PRÁTICA
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INES
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ESPAÇO
ESPAÇO
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JUN/04
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○
Posiciono a narrativa como sendo um relato
78
○
○
lingüístico acerca de um evento passado e
○
acabado, armazenado e disponível na
○
○
memória do sujeito, o qual pode ser
○
○
expresso tanto de forma oral, quanto
○
○
escrita, ou gestualmente, bem como através
○
coleta de dados foram utilizadas
○
de uma língua de sinais que é pranchas específicas para o uso de
○
○
também natural. retroprojetor. Essas pranchas
○
○
apresentaram uma seqüenciali-
○
○
dade, compondo, através de ima-
○
gens, dois diferentes eventos. O
○
○
mação constituída de parâmetros suporte metodológico a relevân- primeiro, extraído originariamen-
○
○
carregados de um alto grau de cia discursiva que identifica nos te de material fotográfico, e por-
○
○
iconicidade, retirados do real e textos narrativos: cláusulas-figura tanto apresentando maior iconi-
○
representados de forma objetiva. (Cfg) e cláusulas-fundo (Cfd). De- cidade, relata a estória de um as-
○
○
O fundo, por sua vez, é caracteri- fino aqui a cláusula como sendo salto mal sucedido (18 pranchas).
○
○
zado por uma predominância de uma unidade de sentido, cujos A segunda, na forma de gravuras,
○
○
informações consideradas arbitrá- constituintes se organizam a par- e portanto menos icônica, conta
○
rias, por refletirem subjetividade, tir de um verbo que constitui o a ida de um menino travesso ao
○
○
cem entre si funções de comple- sujeitos como uma variável deter- Considerei a relevância dis-
○
Levando em consideração os a amostra foi constituída em sua por Hopper (1979) e refinada
○
○
objetivos deste meu trabalho – totalidade por 19 alunos do 4º por Silveira (1995) como funda-
○
○
avaliar o uso das imagens como nível de linguagem do Instituto mental para os fins deste meu es-
○
○
instrumento pedagógico no Nacional de Educação de Surdos tudo. A análise dos dados con-
○
linguagem escrita e, conseqüen- do sexo masculino, com faixa produzidos pelos sujeitos em clá-
○
○
temente, analisar a influência de etária variando entre 17 e 59 anos. usulas-figura (Cfg) – informações
○
○
surdos – optei por definir como Como estímulos para minha lante.
○
1
Vide fundamentação teórica
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
REFLEXÕES SOBRE
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A PRÁTICA
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INES
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ESPAÇO
ESPAÇO
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JUN/04
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Gráfico 1:
Distribuição 79
total de
cláusulas por
estímulo
experimental
○
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A PRÁTICA
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○
de iconicidade/transparência, o
○
INES
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texto produzido tenderá a apre-
○
ESPAÇO
ESPAÇO
○
sentar uma elevada taxa de cláu-
○
JUN/04
○
sulas-figura, resultado de buscas
○
lexicais e semânticas em objetos
○
80
○
reais e objetivos. Pudemos verifi-
○
○
car, ainda, que o mesmo não
○
○
mulo fotografia, inerentemente acontece com o estímulo gravu- imagens que apresentam um alto
○
icônica. Esse dado é interessan- ra. Com este estímulo, 56,69% das grau de iconicidade/transparência
○
○
te, pois, mesmo apresentando em cláusulas produzidas são figura, tendem a gerar textos com maior
○
○
seus textos uma densidade maior em relação aos 67,16% obtidos densidade de informações consi-
○
de cláusulas-figura – icônicas por com a fotografia. deradas como objetivas e menor
○
○
natureza – (gráfico 1), os sujeitos Dessa forma, constatamos ter grau de complexidade lingüísti-
○
○
investigados produziram maior ocorrido uma maior densidade de ca. Isso pode ser observado, so-
○
○
volume de cláusulas quando o es- cláusulas-fundo a partir do estí- bretudo, através da diferença
○
tímulo desta produção foram gra- mulo gravura – 43,31% –, em re- distributiva entre as cláusulas-fi-
○
○
vuras (que se utilizam muito mais lação aos 32,84% obtidos com o gura e cláusulas-fundo nos dois
○
○
de objetos considerados translu- estímulo fotografia. Ou seja, ima- estímulos utilizados: enquanto o
○
○
centes e, portanto, menos icô- gens com menor grau de estímulo fotografia apresentou
○
○
uma diferença de 34,32%, o estí-
○
mulo gravura apresentou uma di-
○
○
distributiva de cláusulas-figura e
vez que ela é o primeiro passo para a
○
güística.
○
nicos do que a fotografia que, por iconicidade e mais características deles, todos os demais sujeitos
○
○
sua vez, apresenta muito mais ca- de translucência do que transpa- produziram maior número de clá-
○
○
cláusulas-fundo, respectivamente formações essas retiradas, em sua apontam que, na tarefa de redi-
○
○
nos estímulos gravura e fotogra- grande parte, da memória do in- gir uma narrativa estimulada por
○
○
fia. Podemos observar que o estí- divíduo e, portanto, sujeitas a imagens, a probabilidade do equi-
○
mulo gravura provoca maior den- uma carga maior de subjetivida- valente texto apresentar uma mai-
○
○
sidade de cláusulas-fundo do que de. Podemos afirmar então que or densidade lingüística – cláu-
○
○
o estímulo fotografia em relação imagens com menor grau de sulas-fundo – pode surgir a par-
○
○
Ou seja, 67,16% das cláusulas pro- porcionam um texto mais denso, com maior número de objetos
○
○
duzidas são figura o que eviden- mais subjetivo e mais complexo, considerados translucentes, em
○
○
cia que, quando se utiliza um es- em termos de língua escrita. termos de iconicidade, isto é, co-
○
○
tímulo portador de um alto grau Analogamente, podemos crer que dificados a partir de gravuras.
○
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
REFLEXÕES SOBRE
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A PRÁTICA
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INES
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ESPAÇO
ESPAÇO
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81
IV-Conclusão
○
○
○
Nos textos analisados, vimos do. Configura-se assim a evidên- Esses resultados apontam, por-
○
○
que 61,04% das cláusulas em ques- cia de diferenças e/ou implica- tanto, para o fato de que, focadas
○
○
tão foram consideradas como sen- ções pedagógicas sobre o fato de a partir do processo ensino-apren-
○
○
38,96% como cláusulas-fundo. Es- gens tendem a influenciar na for- indivíduo portador de surdez
○
○
ses resultados mostram que, ao ma lingüística de textos narrati- uma ancoragem cognitivo-semân-
○
○
produzir um texto narrativo a par- vos produzidos por sujeitos por- tica, imagens contribuem direta e
○
○
indivíduo surdo concentra em Dito de outro modo, a partir ção de textos narrativos. Segun-
○
○
grande parte de seu texto infor- dos resultados presentemente dis- do Kato (1986: 120), “a narrati-
○
○
mações objetivas e retiradas do cutidos pode-se argumentar que va é uma experiência necessária
○
○
real, apresentando, por outro fotografia por ser mais icônica para ingressar no discurso disser-
○
lado, uma menor concentração de influencia diretamente na gera- tativo, uma vez que ela é o pri-
○
○
informações ou elementos com ção de um texto mais carregado meiro passo para a descentração
○
○
De idêntico modo, vimos que densidade de cláusulas-fundo, consideração que essa descentra-
○
○
a análise desses textos revelou ain- devido, talvez, à objetividade que ção pode ser compreendida como
○
○
da que o estímulo gravura gerou é inerente à fotografia. Já por ser um dos caminhos para o hipotéti-
○
○
um número maior de cláusulas- menos icônica, a gravura tende a co, pode-se igualmente compre-
○
figura e fundo. O resultado mais influenciar na construção de um ender tal processo como percur-
○
○
determinante, contudo, foi o de texto mais complexo lingüis- so necessário para o desenvolvi-
○
○
que o estímulo gravura proporci- ticamente e rico em elementos de mento da capacidade simbólica e
○
○
onou textos que apresentaram um subjetividade, levando em consi- de funções ou habilidades meta-
○
Referências Bibliográficas
○
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A PRÁTICA
○
○
○
○
○
INES
○
ESPAÇO
ESPAÇO
JUN/04
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Filologia, 1992.
VISITANDO O
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
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ACERVO DO INES
○
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INES
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ESPAÇO
ESPAÇO
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JUN/04
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Ana Vargas*
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83
Para dar
significado ao
aprendizado da
leitura e da escrita
A Biblioteca Infantil do INES desta inovação. Vários fatores vés da imagem e dá identidade e
○
○
surgiu da necessidade levantada contribuiram nesta fase: o olhar forma a uma marca ou a uma idéia.
○
Fonseca em dar significado ao ficativa das propostas textuais e mente o surdo com suas caracte-
○
○
crita às crianças surdas das classes histórias infantis, 5 anos de aten- uma linguagem visual atraente,
○
○
volver um projeto aplicando as curso de literatura infantil e con- tura e na seleção bibliográfica)
○
○
estratégias de Comunicação Vi- tos de fadas, finalmente, a presen- leva este cliente especial a parti-
○
sual junto a este cliente especial, ça do assistente de aluno surdo cipar da atividade proposta,
○
○
que tem a visão como sentido prin- contador de histórias e mediador através do envolvimento emoci-
○
○
cipal para interagir com o meio, em LIBRAS, nas atividades. onal, da fantasia, do lúdico, do
○
em 1991. (Ver Publicação: Arquei- cando-se em função da indústria, da imaginação criadora e, con-
○
ro nº 1– INES, 2000 –pág. 31). da arquitetura, do ambiente, das seqüentemente, leva ao desejo
○
○
identidade visual e pedagógica antes de tudo a comunicação atra- Atualmente, a Biblioteca Infan-
○
○
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ACERVO DO INES
○
○
○
○
INES
ESPAÇO
ESPAÇO
JUN/04
84
põe uma “Cultura Literária Bási- e movimentação de cenários na zar-se-á, principalmente, da cul-
○
○
ca”, que se apresenta visualmen- tela mental da criança, desenvol- tura literária, explorando as pro-
○
○
em seus respectivos ambientes: turas de livre escolha, rodinhas dos autores, ilustradores, das
○
○
Histórias Infantis, Fábulas, Folclo- literárias, ampliações de texto em tipologias encontradas na ambi-
○
re (cultura popular), Biblioteca retro-projetor, jogos, dramatiza- entação literária da Biblioteca In-
○
○
(Livros Informativos, didáticos e ções literárias, vídeos, etc. Todas fantil. Tudo isso, visando propi-
○
○
paradidáticos), Castelo para Con- essas atividades levam o aluno a ciar situações de intertextuali-
○
tos de Fadas, Banca de Jornal (his- interagir com a diversidade tex- dade para enriquecimento da ba-
○
○
a matéria-prima geradora de to- recursos próprios para desenvol- Esse professor orientará e acom-
○
○
das as atividades propostas. ver sua capacidade de leitor au- panhará a atuação do Monitor sur-
○
○
Em nossa Biblioteca Infantil as tônomo e crítico. O professor do para contar histórias e favore-
○
atividades são promovidas pelo dinamizador de leitura estará cer a toda a clientela a oportuni-
○
○
variadas estratégias e técnicas relações proximais que surgirão interações sobre diversos assun-
○
como: contar história (que pro- no decorrer do processo de for- tos curriculares e de interesse, em
○
○
PRODUÇÃO
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ACADÊMICA
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○
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INES
○
○
ESPAÇO
ESPAÇO
O Brincar na JUN/04
85
Relação Entre
Mães Ouvintes e A análise dos protocolos
permitiu concluir que:
Resumo:
○
surdos;
○
○
O objetivo do estudo foi ana- em três momentos, com interva- • algumas crianças surdas não ti-
○
tes e filhos surdos. Como objeti- dados, foi elaborada a avaliação com suas mães ouvintes;
○
○
vos específicos, o estudo procu- específica e determinados os se- • a utilização da LIBRAS facilitou
○
a brincadeira e a comunicação
○
rada a profunda e faixas etárias va- ça entre a mãe e o brinquedo; orientaram a brincadeira e,
○
○
ACADÊMICA
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○
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INES
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ESPAÇO
ESPAÇO
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JUN/04
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86
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Voz em Jogo –
O Som da Imagem
Análise Visual de Jogos Computacionais
para o Desenvolvimento
Fonoarticulatório
de Crianças Surdas
Letícia Vorcaro Gomes
Resumo:
A dissertação parte de um es- fone ligado ao computador, ela te estudo, a avaliação dos jogos
○
○
tudo realizado no Instituto Nacio- compreende e assimila o exercí- de retroalimentação visual para
○
○
nal de Educação de Surdos e pen- cio através de uma resposta gráfi- crianças surdas, que buscam re-
○
sa as questões das mensagens vi- ca e ilustrativa gerada em tempo presentar visualmente o que ocor-
○
○
suais de jogos de computador real, na tela do computador. Dos re no instante da fala, indica que
○
○
destinados à aquisição da fala de 14 módulos dos Jogos de Voz que o design exerce papel determi-
○
crianças surdas. Os jogos conhe- foram jogados por crianças com nante na aquisição dos resultados
○
○
cidos como Jogos de Voz desen- idade entre 6 e 12 anos, durante a que se propõem.
○
○
Faculdade de Engenharia Elétri- DIFON – do INES, foram selecio- municação verbal; jogos com-
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ca e de Computação da UNICAMP, nados para análise os dois mais putacionais; retroalimentação vi-
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ACADÊMICA
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INES
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Emeli Marques Costa Leite
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Os Papéis do ESPAÇO
ESPAÇO
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Dissertação de Mestrado do
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Curso Interdisciplinar de
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Lingüística Aplicada. Facul-
dade de Letras - UFRJ -
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Intérprete de
2004. Orientadora : Aurora
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emeli@dorio.com.br
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de Aula Inclusiva
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Resumo:
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do interpretação simultânea e ou
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ção pode se dar, devido ao fato Pennsylvania publications in conduct and communication, 1981.
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construtos teóricos sobre os pa- TANNEN, DEBORAH. What’s in a frame? Surface Evidence for
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(1981), o conceito de formato de Processing, edited by R. Freedle. Norwood, N.J.: Ablex, 1979.
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da os conceitos de enquadre e
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esquema conforme propostos social life series. Longman. London end New York, 1998.
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ACADÊMICA
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INES
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ESPAÇO
ESPAÇO
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“De Mais ou
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de Menos?”:
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Meireluce Leite Pimenta
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A Resolução
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de Problemas
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la pública do DF, de séries inici-
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por Surdos
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ais da Educação de Jovens e Adul-
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tos na modalidade Supletivo, na
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faixa etária de 18 a 30 anos e com
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Adultos*
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média de 8 anos de escolarização
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entre ensino especial e regular,
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participaram das últimas três fa-
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ses. Os resultados obtidos por
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meio da análise dos dados indi-
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cam que a dificuldade dos sujei-
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Resumo:
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por jovens surdos, a construção petências matemáticas de sujeitos qual foram submetidos que pri-
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e a sua compreensão textual. Ado- nio da lógica do sistema de nu- procedimentos de resolução, em
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tamos a intervenção psicopeda- meração. Na terceira fase, pes- detrimento da aquisição concei-
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pesquisa, com o intuito de evi- que melhor traduzissem a expres- do sujeito, se estabelecem dificul-
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denciar as particularidades da são “n a mais que” e “n a menos dades de compreensão das dife-
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tro de uma perspectiva cognitivo de conjuntos. Na quarta fase, in- compreensão da lógica do siste-
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relacionadas entre elas, de tal for- em dois momentos: a resolução LIBRAS dos professores compro-
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oportunidades sociais.
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Palavras-chave: Resolução de
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A MANIPULAÇÃO DA DE LIVROS
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IDENTIDADE
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INES
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DETERIORADA
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ESPAÇO
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LINGUAGEM E ESCOLA
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UMA PERSPECTIVA SOCIAL
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Ervin Goffman
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Magda Soares
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trole da informação, bem como desvios e condu- São Paulo: Editora ÁTICA
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freqüência, o autor detém-se em multifacetados Este livro discute problemas ligados ao fracasso
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aspectos da situação de vida de pessoas estigmati- escolar na aprendizagem da língua materna e tam-
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zadas, ao mesmo tempo em que contrapõe e dis- bém relacionados com a “crise da linguagem”
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cute visões em torno da idéia de existirem sujeitos verificada nos últimos anos. À luz de uma perspec-
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“engajados numa espécie de negação coletiva da tiva social resultante da articulação de teorias origi-
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de deficiências, ciganos, “malandros de praia”, guagem, são abordados o uso da língua na comuni-
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mendigos e diversos outros personagens margina- cação pedagógica e o ensino da língua materna sob
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lizados são encarados como integrantes de “comu- óticas diferenciadas: teorias da deficiência lingüísti-
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nidades de estigmatizados” e, de maneira suma- ca, das diferenças lingüísticas e do capital lingüístico
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mente humanizante, respectivas imagens são de- escolarmente rentável. Três autores são particular-
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batidas sob a ótica da Antropologia Social. Por se- mente estudados: Bernstein, Labov e Bourdieu. O
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melhantes razões, o livro constitui importante lei- livro aponta a importância da compreensão das re-
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tura para indispensáveis reflexões da parte dos que lações entre linguagem, escola e sociedade, para a
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atuam e/ou convivem com sujeitos estigmatizados. fundamentação de uma prática de ensino da língua
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logia da Universidade da Califórnia – em Berkeley com a transformação social. Sua autora é professora
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– e conhecido colaborador em publicações especia- da UFMG e já lançou livros didáticos para o ensino
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DE LIVROS
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INES
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ESPAÇO
ESPAÇO
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IDENTIDADE E DIFERENÇA da Silva enfatiza a importância do processo de pro-
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dução discursiva e social da diferença. Segundo
A PERSPECTIVA DOS
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seu argumento, a questão da diferença e da iden-
90 ESTUDOS CULTURAIS
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tidade não pode ser reduzida ao respeito e à tole-
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rância para com a diversidade. Conforme defen-
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de, identidade e diferença não estão simplesmen-
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te aí como dados da natureza, mas são sim
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socioculturalmente produzidas e, como tal, devem
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ser questionadas e problematizadas. Já Stuart Hall
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concentra-se em uma discussão da problemática
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da formação da identidade e da subjetividade. Evo-
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ca, dentre outros, Lacan, Althusser e Foucault para
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chegar à importante pergunta: “por que acabamos
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Tomaz TTadeu
adeu da Silva (org)
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TÉCNICO-PEDAGÓGICO
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INES
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ESPAÇO
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Coleção 91
A Vez da Voz
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Como material técnico-peda- real, foi criada a personagem pessoas participam deste projeto
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gógico, das autoras Cláudia Co- Amanda, uma menininha surda voluntariamente. O grupo res-
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tes (fonoaudióloga) e Ciça que ensina aos colegas de escola ponsável também criou um site
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Vez da Voz” reúne CDs e livros cio. Cerca de 10% da população pessoas poderão tirar dúvidas so-
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infantis, que contam, em braille mundial possui algum tipo de de- bre voz, surdez, deficiência visu-
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e em língua de sinais, histórias de ficiência, estima a Organização al, dentre outros assuntos.
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ESPAÇO
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XX Jornada Nacional de Estudos Lingüísticos
Período: 07 a 10 de setembro de 2004.
Informações: www.Geine.org.br
contato@geine.org.br
3º Congresso Internacional
9º Seminário Nacional do INES
Educação de Surdos: Múltiplas Faces do Cotidiano Escolar
Período: 22 a 24 de setembro de 2004.
Local: Rio de Janeiro – RJ
Informações: (21) 2285-7546 R: 111
www.ines.org.br
diesp@ines.org.br